Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06050/10
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/20/2010
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:CONVOLAÇÃO DO PROCESSO CAUTELAR EM PROCESSO PRINCIPAL - ART° 121° CPTA
PROCESSO URGENTE - PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO - 15 DIAS CASO JULGADO MATERIAL
Sumário:1.Da convolação do processo cautelar em processo principal com antecipação da decisão de mérito do litígio, ao abrigo do art° 121° CPTA, emergem duas consequências: (i) o processo permanece sob o regime da tramitação urgente, em consonância com a situação substantiva de urgência expressa no n° l do cit. art° 121° CPTA; (ii) o objecto da causa principal que se impõe conhecer é aquele que decorre do articulado inicial cautelar que, por convolação do meio adjectivo, assume a natureza de petição inicial do meio de tutela final urgente.

2. A decisão definitiva por convolação em processo principal do processo cautelar, admite a formação de caso julgado material o que não se verifica com as decisões cautelares que apenas assumem valor de caso julgado formal, vinculativo no âmbito do próprio processo - art° 383° n° 4CPC.

3. Da natureza urgente inerente ao meio adjectivo principal para que se convola deriva a aplicação, em bloco, do regime processual gizado para os processos urgentes, nomeadamente o prazo de 15 dias para interposição de recurso nos termos do art° 147 n° l CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista - CCPJ, com os sinais nos autos, inconformada com o despacho de 17.09.2009, que rejeitou o recurso interposto da sentença proferida ao abrigo do regime do art° 121° CPTA, dele vem reclamar, pelos fundamentos que se transcrevem:

“(..)
II - Do fundamento da presente reclamação: '
Alicerça a decisão proferida no facto da acção principal, ter sido antecipada, com acordo das partes, ao abrigo do art.° 121 .° do CPTA, "... no processo cautelar ... ".
Ora, a decisão proferida, por via do indicado preceito, operou urna convolação do processo, conforme é jurisprudência e doutrina uniforme.
E fá-lo desde que, entre outros pressupostos legais cumulativos, se verifique que "... a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar ..." (n.° l do indicado preceito legal).
Essa decisão de convolação é proferida nos autos de providência cautelar e, como afirma o n.° 2 do preceito "... é passível de impugnação nos termos gerais."
E por aí se fica a previsão normativa da tramitação do procedimento cautelar que só se reabrirá em caso de procedência do recurso que da mesma seja interposto.
Nada na lei impõe, salvo melhor opinião, que a decisão seja proferida nos autos principais o que, de resto, é manifestamente adjectivo e irrelevante, posto que inequivocamente o que é proferida é uma decisão sobre o objecto da acção.
Seja proferida em procedimento cautelar convolado ou na acção principal ela é proferida desde logo porque a decisão daquele procedimento, entre o mais, era inapropriada aos interesses acauteláveis.
Trata-se portanto e sempre uma decisão sobre o mérito da causa principal recorrível também nos termos gerais.
Nada na lei remete de novo para a continuação da tramitação urgente do procedimento. Devem assim os prazos de interposição de recurso ser os definidos, em termos gerais, para o recurso jurisdicional de primeira instância. (..)"

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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O despacho reclamado de 17.09.2009, a fls. 33/34 dos autos, é do teor que se transcreve:
"(..)
Na presente acção administrativa especial a Autora peticiona a condenação da Entidade Demandada na prática de acto administrativo legalmente devido, traduzido no deferimento do pedido de revalidação da sua carteira profissional de jornalista para o biénio 2008/2009, recusado pelo acto impugnado.
O litígio foi definitivamente resolvido, sem oposição das partes, no Processo Cautelar n.° ……./08.8BELSB, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 121.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que correu por apenso à presente acção, cuja tramitação ficou, assim, prejudicada.
O recurso da sentença que decidiu definitivamente o litígio no âmbito do processo cautelar dependente da presente acção, notificada às partes por ofícios de 23 de Abril de 2009, rege-se pelo disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos relativamente às decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, designadamente quanto ao prazo legal para a sua interposição.
Assim sendo, a Entidade Demandada, não se conformando com a sentença proferida no Processo Cautelar n° …../08.8BEL3B (que, como referimos, tendo sido proferida nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 121°, sem oposição das partes, resolveu definitivamente litígio), dela deveria ter interposto recurso jurisdicional, no prazo de 15 dias nos termos do disposto no n.° l do artigo 147.°, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contado da data da notificação da sentença recorrida, o que não sucedeu, tendo apenas apresentado o presente recurso, por correio electrónico, no dia 01 de Junho de 2009 (fls. 202, do processo físico).
Nos termos e pelos fundamentos expostos, rejeito o recurso interposto pela Entidade Demandada a fls. 203-221 (processo físico).
Custas pela Entidade Demandada, fíxando-se a taxa de justiça no mínimo
Notifique,
Lisboa, 17 de Julho de 2009 (..)"


DO DIREITO


Segue-se a linha de fundamentação constante do acórdão em que também fomos relatora, proferido no rec. n° 2088/06 de 26.03.2009.

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No caso em apreço a sentença sob recurso foi proferida ao abrigo do mecanismo estatuído no art° 121° n° l CPTA de convolação do meio de acção cautelar em meio de acção principal, pelo qual pese embora se esteja no âmbito do processo cautelar, tem lugar a pronúncia jurisdicional definitiva por antecipação do seu momento próprio, de acordo com a tramitação prevista para a acção principal, forçoso é concluir que o mecanismo da convolação opera no meio adjectivo cautelar.
O que significa que o processo é o mesmo e único, apenas sendo caso de alteração da natureza adjectiva que detinha aquando da respectiva instauração, por força da verificação cumulativa no processo cautelar de dois requisitos, a saber,
1. "que existe manifesta urgência na resolução definitiva do caso",
2. e, ouvidas das partes, "o tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo, por dispor de todos os elementos necessários para o efeito"(1)
Em nosso entender, daqui emergem duas consequências:
1. primeiro, e salvo o devido respeito por entendimento distinto, o processo permanece sob o regime da tramitação urgente, em consonância com a situação substantiva de urgência expressa no n° l do cit. art° 121° CPTA;
2. segundo, o objecto da causa principal que por via da convolação se impõe conhecer é exactamente aquele que decorre do articulado inicial cautelar que, por convolação do meio adjectivo de tutela cautelar, assume a natureza de petição inicial do meio adjectivo da tutela final urgente.
Nesta linha de raciocínio temos por seguro que não é o conteúdo alegatório da petição inicial do processo principal que porventura tenha sido instaurado, mas o constante do requerimento inicial do processo cautelar convolado para meio de acção principal que determina o elenco de questões que cumpre ao Juiz conhecer.

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Impõe-se o tratamento adjectivo de forma coerente e unitária do mecanismo da antecipação da decisão de mérito por convolação da tutela cautelar em tutela final urgente.
O que significa que à aplicação do mecanismo convolatório do art° 121° CPTA é indiferente que o meio cautelar seja ou não deduzido em antecedência, simultaneidade ou na pendência da instauração do processo principal de que é dependente.

Ponto é que se verifique a "manifesta urgência na decisão definitiva" e o processo cautelar evidencie "todos os elementos necessários à decisão de fundo", ou seja, quando a este último, exactamente o mesmo pressuposto que, tradicionalmente, a lei adjectiva desde sempre exigiu para a decisão em sede de saneador sentença.
Trata-se, pois, de decisão definitiva por convolação em processo principal do processo cautelar, o que significa que admite a formação de caso julgado material o que não se verifica, como é sabido, com as decisões cautelares cuja natureza rebus sic stantibus permite apenas que assumam valor de caso julgado formal, tão só vinculativo no âmbito do próprio processo - cfr. art° 383° n° 4 CPC.
Por terem natureza absolutamente distinta, não é passível de confundir a antecipação do conhecimento de fundo em ambiente adjectivo cautelar convolado em principal do art° 121° CPTA, com a antecipação do conhecimento de fundo no saneador-sentença do art° 87° n° l b) CPTA, posto que o mecanismo da convolação processual opere, em ambos os casos, no domínio de um mesmo processo: (i) o primeiro trata da convolação de meios de acção (acção cautelar em acção principal), (ii) o segundo da convolação de fases da instância (fase do saneador em fase da sentença).

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Na medida em que se trata de uma convolação de meios de acção por "manifesta urgência na decisão definitiva", v.g. n° l do art° 121° CPTA, a natureza urgente é inerente ao meio adjectivo principal para que se convola, o que significa que dessa natureza deriva a aplicação, em bloco, do regime processual gizado para os processos urgentes, nomeadamente o prazo de 15 dias para interposição de recurso nos termos do art° 147 n° l CPTA, contado da data da notificação verificada no dia 23.04.2009, pelo que a interposição do recurso em 01.06. 2009 é intempestiva por sobrelevar o termo adquem do mencionado prazo.

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Pelo que vem de ser dito acordam, em conferência, os Juizes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a reclamação deduzida contra o despacho de 17.07.2009 que rejeitou o recurso por intempestividade de interposição.

Custas a cargo da Reclamante.


Lisboa, 20.05.2010


(Cristina dos Santos)
(António Vasconcelos)
(Paulo Carvalho)

(1) Mário Aroso de Almeida, O novo regime do processo nos tribunais administrativos, Almedina/2004, 2a ed. pág. 294/296 e 306/307