Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04415/08
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/31/2011
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:FUNÇÃO PÚBLICA – DIFERENÇA REMUNERATÓRIA – IGUALDADE
Sumário:Se as diferenças remuneratórias entre dois funcionários públicos da mesma categoria resultam do facto de terem percursos profissionais distintos com pressupostos inquestionados, não há discriminação ilegal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores, com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de Sintra uma A.A.E. contra Instituto da Segurança Social, IP (ISS).

Instruída e discutida a causa, por acórdão daquele tribunal foi a referida acção julgada improcedente.

Inconformado, vem o SINDICATO DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA DO SUL E AÇORES recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

(questão 1)

1a - Ocorre erro de julgamento da matéria de facto quando no ponto 2) da factualidade assente no Acórdão recorrido se declarou que o funcionário José ……………… pertencia ao quando de pessoal do Centro Distrital de Segurança Social de …………, visto que este Centro Distrital não possui quadro próprio e continua a deter, em conjunto com o CDSS de Lisboa, o quadro criado para o ex-Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo pela Portaria n° 1056/93, de 21/10.

(questão 2)

2a - Ocorre erro de julgamento na matéria de direito quando no Acórdão recorrido se considerou que a Interessada e aquele seu colega pertenciam a organismos distintos.

(questão 3)

3a - Ocorre igual erro quando no mesmo aresto se considerou que no vertente caso os funcionários em causa não reuniam o requisito de detenção da mesma categoria e escalão para se aferir do desigual posicionamento no escalão de promoção/mudança de nível. Porquanto,

4a - Tal conclusão do aresto recorrido se mostra contrariada pelos factos assentes no acórdão recorrido.

5a - Efectivamente, o aresto recorrido incorreu também em erro de julgamento quando nele se invoca o Acórdão do STA de 29.06.2006, Rec. 967/05, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 233/2005 para justificar a desigualdade de tratamento com base na doutrina da "dimensão diferenciante", pois assentou no (erróneo) pressuposto de facto de as diferenças provirem do passado, o que não se verificou no caso em apreço.

6a - Ocorre erro de julgamento quando no Acórdão se reconhece que o diploma das carreiras de informática permite a criação de situações não "consentâneas com os princípios da coerência e equidade retributivas que devem enformar o sistema retributivo " e quando nele se admitiu que, "do ponto de vista da justiça relativa apresente situação não seja a desejada", mas não se julgou violado o princípio constitucional da igualdade e, por conseguinte, não se extraíram as devidas consequências legais. Pois,

7a - O Tribunal deveria ter aplicado as normas legais em causa de acordo com o princípio da interpretação conforme aos preceitos constitucionais tendo em conta, designadamente, o princípio constitucional da igualdade e segundo a doutrina que promana do princípio "in dúbio pró libertate".

(questão 4 – nova)

8a - Aliás, o bloco normativo ou de legalidade invocado em abono da tese expendida no Acórdão recorrido, na leitura que neste foi feita, mostra-se materialmente desconforme ao referido princípio constitucional e, assim, padece de manifesta inconstitucionalidade.

Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, e em seu lugar proferir-se outro por via do qual se conceda provimento à acção e ao respectivo pedido.”

Foram apresentadas contra-alegações (que não se encontram no SITAF) com as seguintes CONCLUSÕES:

“1. A actual estrutura do ISS, I.P. não comporta Centros Regionais de Segurança Social, mas Centros Distritais de Segurança Social, permanecendo, contudo, em vigor os quadros de pessoal dos ex-Centros Regionais de Segurança Social.

2. A associada do A., afecta ao quadro de pessoal do ex- CRSS de Lisboa e Vale do Tejo, a desempenhar funções no CDist de Lisboa encontra-se correctamente posicionada na categoria, nível e escalão.

3. O funcionário José ……………., afecto ao quadro de pessoal do ex-CRSS de Lisboa e Vale do Tejo, a desempenhar funções do CDist de Santarém, encontra-se devidamente posicionado na categoria, nível e escalão.

4. As diferenças remuneratórias que se verificam entre a associada do A. e o funcionário, José ………………….., resultam, por um lado, da mudança de escalão ocorrida automaticamente no percurso profissional deste, anterior à finalização do procedimento interno de selecção, o que não ocorreu com a Interessada, e da abertura de procedimento interno de selecção para mudança de nível em momentos diferentes, uma vez que são funcionários afectos a Centros Distritais diferentes.

5. Compete a cada Centro Distrital de Segurança Social desencadear o procedimento interno de selecção para mudança de nível, quando se verifiquem os critérios definidos pelo Conselho Directivo do ISS, I.P., constantes da Orientação Técnica n.° 9/2003, de 24/07, e desde que se encontre assegurada a respectiva cabimentação orçamental.

6. A diferença remuneratória que se verifica entre a Interessada e o funcionário afecto ao CDist de Santarém não resulta de errada aplicação da Lei, na medida em que, como se constata, a Interessada e o funcionário, José ………………. não se encontravam em igualdade de circunstâncias quando ocorreu a mudança de nível determinada pelo procedimento interno de selecção.

Termos em que, e com o douto suprimento desse Tribunal, não deverá ser concedido provimento ao Recurso, mantendo-se o sentido da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.”

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA).

Concluiu que o recurso não merece provimento.

*

Colhidos os vistos, importa agora, em conferência, apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS

A decisão recorrida considerou provada a seguinte factualidade:

1 - A interessada, Jocelina ……………, é detentora da categoria de Especialista de Informática do Grau 3, e exerce funções na Unidade de Sistemas de Informação do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, a qual:

a) - Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 97/2001, de 26 de Março, transitou para a categoria de Especialista de Informática do Grau 3, Nível l, Escalão l, índice 720, com efeitos a 03.02.2001.

b) - E progrediu para o Grau 3, Nível l, Escalão 2, índice 760, em 03.02.2003.

c) - No seguimento da abertura do procedimento interno de selecção, a interessada ascendeu ao Grau 3, Nível 2, Escalão l, índice 780, com efeitos a 10.03.2004.

2 - O funcionário José ………….., Especialista de Informática do Grau 3, do quadro de pessoal do Centro Distrital de Segurança Social de Santarém (facto a alterar : O funcionário José ………………, especialista de Informática do Grau 3, exerce funções no Centro Distrital de Segurança Social de Santarém):

a) - Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 97/2001, de 26 de Março, transitou para a categoria de especialista de Informática do Grau 3, nível l, escalão l, índice 720, com efeitos a 03.02.2001 (igual à Interessada cit.);

b) - Progrediu para o Escalão 2 - índice 760, do Nível l da categoria de Especialista de Informática de Grau 3, em 03.02.2003 (igual à Interessada cit.);

c) - Progrediu para o escalão 3 - índice 800, do Nível l da categoria de Especialista de Informática de Grau 3, em 02.02.2005;

d) - Em 03.03.2005, no seguimento da abertura de procedimento interno de selecção para mudança de nível, ascendeu ao Nível 2 da categoria de especialista de Informática de Grau 3, ficando posicionado no escalão 2 - índice 820.

3) - Em 08 de Junho de 2005, a interessada dirigiu ao Presidente do Conselho Directivo do ISS, IP, requerimento no qual, após referenciar a factualidade indicada em 1) e 2), alegando que “A situação narrada constitui uma injustiça e clara violação do principio da equidade interna do sistema retributivo, consagrado no artigo 14.º do DL 184/89, de 2/6, bem como das regras e princípios que se extraiam do artigo 21° do DL 404-A/98, de 18/12, princípio e regras estas que, em bom rigor, densificam o princípio constitucional da igualdade”, requereu o seu reposicionamento escalonar e indiciário, com efeitos às datas em que o referido colega a ultrapassou retributivamente, atribuindo-lhe escalões e índices nunca inferiores aos deste (doc. 2 da p. i.).

4) - Em 11.10.2005, a interessada entregou novo requerimento, requerendo informação ou notificação da decisão proferida sobre o requerimento de 08.06.2005 (doc. 3 da p.i.).

5) - Relativamente ao pedido da interessada, o Departamento de Recursos Humanos do ISS, IP, emitiu parecer negativo, através da Informação n.º 1582/2005, em que formularam as seguintes conclusões:

“1. As requerentes encontram-se correctamente posicionadas na categoria, nível e escalão.

2. O funcionário do CDSS de Santarém, José ……….., encontra-se devidamente posicionado na categoria, nível e escalão.

3. As diferenças remuneratórias que se verificam entre as ora requerentes e o funcionário José ………………… resultam da abertura de procedimento interno de selecção para a mudança de nível em momentos diferentes, uma vez que são funcionários afectos a Centros Distritais diferentes.

4. Compete a cada Centro Distrital desencadear o procedimento interno de selecção para mudança de nível, quando se verifiquem os critérios definidos pelo Conselho Directivo do ISS, IP.

5. A diferença remuneratória que se verifica entre as requerentes e o funcionário afecto ao CDSS de Santarém não resulta de errada aplicação da lei.” (doc. 6 da p.i., que se dá por reproduzido).

6) - A interessada foi notificada nos termos e para os efeitos dos artigos 100° e 101° do C.P.A. (audiência prévia), por comunicação n° 5822, de 09.12.2005 (doc. 6 da p.i.).

7) - Em 27/01/2006, o Departamento de Recursos Humanos, do ISS, IP, elaborou a Informação n° 106/2006, no sentido de indeferimento da pretensão da interessada, em conformidade com os fundamentos constantes da Informação n° 1582/2005, que transcreve (doc. 5 da p.i., que se dá por reproduzido).

8) - Sobre a Informação n° 106/2006, foi proferido o seguinte despacho:

"Indefiro, com fundamento nos elementos de facto e de direito constantes da informação 1582 / 2005 e da presente informação. Em 8/2/2006 (ass.) António ………………. — Vogal do CD” (doc. 5 da p.i.).

9) - Esse despacho foi notificado á interessada por comunicação n° 7083, de 23.02.2006 (doc. 5 da p.i.).

Nos termos do artº 712º nº 1 do CPC, aplicável ex vi artº 140º CPTA, altera-se a matéria de facto provada sob o nº 2, com base no processo como se verá abaixo:

2 - O funcionário José ……………….., especialista de Informática do Grau 3, exerce funções no Centro Distrital de Segurança Social de Santarém (…).

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso jurisdicional é delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), donde resulta que cabe a este tribunal superior resolver a seguinte questão:
1. Há erro de julgamento da matéria de facto quando no ponto 2 da factualidade assente? Veremos que sim.
2. Há erro de julgamento na matéria de direito quando no Acórdão recorrido se considerou que a Interessada e aquele seu colega pertenciam a organismos distintos? Veremos que sim.
3. Há erro de julgamento quando no mesmo aresto se considerou que, no vertente caso, os funcionários não reuniam o requisito de detenção da mesma categoria e escalão para se aferir do desigual posicionamento no escalão de promoção/mudança de nível? Assentou no erróneo pressuposto de facto de as diferenças provirem do passado? Veremos que não.
4. Há manifesta inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e segundo a doutrina que promana do princípio "in dubio pro libertate"? Veremos que não.

Vejamos.

(1º) Do erro de julgamento da matéria de facto

Sustenta o Recorrente que ocorre erro de julgamento da matéria de facto quando, no ponto 2 da factualidade assente, se declarou que o funcionário José …………………… pertencia ao quando de pessoal do Centro Distrital de Segurança Social de Santarém, visto que este Centro Distrital não possui quadro próprio e continua a deter, em conjunto com o CDSS de Lisboa, o quadro criado para o ex-Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo pela Portaria n° 1056/93, de 21/10 (alterada pelas Portarias nº 909/95, de 18 de Julho, e 73/98, de 19 de Fevereiro), erro esse que pretende ver corrigido por o considerar relevante à apreciação das questões de direito.

O probatório deve reflectir a matéria de facto provada que se mostre relevante à decisão a proferir segundo as plausíveis soluções de direito, tendo em conta todo o quadro legal aplicável ao caso, bem como as posições assumidas pelas partes.

Pelo que, a coberto do preceituado no art.º 712.º nº 1 do CPC, importa alterar a redacção do ponto 2 do probatório, por forma a que onde se lê “(…) do quadro de pessoal do Centro Distrital de Segurança Social de Santarém (…)” se passe a ler “(…) a exercer funções no Centro Distrital de Segurança Social de Santarém (…)”.

É o que resulta dos articulados e do p.a.i. (v. ainda a Portaria n° 1056/93, de 21/10, alterada pelas Portarias nº 909/95, de 18 de Julho, e 73/98, de 19 de Fevereiro).

(2º) Dos organismos diferentes ou do mesmo organismo. (3º) Do erro sobre os pressupostos de facto da decisão aqui recorrida

Vamos sumariar, apesar da pouca clareza do probatório:

A Interessada “representada” pelo A. teve a seguinte evolução na carreira:

- Grau 3, Nível 1, Escalão 1, Índice 720, em 3-2-2001,

- Grau 3, Nível 1, Escalão 2, Índice 760, em 3-2-2003 (progressão),

- Grau 3, Nível 2, Escalão 1, Índice 780, em 10-3-2004 (por procedimento interno para mudança de nível, deduz-se que no Centro Distrital onde trabalha).

O colega com quem há a comparação teve a seguinte evolução na carreira:

- Grau 3, Nível 1, Escalão 1, Índice 720, em 3-2-2001,

- Grau 3, Nível 1, Escalão 2, Índice 760, em 3-2-2003 (progressão),

- Grau 3, Nível 1, Escalão 3, Índice 800, em 2-2-2005 (progressão),

- Grau 3, Nível 2, Escalão 2, Índice 820, em 3-3-2005 - cf. nº 1 do artº 5º do DL 97/2001 (por procedimento interno para mudança de nível, deduz-se que no Centro Distrital onde trabalha).

A estrutura do ISS, I.P. (cfr. hoje o Decreto-Lei 214/2007 e antes, aqui aplicável, o Decreto-Lei n.º 316-A/2000, de 7 de Dezembro) não comporta Centros Regionais de Segurança Social (designados como “organismos” no art. 2º do Decreto-Lei 316-A/2000). Comporta Centros Distritais de Segurança Social ou Centros Distritais de Solidariedade e Segurança Social. Permanecem, contudo, em vigor os quadros de pessoal dos antigos Centros Regionais de Segurança Social, por força dos arts. 5º e 7º-5 do DL 316-A/2000.

O ISS é um organismo público sob a forma de instituto público. Os Centros Distritais são seus serviços públicos (v. art. 257º CRP; FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, 3ª ed., pp. 791 ss) ou serviços administrativos (MARCELLO CAETANO, D. Ad., I, p. 237). A designação “organismo da Adm. Pública” significa uma entidade com personalidade jurídica. Aqui, o que resulta da lei é que o ISS é uma pessoa jurídica, mas os seus Centros não o são.

Os actuais Centros Distritais são, portanto, serviços (art. 23º dos Estatutos do ISS) públicos desconcentrados. Organismo aqui é apenas o ISS e não cada um dos seus actuais serviços distritais.

A associada do A., afecta ao quadro de pessoal do ex- CRSS de Lisboa e Vale do Tejo, desempenha funções no Centro Distrital de Lisboa do ISS. O funcionário José ……………….., afecto também ao quadro de pessoal do ex-CRSS de Lisboa e Vale do Tejo, desempenha funções no Centro Distrital de Santarém do ISS.

Portanto, os 2 funcionários integram o mesmo quadro de pessoal: quadro de pessoal do ex-CRSS de Lisboa e Vale do Tejo (portanto, do ISS), mas desempenhando funções em centros distritais diferentes.

Resulta também da lei cit. (Decreto-Lei n.º 316-A/2000) que os funcionários estão afectos a cada um dos Centros.

Têm estes Centros quadros de pessoal próprios? Dali resulta a possibilidade de as selecções internas de funcionários para promoção se processarem autonomamente dentro de cada Centro?

Ora, os CD não têm quadros de pessoal próprios, sendo meros serviços não personalizados do ISS. Mas o ISS tem vários quadros de pessoal, correspondentes aos antigos Centros Regionais. Pelo que não se vê como, sem especial norma legal, aceitar concursos internos de acesso separados entre CD do mesmo ex-CR, mas cujos funcionários integrem o mesmo quadro, como ocorreu aqui. Trata-se de algo que resulta da factualidade alegada e provada. Tanto a Interessada, em 2004, como o colega, em 2005, beneficiaram de procedimentos para subida de nível em cada um dos “seus” CD.

Não é, pois, da competência de cada um desses Centros Distritais de Segurança Social, verificados que estejam os critérios definidos e aprovados pelo Conselho Directivo do ISS, IP, constantes da Deliberação n° 9/2003, de 24/07, determinar a abertura de procedimento interno de selecção para a consequente mudança de nível. Mas a verdade é que ninguém neste processo ou noutro que se saiba, pôs em crise tais concursos, o da ora Interessada e o do colega José ………….

Enquanto a progressão constitui a mudança de escalão por efeito da permanência no escalão anterior pelo módulo de tempo legalmente previsto, a mudança de nível, dependendo embora, e também, de certa permanência temporal no nível anterior e mesmo organismo, só opera após e mediante procedimento interno de selecção (cf. n° l do art. 5º do DL 97/2001). A mudança de nível, tal como a ascensão a uma categoria superior da respectiva carreira, deve representar uma melhoria ao nível remuneratório por assunção de maiores responsabilidades (em termos semelhantes ao disposto no art° 27°, n° 3, do DL 184/89 (1) e, se não for possível, sob pena de diminuição da remuneração, a inclusão no escalão 1 da categoria para a qual o funcionário foi promovido, então este será colocado no escalão a que a estrutura remuneratória para a qual foi promovido corresponde ao índice superior mais aproximado.

O funcionário José ………………. progrediu para o Grau 3, Nível 1, Escalão 3, em 02/02/2005, antes do procedimento interno de selecção ter finalizado em 03/03/2005, pelo que, aquando da mudança de nível, este se encontrava já colocado em escalão diferente (Nível 1, Escalão 3) do da Interessada (e foi colocado em nível superior, o que não sucedeu com a funcionária Jocelina ………………..

Com a presente acção, o Recorrente pretende que se ordene o reposicionamento escalonar e indiciário da interessada, atribuindo-lhe escalões e indicies nunca inferiores aos do seu colega.

No caso dos autos, para a diferença de evolução na carreira entre a Interessada e o funcionário do CDSS de Santarém, há que ter em conta
· o tempo diferente em que, nos CDSS em que cada um está colocado, se procedeu à abertura dos procedimentos internos de selecção para mudança de nível e
· as regras legais distintas resultantes do DL 97/2001 de 26 de Março para a mudança de nível e progressão (de escalão em cada nível)— cf. artigos 5° e 6° do referido DL. (2)

Assim, as diferenças remuneratórias resultam do facto de a Interessada e o seu colega do CDSS de Santarém terem percursos profissionais distintos com pressupostos inquestionados, uma vez que, no caso do funcionário do CDSS de Santarém, ocorreu uma mudança de escalão automática a 2-2-2005, em fase anterior à finalização do procedimento interno de selecção (3-3-2005), mas no caso da Interessada não ocorreu tal mudança de escalão de modo automático, pois ela estava no nível 2, escalão 1, desde 10-3-2004 na sequência de procedimento de selecção.

Pelo que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, se deve considerar inaplicável ao caso o disposto no art. 21°, n° 4, do DL 404-A/98. (3)

(4º) Da violação do princípio da igualdade

O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam distinções, mas sim que se estabeleçam distinções desprovidas de justificação objectiva e racional.

O princípio da coerência e da equidade presidem ao sistema de carreiras.

A desigualdade remuneratória verificada em concreto deriva da evolução distinta lícita das carreiras de cada um dos funcionários, e não de um desajustamento criado por qualquer processo de transição ou aplicação diferenciada de quaisquer normas de reestruturação de carreiras, o que afasta, de modo inequívoco, a violação do princípio constitucional da igualdade. Enfim, a situação da Interessada não era igual à do seu colega.

Por esse motivo, o Acórdão recorrido nunca poderia julgar violado o referido princípio.

*

Cfr sobre estas matérias:

- Ac. do Tribunal Constitucional nº 233/2005;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-06-2006, proc. 0967/05:

I - O nº 4 do art. 21º do DL nº 404-A/98, de 18 de Dezembro, constitui um afloramento do princípio da não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação de carreiras, princípio esse que é corolário do princípio da igualdade, consagrado nos artºs 13º e 59º, nº 1, al. a) da CRP.

II - À luz deste princípio, não poderá admitir-se, por carência de justificação objectiva e racional, que funcionários dum mesmo serviço e da mesma categoria profissional, e posicionados em idêntico escalão e índice remuneratório, ao serem promovidos a uma mesma categoria, por virtude de reestruturação de carreiras, passem a auferir remunerações diferentes por efeito apenas do momento em que foram promovidos.

III - O princípio da igualdade, consagrado no artº 13º e (no domínio das relações laborais) no art. 59º, nº 1, al. a) da CRP, enquanto limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, antes implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais, e tratados desigualmente os que se encontrem em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. IV - Não é igual, não sendo por isso merecedora do mesmo tratamento, a situação de funcionários que, antes da transição, embora providos na mesma categoria, se encontravam posicionados em escalão e índice diferentes.

- Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 17-11-2004, P. nº 0357/03:

I – O n.º 4 do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, constitui um afloramento do princípio da não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação de carreiras, princípio esse que é corolário do princípio da igualdade consagrado nos arts. 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da C.R.P.

II – À face deste princípio, e dos princípios da equidade e da coerência referidos no n.º 5 daquele art. 21.º, não poderá admitir-se, por carência de justificação objectiva e racional, que, por efeito mero efeito da reestruturação de carreiras operada pelo Decreto-Lei n.º 404-A/98, um funcionário de determinada carreira e categoria que transite para determinada categoria na nova carreira aufira nesta remuneração inferior à de colegas seus com a mesma categoria na antiga carreira, que só transitaram para as mesmas novas categoria e carreira em momento posterior.

III – Tendo o Decreto-Lei n.º 404-A/98, em geral, efeito retroactivo a 1-1-98 (art. 34.º, n.º 1), para aferir da violação daquele princípio da não inversão das posições relativas tem de atender-se a todo o período de tempo em que ele se aplica, inclusivamente o anterior à sua publicação.

- Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 17-3-2004, P. nº 01315/03:

I - O n.º 4 do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, constitui um afloramento do princípio da não inversão das posições relativas de funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação de carreiras, princípio esse que é corolário do princípio da igualdade consagrado nos arts, 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da C.R.P.

II - À face deste princípio, não poderá admitir-se, por carência de justificação objectiva e racional, que funcionários da mesma categoria profissional que exercem funções num mesmo serviço público e sejam promovidos a uma mesma categoria passem a auferir remunerações diferentes por efeito apenas do momento em que foram promovidos, nem será tolerável que seja auferida remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na mesma categoria e idêntica qualificação.

- Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 17-2-2004, P. nº 01855/03:

Viola o princípio da igualdade, da não discriminação e da justiça, consagrados nos arts. 13°, 59°, n° 1, al. a) e 266°, n° 2 da CRP o indeferimento tácito relativo a funcionário que, por aplicação do DL n° 404-A/98, de 18/12, viu colocados à sua frente, em termos de índice remuneratório, funcionários com a mesma categoria que, anteriormente, estavam colocados atrás de si.

III. DECISÃO

Pelo que acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 31-3-2011


Paulo Pereira Gouveia (relator)

Cristina dos Santos

António Vasconcelos



(1) A promoção é a mudança para a categoria seguinte da respectiva carreira e opera-se para escalão a que corresponda remuneração base imediatamente superior.
(2) Artigo 6º Progressão
A progressão consiste na mudança de escalão dentro de cada nível, é automática e depende da permanência no escalão imediatamente anterior de dois anos classificados de Muito bom ou de três anos classificados, no mínimo, de Bom.
(3) Artigo 21º Situações especiais
1 – Os actuais técnicos-adjuntos especialistas, primeiros-oficiais e encarregados do pessoal operário não qualificado que, de acordo com a regra geral de transição, venham a ser integrados em índice igual àquele para que transitariam se não tivessem sido promovidos a essas categorias serão integrados no índice imediatamente superior da respectiva categoria.
2 – No caso de na aplicação deste diploma se verificarem situações análogas às previstas no número anterior, de que decorram injustiças relativas, aplicar-se-á solução que permita o afastamento da desigualdade que resultar da aplicação directa da regra de transição.
3 – Serão igualmente posicionados no escalão imediatamente superior os funcionários promovidos em 1997 que, se não tivessem sido promovidos, adquirissem pela combinação das regras de transição e de progressão um índice salarial superior ao que resulta da transição para a nova escala salarial.
4 – Serão igualmente posicionados no escalão imediatamente superior os funcionários que, na sequência de promoção ocorrida em 1997, sejam posicionados em escalão a que corresponda índice igual ou inferior ao atribuído a outros funcionários do mesmo organismo e com a mesma categoria e escalão, que não foram promovidos ou o venham a ser durante 1998.
(…)