Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12355/03
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/29/2008
Relator:Rui Pereira
Descritores:CONTRATO DE AVENÇA
RESCISÃO DE CONTRATO
ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário:À face da definição de acto administrativo constante do artigo 120º do CPA, não tem natureza de acto administrativo, por não ser proferida ao abrigo de qualquer norma de direito público, a decisão de rescisão ou não renovação de um contrato denominado de “prestação de serviços, em regime de avença”, celebrado entre a Direcção-Geral dos Desportos e uma médica, ao abrigo da cláusula que previa que o contrato seria válido pelo período de um ano e se consideraria renovado por iguais períodos, se nenhuma das partes manifestasse por escrito, com a antecedência de trinta dias, a intenção de o fazer cessar.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
Fernanda ..., com os sinais dos autos, veio interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho da autoria do Secretário de Estado da Juventude e Desportos, datado de 21-2-203, que rescindiu o contrato de prestação de serviços, em regime de avença, que aquela havia celebrado com a Direcção-Geral dos Desportos em Agosto de 1992, assacando-lhe o vício de violação de lei, por violação dos artigos 17º do DL nº 41/84, de 3/2, 1152º e 1154º do Cód. Civil, 10º do DL nº 184/89, de 2/6, e DL’s nºs 49.408, de 24-11-69, e 427/89, de 7/12.
A entidade recorrida respondeu, suscitando a questão prévia da irrecorribilidade do acto de rescisão do contrato de prestação de serviços e, quanto ao mérito do recurso, defendeu o respectivo improvimento [cfr. fls. 69/73 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
Notificada para os termos e efeitos do disposto no artigo 54º, nº 1 da LPTA, a recorrente nada disse.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual expressou concordância com a posição defendida pela entidade recorrida, defendendo igualmente a rejeição do recurso [cfr. fls. 104 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com interesse para a apreciação e decisão da questão prévia suscitada pela entidade recorrida e secundada pelo Digno Magistrado do Ministério Público neste TCA Sul, consideram-se assentes os seguintes factos:
i. Entre a recorrente e a autoridade recorrida foi celebrado, em 22 de Fevereiro de 1999, o contrato junto em fotocópia a fls. 12 e 13, nos seguintes termos:
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM REGIME DE AVENÇA
Aos vinte e sete dias do mês de Agosto do ano de mil novecentos e noventa e dois, na sede da Direcção-Geral dos Desportos e entre esta, representada pelo respectivo Director-Geral, Lic. Arcelino Manuel Duarte Mirandela da Costa, como primeiro outorgante, e de Drª Fernanda ..., Médica, Portador do Bilhete de Identidade nº ..., do Arquivo de Identificação de Lisboa, Contribuinte nº ..., como segundo outorgante, foi celebrado o contrato de prestação de serviço em regime de avença constante das seguintes cláusulas:
PRIMEIRA – 0 primeiro outorgante contrata o segundo para prestar serviços da sua especialidade no Centro de Medicina Desportiva do Sul.
SEGUNDA – O segundo outorgante obriga-se a executar os serviços indicados na cláusula anterior, com a diligência, empenho e tecnicidade que os mesmos exijam.
TERCEIRA – 1. Pela prestação dos serviços objecto deste contrato, o primeiro outorgante pagará ao segundo a quantia mensal de Esc. 70.300$00 [setenta mil e trezentos escudos].
2. A remuneração referida no número anterior será anualmente actualizada na percentagem em que for o salário mínimo nacional.
QUARTA – 1. O presente contrato vigorará pelo prazo de um ano a contar do primeiro dia do mês seguinte ao do "Visto" do Tribunal de Contas e considerar-se-á renovado por iguais períodos se nenhuma das partes manifestar por escrito, até 30 dias antes, a intenção de o fazer cessar.
2. O disposto no número anterior não prejudica a rescisão do contrato nos termos previstos no artigo 17º do Decreto-Lei nº 41/84, de 3/2, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 299/85, de 9/7.
QUINTA – Em cada ano de vigência deste contrato o segundo outorgante fica dispensado da prestação dos serviços dele objecto por um período de 22 dias úteis para efeitos de férias e por mais um período de 15 dias para efeitos de participação em acções de formação da sua especialidade.
SEXTA – O presente contrato autorizado por despacho de S. Exª o Ministro da Educação de 92.08.18 é celebrado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 17º do Decreto-Lei nº 41/84, de 3 de Fevereiro, com nova redacção dada pelo Decreto-Lei nº 299/85, de 9 de Julho, e não confere ao segundo outorgante a qualidade de agente.
SÉTIMO – São de conta do segundo outorgante todas as despesas emergentes da outorga deste contrato, designadamente impostos, taxas e emolumentos que forem devidos.
OITAVA – Para dirimir quaisquer questões emergentes deste contrato e competente o foro de Lisboa, com exclusão de qualquer outro.” [cfr. doc. constante do processo instrutor, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
ii. Em 11-2-2003, o Director de Serviços de Medicina Desportiva do Instituto Nacional do Desporto propôs a cessação do contrato referido em i. [cfr. doc. constante do processo instrutor, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iii. Sobre essa proposta recaiu um parecer da chefe de repartição da secção de pessoal do Instituto Nacional do Desporto, com o seguinte teor:
ASSUNTO: DSMD – Cessação do contrato de avença com a médica Drª Fernanda Maria Santos
A Direcção de Serviços de Medicina Desportiva através da Inf/Prop.70/2003, de 11 Fevereiro de 2003, propõe a cessação do contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com a Drª Fernanda ... por já não se justificar a sua contratação.
Entre o Instituto e a interessada, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, autorizado por despacho de 18-8-92, de S. Exª o Ministro da Educação, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 1992, com o objectivo de prestar serviços da sua especialidade, que lhe fossem solicitados, assegurando a realização de exames de avaliação médico-desportivas no Centro de Medicina Desportiva de Lisboa.
Dado que o Centro teve conhecimento que a referida médica manifesta persistente conflitualidade com os utentes e demonstra incapacidade de integração necessários para o exercício da Medicina Desportiva.
Tendo em conta a contenção nas despesas, resultante da verba atribuída a este Instituto pelo Orçamento Geral do Estado, julga-se de propor a V. Exª a cessação do contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com a Drª Fernanda ..., nos termos do disposto no ponto 5 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 41/84, de 3/2, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 299/85, de 9/7, conforme a Cláusula Quarta do referido contrato.
A merecer a aquiescência superior, este acto é da competência do Senhor Secretário de Estado, nos termos do Despacho de Delegação de Competências nº 14385/2002, publicado na II Série do Diário da República, nº 145, de 26-6-2002.” [cfr. doc. constante do processo instrutor, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
iv. O Secretário de Estado da Juventude e Desportos, por despacho datado de 21-2-2003, expressando concordância com o aludido parecer, decidiu não renovar o contrato identificado em i. – acto recorrido [cfr. doc. constante do processo instrutor, não numerado, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Sendo esta a factualidade relevante, vejamos pois se procede a questão prévia suscitada pela entidade recorrida na sua resposta e pelo Digno Magistrado do Ministério Público a fls. 104.
No entender destes, o acto impugnado não é um acto administrativo, mas sim uma declaração negocial, proferida no âmbito de um contrato, pelo que o presente recurso deve ser rejeitado, por manifesta ilegalidade na respectiva interposição.
Vejamos.
As decisões de rescisão unilateral de contratos administrativos, por imperativo de interesse público, previstas no artigo 180º, alínea c) do CPA no âmbito dos contratos administrativos, constituem actos de natureza administrativa, uma vez que, nos termos do artigo 120º do CPA, têm tal qualificação as “decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”. No caso de o contrato ter natureza administrativa, a norma de direito público ao abrigo da qual é praticado o acto é precisamente, aquela alínea c) do artigo 180º do CPA.
No entanto, as decisões de rescisão ou resolução dos contratos podem ocorrer também em relação aos contratos de direito privado, com base na lei ou convenção, e têm a natureza de actos unilaterais, como se conclui do preceituado nos artigos 432º a 436º, 801º e 802º, todos do Cód. Civil.
No caso em apreço, o despacho do Senhor Secretário de Estado da Juventude e Desportos que decidiu não renovar o contrato de prestação de serviços em regime de avença celebrado entre a recorrente e a Direcção-Geral dos Desportos, não se baseia em qualquer imperativo de interesse público, mas sim, no alegado incumprimento das obrigações contratuais a que a ora recorrente se encontrava obrigada.
A rescisão [ou resolução, na terminologia do Cód. Civil] do contrato bilateral por decisão de uma das partes com fundamento no incumprimento da parte contrária é de considerar admissível no âmbito dos contratos de direito privado, independentemente de convenção nesse sentido.
Na verdade, embora essa possibilidade apenas esteja prevista expressamente no artigo 801º, nº 2 do Cód. Civil, para os casos de impossibilidade de cumprimento culposa, esta regra deve aplicar-se por interpretação extensiva ou integração por analogia, às situações de incumprimento de prestação contratual não impossível [Neste sentido, pode ver-se Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3ª edição, páginas 410/412].
De qualquer modo, no caso em apreço, a possibilidade de rescisão do contrato, por qualquer das partes, com fundamento em incumprimento das obrigações da outra estava expressamente prevista na cláusula 4ª do contrato em causa, pelo que é inquestionável que ela era admissível, à face do preceituado no artigo 432º, nº 1 do Cód. Civil.
Assim, é de concluir que o acto impugnado não foi praticado ao abrigo de qualquer disposição de direito público, mas sim de direito privado, o que lhe afasta a sua qualificação como acto administrativo, à face da definição que consta do citado artigo 120º do CPA, que se tem entendido uniformemente ser de aplicação generalizada [Neste sentido, cfr. o Acórdão deste TCA Sul, de 1-3-2007, proferido no âmbito do recurso nº 11.688/02, do 1º Juízo Liquidatário, e do STA, de 16-1-2008, da 2ª Subsecção do CA, proferido no âmbito do recurso nº 0780/07].
Por isso, aderindo à posição defendida quer pela entidade recorrida, quer pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul, impõe-se a rejeição do presente recurso, por não ter por objecto um acto administrativo.

IV. DECISÃO
Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do 1º Juízo Liquidatário do TCA Sul em rejeitar o presente recurso contencioso.
Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça que se fixa em € 150,00 e a procuradoria em € 50,00.
Lisboa, 29 de Maio de 2008


[Rui Belfo Pereira – Relator]
[Magda Geraldes]
[Mário Gonçalves Pereira]