Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 05797/09 |
| Secção: | CA - 2.º JUÍZO |
| Data do Acordão: | 10/21/2010 |
| Relator: | PAULO CARVALHO |
| Descritores: | GENÉRICOS, DISTINÇÃO ENTRE ILEGALIDADE E ILICITUDE, PRESUNÇÃO DO ARTº 98 CPI. |
| Sumário: | 1 – A violação de direitos de propriedade industrial em sede de concessão de AIMs não podem nunca configurar ilegalidades, por não competir ao INFARMED fazer respeitar os direitos de propriedade industrial quando aprecia os pedidos de concessão de genéricos. O procedimento administrativo de AIM visa apenas controlar a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento que o requerente pretende colocar no mercado. O que eles podem configurar é ilicitudes, por violação desses direitos de propriedade. A violação de direitos subjectivos ou interesses legítimos de particulares por actos da administração constituem actos ilícitos, embora possam ser formalmente legais. 2 - Estando invocado que as patentes que a requerente dispõe abrangem um produto genérico cuja introdução no mercado foi autorizada, sendo esse facto impugnado, cabe à requerente da providência cautelar provar esse facto. 3 – Vindo mencionado na patente de processo que o mesmo se refere a um determinado produto, o seu titular goza da presunção do artº 98 do CPI. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | 1- Recurso nº 05797/09 Recorrente: Laboratórios A..., Lda.. Recorridos: Infarmed – Autoridade Nacional da Farmácia e do Medicamento. Contra-interessado: Generis Farmacêutica, S. A.. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 953 que julgou improcedente a presente providência cautelar. É o seguinte o teor da decisão recorrida: “Nos termos e com os fundamentos expostos, indefere-se o pedido de adopção de providência cautelar formulado pela Requerente – suspensão da eficácia das autorizações de introdução no mercado de medicamentos genéricos de Ziprasidona concedidas, pela Entidade Requerida, em 30 de Janeiro de 2009, à contra-interessada Generis Farmacêutica, S.A.” São as seguintes as conclusões da recorrente: A) A Sentença viola a norma do artigo 118o, n.° 4 do CPTA porque o Tribunal a quo não inquiriu as testemunhas arroladas pela Recorrente, nem permitiu que esta as oferecesse como meio de prova dos factos alegados no requerimento de providência cautelar, tendo desconsiderado tal requerimento, pelo que deverá ser revogada. B) Acresce que o Tribunal a quo andou mal na interpretação e aplicação dos pressupostos processuais, na forma como interpretou e aplicou o Direito aos factos, e quando se absteve de analisar sequer sumariamente as questões suscitadas pela ora Recorrente. C) A summario cognitio não pode, em nenhuma circunstância, equivaler à ausência de análise das questões suscitadas pelo requerente de uma providência cautelar e do respectivo mérito, como sucedeu no caso da Sentença em causa! D) Com efeito, a extensão do requerimento inicial da Recorrente e o facto de as partes na providência cautelar terem adoptado posições completamente opostas não impede que as ilegalidades invocadas possam ser consideradas manifestas. E) O Tribunal a quo também julgou erradamente não estar preenchido o requisito do periculum in mora. F) Salienta-se que a Entidade Recorrida está vinculada ao "bloco de legalidade" consignado no artigo 3o do CPA, que impõe o respeito pelos direitos de propriedade industrial da Recorrente, G) Os quais têm natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias fundamentais (cfr. artigos 17° e 62° da CRP). H) Pelo que a Entidade Recorrida na apreciação de um pedido de autorização de introdução no mercado está vinculada a respeitar os direitos de propriedade industrial da Recorrente cuja existência e validade não podia ignorar. I) A mera concessão de uma autorização de introdução no mercado que viola os direitos de propriedade industrial da Recorrente implica, desde logo, a verificação de uma situação de facto consumado, enquanto durar a referida violação. J) A existência de uma situação de facto consumado prende-se ainda com os efeitos irreversíveis dos actos em crise na comercialização do Zeldox; Resulta dos documentos juntos aos autos pela Recorrente e da experiência do mercado, que as autorizações de introdução no mercado concedidas à Contra-lnteressada Generis, conduzirão a uma redução drástica da quota de mercado e das vendas do medicamento Zeldox. K) O tempo durante o qual a Recorrente estiver impedida de usufruir, de forma plena, da titularidade das patentes relativas à Ziprasidona e da autorização de introdução no mercado do medicamento Zeldox é irrepetível, com as consequentes perdas de negócio. L) Pelo que a sentença proferida no processo principal, sendo favorável, revelar-se-á totalmente desprovida de eficácia e utilidade. M) Por um lado, mesmo que os actos em crise sejam anulados ainda durante o período de validade das patentes da Recorrente, a recuperação da quota de mercado não será, devido às condições de mercado, exequível. N) Por outro lado, depois de caducadas as patentes da Recorrente que conflituam com os actos em crise, a Recorrente estará legalmente impedida de ter o exclusivo de comercialização decorrente das mesmas. O) Motivos pelos quais a ora Recorrente sofrerá prejuízos de difícil reparação. P) Foi esta realidade que escapou ao julgamento jurídico que o Tribunal a quo fez das consequências da execução dos actos em crise e que, deve, portanto ser corrigido por esse Venerando Tribunal. Q) Desconhecem-se que danos, a existirem, resultarão em concreto da concessão da providência requerida pela Recorrente. R) Por conseguinte, os danos que resultarão da recusa da providência em apreço serão superiores aos eventuais danos que possam decorrer do seu decretamento. S) Por fim, o Tribunal a quo reconhece que se encontra preenchido o requisito do "fumus boni iuris" nos termos e para os efeitos da alínea b), do n.° 1, do artigo 120.° do CPTA; T) Verificando-se, assim, todos os requisitos legais para o decretamento da providência cautelar requerida. U) Pelas razões expostas se requer a V. Exas. que revoguem a Sentença a quo e determinem o deferimento da providência cautelar em causa. Foram as seguintes as conclusões da recorrida Infarmed: 1- Nos autos em causa discutiu-se uma providência conservatória relativa suspensão da eficácia de actos de concessão de AIM; 2- Como resulta da exposição supra o Juiz tem margem de apreciaçã' considerando os factos em causa, para decidir se é ou não necessária a produçÉ de prova para o esclarecimento dos autos, devendo ter presente que a tute cautelar é instrumental e provisória, devendo ser uma tutela célere, abreviada sumária. 3- Só pode concluir-se que a douta decisão em nada beliscou a lei processu administrativa, e em particular, o n.° 4 do art. 1 18° do CPTA. 4- Não se veriUca o pericuhmi w mora como concluiu a douta sentença, vis( que não existe um fundado receio de facto consumado ou da verificação c produção de prejuízos de difícil reparação. 5- Por outro lado, a verificarem-se prejuízos seriam sempre da comercialização não da concessão de AIM, não existindo qualquer nexo de causalidade entr aqueles e os actos de concessão de AIM, 6- Não se verificam nos autos os requisitos necessários para a concessão c1 providência requerida pela, ora, Recorrente. 7- E sempre se diga, mesmo que os requisitos cm causa estivessem reunido sempre seria aplicável a cláusula de salvaguarda prevista no ti." 2 do art. 120° d CPTA, que obriga o Tribunal a sopesar os interesses em discussão na providência; 8- A ponderação de interesses seria favorável ao interesse público, visto que ds interesses que se discutem nos autos são meramente particulares, resultando apenas e só, de um conflito de direito privado entre a Recorrente e as Contr^i- Interessadas; 9- A douta decisão não violou, nem fez incorrecta interpretação de qualquer dc normativos invocados pela Recorrente. 10- E sempre se dirá que em causa não Uca prejudicada qualquer tutela efectiva visto que os interesses privados conflituantes podem (e devem) ser litigado noutra jurisdição distinta da administrativa. 11- Por todo o exposto, será de concluir que a douta sentença recorrida irrepreensível, não colhendo a argumentação da Recorrente, e impondo-s manter a douta decisão recorrida. São as seguintes as conclusões da contra-interessada: A matéria de facto seleccionada e dada por provada não é insuficiente, ne deve ser alterada uma vez que foi seleccionada à luz do artigo 118 CPTA e 5^.1 CPC, que concedem um manifesto poder discricionário ao Juiz. A patente original da recorrente já caducou e o CCP invocado bem como restantes patentes só são susceptíveis de ser violados, no caso de um terceirjo, não autorizado pelo titular "invadir" o conteúdo do direito e, nomeadamente, fabricar, importar, comercializar - ou, caso se prefira, proceda à exploração j a substância activa (medicamento) por ela protegida. Os actos de AIM não são, por si próprios, aptos ou susceptíveis de determina violação dos direitos da Recorrente porque ele(s) não "invade" o conteúdo desses direitos à luz do artigo 10ie do CPI. 4. O acto de AIM não constitui actos de «fabrico, oferta, armazenage introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto da patente odi a importação ou posse do mesmo, para alguns dos fins mencionados» que são o núcleo de actos que a existência da patente confere ao seu titular, nos terrri do artigo 101e do Código da Propriedade Industrial. O acto de AIM constitui apenas uma declaração do INFARMED que certifi que o medicamento que lhe foi submetido a estudo, tem efeito terapêuticç e possui qualidade e segurança. As Directivas Comunitárias 2001/83/CEE e a Directiva 2004/27/CEE bem com jurisprudência comunitária pertinente, não consideram relevante o direito patente no processo de atribuição de AIM. Caso o INFARMED aferisse, para emissão das AIM, da existência, validad^ e eficácia de patentes sobre os medicamentos em causa estaria, com isso violar não apenas o Decreto-Lei 176/2006, mas sobretudo o Direito Comunitário, nas Directivas 2001/83/CE e 2004/27/CE, por força do princípio do primado e do efeito directo vertical das Directivas, decorrente do facto d estas estabelecerem requisitos claros, precisos e incondicionais paifa deferimento das AIM. O Tribunal aferiu e decidiu bem sobre a inexistência de "fumus borti iurir" que é o único factor relevante para a concessão da providência e deve-^e considerar verificado apenas nas situações excepcionais de invalidac ostensiva ou grosseira do acto. O artigo 1025 alínea C) do Código da Propriedade Industrial expressamente abre uma excepção ao direito exclusivo do titular da patente, permitindo qúe terceiros, mesmo sem autorização do titular da patente, pratiquem actps sobre o bem patenteado para fins de ensaio ou experimentais, incluindo experiências para preparação dos processos administrativos necessários a aprovação de produtos petos organismos oficiais competentes. A parte final deste artigo 102 alinea C do Código da Propriedade Industrial, coordena-se com o disposto pelo artigo 14^ n® 4 do Estatuto o Medicamento Não obstante a AIM, se a exploração do medicamento autorizado constituir violação de patente, o titular da AIM e autor dessa violação da patente, é ciVil ou criminalmente responsável. A coordenação e interacção entre o Código da Propriedade Industrial, o Estatuto do Medicamento e as Directivas comunitárias relacionadas com a introdução no mercado de novos medicamentos, consagram o respeito pdlo bloco de legalidade. Não há periculum in mora nestes autos, na medida em que, a AIM não viola direito da Recorrente e por conseguinte não lhe causa danos; Não há nenhuma situação de facto consumado decorrente da improcedência desta providência porquanto a Recorrente pode socorrer-se das providências cautelares previstas nos artigo 338-1 do Código da Propriedade Industrial sq e quando a Cl lançar o seu medicamento genérico no mercado. A comercialização efectiva do medicamento não depende da AIM mas tíe vários factores, nomeadamente, técnicos, económicos, comerciais e da análise sobre a existência e a extensão dos direitos de CCP e a sua potencial infracção ou não pelo genérico. Só podem considerar-se irreparáveis os prejuízos relativamente aos quéiis ocorra uma impossibilidade de reintegração específica da esfera jurídica qo lesado. A ponderação de interesses pende para a protecção do interesse público tenta a natureza e alcance do mesmo, mas inclusivamente porque com a improcedência desta providência cautelar a recorrente não fica perante fac^o consumado podendo requerer outras providências cauteJares adequadas a defender o seu direito. Notificadas as partes neste T. C. A. nos termos do artº 149.5 do CPTA, as mesmas vieram pronunciar-se, repetindo no essencial o já alegado. 2. Foi a seguinte a factualidade dada como assente na sentença recorrida: A) A Requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto consiste, na fabricação, montagem, venda, importação e exportação ou comercialização de produtos químicos, farmacêuticos e cirúrgicos, de produtos relativos a cuidados de saúde, de cosméticos e de produtos de perfumaria e de higiene pessoal de todos os tipos – Documento n.º 1 junto ao Requerimento inicial; B) A A... Inc. era titular da Patente de Invenção Nacional n.º 86866, com a epígrafe “PROCESSO PARA A PREPARAÇÃO DE COMPOSTOS PIPERAZINIL-HETEROCÍCLICOS”, a qual caducou em 29 de Fevereiro de 2008 – Documento n.º 2 junto ao Requerimento inicial; C) A A... Inc. é titular do Certificado Complementar de Protecção n.º 122, com data limite de vigência de 1 de Março de 2013, com a epígrafe “PROCESSO PARA A PREPARAÇÃO DE COMPOSTOS PIPERAZINIL-HETEROCÍCLICOS”, o qual abrange o produto Ziprasidona, cloridrato (ZELDOX), e encontra-se protegido na Patente Base n.º 86866, no qual foi averbada Licença de Exploração para a ora Requerente – Documento n.º 2 junto ao Requerimento inicial e documento n.º 1 junto pela Requerente com o articulado de resposta às excepções; D) A A... Inc. é titular da Patente de Invenção Europeia com efeito nacional atribuído n.º 1029861, com a epígrafe “DERIVADO BENZOISOTIAZOL-PIPERAZINILO E SUA UTILIZAÇÃO COMO NEUROLÉTICO”, com data limite de vigência de 7 de Maio de 2013, na qual foi averbada Licença de Exploração para a ora Requerente – Documento n.º 3 junto ao Requerimento inicial e documento n.º 2 junto pela Requerente com o articulado de resposta às excepções. E) A A... Inc. é titular da Patente de Invenção Europeia com efeito nacional atribuído n.º 904273, com a epígrafe “SAL TRI-HIDRATO DE MESILATO DE 5 - { 2-[4-(1,2 – BENZISOTIAZOL-3-IL)-1-PIPERAZINIL]-ETIL}-6-COLRO-1,3-DI-HIDRO-2H-INDOL-2ONA(=ZIPRASIDONA) SUA PREPARAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO COMO ANTAGONISTA DE DOPAMINA D2”, com data limite de vigência de 26 de Março de 2017, na qual foi averbada Licença de Exploração para a ora Requerente – Documento n.º 4 junto ao Requerimento inicial e documento n.º 3 junto pela Requerente com o articulado de resposta às excepções; F) A A... Inc. é titular da Patente de Invenção Europeia com efeito nacional atribuído n.º 900088, com a epígrafe “COMPLEXOS DE INCLUSÃO DE SAIS ARIL-HETEROCÍCLICOS”, com data limite de vigência de 1 de Abril de 2017, na qual foi averbada Licença de Exploração para a ora Requerente – Documento n.º 5 junto ao Requerimento inicial e documento n.º 4 junto pela Requerente com o articulado de resposta às excepções; G) A A... Products Inc. é titular da Patente de Invenção Europeia com efeito nacional atribuído n.º 965343, com a epígrafe “FORMULAÇÕES DE ZIPRASIDONA”, com data limite de vigência de 8 de Junho de 2019, na qual foi averbada Licença de Exploração para a ora Requerente – Documento n.º 6 junto ao Requerimento inicial e documento n.º 5 junto pela Requerente com o articulado de resposta às excepções; H) A A... Products Inc. é titular da Patente de Invenção Europeia com efeito nacional atribuído n.º 1476162, com a epígrafe “SÍNTESE CONTROLADA DE ZIPRASIDONA”, com data limite de vigência de 17 de Fevereiro de 2023, na qual foi averbada Licença de Exploração para a ora Requerente – Documento n.º 7 junto ao Requerimento inicial e documento n.º 6 junto pela Requerente com o articulado de resposta às excepções; I) Em 8 de Abril de 2009 a Requerente, a A... Inc. e a A... Products Inc subscreveram um documento com o seguinte teor (tradução): “ […] Relativamente às Patentes de Invenção Portuguesas: 1) N°86866 com SPC N°122: PROCESSO PARA PREPARAÇÃO DE COMPOSTOS PIPERAZINIL-HETEROCÍCLlCOS em nome de A... Inc. 2) N°1029861: DERIVADO BENZOISOTIAZOL- PIPERAZINILO E SUA UTILIZAÇÃO COMO NEUROLÉPTICO em nome de A... Inc. 3) N°904273: SAL TRI-HIDRATO DE MESILATO DE 5-{2-[4-(1,2-BENZISOTIAZOL-3-IL1-PIPERAZI N IL]-ETIL}-6-CLORO-1 ,3-DI-HIDRO-2H-INDOL-2-ONA-(=ZIPRASIDONA), SUA PREPARAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO COMO ANTAGONISTA DE DOPAMINA D2 em nome de A..., Inc. 4) N°900088: COMPLEXOS DE INCLUSÃO DE SAIS ARIL- HETEROCÍCLlCOS em nome de A..., Inc. 5) N°965343: FORMULAÇÕES DE ZIPRASIDONA em nome de A... Products, Inc. 6) N°1476162: SÍNTESE CONTROLADA DE ZIPRASIDONA em nome de A... Products, Inc. CONSIDERANDO O SEGUINTE: (A) A... Inc. é proprietária das primeiras quatro (1-4) patentes supracitadas em Portugal. (B) A... Inc. Products é proprietária da quinta e sexta (5-6) patentes supracitadas em Portugal. (C) Por meio de acordo datado de 14 Agosto de 2008, em vigor desde 1 de Janeiro de 2008, A... Inc. e A... Inc. Products concederam à C.P. Pharmaceuticals International C.V., uma sociedade limitada (commanditaire vennootschap) formada e estabelecida segundo a legislação da Holanda, a qual é, para todos os devidos efeitos, devidamente representada pelos respectivos sócios gerais A... Manufacturing LLC e A... Production LLC, uma licença exclusiva com direito a sublicenciar para as patentes supracitadas. ACORDO E CONFIRMAÇÃO Relativamente às promessas mútuas aqui assumidas e demais considerações (aqui reconhecidas e aceites), a A... Inc., a A... Products Inc. e a C.P. Pharmaceuticals International C.V. por este meio confirmam, reconhecem e acordam que a licença para as patentes supracitadas foi concedida à Laboratórios A..., LDA, válida desde 1 de Janeiro de 2001, mantém-se sujeita aos seguintes termos e condições: A Laboratórios A..., LDA possui uma licença não-exclusiva para explorar comercialmente, incluindo importar, utilizar e vender em Portugal produtos farmacêuticos que contenham ziprasidona, que sejam objecto ou que sejam fabricados de acordo com os processos descritos nas patentes supracitadas. A Laboratórios A..., LDA está expressamente autorizada a intentar acções judiciais por violação de patente ou actos de concorrência desleal contra terceiros, quer individualmente, quer conjuntamente com outras pessoas singulares ou colectivas com poder para intentar acções judiciais da mesma natureza por violação das referidas patentes e/ou Dados NDA. A Laboratórios A..., LDA está expressamente autorizada a requerer e obter quaisquer autorizações de introdução no mercado que sejam necessárias ou Certificados Complementares de Protecção para as patentes supracitadas e para quaisquer produtos que contenham ziprasidona, que sejam objecto ou que sejam fabricados de acordo com os processos descritos nas patentes supracitadas. Quer a C.P. Pharmaceuticals International C.V., quer a Laboratórios A..., LDA, poderão cessar esta licença com aviso prévio de 60 dias por meio de notificação escrita à outra parte. Caso a C.P. Pharmaceuticals International C.V. ou a Laboratórios A..., LDA sejam declaradas falidas ou insolventes, poderá a outra parte cessar esta licença por meio de notificação escrita. […]”– Documento n. º 8 junto ao Requerimento inicial; J) Em 19 de Fevereiro de 2002 foi concedida à ora Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento “ZELDOX”, na forma farmacêutica Pó para e solvente para solução injectável, Ziprasidona, mesilato trihidratado – 27,29 mg (<> 20 mg de ziprasidona / zoprasidone), registo n.º 3879384, cuja renovação foi autorizada por despacho de 13 de Dezembro de 2006, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada, até 1 de Agosto de 2010 – Documento n.º 13 junto ao requerimento inicial; K) Em 19 de Fevereiro de 2002 foi concedida à ora Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento “ZELDOX”, na forma farmacêutica Cápsula dura – Cápsulas azuis/brancas n.º 4, Ziprasidona, cloridrato – 22,65 mg (<> 20 mg de ziprasidona/zoprasidone), registos n.ºs 3876182, 3876281, 3876380, 3876389, 3876588, 3876687, 3876786, 3876885, cuja renovação foi autorizada por despacho de 13 de Dezembro de 2006, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada, até 1 de Agosto de 2010 – Documento n.º 14 junto ao requerimento inicial; L) Em 19 de Fevereiro de 2002 foi concedida à ora Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento “ZELDOX”, na forma farmacêutica Cápsula dura – Cápsulas azuis n.º 4, Ziprasidona, cloridrato – 45,3 mg (Equivalente a 40 mg de ziprasidona), registos n.ºs 3876984, 3877081, 3877180, 3877289, 3877388, 3877487, 3877586, 3877685, cuja renovação foi autorizada por despacho de 13 de Dezembro de 2006, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada, até 1 de Agosto de 2010 – Documento n.º 15 junto ao requerimento inicial; M) Em 19 de Fevereiro de 2002 foi concedida à ora Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento “ZELDOX”, na forma farmacêutica Cápsula dura – Cápsulas brancas n.º 3, Ziprasidona, cloridrato – 67,95 mg (Equivalente a 60 mg de ziprasidona), registos n.ºs 3877784, 3877883, 3877982, 3878089, 3878188, 3878287, 3878386, 3878485, cuja renovação foi autorizada por despacho de 13 de Dezembro de 2006, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada, até 1 de Agosto de 2010 – Documento n.º 16 junto ao requerimento inicial; N) Em 19 de Fevereiro de 2002 foi concedida à ora Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento “ZELDOX”, na forma farmacêutica Cápsula dura – Cápsulas azuis/brancas n.º 2, Ziprasidona, cloridrato – 90,6 mg (Equivalente a 80 mg de ziprasidona), registos n.ºs 3878584, 3878683, 3878782, 3878881, 3878980, 3879087, 3879286, 3879285, cuja renovação foi autorizada por despacho de 13 de Dezembro de 2006, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada, até 1 de Agosto de 2010 – Documento n.º 17 junto ao requerimento inicial; O) Em 25 de Novembro de 2004 foi concedida à ora Requerente autorização para introdução no mercado (AIM) do medicamento “ZELDOX”, na forma farmacêutica Suspensão oral, Ziprasidona – 10 mg/ml, registos n.ºs 5197884 e 5197983, cuja renovação foi autorizada por despacho de 13 de Dezembro de 2006, do Director da Direcção de Medicamentos e Produtos de Saúde, no uso de competência subdelegada, até 1 de Agosto de 2010 – Documento n.º 18 junto ao requerimento inicial; P) Em 30 de Janeiro de 2009, foi concedida à ora contra-interessada Generis Farmacêutica, S.A. autorização de introdução no mercado do medicamento genérico de Ziprasidona “ZIPRASIDONA GENERIS”, 20 mg, cápsula (registos n.ºs 5177233, 5177241, 5177258, 5177266, 5177274, 5177308, 5177316, 5177324) – Documento n.º 26 junto ao requerimento inicial; Q) Em 30 de Janeiro de 2009, foi concedida à ora contra-interessada Generis Farmacêutica, S.A. autorização de introdução no mercado do medicamento genérico de Ziprasidona “ZIPRASIDONA GENERIS”, 40 mg, cápsula (registos n.ºs 5177332, 5177340, 5177357, 5177365, 5177373, 5177407, 5177415, 5177423) – Documento n.º 27 junto ao requerimento inicial; R) Em 30 de Janeiro de 2009, foi concedida à ora contra-interessada Generis Farmacêutica, S.A. autorização de introdução no mercado do medicamento genérico de Ziprasidona “ZIPRASIDONA GENERIS”, 60 mg, cápsula (registos n.ºs 5177431, 5177449, 5177456, 5176464, 5177472, 5177506, 5177514, 5177522) – Documento n.º 28 junto ao requerimento inicial; S) Em 30 de Janeiro de 2009, foi concedida à ora contra-interessada Generis Farmacêutica, S.A. autorização de introdução no mercado do medicamento genérico de Ziprasidona “ZIPRASIDONA GENERIS”, 80 mg, cápsula (registos n.ºs 5177530, 5177548, 5177555, 5177563, 5177571, 5177605, 5177613, 5177621) – Documento n.º 29 junto ao requerimento inicial; Ao abrigo do artº 712 CPC, mais adito os seguintes factos com interesse para a correcta decisão da causa: T) O pedido do genérico Ziprasidona Generis feito pela Generis Farmacêutica, S. A., foi feito indicando como medicamento de referência o “Zeldox”, dos laboratórios A... – doc. fls. 55, 68, do processo administrativo. U) A substância activa do pedido de AIM da Generis Farmacêutica, S. A., é a “ziprasidona, cloridrato anidro” – docs. fls. 50, 55, 66 do processo instrutor apenso. 3. São as seguintes as questões a resolver: 3.1. Deveriam ter sido ouvidas as testemunhas arroladas ? 3.2 As ilegalidades invocadas são manifestas ? 3.3. Analisou correctamente a primeira instância a questão do periculum in mora ? 3.4. Em caso negativo à questão anterior, verificam-se os demais pressupostos para o decretamento da providência ? 4.1. Nos termos do artº 118.3 do CPTA, a falta de inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, formalmente, não constitui qualquer invalidade. De facto, a referida disposição legal, dá ao Juiz do processo cautelar um poder-dever de ordenar as provas que considere necessárias. Se, neste caso concreto, ele entendeu que as testemunhas não eram necessárias, fez bem em não as inquirir. 4.2. A sentença recorrida entendeu que as ilegalidades invocadas não são manifestas. Atenta a questão controvertida, aqui andou bem a referida decisão. De facto, da simples leitura dos argumentos das partes se pode ver que não é manifesto que alguma delas tem razão, nomeadamente, que o autor tem razão. 4.3. Entendeu a sentença recorrida que o periculum in mora não se verifica, porque os prejuízos são quantificáveis e ressarcíveis. Ora, esta percepção, na nossa opinião, radica numa visão errada da questão. O que a recorrente pretende conservar com a dedução da presente providência cautelar, é a sua quota de mercado, protegida, segundo alega, pelas patentes de que é titular. A quota de mercado integra valores que uma vez perdidos, nunca poderão ser completamente ressarcidos, como seja a habituação/fidelização dos clientes a um certo produto, que tem em si um valor económico que vai para além do montante líquido das unidades vendidas ou que deixaram de se vender. Defender que a perda da quota de mercado é ressarcível, por ser possível saber quantos medicamentos se vão deixar de vender, é remeter a tutela do direito para uma reparação de segundo grau, como será sempre a indemnização em substituição da reparação natural. O que a recorrente pretende é uma tutela de primeiro grau. Se a providência não for decretada, estaremos perante uma situação irreversível, a perda da quota de mercado, pelo que o decretamento da providência é necessário. Assim sendo, decidiu incorrectamente a sentença recorrida, ao considerar que não havia periculum in mora por os prejuízos serem ressarcíveis. 4.4. Chegados a esta solução, impõe-se conhecer das demais questões que não foram conhecidas na primeira instância, por a resposta à questão anterior, a do periculum in mora, as ter prejudicado, por força do artº 149.3. do CPTA. As providências cautelares são antecipatórias quando “procuram antecipar a tutela jurisdicional que se pretende obter através da acção principal” (Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., pág. 235). Serão conservatórias quando “visam garantir a realização de um direito” (cit.). Ou, como diz Freitas do Amaral, “as providências antecipatórias são aquelas que visam obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito, enquanto que as providências conservatórias são aquelas que se destinam a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder” (As providências cautelares do novo contencioso Administrativo, in Justiça Administrativa, nº 43, pág. 6). No caso das providências destinadas a suspender a eficácia de um acto administrativo, como é o caso destes autos, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, pág. 556, defendem que se trata de uma providência conservatória. As providências conservatórias vêm previstas no artº 120.2.b) do CPTA, e, para além da exigência do periculum in mora (tratado supra), têm como requisito que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo, ou seja, um fumus non malus iuris. Invoca a recorrente a anulabilidade do acto de concessão do AIM por o mesmo violar os seus direitos de propriedade industrial. Afigura-se-me que a violação de direitos de propriedade industrial em sede de concessão de AIMs não podem nunca configurar ilegalidades, por não competir ao INFARMED fazer respeitar os direitos de propriedade industrial quando aprecia os pedidos de concessão de genéricos. O procedimento administrativo de AIM visa apenas controlar a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento que o requerente pretende colocar no mercado (vide neste sentido, Remédio Marques, in Medicamentos versus Patentes, pág. 252). O que eles podem configurar é ilicitudes, por violação desses direitos de propriedade. A violação de direitos subjectivos ou interesses legítimos de particulares por actos da administração constituem actos ilícitos, embora possam ser formalmente legais (vide no sentido desta distinção entre ilegalidade e ilicitude, Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. II, pág. 398). Alega a recorrente/requerente que as suas patentes abrangem a ziprasidona. Este facto foi expressamente impugnado pela contra-interessada, que alega que as patentes invocadas não abrangem esse produto. Trata-se de uma questão que tem a ver com a abrangência do conteúdo das patentes. Esta matéria, em princípio, seria da competência dos Tribunais de Comércio, pelo que estamos perante uma questão prejudicial. Esta questão, no meu entendimento, deve ser resolvida neste processo cautelar, com efeitos restritos a este processo cautelar, ao abrigo do artº 15.1. do CPTA. Analisando. Em primeiro lugar, vamos definir o que são medicamentos de referência e genéricos, para delimitarmos as águas em que nos movemos. Os medicamentos de referência são “medicamentos que foram autorizados com base em documentação completa, ou seja, com base, entre outros, em ensaios farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos, e clínicos” (J. P. Remédio Marques, in Medicamentos versus Patentes, pág. 25). O medicamentos genéricos são “os medicamentos que ostentam a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, sob a mesma forma farmacêutica, cuja bioequivalência em relação aos medicamentos de referência tenha sido demonstrada através de estudos de biodisponibilidade adequada” (cit.). Da análise das patentes apresentadas pela recorrente, não é á primeira vista claro se as mesmas abrangem o produto em causa, ou apenas formulações, variantes, aplicações ou métodos de fabrico do referido produto. Vamos pois concretizar a análise das sete patentes invocadas pela requerente, para as confrontar com o genérico alvo da AIM. O genérico refere-se, como vimos, à Ziprasidona, cloridrato anidro. A primeira patente invocada não é uma patente de produto, mas de processo. Isto quer pelo seu título, onde tal é dito expressamente, quer pela data em que foi requerida, pois em Portugal em 1988 não havia patentes de produtos, mas apenas de processos. Acresce que a criação da possibilidade legal de se patentearem produtos não transformou as patentes de processos em patentes de produtos, que assim se mantiveram como patentes de processos. Mais acresce que esta patente já caducou em 2008. A segunda é um mero certificado complementar de protecção da primeira, pelo que não sendo a primeira uma patente de produto, o seu certificado complementar de protecção também não o poderá ser. Contudo, este certificado complementar protege o processo até 01/03/2013 e, de acordo com a mesma, o produto que se pretende atingir com esta patente é a ziprasidona, cloridrato (fls. 524). As patentes de processo são distintas das patentes de produto. No sentido da distinção que acabamos de fazer, veja-se o Ac. da RL de 01/10/2009, proc. nº 904/04.1TYLSB.L1-2, consultável in www.dgsi.pt, onde se pode ler: “Como é sabido, as invenções são regra técnicas destinadas a solucionar problemas técnicos ou a determinar uma nova via de solução tecnicamente mais perfeita ou economicamente mais eficiente. Para que uma invenção possa ser objecto de patente necessário será que essa invenção apresente as seguintes características fundamentais: a. O carácter inventivo, já que as leis sobre patentes visam proteger a criação que não possa ser obtida como consequência normal e lógica dos conhecimentos ou do estado das técnica em determinado momento, o que significa que a invenção deve ultrapassar a técnica industrial corrente ou a capacidade ou faculdades normais de um perito médio na matéria; b. A novidade, já que a invenção para ser patenteável não pode estar compreendida no estado da técnica. Esta compreende, segundo LUÍS M. COUTO GONÇALVES, Manual de Direito Industrial: Patentes, Desenhos ou Modelos, Marcas, Concorrência Desleal, 2ª ed. 82, a descrição, utilização ou qualquer outro meio de divulgação, clara e inequívoca, de uma invenção que represente, substancialmente, a mesma solução para o mesmo problema técnico. AMÉRICO DA SILVA CARVALHO, O Objecto da Invenção, Coimbra Editora, 1970, 16, defendia que a novidade não poderia considerar-se como um requisito autónomo da invenção, mas como uma parte de um todo que é o carácter inventivo, pois para que a invenção possua carácter inventivo, necessário se torna que possua novidade. A verdade é que, a invenção terá de ser uma criação do seu autor, não podendo constituir a repetição de uma criação alheia. c. O carácter industrial ou a aplicação industrial, visto que a invenção terá de servir de base a uma indústria, entendida na sua acepção mais ampla, ligada ao conceito de produção, independentemente, no entanto, do seu valor comercial ou económico. Acresce aos supra mencionados requisitos principais de patenteabilidade, outros requisitos suplementares, tais como a suficiência da descrição e o carácter técnico da invenção. A descrição da invenção é feita na memória descritiva que compreende o título, a descrição propriamente dita e as reivindicações e são estas que definem o alcance e o âmbito da patente, aí devendo o inventor indicar o que considera novo e, finalmente, o resumo da invenção. De acordo com a Lei da Propriedade Industrial o âmbito de protecção de uma invenção é determinado pelas reivindicações, que definem o alcance da sua protecção (artigo 14º, nº 3 CPI /40 ou artigo 58º, alínea a) do CPI/95 ou artigo 62º, nºs 1 a) e 3 do CPI/2003), devendo indicar-se na primeira das reivindicações, e de forma clara, o objecto da invenção. Como esclarece J. P. REMÉDIO MARQUES, O Conteúdo dos Pedidos de Patente: A Descrição do Invento e a Importância das Reivindicações – Algumas Notas, “O Direito”, ano 139º, 2007, 869, as reivindicações são proposições linguísticas, as quais caracterizam, clara e sucintamente, os elementos de natureza técnica constitutivos da própria solução (técnica) em que se exprime o invento que o titular do direito à patente pretende proteger. Mas, para além das patentes de invenção de produtos novos, “reivindicações de produto” são também patenteáveis a criação ou a realização de um novo meio ou processo, ou aplicação nova de meios ou de processos semelhantes para se obter um produto comercializável ou resultado industrial. As “reivindicações de processo” incidem, portanto, sobre actividades ou acções providas de varias etapas ou estádios ou sobre um método ou procedimento de utilização. E, estes novos meios ou processos devem, pois, permitir obter um resultado industrial – físico, químico ou mecânico. Todavia, no que concerne à indústria química e farmacêutica, o regime decorrente do Código da Propriedade Industrial de 1940 – Decreto-Lei nº 30 679, de 24 de Agosto de 1940 - comportava algumas especificidades. Com efeito, decorria do disposto no artigo 5º do CPI/40 que não podiam ser objecto de invenção os produtos da indústria química nem os preparados farmacêuticos, muito embora pudessem ser patenteados os processos da sua obtenção e os aparelhos ou sistemas do seu fabrico. Mas, após a entrada em vigor, no ordenamento português, da Convenção Sobre a Patente Europeia, em 1 de Janeiro de 1992, passou a ser possível designar o Estado Português como ordenamento para onde, no domínio de um pedido de patente europeia, se pode pedir a tutela de invenções de produtos químicos e farmacêuticos. O impedimento de outorga de patentes nacionais relativas a tais invenções de produtos químicos e farmacêuticos apenas foi alterado com a entrada em vigor do Código da Propriedade Industrial de 1995 – Decreto-Lei nº 16/95, de 23 de Agosto – que ocorreu em 1 de Junho de 1995, nos termos do artigo 48º, nº 2 do aludido diploma. De resto, com a adesão de Portugal ao Acordo que instituiu a Organização Mundial do Comércio (O.M.C.), sempre se poderá defender a aplicação no território nacional do Acordo TRIPS (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Industrial Relacionados com o Comércio que faz parte daquele como Anexo I.C.), ambos aprovados pela Comissão Europeia, na sua qualidade de parte contratante, por Decisão do Conselho 94/800CE, de 22 de Dezembro. Acresce que o Acordo que criou a Organização Mundial do Comércio e respectivos anexos, decisões e declarações ministeriais e o Acto Final que consagra os resultados das negociações comerciais multilaterais do Uruguay Round, assinados em Marraquexe em 15 de Abril de 1994, foram aprovados pela Resolução da Assembleia da República nº 82-B/94 e ratificados por Decreto do Presidente da República nº 82-B/94, DR, I-A nº 298/94 de 27.12.94. O Acordo TRIPS protege, no nº 1 do seu artigo 27º, as invenções em qualquer domínio da tecnologia, quer se trate de produtos ou processos, sendo certo que, por força do artigo 65º, nº 1 do Acordo TRIPS, os Estados contratantes ficaram obrigados a aplicar as suas disposições a partir de 1 de Janeiro de 1996, sendo tal acordo de aplicação directa pelos Tribunais Nacionais dos Estados Membros da Comunidade Europeia, como tem sido jurisprudência firmada do Tribunal de Justiça das Comunidades, integrando o direito interno português - v. neste sentido, e a título meramente exemplificativo, Ac. STJ de 26.01.2006, acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt. Ora, a concessão da patente tendo por objecto um produto confere ao seu titular o direito exclusivo de explorar esse produto, podendo impedir que um terceiro pratique actos através dos quais se concretiza a exploração do produto, opondo-se à sua fabricação ou venda qualquer que seja o processo empregado por esse terceiro de obtenção do produto. Trata-se da aplicação da doutrina da protecção absoluta das patentes de produto. Por seu turno, a patente de processo confere ao seu titular um direito exclusivo de explorar o invento, que neste caso consiste no processo protegido, não podendo um terceiro produzir, vender ou de qualquer forma comercializar o produto obtido através do processo patenteado, podendo, no entanto, o terceiro, produzir o produto desde que o faça por processo diferente daquele que é objecto de patente. No caso dos produtos químicos ou farmacêuticos, estando em causa uma patente de processo – como sucede no caso vertente - apenas se atribui ao produto farmacêutico um monopólio relativo, já que o mesmo pode ser obtido por um processo diferente do patenteado. Como refere AMÉRICO DA SILVA CARVALHO, ob. cit., 105, se assim se não entendesse a protecção da patente de processo seria idêntica à protecção da patente de produto. Reveste, portanto, de particular relevância apurar se um determinado produto obtido é novo, no sentido de ter sido produzido por um processo diferente sendo, por isso, tal processo patenteável. Nas invenções de processo de substâncias ou compostos químicos ou farmacêuticos a ideia inventiva industrial manifesta-se, como elucida J. P. REMÉDIO MARQUES, Medicamentos versus Patentes, Coimbra Editora, 273, na manipulação (combinação, justaposição, uso) das forças e dos elementos químicos (produtos) preexistentes na natureza. Essa manipulação tanto pode desembocar na obtenção ou na fabricação de um produto como um outro resultado. Todavia, o que é patenteável e objecto necessário de reivindicação (…) é apenas o acervo de etapas, fases ou actividades e não o resultado industrial. E, refere ainda o citado autor que os meios, materiais da ideia inventiva nas invenções de processos químicos e farmacêuticos são precisamente aquelas fases, etapas ou ciclos (de misturar e de fazer reagir substâncias químicas inorgânicas ou matérias biológicas em determinadas condições químicas. Executadas através de actividades humanas precipuamente enformadas por regras técnicas. Na verdade, no processo de obtenção de uma composição química ou farmacêutica geralmente o inventor faz reagir a substância activa (nova ou conhecida) com outras substâncias activas conhecidas ou com substâncias auxiliares. Como defende AMÉRICO DA SILVA CARVALHO, ob. cit., 114-115, a novidade da invenção reside no processo de preparação da substância activa, consistindo a novidade do processo na escolha dos meios de reacção. E, sendo a substância activa nova, a novidade do processo consistirá na escolha dos meios de reacção na qual entra a substância activa nova. Daí a necessidade de ser reivindicado o processo de preparação da composição química ou farmacêutica para que o mesmo possa ficar protegido, visto que, como acima ficou dito, são as reivindicações que definem o âmbito e o alcance da patente, já que as reivindicações de processo recaem sobre uma actividade, um método ou um procedimento de utilização – v. tb. neste sentido Ac. R. L. de 14.12.2004, acessível no supracitado sítio da Internet.” Distinguida a patente de processo da patente de produto, estando nós perante uma patente de processo, há que decidir se esta concreta patente abrange este concreto produto em causa. Sobre esta questão, a da abrangência do produto pela patente de processo, pronunciou-se o Ac. da RL de 17/09/2009, proc. nº 893/1995.L1-2, consultável in www.dgsi.pt , dizendo o seguinte: “Como já defendia AMÉRICO DA SILVA CARVALHO, ob. cit., pg. 114 e ss., ainda no âmbito do CPI de 1940, estando em causa uma patente de processo, a lei permite que se proteja não só o processo de obtenção do composto químico ou farmacêutico, mas também o processo de obtenção da composição (…) o inventor verá protegido não só o processo de preparação do composto novo, mas também o processo de preparação da composição química ou farmacêutica, isto é, o processo de preparação do produto a comercializar. E, se o titular da patente tem protegido o processo de obtenção da composição química ou farmacêutica, bastar-lhe-á provar que o terceiro fabrica ou obtém essa composição por um processo que viola a patente. Não tem, portanto, que provar que o próprio composto ou substância química ou farmacêutica é fabricada por terceiros por um processo que viola a patente. E, exemplificando a situação refere: Um inventor é titular duma patente para o processo de obtenção da substância activa X (nova) da formula Y. Reivindica e obtém também protecção para o processo de preparação da composição química ou farmacêutica a qual é preparada misturando a substância activa com diluentes e/ou agentes tensio-activos. Desde que o terceiro prepare a composição, misturando a mesma substância activa com diluentes e/ou agentes tensio-activos, o titular da patente prova que há violação da mesma (…) O terceiro para se defender terá de provar que obtém a substância activa por um processo diferente daquele por que o titular da patente a obtém, visto que não tem qualquer outro meio de provar que não violou a patente. Estabelece, por seu turno, o artigo 34º, nº 1, do Acordo TRIPS que para efeitos dos processos civis relativamente à infracção dos direitos do titular referidos no nº 1, alínea b), do artigo 28º, no caso de o objecto de uma patente ser um processo de obtenção de um produto, as autoridades judiciais serão competentes para ordenar ao requerido que prove que o processo de obtenção de um produto idêntico é diferente do processo patenteado. Prevê-se ainda no aludido Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados Com o Comércio – TRIPS - que os Membros estabelecerão que qualquer produto idêntico, quando produzido sem o consentimento do titular da patente, na falta da prova em contrário, será considerado como tendo sido obtido pelo processo patenteado, verificada que seja uma das seguintes circunstancias: a) ser novo o produto obtido pelo processo patenteado; b) existir forte probabilidade de o produto idêntico ter sido obtido por esse processo e o titular da patente não tiver podido determinar, através de esforços razoáveis nesse sentido, qual o processo efectivamente utilizado. Expressa, por outro lado, o nº 2 do artigo 34º do citado Acordo, a liberdade de qualquer Membro poder estabelecer que o ónus da prova indicado no nº 1 incumbirá ao alegado infractor apenas no caso de se encontrar preenchida a condição referida na alínea a) ou apenas no caso de se encontrar preenchida a condição referida na alínea b), ambas do nº 1 do mesmo artigo. Decorre do nº 1 do artigo 41º que os Membros velarão por que a sua legislação preveja processos de aplicação efectiva conforme especificado na presente parte de modo a permitir uma acção eficaz contra qualquer acto de infracção dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelo Acordo (…). O nº 2 do artigo 97º do actual Código da Propriedade Industrial - Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março – dispõe que se o objecto da patente disser respeito a um processo, os direitos por ela conferidos abrangem os produtos directamente obtidos pelo processo patenteado. E, estabelece, por seu turno, o artigo 98º que, se uma patente tiver por objecto um processo de fabrico de um produto novo, o mesmo produto fabricado por um terceiro será, salvo prova em contrário, considerado como fabricado pelo processo patenteado. Trata-se de um normativo idêntico ao que constava no artigo 93º do Código da Propriedade Industrial de 1995 e no § 1º do artigo 6º do Código da Propriedade Industrial de 1940, introduzido neste diploma pelo Decreto-Lei nº 40/87, de 27 de Janeiro, mas que já antes havia existido no nosso ordenamento jurídico, por força do artigo 3º do Decreto-Lei nº 176/80, de 30 de Maio, normativo entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 295/83, de 21 de Junho. São pressupostos desta inversão do ónus de prova: i) A titularidade de patente de processo de fabrico de um produto; ii) A novidade deste à data o pedido de concessão da patente; iii) A sua obtenção por aquele processo; iv) A identidade daquele produto com o posterior. Como esclarece LUÍS M COUTO GONÇALVES, ob. cit., 112, o alargamento de protecção da patente de processo visa evitar que o titular da patente fique indefeso a importações do mesmo produto e, por isso, não se exige ao titular da patente o ónus da prova diabólica de que o terceiro utilizou o mesmo processo patenteado no fabrico do produto. Mais refere este autor que a finalidade é libertar o titular de uma tarefa muito difícil, não dizer impossível, de, em tempo útil, reunir provas de que o processo de fabrico do produto é idêntico ou equivalente ao patenteado. Atendendo à reconhecida dificuldade de o titular da patente devassar o espaço empresarial de um eventual contrafactor e de aceder à sua documentação técnica e recolher matéria probatória percebe-se o interesse e alcance da presunção legal tantum iuris. Em idêntico sentido decidiu o Ac. STJ de 26.01.2005, acessível no supra mencionado site da Internet (Pº 05B4206), no qual se defendeu que a pessoa accionada com base na violação do titular de patente de processo pode facilmente provar não haver utilizado o processo anteriormente patenteado, e que tal presunção é aplicável ainda que os factos provados revelem a existência de posteriores processos de fabrico do mesmo produto. Considerando, porém, a dificuldade na determinação do âmbito de protecção da patente generalizou-se a doutrina denominada “doutrina dos equivalentes” que, no essencial, visa qualificar o grau de evidência ou de originalidade da invenção. Há equivalência se houver identidade do efeito técnico, evidência dos meios modificados e semelhança da solução técnica encontrada. Esta orientação mereceu apoio na Conferência Diplomática de Revisão da Convenção da Patente Europeia (em vigor em Portugal desde Janeiro de 1992) e foi colhida no artigo 2º do Protocolo interpretativo do artigo 69º (preceito idêntico ao disposto no citado artigo 97º, nº 1 do CPI), no qual se dispõe que: Para efeitos da determinação da extensão da protecção conferida por uma patente europeia, deve ter-se em conta todo o elemento equivalente a um elemento especificado nas reivindicações. E, esta doutrina passou a ser vinculativa para qualquer patente obtida pela via europeia de protecção, mas é também aplicada, por razões de igualdade concorrencial e de segurança jurídica, a quaisquer patentes nacionais independentemente da via de protecção adoptada (nacional, europeia ou internacional). Como salienta LUÍS M. COUTO GONÇALVES, ob. cit., 116-126 verifica-se infracção do direito de patente por equivalência sempre que: a) A invenção patenteada e a invenção questionada se situarem no âmbito do mesmo problema técnico; b) Ambas apresentarem uma solução idêntica e os elementos modificados (ou variantes) estiverem ao alcance de um perito na especialidade, a partir da interpretação lógica (não estritamente literal) e objectivista (a procura da vontade declarada deve sobrepor-se à procura da vontade do titular da patente do conteúdo das reivindicações da invenção protegida, de acordo com a orientação hermenêutica do artigo 1º do Protocolo interpretativo do artigo 69º da Convenção Europeia da Patente. Mas, pese embora a equivalência, o âmbito de protecção de uma invenção não deve abranger o equivalente se este foi insusceptível de protecção ou for considerado evidente face ao estado da técnica.” Constando do certificado complementar de patente que “o produto abrangido é o(a) ziprasidona, cloridrato (zeldox)”, aparentemente, estamos perante um produto novo pelo que a recorrente tem a seu favor a presunção do artº 98 do CPI. E que a contra-interessada Generis está a utilizar a informação técnica deste produto, parece também ser assim face ao facto de ser o Zeldox o produto de referência para o seu genérico. Já quanto às demais patentes invocadas pela recorrente, a aparência da protecção do produto não se verifica. De facto, a terceira (fls. 87), é um “DERIVADO BENZOISOTIAZOL-PIPERAZINILO E SUA UTILIZAÇÃO COMO NEUROLÉTICO”. Conforme se pode ler a fls. 556 do documento junto pela requerente, as reivindicações não referem em lado algum que estamos perante uma reivindicação de Ziprasidona. A quarta (fls. 98 e 536) tem como título “SAL TRI-HIDRATO DE MESILATO DE 5 - { 2-[4-(1,2 – BENZISOTIAZOL-3-IL)-1-PIPERAZINIL]-ETIL}-6-COLRO-1,3-DI-HIDRO-2H-INDOL- 2ONA(=ZIPRASIDONA) SUA PREPARAÇÃO E SUA UTILIZAÇÃO COMO ANTAGONISTA DE DOPAMINA D2”. Como se pode ler da sua descrição, o que aparentemente está patenteado é uma determinada utilização de um produto, não um produto de per si. Logo, parece não estarmos perante uma patente nem de produto nem de processo, mas de uso. Acresce que de acordo com as reivindicações (fls. 574) o que está patenteado é um tri-hidrato de mesilato, o que aparentemente é algo diferente de um cloridrato. A quinta (fls. 109) refere-se a um “COMPLEXOS DE INCLUSÃO DE SAIS ARIL-HETEROCÍCLICOS”, e de acordo com as reivindicações de fls. 613, não consta nenhum cloridrato de ziprasidona, mas outros produtos, como v. g., tartarato, esilato, ou mesilato de ziprasidona e, nenhum de per si, mas misturados com outros produtos ou dosagens específicas de ziprasidona. A sexta (fls. 120) refere-se a FORMULAÇÕES DE ZIPRASIDONA”, e de acordo com as reivindicações (fls. 648) refere-se a uma composição com tamanhos específicos de partículas. A sétima (fls. 131) refere-se a uma “SÍNTESE CONTROLADA DE ZIPRASIDONA”, e de acordo com as revindicações (fls. 720) estamos perante “um método de síntese de uma composição de ziprasidona que compreende uma quantidade de descloroziprasidona seleccionada a partir de não superior a cerda de (…)”. Ou seja, aparentemente, estamos perante uma patente de processo e não de produto. Como temos de nos restringir à sumario cognitio própria dos procedimentos cautelares, como é à autora que cabia provar os factos constitutivo dos direitos alegados, temos de concluir, em face dos documentos apresentados, que perante a dúvida sobre se as patentes abrangem ou não a ziprasidona, rectius, o cloridrato de ziprasidona, que ela autora logrou provar que o produto em causa está abrangido pelas suas duas primeiras patentes invocadas, mas não pelas restantes Não estamos a dizer que terá de ser esse o resultado da acção principal. A recorrente pode na acção principal vir a provar que todas as suas patentes abrangem o produto objecto da AIM, por exemplo, socorrendo-se de prova pericial. A contra-interessada Generis pode vir conseguir provar exactamente o contrário, que nenhuma das patentes abrange a sua substância activa. O que se está a dizer é que face à sumário cognitio própria dos procedimentos cautelares, neste processo, aparentemente, a recorrente tem o direito que invoca protegido pelas duas primeiras patentes. Ou seja, não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada. Há que fazer agora a ponderação de interesses do artº 120.2. do CPTA. Considerando que os danos que resultam da concessão da providência são a contra-interessada não poder vender por enquanto o seu genérico, nem o público em geral poder usufruir do mesmo, que os danos que resultariam da sua recusa são a aparente violação dos direitos de propriedade industrial da recorrente, considero que os danos da concessão não são superiores aos da recusa, pelo que se impõe conceder a providência. Contudo, esta concessão só deve ser decretada até à data de vigência do CCP da patente que se considerou proteger o produto, ou seja, até 01/03/2013 (fls. 527). 5. Conclusão: Por tudo quanto vem de ser exposto, Acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul em: 5.1. Revogar a sentença recorrida. 5.2. Ao abrigo do artº 149.3. do CPTA julgar a presente providência cautelar provada e procedente, decretando a suspensão de eficácia dos actos de autorizações de introdução no mercado de medicamentos genéricos de ziprasidona concedidos à contra-interessada Generis, S. A., até 01/03/2013. Custas pela recorrida. Registe e notifique. PAULO CARVALHO ANTÓNIO VASCONCELOS CRISTINA SANTOS - 3 Voto de vencido: Salvo o devido respeito pela tese que obteve vencimento, conforme sufragado no ac. 6408/10 deste TCA-Sul, de 23.SET.2010, daríamos à questão do âmbito da patente o enquadramento que se transcreve e, consequentemente, na procedência do recurso interposto pelos Laboratórios Pfizer Lda., decretaria a suspensão de eficácia dos actos de concessão de AIM’s datadas de 30.01.2009 relativos ao medicamento genérico Ziprasidona Generis (cápsulas de 20, 40, 60 e 80 mg) referidos nos pontos P, Q, R e S do probatório. *** Rec. nº 6408/10, de 23.09.2010: (..) importa ainda delimitar, no tocante ao objecto cautelar, o que configura matéria administrativa do que já se reporta a questões de natureza do âmbito tecnológico das patentes, o que necessariamente se prende com o conteúdo das reivindicações. De acordo com os termos do artº 62º nº 1 a) e nº 3 do Código da Propriedade Industrial de 2003 (CPI/2003) correspondente ao artº 58º do CPI/95 as reivindicações traduzem “(..) os elementos de natureza técnica (considerações, meios e efeitos técnicos) que caracterizam o invento, de tal maneira que esses elementos ou características devem ser os necessários para definir o produto revindicado (..) ou executar o método reivindicado. As reivindicações desempenham uma função essencial: delimitam o âmbito da ideia inventiva industrial para a qual a protecção tenha sido pedida (e, posteriormente, concedida). E, assim, também contribuem para delimitar a esfera reservada de actuação do titular da patente, face aos comportamentos de terceiros que, na perspectiva desse titular, possam estar a efectuar uma utilização merceológica da solução técnica reivindicada, ainda quando esta seja materializada em objectos ou processos “diferentes”. (..) permitem não só aferir a susceptibilidade de protecção de uma invenção, mas também determinar o âmbito (tecnológico) de protecção do direito de patente adrede concedido, demarcando a linha divisória para aquém da qual o titular pode impedir que terceiros desenvolvam certas actividades com finalidades merceológicas (v.g., venda, importação, transporte, fabrico, posse, etc., artº 101º do CPC de 2003). As reivindicações são proposições linguísticas, as quais caracterizam, clara e sucintamente, os elementos de natureza técnica constitutivos da própria solução (técnica) em que se exprime o invento que o titular do direito à patente pretende proteger. (..)” (1) Na medida em que o âmbito tecnológico de protecção conferido pela patente é definido pelos resultados interpretativos do conteúdo ou teor das reivindicações - “servindo a descrição e os desenhos para as interpretar”, cfr. disposto no artº 97º nº 1 in fine do CPI/2003 correspondente ao artº 93º do CPI/95 -, tal significa que eventuais questões suscitadas à propósito de infracções à patente reclamam um juízo de análise da concreta redacção dada às reivindicações, tornando-se “(..) claro que o julgador pode (e deve) servir-se da prova pericial e de eventual assistência técnica para a compreensão de questões de facto para as quais não tenha a necessária preparação, nos termos e nas modalidades previstas no artº 649º/1 do CPC, para intuir o sentido e alcance das reivindicações. (..)” (2) Isto porque de acordo com o disposto no artº 62º nº 4 CPI/2003, a descrição do objecto de invenção configura um documento de natureza simultaneamente jurídica e técnica: jurídica porque “(..) apta ao apuramento dos requisitos de patenteabilidade e delimitação do objecto da invenção (..)” e técnica porque “(..) deve ainda comportar, no mínimo, um modo de realização ou exemplo de concretização que possibilite a qualquer pessoa competente na matéria a execução da invenção (..)”, isto é, possibilite ao perito na especialidade executar a invenção ali descrita. (3) Respigando um exemplo da Doutrina, “(..) Se, por exemplo, o objecto da invenção é uma substância química susceptível de reduzir os níveis de hipertensão, a descrição deve conter informação científico-tecnológica suficiente, que o mesmo é dizer que há-de permitir que qualquer perito na especialidade possa fabricá-la industrialmente e a sua aplicação contribua, efectivamente, para reduzir a hipertensão. (..)”. (4) * Todas estas questões directamente respeitantes ao âmbito de protecção tecnológica da patente têm a ver com situações e posições jurídicas próprias do instituto da propriedade industrial, obtidas e reguladas segundo os parâmetros normativos do Código da Propriedade Industrial, complexo normativo de direito privado em que a função da propriedade industrial, de acordo com o artº 1º, CPI/2003 “(..) é a de garantir a lealdade da concorrência [na sociedade em que se insere], a qual se concretiza por duas vias: (i) a da atribuição de direitos privativos no âmbito do CPI, (ii) a da repressão da concorrência desleal. (..)” (5) Todavia, em ordem à garantia e estabilidade dos direitos privados de patente plasmado nas reivindicações e, consequentemente, da extensão de protecção de exclusivo temporário de comercialização de que o titular da mesma beneficia em razão directa do respectivo conteúdo substancial, estamos perante um dos casos especiais em que “(..) pela importância social ou económica dos bens envolvidos, pela frequência dos negócios que lhes respeitam e (ou) pela concorrência e conflitualidade da sua apropriação – para que lhe seja assegurada (ou assegurada em termos mais favoráveis) a respectiva garantia jurídica, as leis exigem que eles sejam constituídos, publicitados ou compilados publicamente, por autoridades administrativas ou por entidades publicamente investidas para o efeito. Do que se trata agora é de assegurar a certeza e autenticidade da criação, titularidade e conteúdo dessa propriedade, mediante a intervenção de oficiais públicos, alheios à situação ou acto jurídico em causa. (..)” (6) Nesta ordem de ideias impõe-se proceder à distinção jurídica entre (i) o que é a controvérsia processual directamente centrada na actividade desenvolvida no uso da competência administrativa de autenticação de um título de propriedade, como é o caso da concessão de patente tendo por objecto mediato determinadas reivindicações e descrição, (ii) daquilo que na controvérsia processual é configurado por questões de natureza substantiva privada envolvendo factos que extravasam o procedimento administrativo da certificação pública por se dirigirem já ao próprio objecto certificado, no caso, à matéria configurada na solução técnica alcançada pelo inventor e reivindicada pelo sujeito que reclama o direito à patente ou o respeito pelos direitos de patente já concedida. A primeira compete à jurisdição administrativa, a segunda à jurisdição comum, na medida em que pelo artº 89º nº 1 als. f) e h) e nº 2 a) da Lei 3/99 de 13.01, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) compete aos tribunais de comércio julgar (i) as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial em qualquer das modalidades previstas no CPI (declaração de rectificação nº 7/99, in DR nº 39, de 01.02.99, pág. 804) (ii) as acções de nulidade e de anulação nas modalidades previstas no CPI, (iii) os recursos de decisões que, nos termos previstos no CPI, concedam, recusem ou tenham por efeito a extinção de qualquer dos direitos privativos nele previsto (idem quanto à citada declaração de rectificação). O que significa que os litígios em matéria substantiva regulada no Código da Propriedade Industrial – como é o caso dos litígios envolvendo o âmbito do conteúdo técnico das reivindicações patenteadas – hão-de ser dirimidos pelos Tribunais de Comércio, que são tribunais de 1ª instância em matéria especializada conforme disposto no artº 64º nº 1 LOFTJ, concretamente o Tribunal de Comércio de Lisboa (excluindo desta matéria da propriedade industrial o Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia). Em ordem ao sentido aqui sustentado, tomamos apoio no entendimento expresso pela Doutrina de que “(..) as vicissitudes da situação jurídica constituída pelo acto de registo do INPI (v.g., falta de novidade, nível inventivo, insuficiência da descrição do invento) projectam-se no plano do direito privado, sendo compreensível e aceitável a atribuição de competência jurisdicional ao Tribunal de Comércio de Lisboa (tribunal judicial) (..) Nota (6) – (..) Objectos possíveis de uma acção deduzida junto dos tribunais judiciais são todas as causas que podem conduzir à invalidade da patente, independentemente da circunstância de já terem sido previamente examinadas em sede de procedimento administrativo de concessão (..) Deve, de facto, entender-se que os tribunais judiciais desfrutam de competência para apreciar e julgar estas matérias e que inexiste qualquer interferência, conflito ou incompatibilidade de jurisdição entre o INPI e os tribunais judiciais, visto que se estes gozam de competência material para declarar a invalidade de uma patente já concedida (ou de outro direito industrial), a fortiori desfrutam de competência para apreciar e julgar a subsistência dos requisitos de patenteabilidade (hoc sensu, de quaisquer requisitos de protecção) respeitantes a um pedido de patente. (..)” (7) (..)” * Pelo que vem de ser dito e sumariando, 1. O âmbito tecnológico de protecção conferido pela patente é definido pelos resultados interpretativos do conteúdo ou teor das reivindicações, cuja função essencial é de delimitar o âmbito da ideia inventiva industrial para a qual a protecção tenha sido pedida e, posteriormente, concedida. 2. A autorização de introdução no mercado (AIM), da competência do INFARMED, tem por finalidade remover o limite de exercício do direito pré-existente da iniciativa económica privada, constitucionalmente configurado - artºs. 14º nº 1, 15º nº 1 e 23º nº 1, DL 176/06 de 30.08; artº 61º, CRP. 3. A fixação do PVP compete à Direcção Geral de Empresa (DGE), devendo os titulares da AIM formular a sua proposta de preços, passível de autorização tácita decorridos que sejam, no tocante aos genéricos, 45 dias sobre a entrada do pedido, sem prejuízo de eventuais suspensões em caso de solicitação de elementos ao requerente - cfr. artºs. 1º nº 1, 2º e 4º, Portaria 300/A/07, de 19.03. 4. O acto administrativo de AIM assume a natureza de condição do procedimento a desencadear pelo interessado junto da DGE para fixação dos máximos de PVP - artº 77º nºs. 1 e 3, DL 176/06 de 30.08 e artº 1º nº 1, Portaria 300/A/07 de 19.03. 5. A natureza poligonal ou multipolar da situação jurídica administrativa em que se insere o acto de concessão de AIM fundamenta a legitimidade de intervenção de terceiros titulares de direitos exclusivos assentes em patente/certificado complementar de protecção (CCP) do medicamento de referência, no procedimento autorizativo para o medicamento genérico e de controlo participado no iter de formação da decisão, ao abrigo do estatuto jurídico de contra-interessados - cfr. artºs. 52º e 53º, CPA. 6. Tendo a lei afastado expressamente o efeito preclusivo da norma de justificação, o titular de AIM não pode prevalecer-se de nenhum efeito justificativo ao abrigo da concessão da autorização, contra eventuais pretensões de terceiros titulares de patente/CCP lesados pela comercialização de genéricos na vigência da protecção do exclusivo – cfr. artºs. 14º nº 4 e 29º nº 1 n), DL 176/06 de 30.08. 7. A concessão de AIM de medicamentos genéricos na pendência da vigência de patente/CCP sobre a substância activa dos medicamentos de referência e obtido o PVP, constituem causa provável, em juízo de normalidade, de decréscimo do volume de negócios e descida de réditos, probabilidade fáctica notória no sentido adjectivo do artº 514º nº 1 CPC, que não carece de prova, não sendo necessário trazer à acção cautelar as demonstrações financeiras dos dois ou três últimos anos para, a partir delas, extrapolar projecções contabilísticas de perdas operacionais e decréscimo de proveitos e ganhos de exercício. Lisboa, 21.10.2010 (Cristina dos Santos) 1- Remédio Marques, O conteúdo dos pedidos de patente: a descrição do invento e a importância das reivindicações – algumas notas, O Direito, ano 139º, IV, 2007, págs. 796/797. 2- Remédio Marques, O conteúdo… O Direito, ano 139º, IV, 2007, págs. 827/828. 3- Teresa Garcia, A inventividade, Direito Industrial – Vol. V, Almedina/2008, págs. 291/292. 4- Remédio Marques, O conteúdo… O Direito, ano 139º, IV, 2007, pág. 788. 5- Mota Maia, Propriedade industrial – CPI - Anotado, Vol. II, Almedina/2005, pág.54. 6- Mário Esteves de Oliveira, A publicidade, o notariado e o registo público de direitos privados, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares, Studia Iurídica nº 61, Coimbra Editora, págs. 477 e 483. 7- Remédio Marques, O conteúdo dos pedidos de patente: a descrição do invento e a importância das reivindicações – algumas notas, … O Direito, ano 139º, IV, 2007, pág. 771. |