Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02758/99
Secção:Contencioso Administrativo- 1.º Juízo Liquidatário do TCA- Sul
Data do Acordão:02/19/2004
Relator:Maria Cristina Gallego Santos
Descritores:PRINCÍPIO DA IGUALDADE
OMISSÃO DE SUBSTANCIAÇÃO
DESIGUALDADE DE TRATAMENTO
Sumário:1. Não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a questão da inconstitucionalidade por interpretação desconforme à Lei Fundamental enunciada nas conclusões, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.

2. Para que haja violação do princípio constitucional da igualdade no domínio da desigualdade de tratamento, cumpre que:
a. exista uma desigualdade de situações e pressupostos relevante sob o ponto de vista jurídico-constitucional;
b. tais situações e pressupostos tenham sido tratados de forma desigual sob o ponto de vista jurídico-constitucional;
c. exista para a desigualdade de tratamento de situações e pressupostos de facto iguais uma razão material suficiente;
exista uma regulação concreta arbitrária, violadora do artº 13º nº 1 CRP (injustificadamente discriminatória).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:José ..., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, que negou provimento ao recurso por si interposto contra o despacho de indeferimento do pedido de recontagem da antiguidade, proferido pelo Senhor General Ajudante do Exército, em 5.01.1998, dela vem recorrer para o que apresenta as seguintes conclusões:
1) Só há violação do princípio da igualdade, ínsito no da imparcialidade, no exercício da actividade da Administração, referido no art. 268°, n°2 da CRP, se as situações, sendo iguais, forem tratadas desigualmente" (Ac. STA de 7.5.87);!
2) O princípio da igualdade (art. 13° da CRP) adquire relevo no âmbito do exercício de poderes discricionários, ou seja, naqueles casos em que à Administração é conferido o poder de optar por uma ou outra solução, segundo o que tenha por mais ajustado, em face da situacão concreta;
3) A violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade só pode ocorrer no exercício de poderes não vinculados" (Acs. STA de 2.12.87, 19.4.88, 24.4.90 e 22. l .91);
4) O recorrente fundou o "ataque" ao acto na violação do princípio da igualdade, pois a entidade recorrida cumpriu decisões judiciais (retroagindo a antiguidade) e indeferiu a pretensão daquele, quando, e até por obediência à Justiça, deveria ter actuado de igual modo;
5) A entidade recorrida ao aceitar, e não poderia actuar de modo diverso, as decisões judiciais, deveria ter também determinado igual tratamento para o recorrente, não obstante a posição deste não resultar de decisão judicial;
6) A causa de pedir é diferenciada, pois agora o recorrente funda a sua pretensão na violação do princípio da igualdade, dado os poderes discricionários da entidade recorrida;
7) O princípio da igualdade relaciona-se com o conceito de lei inerente ao Estado de Direito, sendo uma das suas bases essenciais, postulando o exercício de um direito igual para todos os cidadãos;
8) Sob pena de violação dos arts. 497°, 498° do CPC, 13° e 268, n°2 da CRP, deve o recurso proceder, determinando-se a anulação do acto recorrido assim se fazendo JUSTIÇA!

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A AR não apresentou contra-alegações.

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O EMMP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais e dadas as competentes cópias, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte matéria de factos:

1. O recorrente, enquanto 1°-. sargento, requereu a sua admissão ao 1°-. ano do curso A do Instituto Superior Militar ( ISM ), iniciado em 3/10/88.
2. Porém e apesar de deferida essa pretensão só veio a frequentar o curso do ISM no ano lectivo de 1990/92 e no qual veio a obter aproveitamento, sendo promovido ao posto de alferes.
3. Por portarias diversas e publicadas em Diário da República, em consequência de decisões de tribunais administrativos, foi rectificada a antiguidade de diversos camaradas do recorrente, como seja o caso da Portaria nº 241/97, em execução de Acórdão do STA de 18/2/97, que rectificou a antiguidade do Tenente SGE, Manuel José Pereira Rodrigues.
4. Tendo em 10/12/97, o recorrente requerido ao CEME a rectificação da respectiva antiguidade, reportando-a à conclusão do Curso do ISM de 1988 - cfr. documento de fls. 5, que aqui se dá como reproduzido -, tal pretensão foi-lhe, em 5/1/98, indeferida, nos termos constantes de fls. 7 e 8 dos autos, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, pela entidade recorrida, no exercício de poderes delegados pelo Chefe de Estado Maior do Exército ( CEME ) - despacho nº-, l 908/97, publicado em DR nº-. 133, II Série de 11/6/97 - [ acto recorrido ].

DO DIREITO

Vem assacada a sentença de incorrer nos seguintes vícios:
1. violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de aplicação de normas constitucionais, a saber:
a. artº 13º , princípio da igualdade ........... ítens 1 a 7 das conclusões;
b. artº 268º nº 2 CRP, garantia do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos ............................................................... ítem 8 das conclusões;
2. violação de lei processual em matéria dos artsº 497º e 498º CPC (litispendência e caso julgado) ............................................................................. ítem 8 das conclusões.

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Diz-nos Alberto dos Reis, em anotação ao artº 690º CPC que, tendo “(..) os recursos a função de impugnação das decisões judiciais não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como pode dar-se o caso de a alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que, no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação.
(..) essas razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, no final da minuta.
É claro que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir lógicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação (..) (1).
O preceituado legal nesta matéria não se mostra observado pelo Recorrente tanto no corpo como nas conclusões de alegação em parte das questões suscitadas, na medida em que, nos termos gerais de direito, a delimitação do objecto do recurso afere-se pelas questões que em sede de sentença devam ser apreciadas por envolverem "(..) tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. (2).
De facto, por omissão de substanciação no corpo de alegação, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade por interpretação desconforme à constituição em sede de artº 268º nº 2 CRP e de erro de aplicação normas de direito adjectivo em sede de artºs. 497º e 498º CPC, enunciadas nas conclusões, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.
Do que vem dito há-de concluir-se que as mencionadas questões elencadas nos ítens 8 das conclusões de recurso não podem ser conhecidas.

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Quanto à errada interpretação e aplicação ao caso concreto do princípio constitucional da igualdade, artº 13º CRP - ítens 1 a 7 das conclusões - não assiste razão ao Recorrente.
A Entidade Administrativa não viola o corolário da igualdade de tratamento exactamente porque não há equiparação relevante de pressupostos entre o caso do ora Recorrente e os casos que trouxe aos autos com paradigma comparativo.
Em todos os exemplos dados – vd. cópias das sentenças proferidas nos processos de execução de julgados nºs. 7930/B, /D, /E - a rectificação daquelas antiguidades fundou-se na anulação jurisdicional dos actos administrativos homologatórios da lista dos concorrentes admitidos ao curso A do Instituto Superior Militar.
No caso do Recorrente nada de semelhante ocorre, esclarecendo-se no artigo 8 da petição que “por vicissitudes várias a que foi alheio não frequentou esse curso”, isto é, não frequentou o curso de 1988/1989 mas o de 1990/1992
Como acima já se deixou expresso, e seguindo a lição de Gomes Canotilho (3), para que haja violação do princípio constitucional da igualdade no domínio da desigualdade de tratamento, cumpre que:
1. exista uma desigualdade de situações e pressupostos relevante sob o ponto de vista jurídico-constitucional;
2. tais situações e pressupostos tenham sido tratados de forma desigual sob o ponto de vista jurídico-constitucional;
3. exista para a desigualdade de tratamento de situações e pressupostos de facto iguais uma razão material suficiente;
4. exista uma regulação concreta arbitrária, violadora do artº 13º nº 1 CRP (injustificadamente discriminatória)

Do que vem dito conclui-se que não assiste razão ao Recorrente, improcedendo a questão trazida nos ítens 1 a 7 das conclusões.
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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – 1º Juízo Liquidatário em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em € 170 (cento e setenta)e a procuradoria em metade.

Lisboa, 19.02.2004.

Cristina Santos
Carlos Araújo
Beato de Sousa

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(1) Alberto dos Reis, “CPC Anotado”, Vol-V, Coimbra Editora, pág. 359.
(2) Anselmo de Castro in "Direito Processual Civil Declaratório", Almedina Vol. XXI, pág. 142.
(3) Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª edição, Almedina/1993, pág. 571.