Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 06753/10 |
| Secção: | CA - 2.º JUÍZO |
| Data do Acordão: | 10/21/2010 |
| Relator: | RUI PEREIRA |
| Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ANTECIPATÓRIA DECLARAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL INTERESSE EM AGIR |
| Sumário: | I – Uma eventual decisão de prorrogar a DIA referente à “Barragem da Ribeira das Cortes” não fere os interesses que o recorrente pretende defender, já que por si só nada opera de efeitos imediatos lesivos, seja em termos de criar uma situação de facto consumado, seja em termos de provocar prejuízos de difícil reparação. II – Por outro lado, também não é evidente que o futuro despacho do Secretario de Estado do Ambiente, apesar de arquivado pelo IGESPAR o procedimento de classificação de interesse público do conjunto/sítio conhecido por “Tapada do Dr. António”, tenha necessariamente de ser favorável à prorrogação da DIA. III – Mesmo que venha a ser esse o sentido de decisão, e se afirme o risco provável de assim suceder, não decorre que seja preciso antecipadamente evitá-la, ainda que invocando uma situação de facto consumado ou causadora de prejuízos de difícil reparação, uma vez que estes, a existirem, decorrerão da respectiva eficácia, sendo que em tais casos o recorrente sempre disporá da respectiva tutela de suspensão de eficácia. IV – No caso concreto, a tutela jurisdicional efectiva pode ser obtida através das formas de tutela reactiva, nomeadamente através da impugnação do eventual acto administrativo que prorrogue a DIA, se necessário com o recurso complementar a providências cautelares, estando por conseguinte afastada a necessidade de lançar mão da acção inibitória, mesmo que em termos cautelares. V – Estando em causa – ainda que hipoteticamente – a prática de um acto administrativo que, no normal exercício de uma competência legalmente prevista, possa enfermar de qualquer ilegalidade, haverá que aguardar pela respectiva emissão para então, sendo caso disso, se proceder à respectiva impugnação e requerer as medidas cautelares que se afigurarem necessárias e adequadas. VI – Como decorre do disposto nos artigos 268º, nº 4 da CRP e 112º, nº 1 e 113º, ambos do CPTA, entre o processo acessório cautelar e o processo principal tem de existir um vínculo que se traduz na adequação daquele para assegurar a utilidade da sentença a proferir neste, ou seja, entre uma e outra tem de haver uma relação de instrumentalidade, não visando as providências cautelares uma decisão de mérito, mas apenas assegurar a utilidade da prolação da mesma, por força da normal demora daquela. VII – Se a tutela cautelar só faz sentido em função do processo principal, por forma a assegurar a respectiva utilidade, de acordo com o disposto no artigo 112º, nº 1 do CPTA, então uma providência cautelar só pode ser pedida e concedida quando haja um interesse em agir, ou seja, quando haja fundado receio de que se perca, no todo ou em parte, a utilidade prática da sentença a proferir no processo principal. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO A..., com os sinais dos autos, intentou no TAF de Castelo Branco uma Providência Cautelar [de intimação para a prática de acto administrativo e subsidiariamente para a abstenção da prática de acto administrativo] contra o Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, indicando ainda como contra-interessado o Município da Covilhã, na qual peticiona a “intimação do Secretário de Estado do Ambiente no sentido de praticar acto de indeferimento do pedido de prorrogação da Declaração de Impacte Ambiental [DIA] da «Barragem da Ribeira das Cortes», solicitado pela Câmara Municipal da Covilhã no processo com o número nacional de AIA 1509” e, subsidiariamente, a intimação daquele “no sentido de se abster de prorrogar a DIA da «Barragem da Ribeira das Cortes»”. Por sentença datada de 21-7-2010, o TAF de Castelo Branco julgou improcedente a peticionada providência cautelar [cfr. fls. 442/450 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Inconformado, o requerente da providência recorre para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos: “A. Quanto à matéria assente, o Tribunal «a quo» decidiu considerar apenas cinco factos que integravam os procedimentos de classificação e de AIA; todos os restantes factos que o recorrente levou aos autos foram totalmente desconsiderados. B. Sucede que tais factos sempre influenciariam determinantemente o sentido da decisão. C. Por isso, e atendendo à relevância dos mesmos para os presentes autos, o Tribunal deveria ter levado todos os factos à matéria de facto considerada relevante [por se encontrarem todos demonstrados, por falta de oposição ou por documento escrito], ou, no limite e sem conceder, quanto aos factos que o Município da Covilhã "abordou", deveria ter incluído os mesmos numa base instrutória. D. Nos termos do nº 1 do artigo 685º-B do CPCivil, esses factos e os respectivos meios de prova foram descritos nas presentes alegações. E. Note-se que os factos acima elencados sempre criariam uma convicção e uma impressão tão fortes no espírito do Juiz que, se tivessem constado da matéria de facto dada como provada – como era devido –, a decisão do presente processo cautelar teria sido certamente outra. F. Independentemente da conclusão que viesse a ser extraída da mesma, a matéria de facto em falta era essencial para a apreciação da pretensão do recorrente. G. Com efeito, é patente que, circunscrita a ponderação aos cinco factos que o Tribunal «a quo» levou à matéria assente, não seria possível retirar daí quaisquer indícios de ilegalidade do acto de deferimento que viesse a ser praticado. H. Note-se que não é a extensão da selecção dos factos que torna menos sumária a sua prova: a demonstração dos factos é, para um como para cem factos, sempre perfunctória e indiciária. I. Assim, devem os factos em causa [melhor identificados acima e constantes dos artigos 1º a 40º - com excepção dos artigos 3º, 7º, 27º e 39º –, bem como o facto constante do artigo 71º, todos do r.i., ser levados à matéria assente e considerados no âmbito da apreciação da decisão – ou, no limite e sem conceder, devem os factos que o Tribunal considere por não provados ser levados à base instrutória e os restantes considerados como assentes. J. Quanto aos erros de julgamento, deve o recorrente sublinhar que todos os argumentos usados pelo Tribunal «a quo» correspondem, praticamente ipsis verbis, aos fundamentos da decisão revogada pelo TCA Sul. Assim, se os argumentos do Tribunal «a quo» já nem serviam para sustentar uma decisão de indeferimento liminar, muito menos podem fundamentar uma decisão na qual, supostamente, deveria ser apreciado o fundo da pretensão. K. No que respeita aos erros de julgamento propriamente ditos: L. Em primeiro lugar, as providências cautelares antecipatórias não têm que apresentar como fundamento o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA: também as providências cautelares antecipatórias podem ser decretadas com fundamento único e exclusivo na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA. Caso se verifique tal requisito, as providências cautelares são adoptadas, recorde-se, sem necessidade de mais indagações. M. Uma vez que a análise efectuada pelo Tribunal recorrido às pretensões do recorrente parte de um pressuposto incorrecto [o que de as providências cautelares antecipatórias têm de preencher os requisitos previstos na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA], o seu juízo padece de erro de julgamento. N. Aliás, e como refere o Tribunal «ad quem» no Acórdão que revogou a decisão de indeferimento liminar, "do alegado pelo requerente não se pode de imediato e automaticamente concluir que não assim [isto é, que o requisito da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA não está preenchido]. É possível que o requerente tenha razão". O. Se o Tribunal «a quo» tivesse equacionado a possibilidade de decretamento das providências ao abrigo da alínea a) do mesmo preceito teria certamente chegado à conclusão de que o requisito ínsito naquela alínea se encontra preenchido. P. Em concreto, qualquer um dos factos que deviam constar da matéria assente é suficiente para, por si só, demonstrar que a prorrogação da DIA seria manifestamente inválida: ou por impossibilidade do objecto, ou por violação de lei e por violação do artigo 31º do CPA. Q. Em acréscimo, cumpre referir que a alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA exige, sempre que seja essa a causa da pretensão, a apreciação [perfunctória] de todos os vícios alegados por referência a um acto [praticado ou a praticar], sob pena de se excluir a análise de ilegalidades que, mesmo em termos sumários, evidenciariam a procedência da acção principal. R. Assim, o Tribunal «a quo» incorreu de novo em erro de julgamento, por não ter apreciado o pedido na óptica da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA – apreciação essa que, em todo o caso, sempre levaria inequivocamente ao decretamento da providência solicitada. S. Em segundo lugar, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento quanto ao requisito da alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA. T. A prorrogação da DIA afectaria indiscutivelmente os interesses que o recorrente pretende proteger nos presentes autos, porquanto implicaria a desconsideração de uma componente essencial da avaliação ambiental que lhe está subjacente [o património cultural]. U. Não é necessário existir uma "inexorável probabilidade" de prolação da prorrogação da DIA para o cumprimento do pressuposto estipulado na alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA. V. Ainda assim, a verdade é que existe efectivamente uma "inexorável probabilidade" na emissão de um acto favorável à prorrogação da DIA: recorde-se que o único obstáculo que subsistia para a não prorrogação da DIA era apenas a existência de um procedimento de classificação. W. Por outro lado, não é verdade que a suposta desnecessidade de tutela antecipatória decorra da circunstância de as consequências nefastas só surgirem com a prática do acto – de outro modo, a tutela antecipatória perderia [sempre e em todos os casos] a sua razão de ser. X. Além disso, essa ponderação só tem cabimento no âmbito da alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA: para o preenchimento da alínea a) só é necessário demonstrar a evidência da procedência da acção principal. Y. Acresce que sendo uma decisão absolutamente vinculada, não existe qualquer definição inaceitável, por parte do tribunal, dos termos da decisão em apreço – nem, de todo, qualquer violação do princípio da separação de poderes. Z. Por seu turno, muito menos se verifica tal perigo quanto à pretensão apresentada subsidiariamente pelo recorrente no presente processo cautelar. AA. O TCA Sul pronunciou-se acerca desta matéria, referindo que "também não haverá violação do princípio da separação de poderes, se o Tribunal se limitar a apreciar a legalidade do acto a praticar, não a sua oportunidade". BB. Quanto às considerações finais do Tribunal «a quo» cabe referir que, apesar de não visar uma decisão definitiva de mérito, a tutela cautelar antecipatória tem como alcance constituir provisoriamente a situação jurídica que, a título definitivo, se pretende obter no processo principal. CC. Daí que não se compreenda o alcance da conclusão do Tribunal «a quo» acerca do facto de o resultado cautelar não poder acarretar "um efeito que corresponda ao provimento antecipado do pedido de mérito" – quando é isso, efectivamente, que se pretende obter com a tutela antecipatória. DD. Tudo isto é inabalável, sobretudo por referência ao pedido apresentado subsidiariamente pelo recorrente, através do qual este solicitou que o SEA não tomasse nenhuma decisão de deferimento até à resolução da questão prejudicial – precisamente, para não impedir que, no processo principal, este fosse condenado na prática de acto de indeferimento do pedido de prorrogação da DIA. EE. Nestes termos, o Tribunal «a quo» não aplicou devidamente os requisitos constantes da alínea c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, decaindo de novo em erro de julgamento, à semelhança do que sucedeu na decisão de indeferimento liminar”. Apenas o Município da Covilhã contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso interposto [cfr. fls. 545/546 dos autos]. Neste TCA Sul o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual defende que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 556/558 dos autos]. Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento. II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida considerou assente a seguinte factualidade: i. Com relação à projectada “Barragem da Ribeira das Cortes”, o Secretário de Estado do Ambiente, em 15-9-2006, emitiu “Declaração de Impacte Ambiental” [DIA] favorável, nos termos constantes do doc. nº 2, junto com a p. i.; ii. O Secretário de Estado do Ambiente, em 5-9-2009, apôs despacho de “Concordo” na Informação nº 88/2009/GAIA da Agência Portuguesa do Ambiente, na qual vem que “não se mantêm, à data actual, as condições que presidiram à emissão da DIA no que respeita ao factor Património Cultural, tal como salientado pelo IGESPAR” – cfr. doc. nº 23 da p. i.; iii. O Secretário de Estado do Ambiente, em 22-5-2009, na informação nº 51/2009 do seu Gabinete, apôs despacho de “Concordo. Tendo em conta o exposto na presente informação, determino sobrestar na decisão sobre a prorrogação da validade da DIA do projecto "Barragem da Ribeira das Cortes" até à decisão relativa à classificação do sítio "Tapada do Dr. António", ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro [...]" Proceda-se à audiência prévia dos interessados, nos termos dos artigos 100º e seguintes do CPA” – cfr. doc. nº 28 da p. i.; iv. O requerente solicitou ao IGESPAR, I.P., “a abertura de procedimento administrativo relativo ao sítio adiante descrito, com vista à sua classificação como "conjunto/sítio de interesse público" [...] conhecido por "Tapada do Dr. António"” – cfr. doc. nº 16 da p. i.; v. Em 20-1-2010, o IGESPAR, I.P., arquivou o procedimento nos termos do doc. nº 31 junto com a p. i., determinando ainda dar “conhecimento à Câmara Municipal da Covilhã, nos termos do artigo 60º do DL nº 309/2009, de 23 de Outubro”. III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO São duas as questões trazidas pelo recorrente à reapreciação deste TCA Sul. Em primeiro lugar, sustenta o recorrente que houve insuficiência da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal “a quo”, que decidiu considerar apenas cinco factos que integravam os procedimentos de classificação e de AIA, tendo desconsiderado todos os restantes factos alegados pelo recorrente os quais, atendendo à sua relevância, deveriam ter sido levados à matéria de facto considerada relevante [fosse por se encontrarem todos demonstrados, fosse por falta de oposição ou por constarem de documento escrito] ou, no limite e sem conceder, quanto aos factos que o Município da Covilhã “abordou”, deveria ter incluído os mesmos numa base instrutória. Tais factos seriam susceptíveis de criar uma convicção e uma impressão tão fortes no espírito do Juiz que, se tivessem constado da matéria de facto dada como provada – como era devido –, a decisão do processo cautelar teria sido certamente outra. E, finalmente, independentemente da conclusão que viesse a ser extraída da mesma, a matéria de facto em falta era essencial para a apreciação da pretensão do recorrente. Assim, devem os factos em causa [melhor identificados acima e constantes dos artigos 1º a 40º – com excepção dos artigos 3º, 7º, 27º e 39º –, bem como o facto constante do artigo 71º, todos do r.i.] ser levados à matéria assente e considerados no âmbito da apreciação da decisão – ou, no limite e sem conceder, devem os factos que o Tribunal considere por não provados ser levados à base instrutória e os restantes considerados como assentes. Vejamos o que dizer. No tocante à pretendida alteração da matéria de facto, parece-nos claro que a mesma se não justifica, porquanto o Senhor Juiz “a quo” seleccionou a matéria de facto que entendeu ser relevante para a decisão da causa, nos termos previstos no artigo 511º do CPCivil, em ordem a verificar a existência ou inexistência dos requisitos necessários para o decretamento da providência cautelar. Importa relembrar que o Tribunal só deve escolher os factos principais alegados pelas partes, não devendo a sua selecção incidir sobre os factos instrumentais eventualmente alegados nos articulados [cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo”, 2ª edição, a págs. 310 e 311]. Ora, as modificações pretendidas pelo recorrente, com o aditamento da matéria de facto invocada nos artigos 1º a 40º – com excepção da matéria invocada nos artigos 3º, 7º, 27º e 39º –, bem como o facto constante do artigo 71º, todos do requerimento inicial, não se afiguram relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito, não sendo legítimo sustentar, como faz o recorrente, que do pretendido aditamento pudesse resultar a verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) ou c) do nº 1 do artigo 120º do CPTA [evidente procedência da acção principal ou existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado]. Não há pois, ao contrário do que sustenta o recorrente, motivo para alterar ou ampliar a matéria de facto no âmbito da presente providência cautelar, sendo ainda de recordar que, para efeitos de aplicação do disposto no artigo 120º do CPTA, a tutela cautelar é necessariamente perfunctória, não tendo que descrever exaustivamente toda a factualidade vertida nos articulados; e, por outro lado, diversamente do pretendido pelo recorrente, face à natureza do processo e à sua especial tramitação, também nunca haveria lugar à elaboração de base instrutória. Consequentemente, improcedem as conclusões A) a I) da alegação do recorrente. * * * * * * A segunda questão que o recorrente pretende ver reapreciada no presente recurso prende-se com o mérito da decisão recorrida, propriamente dita, ou seja, em saber se no caso concreto se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que a lei faz depender a concessão da providência requerida. Como decorre dos autos, o recorrente – invocando a prossecução da tutela do interesse de defesa do património cultural – intentou providência cautelar visando a intimação do Secretário de Estado do Ambiente no sentido de praticar acto de indeferimento do pedido de prorrogação da DIA da “Barragem da Ribeira das Cortes”, solicitado pela Câmara Municipal da Covilhã no processo com o número nacional de AIA 1509 ou, subsidiariamente, a intimação do mesmo no sentido de se abster de prorrogar a aludida DIA, até à resolução definitiva da questão prejudicial existente. Estamos perante uma providência cautelar antecipatória, como a sentença recorrida acertadamente ajuizou, uma vez que o recorrente pretende uma intervenção preventiva por parte do Tribunal, visando obviar ao exercício de poderes próprios do Secretário de Estado do Ambiente, através da sua condenação a indeferir ou, subsidiariamente, a não emitir o acto administrativo de prorrogação da DIA referente à “Barragem da Ribeira das Cortes”, solicitado pela Câmara Municipal da Covilhã no processo com o número nacional de AIA 1509. E, sendo assim, duas questões se colocam desde logo: o interesse processual do requerente face à tutela pretendida e a não violação do princípio da separação de poderes. Em relação à primeira questão, como salientou a sentença recorrida “[…] no domínio da tutela preventiva, se assegure o preenchimento dos seguintes dois pressupostos: (a) em primeiro lugar, só existe interesse processual para a propositura de uma acção de condenação à não emissão de um acto administrativo se existir uma situação de risco, que o artigo 39º, «in fine», caracteriza como um "fundado receio de que a Administração possa a vir a adoptar uma conduta lesiva"; (b) em segundo lugar, a propositura de uma tal acção apenas se justificará quando constituir, em função do circunstancialismo do caso concreto, o meio processual indicado, por proporcionar uma tutela que não poderia ser obtida através das formas de tutela reactiva, como seja a impugnação de actos administrativos e o recurso complementar a providências cautelares. Deste segundo ponto de vista, afigura-se, portanto, que é necessário um interesse processual qualificado do autor para que a condenação possa ser proferida: não basta a mera possibilidade de ocorrência de um facto lesivo, é ainda necessário que o autor convença o tribunal de que a probabilidade de produção dos danos é suficientemente forte para justificar uma actuação preventiva, não se compadecendo com uma tutela meramente reactiva. A questão da idoneidade do meio processual é, pois, particularmente relevante quando se tenha em vista a condenação à não emissão de um acto administrativo. Com efeito, "a via normal de tutela dos particulares perante o exercício dos poderes da Administração continua a ser a via reactiva, da impugnação dos actos administrativos, e não a via preventiva, dirigida a atalhar, a priori, ao próprio exercício desses poderes, através da condenação da Administração a nem sequer emitir um acto administrativo. É, com efeito, essa a solução que melhor se compagina com o reconhecimento [claramente subjacente ao sistema] da necessidade de, à partida, proporcionar à Administração os meios necessários à mais eficaz prossecução dos interesses que tem a seu cargo”. E, finalmente, como salientou a sentença recorrida, “a via reactiva só deve, naturalmente, ceder a prioridade à via preventiva nas situações em que o princípio da tutela jurisdicional efectiva o exija – isto é, quando, no caso concreto, exista uma situação de carência de tutela que efectivamente justifique a intervenção preventiva do tribunal, põe se considerar que a via impugnatória não assegura ao interessado uma tutela jurisdicional efectiva” [cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, Almedina, 2007, págs. 208 a 210]. Uma eventual decisão de prorrogar a DIA referente à “Barragem da Ribeira das Cortes” não fere os interesses que o recorrente pretende defender, já que por si só nada opera de efeitos imediatos lesivos, seja em termos de criar uma situação de facto consumado, seja em termos de provocar prejuízos de difícil reparação. E, por outro lado, também não é evidente que o futuro despacho do Secretario de Estado do Ambiente, apesar de arquivado pelo IGESPAR o procedimento de classificação de interesse público do conjunto/sítio conhecido por “Tapada do Dr. António”, tenha necessariamente de ser favorável à prorrogação da DIA. Mas, mesmo que venha a ser esse o sentido de decisão, e se afirme o risco provável de assim suceder, não decorre que seja preciso antecipadamente evitá-la, ainda que invocando uma situação de facto consumado ou causadora de prejuízos de difícil reparação, uma vez que estes, a existirem, decorrerão da respectiva eficácia, sendo que em tais casos o recorrente sempre disporá da respectiva tutela de suspensão de eficácia. Deste modo, não há justificação para que, no caso concreto, a tutela jurisdicional efectiva não possa ser obtida através das formas de tutela reactiva, nomeadamente através da impugnação do eventual acto administrativo que prorrogue a DIA, se necessário com o recurso complementar a providências cautelares, estando por conseguinte afastada a necessidade de lançar mão da acção inibitória, mesmo que em termos cautelares. Por outro lado, a doutrina também tem salientado a necessidade de respeitar o princípio da separação dos poderes [cfr. artigo 111º da CRP], em termos de o tribunal, ao condenar, intimar ou impor comportamentos à Administração, não acabar por se substituir à mesma ou violar o núcleo essencial da sua autonomia [cfr. Freitas do Amaral, “As providências cautelares no novo contencioso administrativo”, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 43, págs. 4 e seguintes; e Maria Fernanda Maças, “O Debate Universitário”, Medidas Cautelares, págs. 456 e seguintes], o que é ainda mais evidente em sede de providências antecipatórias, nas quais tem sido assinalada a necessidade da providência não determinar a constituição de situações que só podem derivar da decisão a proferir no processo principal. Assim, estando em causa – ainda que hipoteticamente – a prática de um acto administrativo que, no normal exercício de uma competência legalmente prevista, possa enfermar de qualquer ilegalidade, haverá que aguardar pela respectiva emissão para então, sendo caso disso, se proceder à respectiva impugnação e requerer as medidas cautelares que se afigurarem necessárias e adequadas [cfr. Pedro Gonçalves, “A Acção Administrativa Comum”, págs. 152 e segs.]. Por último, como decorre do disposto nos artigos 268º, nº 4 da CRP e 112º, nº 1 e 113º, ambos do CPTA, entre o processo acessório cautelar e o processo principal tem de existir um vínculo que se traduz na adequação daquele para assegurar a utilidade da sentença a proferir neste, ou seja, entre uma e outra tem de haver uma relação de instrumentalidade, não visando as providências cautelares uma decisão de mérito, mas apenas assegurar a utilidade da prolação da mesma, por força da normal demora daquela [neste sentido, cfr. J. C. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 5ª edição, a págs. 303 e seguintes]. Ora, se a tutela cautelar só faz sentido em função do processo principal, por forma a assegurar a respectiva utilidade, de acordo com o disposto no artigo 112º, nº 1 do CPTA, então uma providência cautelar só pode ser pedida e concedida quando haja um interesse em agir, ou seja, quando haja fundado receio de que se perca, no todo ou em parte, a utilidade prática da sentença a proferir no processo principal [cfr., neste sentido, J. C. Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 5ª edição, pág. 325; Tiago Amorim, “As providências cautelares no CPTA: um primeiro balanço”, CJA, nº 47, pág. 41; e Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, “Comentário ao CPTA”, 2005, págs. 602 e 603]. Porém, não é essa a situação retratada nos autos, uma vez que, como vimos, os interesses que o recorrente visa acautelar Improcedem, deste modo, as conclusões J) a EE) da alegação do recorrente e, com elas, o presente recurso jurisdicional. IV. DECISÃO Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os juízes do 2º Juízo do TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida. Custas a cargo do recorrente. Lisboa, 21 de Outubro de 2010 [Rui Belfo Pereira – Relator] [Carlos Araújo] [Teresa de Sousa] |