Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02350/99
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:06/03/2004
Relator:Teresa de Sousa
Descritores:BOLSEIRO/TAREFEIRO
Sumário:1 - Apesar de no preâmbulo do Dl n.º 427/89 se fazer referência aos chamados "tarefeiros", este diploma contempla qualquer das " formas de vinculação precária, de raiz irregular", independentemente da designação que tenha sido encontrada para permitir a contratação do pessoal - "bolseiro" ou "tarefeiro" - já que na generalidade dos casos os bolseiros, dada a sua não sujeição a qualquer regime específico, funcionam como os chamados "tarefeiros".
2 - O legislador pretendeu dar solução às situações jurídicas de raiz irregular que se verificavam na função pública, através da integração de todo o pessoal, desde que preencham os requisitos legais de ingresso na carreira.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

Salete ....., Técnica Adjunta de 2ª classe da Direcção de Serviços de Apoio Técnico e Manutenção do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, residente na Calçada do Tojal, nº 85, r/c, Dto, em Lisboa, interpõe recurso contencioso do despacho de 27.10.98 do Secretário de Estado da Indústria e Energia, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pela recorrente da organização da lista de antiguidade do Pessoal do Quadro do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial respeitante a 31 de Dezembro de 1997.
Imputa ao acto recorrido o vício de violação de lei, por violação do art. 38º, nº 9 do DL. nº 427/89, de 7/12 e que, em consequência, seja anulada a Lista de Antiguidade do Pessoal do Quadro do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI) referente a 31.12.97 em virtude de a mesma estar ferida de vício de violação de lei por ocorrência de erro, e, na sequência da anulação, seja a Lista corrigida no tocante à antiguidade na categoria de Técnico Adjunto de 2ª Classe dos funcionários Jorge Guilherme Pickman Vasconcelos Marques e Maria Manuela Costa Martinho Araújo.

A autoridade recorrida respondeu concluindo não haver violação de lei na elaboração da lista de antiguidade do quadro de técnicos-adjuntos do INETI, referente a 31.12.97, pelo que deve a mesma ser mantida.


Foram citados os recorridos particulares que não contestaram.


Em alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
A. O Despacho de 27.10.98 do Secretário de Estado da Indústria e Energia incorre em vício de violação de lei por errada aplicação ao caso concreto do disposto no DL. nº 427/89, de 7/12, nomeadamente no seu art. 38º, nº 9 e no DL. nº 100-A/87, de 5/3, por ter aplicado aos recorridos particulares disposições que abrangiam apenas tarefeiros e não bolseiros.
B. Da incorrecta aplicação das disposições legais citadas ao caso concreto e consequente erro de direito, decorreu a errada contagem de antiguidade e da data da posse dos recorridos particulares, em violação de lei.
C. Mesmo que se considere ter ocorrido, não erro de direito, mas de facto, ainda assim estaremos perante violação de lei, por este vício abranger igualmente o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente, que no caso seriam as datas de início de funções como funcionários e agentes do Estado dos recorridos particulares e as datas de ingresso na categoria em apreço.

A autoridade recorrida em alegações manteve o já invocado na resposta.

O EMMP emitiu parecer no sentido de se negar provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Os Factos
Face aos documentos juntos aos autos e ao constante do processo instrutor apenso consideram-se provados os seguintes factos:
1 – Por aviso publicado no DR, II Série, de 14.05.98, a recorrente tomou conhecimento da afixação, para consulta dos interessados, da Lista de Antiguidade do Pessoal do Quadro do INETI, respeitante a 31.12.97.
2 – Na referida lista, no que respeita à categoria de técnico adjunto de 2ª classe, consta em primeiro lugar o recorrido particular Jorge Guilherme Pickman Vasconcelos Marques, com data de posse em 24.09.92 e 12 anos, 6 meses e 7 dias de antiguidade; em terceiro lugar a recorrida particular Maria Manuela Costa Martinho Araújo, com data de posse em 21.11.91 e 11 anos, 0 meses e 21 dias de antiguidade e em quinto lugar a recorrente, com data de posse em 13.12.90 e 5 anos 11 meses e 27 dias de antiguidade – cfr. doc. 1, fls. 8 dos autos.
3 – A aqui recorrente reclamou da organização da Lista de Antiguidade, por entender que esta continha erro na contagem do tempo de serviço e erro na graduação na lista dos funcionários acima indicados, com a consequente incorrecção da situação na lista da recorrente – cfr. doc. 2, fls. 9 a 12.
4 – Em 01.06.98, a recorrente foi notificada do não provimento da reclamação apresentada – cfr. doc. 3, fls. 13.
5 – Não se conformando com tal decisão, a recorrente interpôs recurso hierárquico em requerimento dirigido ao Secretário de Estado da Indústria e Energia, pedindo a anulação da referida Lista de Antiguidade e a sua correcção no tocante à antiguidade na categoria dos funcionários acima indicados, com a consequente correcção da situação na lista da recorrente – cfr. doc. 4, fls. 14 a 18.
6 – Por despacho de 27.10.98, a entidade recorrida, rejeitou liminarmente o recurso, concordando com o Parecer nº 43/GJC/98 de 30.07.98 – cfr. doc. 8, fls. 25 a 28.
7 – Da Nota Biográfica respeitante ao recorrido particular Jorge Guilherme Marques, elaborada pelo INETI em 16.03.99, consta, nomeadamente, o seguinte:
“Admitido no Ex-Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, como estagiário bolseiro, a tempo inteiro, para desempenhar funções correspondentes a adjunto técnico de 2ª classe em 01/07/85;
Contratado como técnico adjunto de 2ª classe (área de secretariado, documentação, informação e relações públicas), com contrato administrativo de provimento de 02/03/90, visado pelo T.C. em 28/05/90, (Reg. nº 04433), publicado no D.R. 2ª série nº 139 de 19/06/90, com efeitos reportados a 28/05/90;
Nomeado provisoriamente técnico adjunto de 2ª classe (área de secretariado, documentação, informação e relações públicas) do quadro de pessoal do ex-LNETI, por despacho de 19/08/92, visado pelo T.C. em 08/09/92, (Reg. nº 085491), publicado no D.R. 2ª série nº 221, de 24/09/92, termo de posse da mesma data;
Transitou com a mesma categoria para o quadro de pessoal do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial, pela 5ª Lista Nominativa aprovada por despacho de 29/07/94, do Secretário de Estado da Indústria, visada pelo T.C. em 29/09/94, (Reg. nº 81663) publicada no D.R. 2ª série nº 244, de 21/10/94;
Transitou para a categoria de técnico profissional de 1ª classe, (...), com efeitos a partir de 01/01/98 - cfr. processo instrutor, fls. não numeradas.
8 – Da Nota Biográfica respeitante à recorrida particular Maria Manuela da Costa Martinho Araújo, elaborada na mesma data e pela mesma entidade, consta o seguinte:
“Admitida no ex-Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial como estagiária bolseira, a tempo inteiro, em 01-06-84;
Nomeada provisoriamente como terceiro oficial do quadro de pessoal do ex-LNETI, por despacho de 06-03-89, diploma de provimento de 11-04-89, (...)publicado no D.R. 2ª série nº 106, de 09-05-89, posse na mesma data;
Nomeada em comissão de serviço técnica adjunta de 2ª classe da carreira técnica-profissional de nível 4 (área de secretariado, documentação, informação e relações públicas) do quadro de pessoal do ex-LNETI, por despacho de 05-08-91, (...), publicado no D.R. 2ª série nº 268, de 21-11-91, termo de aceitação da mesma data.
Transitou com a mesma categoria para o quadro de pessoal do Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial pela 5ª Lista Nominativa, aprovada por Despacho de 29-07-94, do Secretário de Estado da Indústria, (...).
Transitou para a categoria de técnico profissional de 1ª classe, (...), com efeitos a partir de 01-01-98 – cfr. processo instrutor, fls. não numeradas.


O Direito
A recorrente imputa ao acto recorrido o vício de violação de lei por errada aplicação do disposto no DL. nº 427/89, de 7/12, nomeadamente no seu art. 38º, nº 9, e no DL. nº 100-A/87, de 5/3, por ter aplicado aos recorridos particulares disposições que abrangiam apenas tarefeiros e não bolseiros.
A questão suscitada é, portanto, a de saber se o DL. nº 427/89 era aplicável ao recorridos particulares visto estes terem sido admitidos como bolseiros e não como tarefeiros.
Vejamos.
O DL. nº 427/89, de 7/12 definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública (cfr. art. 1º).
Este diploma teve em conta que: “...ao longo dos últimos anos foram surgindo formas de vinculação precária, de raiz irregular, que se institucionalizaram como verdadeiras relações de trabalho subordinado.”, consagrando um processo de regularização da situação jurídica desse pessoal admitido, impropriamente designado por “tarefeiro”.
Apesar de no preâmbulo se fazer referência aos chamados “tarefeiros”, afigura-se-nos que este diploma contempla qualquer das “formas de vinculação precária, de raiz irregular”, independentemente da designação que tenha sido encontrada para permitir a contratação do pessoal (cfr. art. 9º do C.C.) – “bolseiro” ou “tarefeiro” – já que na generalidade dos casos os bolseiros, dada a sua não sujeição a qualquer regime específico, funcionaram como os chamados “tarefeiros”.
O art. 37º do DL. nº 427/89, que regula a transição do pessoal em situação irregular, dispõe no nº 1: “É contratado em regime de contrato administrativo de provimento o pessoal sei título jurídico adequado que à data da entrada em vigor do presente diploma conte mais de três anos de exercício de funções nos serviços e organismos referidos no artigo 2º com sujeição à disciplina e hierarquia e com horário de trabalho completo”.
Acrescenta o nº 3 do mesmo artigo (redacção do DL. nº 407/91, de 17/10), que:
“O contrato administrativo de provimento previsto no nº 1 faz-se na categoria de ingresso da carreira correspondente às funções desempenhadas, sem prejuízo das habilitações literárias e profissionais legalmente exigidas”.
Dispõe o nº 9 do art. 38º que:
“Sem prejuízo da aplicação de regimes mais favoráveis, o tempo de serviço prestado em situação irregular pelo pessoal aprovado no concurso a que se referem os números anteriores releva na categoria de ingresso em que sejam contratados, bem como para os efeitos de aposentação e sobrevivência, mediante o pagamento dos correspondentes descontos”.
Das disposições transcritas resultam duas ideias fundamentais:
A primeira é a de que o legislador pretendeu dar solução às situações jurídicas de raiz irregular que se verificavam na função pública, através da integração de todo o pessoal (não apenas os designados “tarefeiros”), desde que preencham os requisitos legais de ingresso na carreira.
A segunda é a de que o tempo de serviço prestado anteriormente a essa regularização será contado para efeitos de antiguidade na Função Pública, designadamente para efeitos de ingresso na carreira.
Assim, tendo a Lista de Antiguidade tido em conta o tempo de serviço prestado pelos recorridos particulares em situação irregular como bolseiros, nos termos do art. 38º, nº 9 citado, não enferma do invocado vício de violação de lei, nem por erro de direito, nem por erro nos pressupostos de facto.

Pelo exposto, acordam em:
a) – negar provimento ao recurso;
b) – condenar a recorrente nas custas, fixando-se em € 150 a taxa de justiça e a procuradoria em 50%.


Lisboa, 3 de Junho de 2004