Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11057/01 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário |
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Data do Acordão: | 11/29/2007 |
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Relator: | Rui Pereira |
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Descritores: | EMFAR – INDEFERIMENTO TÁCITO – RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO – PRAZO |
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Sumário: | I – O prazo regra de 15 dias para a interposição de recurso hierárquico necessário, fixado no artigo 105º, nº 2 do EMFAR, é de aplicação restrita à impugnação administrativa de actos expressos. II – Nos casos de indeferimento tácito imputável a órgão subalterno, o interessado pode interpor o recurso hierárquico necessário no prazo de um ano, nos termos previstos no nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, de 17/6. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Carlos ..., Tenente do Serviço Geral do Exército, na situação de reserva, veio interpor RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do despacho de 24 de Setembro de 2001, da autoria do General Chefe do Estado-Maior do Exército, que indeferiu o recurso hierárquico por si interposto e revogou o despacho de 5-3-2001, assacando-lhe o vício de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 21º e 22º do RAMME, aprovado pela Portaria nº 361-A/91 [2ª série], de 30-10-91, do artigo 105º do EMFAR, aprovado pelo DL nº 236/99, de 25/6, e de forma, por preterição da audiência prévia a que se refere o artigo 100º do CPA, e também do vício de desvio de poder. A entidade recorrida respondeu nos termos constantes de fls. 56/60 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo improvimento do recurso. Em alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: “A) Tendo o recorrente sido notificado em 13 de Janeiro de 2000 da respectiva FAI e reclamado da avaliação que lhe foi atribuída em 26 de Janeiro, o reclamado tem o dever de ajuizar a matéria reclamada e proferir acto no prazo de quinze dias, o que não fez. B) Ao não proferir qualquer acto, nem notificar o reclamado da sua decisão, é violado o artigo 21º do RAMME, aprovado pela Portaria nº 361-A/91, publicada na II Série do DR nº 250, de 30-10-91. C) As normas que regulam o direito estatutário dos militares [EMFAR, aprovado pelo DL nº 236/99, de 25 de Junho] determinam que a reclamação de actos insusceptíveis de recurso contencioso suspende o prazo de interposição de recurso hierárquico [nº 4 do artigo 104º do EMFAR]. D) O nº 1 do artigo 22º do RAMME é suficientemente explícito no sentido de a contagem do prazo de quinze dias para recurso, dever ser efectuada a partir da notificação da decisão que recair sobre o recurso. E) Ora, no caso, não tendo havido decisão sobre a reclamação, não se pode concluir que houve indeferimento e muito menos que houve notificação da decisão de indeferimento, pelo que é de concluir que o prazo para recurso hierárquico se encontrava suspenso. F) Encontrando-se suspenso tal prazo e não tendo sido proferido acto expresso sobre a matéria da reclamação, o recurso hierárquico interposto pelo agora recorrente em 29 de Agosto de 2000 é seguramente tempestivo. G) Prevendo-se, no nº 1 do artigo 104º do EMFAR, a contagem de prazo de reclamação de acto expresso notificado conforme nele se dispõe, e no artigo 105º, nº 2 que o recurso hierárquico deve ser interposto, contado nos termos do nº 1 do artigo 104º, é de concluir que o prazo de quinze dias do artigo 105º, nº 2 é sempre contado da notificação do acto expresso. H) A não ser assim, a lei [artigo 105º, nº 2 do EMFAR] não faria menção expressa da contagem nos termos previstos, unicamente, no nº 1 do artigo 104º, mas também no nº 3 do artigo 104º, norma que prevê o recurso hierárquico em caso de não resposta. I) Ao não ser proferido acto expresso na resposta à reclamação, o acto recorrido padece do vício de violação de lei, consubstanciado na violação dos artigo 21º e 22º RAMME, aprovado pela Portaria nº 361-A/91 [2ª Série], publicada no DR, II Série, de 30-10-91. J) O acto recorrido ao considerar que a reclamação do acto de avaliação de mérito, apesar de insusceptível de recurso contencioso, não suspende o prazo de interposição de recurso hierárquico, viola o nº 4 do artigo 104º do EMFAR. K) Não se encontrando preenchido na FAI, contrariamente ao que devia, o período a que se reporta a avaliação ["CAIXA2" "Data e Motivo da Avaliação"], bem como a CAIXA 1 [funções do Avaliado], mas unicamente a data de referência da avaliação periódica, o acto recorrido encontra-se inquinado do vício de violação do artigo 16º, nº 6 do RAMME, por ser à Unidade onde o militar presta serviço que compete "a responsabilidade pelo preenchimento das caixas 01, 02, e 03". L) O recorrente deveria ter sido avaliado extraordinariamente no Quartel-General do GML, com referência ao período de 30 de Junho de 1997 a 26 de Janeiro de 1998, por ali e durante esse período, ter prestado serviço. M) A ausência de avaliação extraordinária, contrariamente ao que devia, constitui violação do disposto no artigo 9º, nº 1, alínea b) do RAMME. N) O acto recorrido também viola o disposto no nº 9 do artigo 6º do RAMME e artigo 100º do Código de Procedimento Administrativo por, no final da avaliação, e antes do envio para o escalão superior, o Comandante não ter convocado o avaliado para lhe transmitir a avaliação desfavorável que lhe tinha sido atribuída. O) O facto de ter sido "detido pela PSP" e de ter "comportamento típico dos consumidores de substâncias estupefacientes" ou de "apresentar comportamentos de desvio", não é fundamento para ser classificado com 2 em - "09 – aptidão técnicoprofissional"; - "14 – cultura geral militar"; - "08 – planeamento e organização". P) Ao não cuidar do conteúdo funcional de cada factor, o qual deve ser observado por si, com rejeição das opiniões e dos juízos não relacionados com o desempenho e os actos de serviço, o acto recorrido viola o artigo 7º, nº 6, alíneas d), e), e f) do RAMME. Q) Ao não ter presente as influência das circunstâncias redutoras da eficácia do avaliado, o acto recorrido viola a alínea h) do nº 6 do artigo 7º do RAMME. R) As avaliações desfavoráveis atribuídas não respeitaram as opiniões e juízos sobre situações não relacionadas com o desempenho das funções e actos de serviço. Nesta parte, pode-se afirmar que o acto se encontra inquinado do vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 7º, nº 6, alínea h) do RAMME. S) A avaliação efectuada sofre do vício de desvio de poder, na parte em que o exercício dos momentos discricionários do poder de avaliação destinou-se, não a ajuizar das capacidades individuais e para planeamento da administração do pessoal, conforme explicita o artigo 6º, nº 1 do RAMME [finalidade da lei], mas sim "marcar e punir" o avaliado, por ter sido encontrado na posse de drogas, e posteriormente facilitar o afastamento do serviço [finalidade da avaliação efectivamente efectuada]. T) A avaliação espelhada na FAI foi toda efectuada e condicionada pelo problema de droga, de modo a "enterrar" o avaliado, e não se baseia nos parâmetros prescrito no artigo 7º, nº 6 do RAMME, o que constitui violação de lei e acto anulável por infracção do preceito referido”. Por seu turno, a entidade recorrida, nas contra-alegações apresentadas, concluiu do seguinte modo: “1. O artigo 89º do actual Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 236/99, de 25 de Junho, assegura o direito ao avaliado de reclamação e recurso hierárquico sempre que discorde da avaliação que lhe é atribuída, meios de impugnação esses cujo regime consta dos artigos 102º a 107º, e com o qual haverá de ser conjugado o disposto no RAMME, diploma regulamentar daquele estatuto; 2. Nos termos desse regime, a reclamação deve ser decidida no prazo de 15 dias e, decorrido que seja esse prazo sem que haja sido tomada uma decisão, considera-se a mesma tacitamente indeferida, devendo o recurso hierárquico ser interposto no prazo de quinze dias; 3. Assim, tendo o recorrente sido notificado em 13 de Janeiro de 2000 da respectiva Ficha de Avaliação Individual e não tendo obtido resposta à reclamação que da mesma apresentou em 26 de Janeiro seguinte, o recurso hierárquico que veio a interpor em 29 de Agosto de 2000 do indeferimento tácito assim formado mostra-se manifestamente extemporâneo, como se considerou no despacho recorrido; 4. Não ocorre, pois, qualquer dos vícios invocados pelo recorrente, sendo que, quanto ao de desvio de poder, o mesmo nem sequer demonstrou, como lhe incumbia, os respectivos factos constitutivos, provando, concretamente, qual o fim ilícito prosseguido diverso do fim legal, como decorre do § único do artigo 19º da LOSTA”. O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, defendendo que o recurso interposto merece provimento [cfr. fls. 89/90 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento. II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso contencioso, consideram-se assentes os seguintes factos: i. O recorrente – tenente do SGE – tomou conhecimento, em 13-1-2000, da sua Ficha Individual de Avaliação, referente ao ano de 1998 [cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, e de fls. 12/19 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. ii. Inconformado com a avaliação obtida, o recorrente reclamou em 16-1-2000 para os avaliadores, não tendo obtido qualquer decisão sobre tal reclamação. iii. Em 29-8-2000, o recorrente apresentou recurso hierárquico ao comandante da unidade a que pertencia [E.S.E], que o remeteu para apreciação ao Governador Militar de Lisboa [cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, e de fls. 20/25 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. iv. A reclamação em causa veio a ser decidida pelo despacho do Governador Militar de Lisboa, datado de 28-12-2000, com o seguinte teor: “ASSUNTO: AVALIAÇÃO INDIVIDUAL – RECURSO HIERÁRQUICO DO TENENTE SGE ALMEIDA VALADARES 1. Por requerimento de 29 de Agosto de 2000, registado na Casa de Reclusão de Elvas na mesma data, vem o Tenente do SGE NIM 17068285, CARLOS MIGUEL DE ALMEIDA VALADARES, actualmente colocado no Arquivo Geral do Exército, interpor recurso hierárquico da FAI periódica reportada a 30Jun98, elaborada na ESE [então sob o Comando do Coronel Amaral], de que tomou conhecimento em 13Jan00, com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 21º do RAMME ["Procedimento do Reclamado"] e 109º do CPA ["Indeferimento Tácito"]. Termina por requerer que seja anulada a avaliação em causa [desfavorável] e elaborada uma avaliação extraordinária para o período de 30Jun97 a 26Jan98, em que serviu no QG/GML, antes da sua transferência para a ESE. 2. O supracitado recurso foi enviado pelo QG/RMS à ESE, com conhecimento à Casa de Reclusão de Elvas e ao GML [nota 9829, da RepPess/QG/RMS, de 05Set00]. 3. Por não dispor – como é óbvio –, em arquivo, da FAI do Tenente Valadares, o Comandante da ESE [agora o Coronel Meireles de Carvalho] remete o recurso ao QG/GML. 4. Uma vez que, no preâmbulo do seu requerimento de recurso, o Tenente Valadares menciona uma reclamação [sem resposta], que teria apresentado a propósito daquela FAI, e porque se tratava de matéria com eventual interesse para melhor apreciação do recurso, ordenei que fossem feitas diligências no sentido do Tenente Valadares fazer prova da entrega da citada reclamação. 5. Anexa a um requerimento de 09Nov00, de sua autoria, o Tenente Valadares envia cópia da reclamação em causa, com o carimbo de entrada na Secretaria do PMS, de 26Jan00. Naquele documento refere que a reclamação havia sido enviada para a RPMP/DAMP através da nota nº 89, do PMS, de 27Jan. 6. No seguimento da solicitação do QG/GML, de 28Nov00 [nota 13073, da RepPess] – reiterada a 15Dec00 – a RPMP/DAMP envia a este QG cópia da nota 89, do PMS, de 27Jan, a coberto da qual foi remetida à DAMP a reclamação em apreço. Porém, nada esclarece a mesma DAMP sobre o destino dado à reclamação. 7. Relativamente à questão suscitada nu supracitado recurso hierárquico, interposto pelo Tenente Valadares e datado de 09Nov00, o mesmo é manifestamente intempestivo, como seguidamente se comprova. 8. O reclamante tendo apresentado no dia 26Jan00 a sua reclamação, deveria e podia tê-la presumido tacitamente indeferida no dia 17Fev00, nos termos do artigo 104º, nº 3 do EMFAR, por lhe não ter sido comunicado, até essa data, qualquer despacho relativo à mesma. 9. Dispunha, a partir daquela data [17Fev00], de 15 dias para interpor o recurso hierárquico necessário nos termos do estabelecido no artigo 105º, nº 2, 1ª Parte, do EMFAR, conjugado com o artigo 22º, nº 1 do EMFAR, o que não fez em tempo útil. 10. Veio no dia 29Ago00 apresentar um recurso hierárquico, o qual, como se comprovou, é manifestamente intempestivo nos termos do estabelecido no artigo 105º, nº 2 do EMFAR. 11. É que na matéria em apreço [reclamação e recurso hierárquico] o EMFAR [artigos 102º a 107º] prevalece sobre o Código do Procedimento Administrativo, de harmonia com o preceituado no artigo 7º, nº 3 do Código Civil. 12. Acresce, por outro lado, que é extremamente difícil e de pouca relevância para o caso sub iudice obter uma FAI reportada ao período de 30Jun97 a 26Jan98. 13. Nos termos precedentes e com fundamento no artigo 105º, nº 2 do EMFAR, conjugado com o estabelecido no artigo 22º, nº 1 do RAMME [Portaria nº 361-A/91, de 30Out], julgo TOTALMENTE IMPROCEDENTE o supracitado recurso hierárquico apresentado pelo Tenente Valadares, registado no QG/RMS com data de 4Set00, o que desde logo obsta à apreciação da matéria de facto e de direito nele versada.” [cfr. doc. constante do processo instrutor apenso, não numerado, e de fls. 33/35 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. v. Novamente inconformado, o recorrente – por requerimento entrado nos serviços em 30-1-2001 – apresentou novo recurso hierárquico, desta vez dirigido ao Chefe de Estado-Maior do Exército [cfr. doc. constante de fls. 36/43 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido], o qual não foi objecto de decisão de fundo, nos termos do despacho do CEME, datado de 5-3-2001 [cfr. doc. constante de fls. 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. vi. Reapreciada a questão, veio o CEME a prolatar o seguinte despacho – despacho recorrido –, datado de 24-9-2001: “ASSUNTO: RECURSO HIERÁRQUICO INTERPOSTO PELO TENENTE SGE CARLOS ... O Tenente SGE NIM 17068285 Carlos ..., veio interpor recurso hierárquico do despacho de 28 de Dezembro de 2000 do Governador Militar de Lisboa que julgou intempestivo o recurso hierárquico que apresentara do acto tácito de indeferimento da reclamação da Ficha de Avaliação Individual. Além de requerer a anulação da referida avaliação, sustenta o recorrente que o indeferimento por intempestividade não tem fundamento legal, porquanto, “não [tendo sido] notificado da decisão que recaiu sobre a reclamação, não se abriu prazo para interposição do recurso hierárquico”. É manifesto, porém, que não tem razão. O recorrente foi notificado em 13 de Janeiro de 2000 da Ficha de Avaliação Individual [FAI] periódica, reportada a 30 de Junho de 1998, elaborada na Escola de Sargentos do Exército [E.S.E.], onde então se encontrava colocado. Desse acto de avaliação reclamou, em 16 de Janeiro, para os avaliadores intervenientes, não tendo sido proferido despacho expresso sobre tal reclamação. Invocando o indeferimento tácito que assim se terá formado, do mesmo recorreu hierarquicamente, em 29 de Agosto de 2000, para o Comandante da E.S.E. que, por ter sido um dos intervenientes no processo de avaliação, o remeteu ao Governador Militar de Lisboa, seu imediato superior hierárquico. Por despacho de 28 de Dezembro de 2000, agora recorrido, esta última entidade julgou o recurso intempestivo, não conhecendo do seu mérito. Dispõe o nº 1 do artigo 22º do Regulamento de Avaliação do Mérito dos Militares do Exército [RAMME], aprovado pela Portaria nº 361-A/91 [2ª série], de 21 de Outubro de 1991, publicada no DR, II série, nº 250, de 30-10-1991, que o recurso hierárquico da avaliação efectuada deverá ser dirigido ao superior hierárquico imediato do reclamado e interposto no prazo de 15 dias contados a partir da data em que foi notificado da decisão que recaiu sobre a reclamação. O RAMME foi publicado em execução do disposto no artigo 86º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas [EMFAR], aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 236/99, de 25 de Junho, mas que, no artigo 31º, nº 2, manteve transitoriamente a sua aplicação. Assim, dada a sua natureza de diploma regulamentar, terá o RAMME de ser conjugado com o disposto naquele Estatuto. Ora, o artigo 89º do EMFAR assegura o direito ao avaliado de reclamação e recurso hierárquico sempre que discorde da avaliação que lhe é atribuída. E o artigo 104º, depois de referir, no nº 2, que a reclamação deve ser decidida no prazo de 15 dias, acrescenta, no nº 3, que decorrido esse prazo sem que haja sido tomada uma decisão, se considera a reclamação tacitamente indeferida. Por sua vez, o nº 2 do artigo 105º do mesmo Estatuto fixa em quinze dias o prazo para a interposição de recurso hierárquico. Assim, tendo o recorrente sido notificado em 13 de Janeiro de 2000 da respectiva FAI, e não tendo obtido resposta à reclamação que da mesma apresentou em 26 de Janeiro seguinte, o recurso hierárquico que veio a interpor em 29 de Agosto de 2000 do indeferimento tácito assim formado mostra-se manifestamente extemporâneo, como bem se decidiu no despacho recorrido. Em face do exposto: 1. Indefiro o recurso hierárquico, por ser manifesta a extemporaneidade do recurso apresentado em 29 de Agosto de 2000; 2. Revogo o despacho de 5 de Março de 2001, do Chefe do Estado-Maior do Exército, que não conheceu do presente recurso por o considerar meramente facultativo.” [cfr. doc. constante de fls. 46/48 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO O recorrente imputa ao acto recorrido, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do Governador Militar de Lisboa, de 28-12-2000, que julgou intempestivo o recurso hierárquico que apresentara do acto tácito de indeferimento da reclamação da Ficha de Avaliação Individual, vários vícios de violação de lei, de forma, por preterição da audiência prévia, e de desvio de poder. Porém, tal como constitui Jurisprudência uniforme deste TCA Sul, consubstanciada, entre outros, no Acórdão de 1-4-2004, do 1º Juízo Liquidatário, proferido no âmbito do recurso nº 05264/01, no recurso contencioso interposto de acto que rejeita um recurso hierárquico, o recorrente apenas pode impugnar o fundamento concreto da rejeição, sendo irrelevante a alegação de vícios completamente estranhos a tal fundamento, razão pela qual apenas nos iremos pronunciar sobre o vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no artigo 105º do EMFAR [alíneas A) a J) das conclusões das alegações do recorrente]. Delimitada assim a questão do objecto do presente recurso contencioso, vejamos então se o recurso hierárquico rejeitado pelo despacho de 28-12-2000, do Governador Militar de Lisboa, posteriormente confirmado pelo despacho recorrido, da autoria do CEME, é de manter. A questão a resolver prende-se assim com tempestividade ou intempestividade do recurso hierárquico apresentado pelo recorrente da sua FAI referente ao ano de 1998, que o despacho recorrido considerou intempestivo, não conhecendo do objecto daquele recurso. Por conseguinte, importa determinar, como ponto de partida, se o prazo para apresentar a impugnação administrativa de um acto de indeferimento tácito imputável a uma autoridade subalterna, reacção hierárquica necessária para obter a verticalidade definitiva que é pressuposto da impugnabilidade contenciosa, era, no caso, de 15 dias, nos termos previstos no artigo 105º, nº 2 do EMFAR, ou outro, nomeadamente o de um ano, defendido pelo Digno Magistrado do Ministério Público no parecer de fls. 89/90 dos autos. Vejamos. O artigo 20º do RAMME, aprovado pela Portaria nº 361-A/91 [2ª série], de 30-10-91, prevê de modo expresso a possibilidade do militar poder reclamar da avaliação desfavorável, cabendo à entidade reclamada decidir dessa reclamação – julgando-a total ou parcialmente procedente, improcedente, ou rejeitando-a, caso a mesma seja extemporânea, nos termos previstos no artigo 21º – cabendo então dessa decisão recurso, dirigido ao superior hierárquico imediato do reclamado, a interpor no prazo de 15 dias, contados a partir da data em que foi notificado da decisão que recaiu sobre a reclamação [cfr. artigo 22º do RAMME]. Por sua vez, quer o artigo 89º, quer o Titulo IX do EMFAR, aprovado pelo DL nº 236/99, de 25/6, sob o tema “Reclamações e Recursos”, prevêem também expressamente o reconhecimento do direito dos militares a reclamarem e recorrerem hierarquicamente sempre que discordem da avaliação que lhes for atribuída, bem como a solicitarem a revogação, a modificação ou a substituição dos actos administrativos praticados pelos órgãos militares, também mediante reclamação ou recurso [cfr. artigo 102º, nºs 1 e 2 do EMFAR]. Assim, o artigo 104º do EMFAR prevê genericamente a possibilidade de reclamação, dirigida e apresentada ao autor do acto, no prazo de 15 dias, a contar, (i) da publicação do acto no Diário da República, no ordem do ramo, ou nas ordens da unidade ou serviço, quando a mesma seja obrigatória, prevalecendo a última publicação, (ii) da notificação do acto, quando esta se tenha efectuado, se a publicação não for obrigatória, ou (iii) da data em que o interessado tiver conhecimento do acto, nos restantes casos, e deve ser decidida no prazo de 15 dias [citado artigo 104º, nº 2], decorrido o qual sem que haja sido tomada uma decisão, a reclamação se considera tacitamente indeferida [citado artigo 104º, nº 3]. Finalmente, o artigo 105º, nº 1 do EMFAR prevê que o recurso hierárquico possa ser necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não susceptível de recurso contencioso e, sendo necessário, deve ser interposto no prazo de 15 dias, contados nos termos previsto no nº 1 do artigo 104º do EMFAR. Perante o quadro normativo acabado de citar, veio a entidade recorrida a considerar que o recurso hierárquico interposto pelo recorrente era extemporâneo, dele não conhecendo, por entender que havia sido excedido o prazo de 15 dias para tal efeito consignado no artigo 105º, nº 2 do EMFAR, norma essa prevalecente sobre o disposto no CPA, por força do artigo7º, nº 3 do Cód. Civil. Mas, adianta-se já, fê-lo de forma incorrecta. Com efeito, a mera leitura das normas constantes dos artigos 102º a 107º do EMFAR permite desde logo concluir que o mesmo contém uma lacuna, já que, pese embora o facto de se ter previsto a formação de acto silente negativo em caso de não decisão expressa de reclamação apresentada, não se curou de regular o prazo para reagir graciosa ou contenciosamente desse indeferimento tácito. É que, convém relembrar, o regime da impugnação hierárquica, nomeadamente quanto aos respectivos prazos, previsto no nº 2 do artigo 105º do EMFAR, foi moldado apenas para os casos de impugnação de actos expressos, pelo que o prazo nele previsto só opera tratando-se de impugnação de acto expresso, por força da remissão aí prevista para o nº 1 do artigo 104º. Deste modo, existindo uma lacuna, a questão terá que ser decidida por recurso às normas do CPA, da LPTA e demais legislação aplicável, que no caso seria o nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, de 17/8, que prevê o prazo de um ano para a impugnação do acto tácito [cfr. artigo 10º, nº 1 do Cód. Civil]. Assim, e ao contrário do defendido pela entidade recorrida, o recurso hierárquico interposto pelo recorrente era tempestivo, posto que o indeferimento tácito da reclamação apresentada pelo recorrente em 16-1-2000 [e não 26-1-2000, como é referido pela entidade recorrida] só se formou 15 dias após a apresentação daquela, ou seja, em 4-2-2000, pelo que ao recorrente era lícito recorrer hierarquicamente desse acto negativo silente no prazo de um ano, cujo termo ocorreria em 4-2-2001. Donde, tendo o recurso hierárquico necessário – que o despacho recorrido veio a considerar erradamente extemporâneo – sido interposto em 29-8-2000, o mesmo era tempestivo e, como tal, impunha-se que a entidade recorrida dele tivesse tomado conhecimento. De resto, a questão já foi objecto de análise no STA, em sentido idêntico ao acima defendido, embora não no caso concreto das impugnações necessárias previstas no EMFAR, nomeadamente no Acórdão de 25-6-2003, da 2ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 01765/02, e demais Jurisprudência nele referida, que sobre o assunto decidiu nos seguintes termos: “[…] Ao contrário do alegado pelo recorrente, entendemos que o nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, não estabeleceu nenhum prazo especial para a interposição do recurso hierárquico necessário, após a revogação do citado artigo e as disposições constantes do CPA, que regulam a impugnação de actos de indeferimento tácito e os prazos de interposição de recurso hierárquico necessário. […] Se o indeferimento tácito é imputado a órgão subalterno, de acordo com o artigo 34º, da LPTA, não há nenhuma norma específica [ou especialmente fixada] que imponha um regime diverso do fixado para a interposição do recurso hierárquico necessário, quanto a prazos, fixada para os actos expressos. Daí que o recorrente tenha começado por invocar, em relação à questão prévia suscitada, que o prazo seria o fixado na lei para a impugnação contenciosa do acto tácito de indeferimento, para vir, depois, invocar, em alegações finais, ser tal prazo o prazo de um ano previsto no nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, também já revogado e que previa, apenas um recurso hierárquico facultativo, em relação ao indeferimento tácito do acto do subalterno [nesse sentido, o Acórdão do STA, de 31-10-1990, proferido no Recurso nº 26736-A]. Ora, o regime de protecção que é conferido aos particulares, em relação ao acto tácito deve aproximar-se, tanto quanto possível, de idêntico regime ao fixado para os actos expressos. Daí que se o recorrente sabe que se verificou, por decurso do prazo, o indeferimento tácito do acto praticado pelo subalterno [90 dias] a partir daí e na falta de comunicação da posição da Administração tenha apenas de contar com os prazos previstos para a impugnação administrativa necessária dos actos expressos [30 dias]. A não ser assim, o pretendido pela lei ao fixar o regime de indeferimento tácito levaria a manter-se por um período muito lato a indefinição da situação, depois de já ter facultado ao recorrente accionar os meios para obter uma reacção da Administração e de impugnar contenciosamente o acto silente de indeferimento. A lei, ao abandonar no CPA o regime que havia estabelecido, pelo DL nº 256-A/77, teve em vista a posição doutrinária do legislador [o Prof. Freitas do Amaral], para o qual o acto tácito, quer seja, ou não acto administrativo, para todos os efeitos é «como se o fosse». Ora, não existindo nenhum preceito legal específico, que preveja um regime jurídico, quanto a prazos para o recurso hierárquico necessário de actos tácitos, deve ser aplicado o regime fixado para os actos expressos […]”. Neste discurso justificativo revelam-se os dois fundamentos essenciais que suportam a solução perfilhada, a saber: (i) está revogada a norma do nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, de 17/6, e (ii) o acto de indeferimento tácito é, para todos os efeitos equiparável, a um verdadeiro acto administrativo. E é contra este entendimento que o recorrente se insurge, alegando que o indeferimento tácito não é um autêntico acto administrativo, e que a sobredita norma do DL nº 256-A/77 se encontra ainda em vigor. Estas são as teses em confronto. Vejamos. 2.2.2. Antes de mais, olhemos o texto das normas relevantes do DL nº 256-A/77, de 17/6: Artigo 3º 1 – A falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão administrativa sobre pretensão dirigida a autoridade que tenha o dever legal de a proferir confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação.[…] Artigo 4º 1 – A impugnação facultativa a que se refere o artigo precedente pode ser formulada dentro do prazo de um ano, enquanto não for levada ao conhecimento do interessado a prática de acto expresso.2 – A decisão expressa pode, em qualquer caso, ser impugnada por fundamentos diferentes daqueles com que o haja sido o indeferimento tácito e por quaisquer fundamentos na falta de impugnação deste. 3 – O objecto da impugnação do deferimento tácito considera-se ampliado ao conhecimento da ulterior decisão expressa, desde que esta seja levada ao processo. A partir deste texto a Jurisprudência do STA [vide, entre outros, o acórdão de 31-10-90 – recurso nº 26.736] veio a considerar que o indeferimento tácito é uma ficção legal, um expediente processual posto à disposição dos administrados como meio instrumental reactivo contra a inércia da Administração, mas que não é um verdadeiro acto administrativo. Este entendimento era suportado, nos seguintes elementos de interpretação: (i) a letra da lei [artigo 3º, nº 1] que, ao conferir ao interessado “a faculdade de presumir indeferida“ a sua pretensão, inculcava, desde logo, a ideia de que se não tratava de um verdadeiro acto, mas de uma mera presunção; (ii) sendo que esta ideia era a única que, no contexto significativo, se harmonizava com as normas dos nºs 2, 3 e 4, do artigo 4º, nos termos das quais, uma vez praticado o acto expresso, não havia já lugar à impugnação do indeferimento pelo silêncio [nº 1] e se admitia a impugnação do acto expresso praticado antes [nº 3] ou depois de interposto o recurso [nº 4]. Na verdade, se de verdadeiro acto administrativo se tratasse, então, por um lado, não havia razão para que cessasse a respectiva impugnabilidade contenciosa e, por outro lado, o ulterior acto expresso de indeferimento seria meramente confirmativo e irrecorrível; (iii) daí, que em sintonia, numa regulamentação lógica e coerente se atribuísse carácter facultativo à impugnação [artigo 4º, nº 1]. Não sendo um acto administrativo, à sua sombra não se constituía qualquer relação jurídica substantiva lesiva para o requerente, inexistindo qualquer “caso decidido” com os efeitos preclusivos que lhe são inerentes. Neste quadro, o interessado podia escolher entre impugnar, aguardar que a Administração definisse a sua situação através de um acto expresso, ou renovar a sua pretensão junto daquela. A mesma jurisprudência entendia ainda, com o apoio da doutrina [Esteves de Oliveira, “Direito Administrativo”, pág. 492], que a lei, no nº 1 do artigo 3º, ao dizer “a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação” era muito expressiva e unívoca. O vocábulo “respectivo” era revelador de que o legislador tinha tido em atenção que o indeferimento presumido, dependendo da autoria, podia ter que ser impugnado por mais de um meio [impugnação administrativa e/ou recurso contencioso] e que, por consequência, ao fixar no artigo 4º, nº 1, o prazo de um ano para “a impugnação administrativa a que se refere o artigo precedente” abarcava ambas as formas dessa impugnação. Isto é, no caso de acto silente negativo imputado a autoridade subalterna, o interessado dispunha do prazo de um ano para interpor o recurso hierárquico necessário. Com a publicação e entrada em vigor do DL nº 267/85, de 16/7 [LPTA], por força do disposto no respectivo artigo 34º, instalou-se a perplexidade quanto à vigência da norma do artigo 4º, nº 1 do DL nº 256-A/77. O texto é o seguinte: Artigo 34º O recurso contencioso, quando precedido de impugnação administrativa necessária, depende da observância, quanto a esta, das disposições seguintes que sejam aplicáveis ao caso:[Precedência de impugnação administrativa] a) A petição pode ser apresentada perante o autor do acto impugnado ou perante a autoridade a quem seja dirigida, no prazo de um mês, se outro não for especialmente fixado. Numa interpretação semelhante à que ora se fez no aresto recorrido, poderia entender-se que esta norma procedia a uma nova regulamentação da matéria e, derrogando o disposto no nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, fixava em 30 dias o prazo para interpor recurso hierárquico do indeferimento tácito imputável a um órgão subalterno. Todavia, esta não era, seguramente, a melhor interpretação. Primeiro, porque a própria lei dizia expressamente que o prazo de um mês só era aplicável se outro não estivesse especialmente fixado. Segundo, porque a norma, com aquele sentido era incompatível com a natureza jurídica do indeferimento tácito, cujas características e efeitos supra enunciámos. Ora, a LPTA não foi inovadora nesta matéria, não se lhe conhecendo norma que fixe ao indeferimento tácito diversa natureza da que lhe advinha do artigo 3º, nº 1 do DL nº 256-A/77, que, portanto, se manteve em vigor. A questão foi posta a este Supremo Tribunal que sobre ela se pronunciou, no acórdão do Pleno, de 23-6-98 – recurso nº 31.649, nos termos que, passamos a transcrever e merecem a nossa adesão, considerando que o prazo de um mês previsto na alínea a) do artigo 34º da LPTA era de aplicação restrita aos actos expressos: “[…] sendo o indeferimento presumido ou tácito, um mero expediente processual criado em proveito do administrado nomeadamente para a impugnação administrativa, se este o não impugnar no prazo para o efeito previsto na lei, a única consequência que daí se deve extrair é a de que não foi resolvida ou decidida a sua pretensão, e não que se haja gerado caso decidido ou resolvido», no sentido de indeferimento da tua pretensão. Ora, o regime geral do artigo 34º da LPTA, e mesmo a letra da sua alínea a), não são conformes à ratio e ao regime de indeferimento presumido ou tácito estabelecido nos artigos 3º e 4º do DL nº 256-A/77. Na verdade, a alínea a), ao mandar apresentar a petição do recurso hierárquico perante o autor do «acto», pressupõe que haja um «acto», e, no caso de indeferimento tácito, estamos apenas perante uma mera presunção. Se o artigo 34º da LPTA não admite o recurso contencioso por falta de recurso hierárquico no prazo de um mês, a explicação que necessariamente se impõe é a de que considera ter ficado definida a situação jurídica decorrido esse prazo. Então, considera que relativamente ao que, nesse prazo, não foi hierarquicamente recorrido, se forma «caso resolvido», efeito que, como vimos, não ocorre com a não impugnação de indeferimento presumido ou tácito. […] E se, no artigo 28º, se consagra a faculdade, não conducente à formação de caso resolvido ou decidido, de recurso contencioso, no prazo de um ano, do presumido, ou «indeferimento tácito, nos termos do nº 1 do artigo 4º do DL nº 256-A/77, de 17 de Junho», quando este seja susceptível de impugnação contenciosa, sendo certo que neste preceito se abrange também a impugnação administrativa, nenhuma razão se vê pela qual se deva entender que o artigo 34º da LPTA afasta a possibilidade de recurso administrativo, em um ano, de acto presumido ou de indeferimento tácito nos termos do artigo 4º, nº 1 do DL nº 256-A/77, quando este não é definitivo em razão da hierarquia, nem susceptível de impugnação contenciosa. Tendo o recurso hierárquico necessário carácter meramente instrumental em relação ao recurso contencioso do qual constitui antecedente necessário, não se vê por que razão se deveria negar ao recurso hierárquico de indeferimento tácito a mesma natureza e o mesmo regime, atribuídos ao correspondente recurso contencioso. Em suma, o prazo geral da alínea a) do artigo 34º da LPTA apenas aplicável à impugnação administrativa necessária de actos expressos ou actos tácitos como tal [como verdadeiros actos administrativos] considerados por lei, sendo o prazo de um ano previsto no artigo 4º, nº 1 do DL nº 256-A/77, e que abrange também a impugnação administrativa necessária de indeferimento presumido, prevista no seu artigo 3º, nºs 1 e 2, um dos prazos especialmente fixados, a que alude a parte final da referida alínea a) do artigo 34º. […]”. Porém, a dúvida renasceu com a vigência do Código do Procedimento Administrativo, cumprindo averiguar se este normativo revogou, ou não, o regime do artigo 4º, nº 1 do DL nº 256-A/77. Ora, há uma primeira evidência: o DL nº 256-A/77 não foi expressamente revogado pelo DL nº 442/91, de 15/11, que aprovou o Código do Procedimento Administrativo. Contudo, apesar disso, aquela norma pode ter perdido a sua vigência por incompatibilidade com a lei nova e/ou por esta ter procedido à substituição global da regulamentação da lei anterior [cfr. artigo 7º, nº 2 do Cód. Civil e J. Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, págs. 165/166]. Importa, então, saber se tal ocorreu. Diz-se no artigo 168º, nº 1 do CPA que “sempre que a lei não estabeleça prazo diferente, é de 30 dias o prazo para a interposição de recurso hierárquico necessário”. O acórdão recorrido entendeu que esta norma é aplicável ao indeferimento tácito, sendo que a interposição de recurso hierárquico para além prazo nela previsto preclude, por intempestividade, a possibilidade de impugnação contenciosa, e desonera o superior hierárquico do dever legal de decidir a impugnação administrativa. Isto é, considerou revogado artigo 4º, nº 1 do DL nº 256-A/77 que fixava o prazo de um ano para a impugnação administrativa necessária. Todavia, sem razão. Atentemos, antes de mais na norma do CPA que define a figura do indeferimento tácito. É ela o artigo 109º, nº 1, cujo texto se transcreve: “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a falta, no prazo fixado para a sua emissão, de decisão final sobre a pretensão dirigida a órgão administrativo competente confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade de presumir indeferida essa pretensão, para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”. Temos, assim, que a lei nova, manteve, nos seus precisos termos, a formulação da lei antiga [artigo 3º, nº 1 do DL nº 256-A/77], conferindo ao interessado, perante a inércia da Administração na decisão da sua pretensão, “a faculdade de presumir indeferida essa pretensão para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação”. A identidade da letra, é, em si mesma, reveladora de que a lei nova não quis inovar quanto à natureza do silêncio-indeferimento que, assim, continua a ser uma mera presunção, legal, um simples expediente processual para tutela dos interesses dos administrados, sempre que o silêncio infundado da Administração lhes seja lesivo. Este sentido literal, que é claro, colhe ainda inequívoco apoio do contexto sistemático da norma. Na verdade, mantém-se inalterado o prazo de um ano para a impugnação contenciosa do indeferimento tácito [artigo 28º, nº 1, alínea d) da LPTA], a prolação de acto expresso faz cessar a “presunção” [artigo 51º da LPTA] e, como decorre do disposto do artigo 9º, nº 2 do CPA, nem à sombra do indeferimento tácito se consolida qualquer “caso decidido”, nem, por consequência, há relação de confirmatividade, geradora de irrecorribilidade, entre o silêncio-indeferimento e o ulterior acto expresso. Este entendimento do silêncio-indeferimento como mera ficção legal, já no âmbito da vigência do CPA constitui Jurisprudência firme deste Supremo Tribunal [vide, por todos, os acórdãos do Pleno de 8-7-98 – recurso nº 41.535, e de 8-5-2003 – recurso nº 46.925, e desta Secção, de 6-3-2001 – recurso nº 47.055, de 28-2-2002 – recurso nº 36.279, e de 18-12-2002 – recurso nº 1747/02]. Neste quadro, e pelas precisas razões que jurisprudência apontava, antes da entrada em vigor do CPA, é inaceitável a tese do aresto recorrido de que o indeferimento tácito é um verdadeiro acto administrativo. Daí que soçobre a sua argumentação assente nesta errónea natureza e que justifica a aplicação do prazo curto de 30 dias previsto no artigo 168º, nº 1 do CPA à impugnação administrativa necessária do acto silente, em nome da necessidade de pôr termo à indefinição da situação, que de outro modo, se manteria “por um período muito lato”. Pela sua natureza, o indeferimento tácito não define situações substantivas com força de “caso decidido” e, por consequência, com ou sem impugnação administrativa e/ou contenciosa, a instabilidade persiste. Só com o acto expresso e depois de esgotada a possibilidade da sua impugnação contenciosa se alcança a estabilidade. Assim, é forçoso concluir que nem a instrumentalidade reactiva do acto silente negativo, nem o respectivo prazo, estão ao serviço da segurança. Daí o carácter facultativo da reacção, deixando ao interessado a escolha entre impugnar, aguardar pela decisão expressa ou renovar a pretensão. Ao administrado já basta suportar as consequências da inércia da Administração que, violando os seus direitos de cidadania [artigos 52º, nº 1 da CRP, e 9º do CPA], não se pronuncia sobre a sua pretensão. Não impende sobre si qualquer ónus reactivo justificado pela ideia de estabilidade nas suas relações com a Administração. A esta cumpre sempre dar o primeiro passo a caminho da segurança. Basta-lhe que cumpra o seu dever legal de decidir e aguarde o decurso do prazo do recurso contencioso de anulação do acto expresso. Portanto, se com o decurso do prazo de impugnação administrativa e/ou contenciosa do indeferimento tácito, não se constitui “caso decidido”, não é a estabilidade, como fim da lei, que serve para justificar a submissão do acto silente ao prazo de 30 dias previsto no artigo 168º, nº 1 do CPA. Na lógica do sistema, a lei fixou prazos bem diferenciados para a impugnação contenciosa do acto expresso [dois meses] e do indeferimento tácito [um ano]. A sujeição da impugnação administrativa necessária do indeferimento tácito não definitivo, em razão da hierarquia, ao prazo de 30 dias previsto no artigo 168º, nº 1 do CPA, com o efeito preclusivo que lhe está associado, colocaria em perfeita igualdade o acto expresso negativo e a mera presunção de indeferimento, fixando para ambos o mesmo tempo reactivo. Isto é, sem qualquer justificação racional, com esta interpretação, estabelecia-se em sede de impugnação administrativa uma identidade entre acto expresso e silêncio-indeferimento sem paralelo ao nível do recurso contencioso. Neste quadro, a falta de revogação expressa do artigo 4º, nº 1 do DL nº 256-A/77 [vide o artigo 4º do DL nº 442/91, de 15/11] e a coerência do sistema sugerem fortemente que a lei nova [CPA] não curou de regulamentar esta matéria e que, por consequência, o administrado beneficia do prazo de um ano para interpor recurso hierárquico necessário de um acto silente negativo imputado a um órgão subalterno. Este resultado da interpretação tem ainda subsídio de relevo na letra do artigo 162º do CPA, preceito que fixa, em relação a todos os meios impugnatórios graciosos, o regime da contagem de prazos [cfr. Freitas do Amaral e outros, “Código do Procedimento Administrativo”, pág. 250]. No enunciado linguístico deste artigo, a lei refere-se sempre a actos administrativos”, nunca à presunção de indeferimento. Ora, o legislador do CPA, que é suposto ter exprimido o seu pensamento em termos adequados [artigo 9º, nº 3 do Cód. Civil], não ignorava a distinção conceitual que ele próprio consagrou entre acto administrativo e presunção de indeferimento e se a esta se não referiu foi porque, com certeza, não quis abarcar nesta nova regulamentação a figura do silêncio-indeferimento. Esta é a solução que tem vindo a ser perfilhada pela Jurisprudência deste Supremo Tribunal [cfr. acórdãos de 20-5-97 – recurso nº 40.507, e de 13-1-2000 – recurso nº 44.624], com concordância da Doutrina [vide Esteves de Oliveira e outros, “Código do Procedimento Administrativo”, anotado, 2ª edição, pág. 776]” [Cfr., igualmente, no mesmo sentido, o Acórdão deste TCA Sul, de 23-11-2000, da 1ª Subsecção, proferido no âmbito do recurso nº 2520/99]. Não se vendo razões para divergir do entendimento supra transcrito, é evidente a procedência do presente recurso contencioso. IV. DECISÃO Nestes termos e pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do 1º Juízo Liquidatário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso contencioso interposto e, em consequência, anular o acto recorrido. Sem custas, atenta a isenção de que goza a entidade recorrida. Lisboa, 29 de Novembro de 2007 [Rui Belfo Pereira – Relator] [Carlos Araújo] [João Beato de Sousa] |