Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1823/98
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/23/2003
Relator:João Beato de Sousa
Descritores:DOCENTES CONTRATADOS
CONCURSO PARA OS QZP
Sumário:1 - Quando duas acepções divergentes têm cobertura verbal, há-de preferir-se a única que, para além disso, tenha fundamento racional claro e sirva o intuito contextualmente manifestado pelo legislador, no relatório do diploma legal em que se insere a norma interpretanda.
2 - Assim, a expressão "professores contratados" contida no corpo do artigo 5º do DL 384/93, de 18/11, na redacção conferida pelo DL 16/96, de 8/3, não deve ser entendida como um requisito de admissão suplementar a adicionar aos elencados nas diversas alíneas, segundo o qual o candidato teria que estar vinculado por um contrato vigente no período de apresentação das candidaturas aos concursos para os quadros de zona pedagógica (QZP).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes do TCA:

M...., professora do ensino secundário, residente na Rua ....., veio interpor recurso contencioso do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa (SEAE), de 30-6-98, que negou provimento ao recurso hierárquico do acto de exclusão do concurso para os Quadros da Zona Pedagógica (QZP) com referência ao ano de 1998/99.

Imputou ao acto vícios de violação do artigo 5º do DL 384/93 de 18/11, na redacção conferida pelo DL 16/96 de 8/3 e de violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança do cidadão na ordem jurídica, corolário do princípio do Estado de Direito, consagrados nos artigos 2º e 13º da Constituição.

Em resposta, o SEAE (fls. 42) e a recorrida particular Paula Almeida (fls. 103), sustentaram a legalidade do acto.

Em alegações, no essencial, as partes reiteraram as razões e pretensões expostas nos respectivos articulados.

Transcrevem-se as conclusões da alegação da Recorrente:
I - A recorrente possui uma licenciatura e é titular de habilitação própria, requisito indispensável para ser opositora ao concurso de provimento aos quadros de escola e de zona pedagógica, aberto pelo Ministério da Educação, aviso no DR, II Série, de 19.02.98.
II - Satisfaz, igualmente, as condições cumulativas exigidas pelo artigo 5º do D.Lei nº 384/93, de 18 de Novembro, com a redacção introduzida pelo D.Lei 16/96, de 8 de Março.
III - Opositora ao referido concurso para 1998/1999, veio do mesmo a ser excluída, com o fundamento de que não se encontrava contratada à data da realização do concurso.
IV - Ora, fica inquestionável e objectivamente demonstrado que a recorrente se encontrava contratada, durante o ano lectivo de 1997/1998, ao abrigo do D.Lei nº 427/89, na redacção dada pelo D.Lei nº 407/91, por aplicação do art. 33º do D.Lei nº 139-A/90 de 28 de Abril (Estatuto da Carreira Docente).
V - Na verdade, o contrato dos docentes, que em concurso de fase distrital vêm a ser colocados, é um contrato administrativo de provimento, única modalidade que pode revestir, à luz dos citados diplomas legais.
VI - O facto de um docente não se encontrar no exercício efectivo de funções docentes no período em que o referido concurso abriu, não invalida que esse docente não esteja, efectivamente contratado pela mesma Administração, que o retém a aguardar colocação ou à espera de proceder a uma substituição até ao final do ano lectivo.
VII - Assim, ao excluir a docente do concurso para os QZP, o acto recorrido enferma de vício de violação de lei, por contrariar o disposto no art. 5º do D.Lei nº 384/93, na redacção do D.Lei nº 16/96.
VIII - O acto recorrido é anulável igualmente, por se encontrar ferido de inconstitucionalidade material, ao violar o disposto nos artigos 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa, porquanto tal acto colide com o princípio da confiança dos cidadãos na ordem jurídica, ao frustrar a legítima expectativa da recorrente que pretendia obter colocação num QZP e que foi excluída do concurso respectivo, discriminando-a em relacção a outros docentes igualmente contratados, em situação objectivamente igual.
IX - Considerando os vícios de que enferma o acto recorrido, deve o mesmo anular-se com as legais consequências, ou seja, deve ordenar-se a colocação da recorrente no Quadro de Zona Pedagógica respectivo, ordenando-se de igual forma, a sua candidatura ao concurso de afectação, tendo em atenção a graduação e prioridade que lhe cabem, em resultado daquele concurso, à luz dos normativos contidos no D.Lei nº 384/93, com a redacção do D.Lei 16/96 de 08 de Março.

O Ministério Público emitiu o douto parecer de fls. 68, desfavorável ao provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos assentes

1 - A recorrente é portadora de Licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas (Variante de Estudos Ingleses e Alemães), concluída em 9.10.77 (cfr. fls. 10).
2 - Conforme se verifica no respectivo registo biográfico (fls. 10), iniciou funções docentes na Escola C+S de Tabuaço, no ano lectivo de 1987/88.
3 - Tem exercido funções como professora ao abrigo de contratos de prestação de serviço docente desde o ano lectivo de 1987, .
4 - Tendo leccionado no ano lectivo de 1997/98, como professora da Escola Secundária de S. Pedro do Sul e C+S de Oliveira de Frades - fls. 12 e 13.
5 - Assim, a recorrente leccionou durante mais de quatro anos sucessivos em estabelecimentos do ensino básico (2º e 3º ciclos) ou do ensino secundário, pertencentes à rede pública do Ministério de Educação totalizando, desde o início do exercício de funções docentes e até 31 de Agosto de 1997, 3502 dias de serviço.
6 - Com referência ao ano lectivo de 1998/99, foi opositora ao concurso de professores da 1ª e 2ª parte ao abrigo do Dec. Lei nº 18/88, e ao concurso de professores aos Quadros de Zona Pedagógica - cfr. fls. 14/20.
7 - A recorrente prestou, no ano lectivo de 1996/97, mais de 180 dias de serviço docente, com horário não inferior a doze horas lectivos semanais,
8 - A Recorrente foi excluída do concurso aos Quadros de Zona Pedagógica, referente ao ano lectivo de 1998/99, por não se encontrar contratada à data de candidatura ao concurso conforme o exigido no Art. 5º do citado normativo legal, de acordo com o despacho da Srª Directora do DEGRE, datado de 21/05/98, e recebido em 25/5 pelo recorrente - fls. 23.
9 – Inconformada, interpôs recurso Hierárquico do despacho da Sr.ª Directora do DEGRE - cfr. fls. 24/29.
10 - O sr. Secretário de Estado da Administração Educativa proferiu o despacho, ora recorrido, em 20.6.98, de que foi dado conhecimento à interessado em 13.07.98 através do ofício nº 6340, Ref.ª 04.2.2/B.86576, negando provimento ao Recurso Hierárquico interposto e do qual a ora recorrente teve conhecimento em 17 de Julho de 1998 - fls. 32/34.

O direito

O artigo 5º do DL 384/93, de 18/11, define as condições que os docentes devem possuir para serem opositores aos concursos anuais de provimento nos QZP.
É consensual e decorre da factualidade apurada que a recorrente reunia todas as condições previstas nas alíneas a), b) c) e d) daquela disposição legal, na redacção conferida pelo DL 16/96, de 8/3, para ser admitida como opositora ao concurso realizado em 1998/99.
Todavia, a sua candidatura foi excluída pelo facto de não ser “docente contratada à data de abertura do concurso”.
Portanto, a Administração extraíu da referência aos “professores contratados”, constante do corpo daquele artigo 5º, um requisito de admissão suplementar, segundo o qual o candidato teria que estar vinculado por um contrato vigente à data de apresentação das candidaturas (no caso, entre 20 de Fevereiro e 2 de Março de 1998).
Esta interpretação tem a seu favor, apenas, a adequação ao elemento literal da norma.
Todavia, em sede de interpretação, a primeira regra é que ela “não deve cingir-se à letra da lei” (artigo 9º do Código Civil).
E o certo é que aquele requisito suplementar não encontra explicação racional nem sistemática.
Não encontra explicação racional porque a finalidade expressa pelo legislador é a de “proporcionar estabilidade de vínculação, aos docentes contratados, a quem a realização de sucessivos contratos para satisfação de necessidades não permanentes do sistema educativo acabou por conferir uma experiência no ensino, que importa continuar a aproveitar nos quadros de zona pedagógica” (cfr. relatório do DL 16/96).
Ora, a circunstância meramente ocasional de estar em vigor um contrato no período de admissão das candidaturas, nada acrescenta ou retira à experiência no ensino acumulada pelo candidato, já relevada nas alíneas c) e d) do citado artigo 5º.
Por outro lado, é preocupação do legislador “que a integração nos referidos quadros se faça em condições de igualdade, conferindo as mesmas oportunidades a docentes, à partida, possuidores de idênticos requisitos de habilitação e tempo de serviço” (vd. ainda o relatório do DL 16/96).
Também neste caso, o pretenso requisito de admissão que presidiu à exclusão da recorrente apenas poderia contribuir para frustrar o anunciado intento do legislador, ao fazer depender a possibilidade de participação no concurso de uma circunstância tão aleatória como a existência de um contrato vigente no momento da recepção das candidaturas, sabendo-se que os contratos de prestação de serviço docente são tipicamente transitórios e de duração irregular, tanto no seu termo inicial como no termo final, perdurando umas vezes até ao final do ano escolar e outras até à apresentação do titular substituído.
Obviamente, isso propiciaria que fossem preteridos candidatos detentores de mais tempo de serviço, numa espécie de lotaria sem qualquer explicação plausível.
O próprio elemento sistemático dissuade da adesão à tese sustentada pela Administração e pela recorrida particular, visto não ser boa técnica legislativa inserir um requisito de admissão ao concurso em texto introdutório e exterior ao elenco das condições cumulativas adrede previstas, ou seja, no caso, fora do campo das alíneas a) a d) do artigo 5º em análise.
O sentido que se afigura conforme ao espírito da lei é de a referência aos “professores pertencentes a um dos QZP” e aos “professores contratados”, constante do corpo do artigo, se destinar primordialmente a definir o âmbito subjectivo de aplicação da norma, isto é, as classes de docentes admitidos a concurso.
Neste sentido, a expressão “professores contratados” remeteria para o universo dos professores que pelo número e duração dos contratos celebrados, além de habilitação profissional idónea - nos termos definidos nas diversas alíneas – dessem garantias de deter qualificação e experiência adequadas à integração nos QZP.
De resto, esta acepção também encontra seguramente na lei a correspondência verbal necessária e, quando duas acepções divergentes têm cobertura verbal, há-de certamente preferir-se a única que, para além disso, tenha fundamento racional claro e sirva o intuito contextualmente manifestado pelo legislador, no relatório do diploma legal em que se insere a norma interpretanda.
Assim, é procedente a conclusão tirada pela recorrente no sentido da violação do artigo 5º do DL 384/93 pelo acto recorrido, ao rejeitar a sua candidatura a pretexto de não estar contratada à data de abertura do concurso.

Decisão

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e anular o acto recorrido.

Sem custas.

23 de Janeiro de 2003