Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06295/02 |
![]() | ![]() |
Secção: | CT - 1.º JUÍZO LIQUIDATÁRIO |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 01/30/2007 |
![]() | ![]() |
Relator: | VALENTE TORRÃO |
![]() | ![]() |
Descritores: | RECURSO CONTENCIOSO RECURSO HIERÁRQUICO FACULTATIVO ILEGALIDADE NA SUA INTERPOSIÇÃO |
![]() | ![]() |
Sumário: | A decisão de indeferimento do recurso hierárquico facultativo interposto de decisão do Director da Alfândega sobre actos de liquidação de receitas tributárias aduaneiras, não é legalmente passível de recurso contencioso, quer porque o recurso facultativo não se destina a abrir a via contenciosa, quer ainda por que no caso a decisão é meramente confirmativa de acto anterior, não constituindo, por isso, acto susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos do contribuinte (na acepção do artº 268º, nº 4 da CRP). |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: 1. “S..., Ldª”, contribuinte n.° ..., com sede na Rua ..., veio interpor recurso contencioso do despacho do Srº Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, datado de 26 de Novembro de 2001, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pela Recorrente de vários despachos do Director Distrital de Finanças de Aveiro que havia procedido a liquidação de dívidas aduaneiros, alegando, em resumo: a) A recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à importação, para revenda, de partes de bicicletas. b) A Recorrente efectuou importação directa, da República Popular da China de partes essenciais de bicicletas( dérailleurs - mudanças -com o código NC 8714 99 50). c) Esta importação está isenta do direito objecto de extensão (direito antidumping instituído pelo Regulamento (CEE) n° 2474/93 do Conselho, tornado extensivo pelo Regulamento ( CE) n° 71/97 do Conselho d) Em 21 de Março de 2000, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 3 444 481 $00 (17 180,998 Euros), relativa a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n° 900031, de 22 de Março daquele mesmo ano, quantia aquela que foi paga. e) A recorrente foi, em Abril de 2001, notificada para pagar a quantia de 837 785$00 ( 4178,854 Euros), relativa a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n° 900035, datada de 3 de Abril de 2001. f) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que 6775 "derailleurs" (mudanças), vendidos pela Recorrente, não formavam conjuntos. g) Em 3 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 235 686$00 (1.175.596 Euros), relativo a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900032. h) O montante da liquidação inicial foi oportunamente pago. i) Aquela liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que os "derailleurs" (mudanças) vendidos pela Recorrente não formavam conjuntos. j) Em 1 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 205 247$00 (1023.768 Euros), relativo a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900030, liquidação esta que veio alterar uma outra, anterior, entretanto já paga. l) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que os derailleurs" (mudanças) vendidos pela Recorrente não formavam conjuntos. m) Em 1 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 208.407$00 (1039.529 Euros), relativa a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n° 900036, liquidação esta que veio alterar uma liquidação anterior, no montante de 149.858$00, acrescida de 2.159$00 de juros compensatórios. n) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que 1755 "derailleurs" (mudanças), vendidos pela Recorrente a firmas interessadas, isto é, não constantes dos Anexos l e II do Regulamento n.° 88/97, derailleurs esses que não formavam conjuntos e, ainda, que a firma ARVISA não constava do Anexo II. o) Em 3 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 694.961 $00 (3.466.450 Euros), relativo a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900034. p) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que os "derailleurs" (mudanças) vendidos pela Recorrente não formavam conjuntos. q) Com efeito, a Alfândega de Aveiro, na resposta à Audiência prévia, considerou que "Todas as partes separadas, de trás ou da frente, de derrailleurs vendidos, porque não formam conjuntos, pagarão os respectivos direitos anti-dumping. Do mesmo modo, todos os derrailleurs importados, de trás ou da frente, que não formem conjuntos, pagarão aqueles direitos". r) Foi interposto recurso hierárquico desse despacho do Director de Alfândega, o qual veio a ser julgado improcedente por despacho de 22.10.2001 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no uso das competências que lhe foram subdelegadas nos termos do ponto 1.2 do Despacho n.° 17933/2001, publicado no DR, 2a Série, de 27.8.2001, do Senhor Ministro das Finanças. s) É deste sobredito despacho 22.10.2001 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que a Recorrente interpõe o presente recurso contencioso. t) 0 acto recorrido enferma de vício de violação de lei, na sua vertente de erro nos pressupostos de facto e de erro de direito, como se demonstrará. u) À recorrente foi concedida Autorização Prévia de Destino Especial n.° 37/99. ao abrigo das disposições constantes das alíneas a) e c) do art° 14° do Regulamento (CE) n.° 88/97, da Comissão, de 20 de Janeiro, relativo à autorização de isenção das importações de certas partes de bicicletas originárias da República Popular da China. v) A Recorrente ficou, assim, isenta do pagamento de direitos anti-dumping nas importações, por reunir as condições estabelecidas no citado art° 14°, do aludido Regulamento, ou seja: x) A Recorrente não constitui urna parte interessada isenta (não é empresa montadora, é apenas intermediária/vendedora); z) A recorrente declarou as partes de bicicletas de harmonia com a estrutura Taric do Anexo III do Regulamento citado e declarou as partes de bicicletas de acordo com as condições estabelecidas no art.° 82° do Código Aduaneiro Comunitário, estabelecido pelo Regulamento (CEE) n.° 2474/93, da Comissão, de 2 de Julho. Assim, ao decidir nos termos em que o fez, o acto recorrido violou os art° 1°, art° 2° n° 1, 2, 3, art° 3°, n° 2 do Regulamento ( CE) n° 71/97 do Conselho, o art° 1°, 2° n° 1 e 2, 14° do Regulamento (CE) n° 88/97 da Comissão, de 20 de Janeiro de 1997, a autorização Prévia de Destino Especial n.° 37/99, ao abrigo das disposições constantes das alíneas a) e c) do art.° 14° do Regulamento (CE) n.° 88/97, da Comissão, de 20 de Janeiro, relativo à autorização de isenção das importações de certas partes de bicicletas originárias da República Popular da China, o art.° 82° do Código Aduaneiro Comunitário, estabelecido pelo Regulamento(CEE) nº 2474/93, da Comissão, de 2 de Julho, o artº 13º da Constituição da República e o artº 10º Tratado CEE. Termina pedindo a procedência do recurso com a declaração de nulidade, ou, se assim não for entendido, com a anulação do acto recorrido. 2. A entidade recorrida não respondeu ao recurso, tendo a recorrente apresentado alegações nas quais concluiu: 1ª). O acto recorrido enferma de vício de violação de lei, na sua vertente de erro nos pressupostos de facto e de erro de direito. 2ª) À recorrente foi concedida Autorização Prévia de Destino Especial n.° 37/99. ao abrigo das disposições constantes das alíneas a) e c) do art.° 14° do Regulamento (CE) n.° 88/97, da Comissão, de 20 de Janeiro, relativo à autorização de isenção das importações de certas partes de bicicletas originárias da República Popular da China. 3ª) A Recorrente ficou, assim, isenta do pagamento de direitos anti-dumping nas importações, por reunir as condições estabelecidas no citado art.° 14°, do aludido Regulamento, ou seja: não constitui uma parte interessada isenta (não é empresa montadora, é apenas interme-diária/vendedora). 4ª).A recorrente declarou as partes de bicicletas de harmonia com a estrutura Taric do Anexo III do Regulamento citado e declarou as partes de bicicletas de acordo com as condições estabelecidas no art° 82° do Código Aduaneiro Comunitário, estabelecido pelo Regulamento (CEE) n° 2474/93, da Comissão, de 2 de Julho. 5ª). A Recorrente só pode vender, mensalmente e sem ter de pagar direitos, a cada um dos montadores de bicicletas, menos de 300 unidades por tipo de partes essenciais de bicicletas, ao abrigo do art° 14° do Regulamento n° 88/97 da Comissão de 20 de Janeiro de 1997. 6ª).Os "derailleurs" (mudanças) são partes essenciais de bicicletas, classificados pela posição pautai da Nomenclatura Combinada 8714 9950. 7ª). O acto recorrido enferma de vício de erro nos pressupostos de facto, porque, as "mudanças" são uma parte essencial da bicicleta, sendo certo que existem bicicletas sem mudanças, existem bicicletas com mudanças á frente e existem bicicletas corn mudanças, quer à frente, quer atrás. 8ª).Os montadores de bicicletas podem optar por não as equipar com mudanças (caso das bicicletas de criança), ou equipá-las com mudanças atrás ou, ainda, com mudanças atrás e à frente. 9ª). E nada impede que, no caso de as equiparem com mudanças atrás e à frente, que umas tenham origem chinesa e outras noutros Países. 10ª). O que está de acordo com o art° 1° do Regulamento e com o seu conceito de "partes essenciais de bicicletas". 11ª).Os dérailleurs importados sem formarem conjuntos também são partes essenciais da bicicleta. 12ª). O que se pretende evitar com esta legislação comunitária é que as peças importadas sejam utilizadas para efeitos de evasão ao pagamento de direitos por parte das empresas de pequena dimensão que se dedicam à montagem de bicicletas. 13ª). É contrário ao espírito e à letra do Regulamento estar a obrigar à saída de divisas para a China em montante muito superior ao necessário para a montagem de alguns modelos de bicicletas que não incorporam conjuntos. 14ª). Em vez de as importações terem, como se pretende, um significado económico bastante limitado, com tal obrigação de importação de conjuntos, necessariamente mais dispendiosos, alarga-se o seu significado económico. 15ª). O que é sufragado pelo Parecer da Comissão Europeia. 16ª). Deste modo, além de erro nos pressupostos de facto, o acto recorrido viola este entendimento oficial da Comissão , que é vinculativo e seguido por todos os países da União Europeia. 17ª). De tal forma que, a prática do acto recorrido viola o princípio da igualdade, uma vez que faz interpretação e aplicação dos citados Regulamentos em desconformidade com a interpretação e aplicação que a Comissão Europeia e os demais países da União, também fazem. 18ª). Por via desta desconformidade de interpretações, a Recorrente fica prejudicada, quando em comparação com empresas de outros países da União Europeia que aplicam e beneficiam do teor dos aludidos Regulamentos. 19ª). A posição expressa pelo acto recorrido carece de suporte lógico: as peças abrangidas no âmbito do Regulamento e sujeitas a direitos anti-dumping são as mesmas que estão abrangidas na ai. c) do art° 14°. 20ª).Se a Alfândega exclui os derrailleurs que não formam conjuntos da contagem efectuada para efeitos da ai. c) do art° 14°, então é porque os dérrailleurs que não formem conjuntos estariam também excluídos do âmbito de aplicação destes direitos anti-dumping, ou seja, do art° 1° do Regulamento CE 71/97. 21ª).Pelo contrário, se se considerar que os derrailleurs que não formam conjuntos estão incluídos no âmbito de aplicação dos direitos, então também terão de contar para efeitos das 299 unidades isentas. 22ª). Carece de lógica excluir os derrailleurs que não formam conjuntos para efeitos da contagem das 299 unidades isentas e submetê-los, então, a uma tributação automática para qualquer quantidade. 23ª).Se os dérrailleurs que não formam conjuntos são relevantes para aplicação dos direitos anti-dumping, então também terão de ser considerados relevantes para efeitos da isenção aplicada às transacções inferiores a 300 unidades. 24ª).O acto recorrido, ao conformar-se com o entendimento do acto impugnado no recurso hierárquico, enferma dos mesmos vícios que afecta este. 25ª). O acto recorrido, enferma, pois de erro de direito por violação de lei. 26ª). O acto recorrido violou as alíneas a) e c) do art.° 14° do Regulamento (CE) n.° 88/97, da Comissão, de 20 de Janeiro. 27ª). E o acto recorrido violou, ainda o acto administrativo anterior que concedeu Autorização Prévia de Destino Especial n° 37/99, ao abrigo das disposições constantes das alíneas a) e c) do art° 14° do Regulamento (CE) n° 88/97, da Comissão, de 20 de Janeiro, relativo à autorização de isenção das importações de certas partes de bicicletas originárias da República Popular da China. 28ª).Ademais, a Alfândega de Aveiro sempre entendeu o contrário do entendimento perfilhado pelo acto recorrido, até à liquidação efectuada e objecto do recurso hierárquico. 29ª). O que equivale a venire contra factum proprium. 30ª). O acto recorrido violou, assim, os art° 1° , art° 2° n° 1, 2 , 3, art° 3° n° 2 do Regulamento ( CE) n° 71/97 do Conselho, o art° 1°, 2° n° 1 e 2, 14° do Regulamento (CE) n° 88/97 da Comissão, de 20 de Janeiro de 1997, a autorização Prévia de Destino Especial n.° 37/99, ao abrigo das disposições constantes das alíneas a) e c) do art.° 14° do Regulamento (CE) n.° 88/97, da Comissão, de 20 de Janeiro, relativo à autorização de isenção das importações de certas partes de bicicletas originárias da República Popular da China, o art.° 82° do Código Aduaneiro Comunitário, estabelecido pelo Regulamento(CEE) nº 2474/93, da Comissão, de 2 de Julho, o artº 13º da Constituição da República e o artº 10º Tratado CEE. Nestes termos e nos mais de direitro deve merecer provimento o presente recurso hierárquico e ser declarado nulo, ou, quando assim se não entender, ser anulado o avto recorrido, por vício de violação de lei. 3. O MºPº emitiu o parecer de fls. 127 defendendo a rejeição do recurso com fundamento em ilegalidade na sua interposição, uma vez que se trata de recurso facultativo com efeito meramente devolutivo e o acto recorrido não é lesivo dos interesses da recorrida legalmente protegidos. 4. Ouvidas as partes sobre a questão prévia suscitada pelo MºPº, apenas a recorrente veio pronunciar-se dizendo que o recurso hierárquico abrange “quaisquer actos em matéria tributária, designadamente os actos de liquidação”, pelo que o recurso é legalmente admissível. 5. Com relevância para a decisão encontram-se provados nos autos os seguintes factos: a) A recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à importação, para revenda, de partes de bicicletas. b) A Recorrente efectuou importação directa, da República Popular da China de derailleurs - mudanças - com o código NC 8714 99 50. c) Em 21 de Março de 2000, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 3.444.481$00 (17 180,998 Euros), relativa a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900031, de 22 de Março daquele mesmo ano, quantia aquela que foi paga (v. fls. 21). d) A recorrente foi, em Abril de 2001, notificada para pagar a quantia de 837.785$00 ( 4178,854 Euros), relativa a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900035, datada de 3 de Abril de 2001 (v. fls. 12). e) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que 6775 "derailleurs" (mudanças), vendidos pela Recorrente, não formavam conjuntos. f) Em 3 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 235.686$00 (1.175.596 Euros), relativo a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900032 (v. fls. 46). g) O montante da liquidação inicial foi oportunamente pago. h) Aquela liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que os "derailleurs" (mudanças) vendidos pela Recorrente não formavam conjuntos. i) 10. Em 1 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 205.247$00 (1023.768 Euros), relativo a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900030, liquidação esta que veio alterar uma outra, anterior, entretanto já paga (v. fls. 62) . j)Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que os derailleurs" (mudanças) vendidos pela Recorrente não formavam conjuntos. l) Em 1 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 208.407$00 (1039.529 Euros), relativa a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900036, liquidação esta que veio alterar uma liquidação anterior, no montante de 149.858$00, acrescida de 2.159$00 de juros compensatórios ( v. fls. 71). m) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que 1755 "derailleurs" (mudanças), vendidos pela Recorrente a firmas interessadas, isto é, não constantes dos Anexos l e II do Regulamento n.° 88/97, derailleurs esses que não formavam conjuntos e, ainda, que a firma ARVISA não constava do Anexo II. n) Em 3 de Abril de 2001, o Director da Alfândega de Aveiro ordenou a notificação da Recorrente para pagar o montante de 694.961$00 (3.466.450 Euros), relativo a uma dívida aduaneira, objecto do registo de liquidação n.° 900034 (v. fls. 80). o) Esta liquidação "a posteriori" resultou de a Alfândega de Aveiro ter considerado que os "derailleurs" (mudanças) vendidos pela Recorrente não formavam conjuntos. p) Com efeito, a Alfândega de Aveiro, na resposta à audiência prévia, considerou que "Todas as partes separadas, de trás ou da frente, de dérrailleurs vendidos, porque não formam conjuntos, pagarão os respectivos direitos anti-dumping. Do mesmo modo, todos os “derrailleurs” importados, de trás ou da frente, que não formem conjuntos, pagarão aqueles direitos" (v. fls. 14/16). q) Foi interposto recurso hierárquico desse despacho do Director de Alfândega, o qual veio a ser julgado improcedente por despacho de 22.10.2001 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no uso das competências que lhe foram subdelegadas nos termos do ponto 1.2 do Despacho n.° 17933/2001, publicado no DR, 2ª Série, de 27.8.2001, do Senhor Ministro das Finanças (V. fls. 29/31 e 33/34) . 6. A recorrente imputa ao acto recorrido o vício de violação de lei e ainda o de violação de acto administrativo anterior que lhe concedeu Autorização Prévia de Destino Especial nº 37/99, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 88/97 da Comissão, de 20 de Janeiro. Antes do conhecimento desses vícios importa, porém, apreciar a questão prévia suscitada pelo MºPº que, a proceder, prejudica o conhecimento daquelas questões. 6.1. Refere o MºPº no seu parecer de fls. 127 que “os actos de registo de liquidação de dívidas aduaneiras em apreço nos autos configuram-se como actos tributários definitivos e executórios, com directa repercussão na esfera jurídica dos contribuintes, pelo que são susceptíveis de impugnação judicial directa. Deste modo, como actos materialmente definitivos, aqueles actos não são abrangidos pelo recurso hierárquico facultativo previsto no artº 66º do CPPT. O recurso hierárquico facultativo é pois meramente devolutivo e, consequentemente, os actos de registo de liquidação consolidaram-se na ordem jurídica, pelo que a interposição do presente recurso carece de base legal – cfr. artº 57º , § 4º do RSTA”. Quid juris? 6.2. O artº 268º, nº 4 da CRP garante aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos ... incluindo a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem. Estão aqui abrangidos, portanto, os actos administrativos praticados pela Administração Tributária, dos quais se destacam os actos de liquidação. Ora, no caso concreto dos autos, os actos lesivos dos interesses da recorrente foram os vários actos de liquidação efectuados pela Alfândega. Na verdade, de acordo com o disposto no artº 60º do CPPT “os actos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação”. Tais actos lesivos poderiam ter sido atacados pela recorrente pelas seguintes vias: a) Reclamação graciosa prevista no artº 70º do CPPT; b) Impugnação judicial prevista nos artºs 102º e segs. do CPPT. No caso de indeferimento da reclamação graciosa, gozava ainda a recorrente de duas possibilidades de defesa: a) Impugnação judicial no prazo referido no nº 2 do artº 102º do CPPT; b) Recurso hierárquico, com possibilidade de posterior recurso contencioso da decisão nele proferida, ao abrigo do disposto no artº 76º, nºs 1 e 2 do CPPT. Em vez de seguir por um dos caminhos acima referidos, a recorrente, porém, optou por deduzir recurso hierárquico da decisão que determinou a realização das liquidações. Este procedimento era também legal, mas, em caso de indeferimento do recurso hierárquico, como veio a suceder, passado o prazo para utilização dos outros meios de defesa, a recorrente deixou de poder utilizá-los, já que o recurso hierárquico facultativo não suspende a eficácia do acto recorrido (artº 170º, nº 3 do CPA) . Quer então dizer que, no caso dos autos, se o recurso hierárquico tivesse sido deferido, os actos praticados pelo Director da Alfândega poderiam ser anulados, tal como o poderiam vir a ser em sede contenciosa (impugnação judicial) ou de reclamação administrativa (reclamação graciosa). No caso de indeferimento do recurso hierárquico - situação verificada nos autos - a recorrente deixou de poder atacar os actos de liquidação, por o não ter feito oportunamente. Por outro lado, não pode ser objecto de recurso contencioso a decisão proferida no recurso hierárquico por este ser facultativo, e, portanto, insusceptível de abrir a via contenciosa, sendo ao mesmo tempo meramente confirmativa da decisão do Director da Alfândega, não se apresentando, por isso como susceptível de lesar os interesses legalmente protegidos da recorrente. O que se deixou acima escrito insere-se na jurisprudência corrente do STA no sentido de que o contribuinte não pode recorrer contenciosamente do despacho que lhe indeferiu recurso hierárquico facultativo, por este não constituir acto lesivo nem definidor de situação jurídica respectiva. Neste sentido, escreveu-se do douto Acórdão do STA (2ª Secção), de 05.11.03 – Recurso nº 304/03-30: “Atenta a natureza facultativa e o efeito meramente devolutivo do recurso hierárquico previsto no artº 67º, nº 1 do CPPT, este não se destina a abrir a via contenciosa. Só é impugnável contenciosamente a decisão sobre o recurso hierárquico interposto do indeferimento total ou parcial da reclamação graciosa e, ainda assim, com a ressalva do nº 2 do artº 76º do CPPT ”. Em sentido idêntico pronunciaram-se também os Acórdãos do mesmo Tribunal e Secção, de 19.11.03 – Recurso nº 1251/03-30 e de 13.01.04 –Recurso nº 66/2004. Temos então de concluir que sendo o recurso hierárquico facultativo e com efeito meramente devolutivo, e não tendo o mesmo por objecto o indeferimento total ou parcial de reclamação graciosa, de modo a poder basear-se no artº 76º, nº 2 do CPPT, o recurso contencioso agora interposto é legalmente inadmissível. Pelo exposto, procede a questão prévia suscitada pelo MºPº, ficando prejudicado o conhecimento das outras questões acima enunciadas. 7. Nestes termos e pelo exposto rejeita-se o recurso por ilegalidade na sua interposição. Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em ............ Lisboa, 30/01/2007 O Relator: João António Valente Torrão 1º Adjunto: Lucas Martins 2º Adjunto: Pereira Gameiro |