Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04452/08
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/17/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PENSÃO DE APOSENTAÇÃO, REVISÃO DA PENSÃO, ARTº 80º DO EA, LEI Nº 30-C/92, DE 28/12, ARTºS 63º Nº 4 E 13º DA CONSTITUIÇÃO, PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO INTEGRAL DO TEMPO DE TRABALHO, PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I. O artº 80º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo artº 8º, nº 1 da Lei nº 30-C/92, de 28/12 (Orçamento de Estado para 1993), ao introduzir os nºs 3 e 4, permite a instituição de um sistema que assegura, em alternativa e em benefício dos subscritores ou pensionistas da Caixa Geral de Aposentações: i) a fixação da pensão de aposentação revista ou melhorada, atendendo a todo o tempo de serviço prestado, isto é, o tempo de serviço prestado antes da primeira pensão e o prestado no segundo período contributivo, ou ii) atender apenas ao tempo de serviço prestado posteriormente à primeira aposentação, a que corresponde a nova pensão de aposentação.

II. Um aposentado, que volte a exercer funções públicas, acumula a pensão de aposentação com uma parcela do vencimento.

III. Optando o aposentado pela nova pensão, o tempo de serviço que tiver relevado para a primeira aposentação, não releva para efeito de concessão da nova aposentação.

IV. Tal não colide com o nº 4 do artº 63º da Constituição, segundo o qual “Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor da atividade em que tiver sido prestado”, pois além de não poder ser considerado duas vezes o mesmo período contributivo, concede o legislador do artº 80º do Estatuto da Aposentação, a faculdade de o subscritor optar, entre a revisão da primeira pensão de aposentação, melhorada quanto ao seu respetivo tempo de serviço prestado, e entre a nova aposentação, que considere apenas o tempo de serviço correspondente ao segundo período contributivo.

V. A norma do nº 4 do artº 63º da Constituição, que acolhe na ordem jurídica o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, não foi diretamente concebida para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excecional, em que se permite a um aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo com uma parcela do vencimento correspondente às novas funções, por antes se ter pretendido evitar, que, no cômputo da pensão de aposentação, existam parcelas de tempo que não sejam contabilizadas.

VI. O citado preceito constitucional impede que no cômputo do tempo de serviço seja desconsiderado qualquer subperíodo, permitindo, para efeitos de cálculo da pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho.

VII. O pedido de “melhoria de pensão”, tem o sentido da manifestação de vontade do requerente em optar por uma das possibilidades previstas, neste caso, a de pretender a melhoria ou revisão da primeira pensão de aposentação, em detrimento da nova pensão, calculada por referência ao tempo de serviço prestado em data posterior à primeira aposentação.

VIII. Se o recorrente considera que em virtude do ato que determinou a revisão das condições da aposentação, na sequência do requerimento apresentado de “melhoria da pensão”, fica lesado quanto ao respetivo valor da pensão, em relação à situação que existia em momento anterior à formulação desse requerimento, pode requerer a sua revogação, na parte em que lhe seja desfavorável, perante a Caixa Geral de Aposentações, nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 140º do CPA, por estarmos perante um ato constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, livremente revogável.

IX. Existe diferenciação relevante entre as situações materiais: i) dos pensionistas que se encontrem a receber pensão de aposentação e depois de novo exercício de funções, em que cumularam a pensão com uma parcela de vencimento, pretendam obter uma nova aposentação, podendo optar entre a primeira pensão revista ou melhorada, que considere todo o tempo de serviço prestado ou pela nova aposentação, que atenda apenas ao tempo de serviço prestado no segundo período laboral; ii) dos trabalhadores que tendo uma carreira contributiva, ainda que sob diferentes regimes legais, pretendam aposentar-se, mediante consideração de todo o tempo de serviço prestado ao serviço da Administração Pública portuguesa.

X. A essa diferenciação material, não está vedada a possibilidade de uma diferenciação operada por via legislativa, assente na liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo, pelo que, a opção de não relevar na nova aposentação, baseada no segundo período contributivo do aposentado, o tempo de serviço que tiver relevado para a primeira aposentação, não se apresenta arbitrária, desrazoável, inadequada ou sequer desproporcionada, antes sendo conforme com o princípio da igualdade, consagrado no artº 13º da Constituição.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

Manuel ………………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datada de 03/04/2008 que, no âmbito do recurso contencioso de anulação interposto contra a Direção de Serviços da Caixa Geral de Aposentações, negou provimento ao recurso, mantendo o ato recorrido na ordem jurídica, que alterou as condições da pensão de aposentação.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 189 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

“lª) Em 1992, para efeito de cálculo da pensão de aposentação do ora Recorrente, a CGA contabilizou todo o tempo de serviço por aquele prestado no âmbito de uma relação jurídica de emprego público, quer ao serviço da ex-Administração Ultramarina quer ao serviço da Universidade do Algarve, tendo fixado essa pensão em Esc.: 562.979$00, valor praticamente idêntico ao último vencimento pelo mesmo auferido enquanto professor da referida Universidade;

2ª) Tendo, por meio de um novo ato administrativo praticado em 17 de janeiro de 2000, a CGA fixado essa pensão em Esc.: 186.690$00, afigura-se notório que, para esse efeito, não foi contabilizado todo o tempo de serviço prestado pelo Recorrente ao longo de mais de 36 anos, donde decorre a violação por este ato do disposto no n° 4 do art° 63° da CRP, que impõe a consideração de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, e no art° 13° do mesmo diploma, que consagra o princípio da igualdade, dado que não foi dado o mesmo tratamento ao ora Recorrente, em sede de fixação da pensão de aposentação, que era dado à generalidade dos titulares de uma relação jurídica de emprego público;

3ª) A ilegalidade do ato, por violação de lei constitucional, já fora invocada pelo Recorrente nos artigos 52° a 58° da sua p.i., tendo essa invocação sido alargada e desenvolvida, face ao teor da contestação da CGA, nas alegações apresentadas em 7 de maio de 2001 e, posteriormente, em sede de recurso jurisdicional, em 7 de setembro de 2007;

4ª) A afirmação feita pela CGA, no ponto 7 da sua contestação, de que interpretara o requerimento de 17 de maio de 1999, apresentado pelo ora Recorrente, no sentido de uma revisão da pensão a que tinha direito pelo tempo de serviço prestado anteriormente a 16 de setembro de 1975 na exJAE de Moçambique constitui, por um lado, uma confissão expressa de a Recorrida não haver considerado todo o tempo de serviço efetivamente prestado pelo Recorrente ao Estado Português, mas tão só o prestado à ex-Administração Ultramarina, com violação dos normativos constitucionais referidos na conclusão 2ª;

Por outro lado,

5ª) O entendimento da Recorrida de que o pedido de “melhoria de pensão” apresentado pelo ora Recorrente se reportava à pensão pelo serviço prestado por este à ex-Administração Ultramarina revela-se totalmente destituído de fundamento, visto que a pensão que o Recorrente se encontrava a receber era a fixada por despacho de 22 de outubro de 1993, relativa à sua atividade como professor universitário, sendo que apenas esta poderia ser “melhorada”, contabilizando-se, para o efeito, todo o serviço prestado enquanto titular de uma relação jurídica de emprego público, e não uma pensão que era, à data, inexistente;

6ª) Os números 3 e 4 do art° 80° do “Estatuto da Aposentação”, na leitura feita pela Recorrida e não contrariada pela sentença posta em crise, ao não considerarem todo o tempo de serviço prestado pelo Recorrente enquanto titular de uma relação jurídica de emprego público, mostram-se, assim, violadores do n° 4 do art° 63° da CRP, que impõe essa consideração;

7ª) Dúvidas não podem restar de que a sentença ora impugnada ao aderir à interpretação dos n°s 3 e 4 do artigo 80° do Estatuto da Aposentação, conforme o exposto na conclusão anterior, viola claramente o n° 4 do artigo 63° da CRP, não podendo pois manter-se na ordem jurídica, pelo que se impõe a sua revogação por V. Exas.;

8ª) A não fixação da pensão de aposentação do Recorrente de acordo com as normas dos artigos 46° a 53° do “Estatuto da Aposentação”, com a redação em vigor à data do ato impugnado, mostra-se violadora do princípio constitucional da igualdade, visto lhe haver sido aplicado um regime mais gravoso do que aquele que decorria da lei para a generalidade dos titulares de um relação jurídica de emprego público subscritores da CGA, o que representa violação do disposto no art° 13º da CRP;

9ª) E representa uma violação do artigo 13° da CRP, na interpretação e aplicação que lhe foi dada pela CGA e à qual aderiu a sentença ora impugnada, ao permitir que, em matéria de revisão de pensão de aposentado pela ex-Administração Ultramarina, crie desigualdades destes pensionistas relativamente aos restantes pensionistas, ao não permitir aos primeiros a contagem de todo o tempo de serviço efetivamente prestado;

10ª) Assim, o não reconhecimento da violação do princípio constitucional da igualdade por parte da sentença recorrida, conforme o exposto na conclusão anterior, implica a violação por esta do mesmo princípio, não podendo pois manter-se na ordem jurídica, pelo que deverá, também por aqui, ser revogada por V. Exas.”.

Pede que seja dado provimento ao recurso e ser revogada a sentença recorrida.


*

A ora recorrida, notificada, apresentou as seguintes contra-alegações (cfr. fls. 202 e segs.):

“A. Não merece censura a douta Sentença proferida em 2008-04-03, que considerou improcedente o recurso contencioso de anulação por si interposto, não anulando, assim, o ato praticado pela CGA em 2000-01-17, nela se conjugando as razões de facto e de direito que permitem claramente apreender as razões que sustentam a decisão proferida.

B. Vem agora o Recorrente alegar que “...invocou e demonstrou, de forma clara, por que é que o ato impugnado violava o artigo 63.°, n.° 4, da CRP, mais invocando e demonstrando que (igualmente de forma simples) a interpretação e aplicação por parte da CGA dos n.°s 3 e 4, do art.° 80. “Estatuto da Aposentação”, violava o artigo 13.°., da CRP...”.

C. Porém, basta conferir os pontos 7 e 8 da matéria de facto provada pela douta Sentença sob recurso para se concluir que o Recorrente não tem razão.

D. Reitera-se: o regime do art.° 80.° adquiriu a sua atual configuração com a Lei n.° 30-C/92, de 28/12, que introduziu os atuais n.°s 3 e 4 daquele artigo, em termos que permitiram a instituição de um sistema que assegura, em alternativa e em benefício dos subscritores/pensionistas, a relevância de todo o tempo de serviço por aqueles prestado, sendo que, com esta redação, e ao conceder-se a opção, a cada interessado, de requerer uma pensão com base em todo o tempo de serviço por si prestado (em termos que o legislador ordinário definiu, como lhe competia, não colocando minimamente em causa o conteúdo útil do n.° 5 (atual n.° 4) do art.° 63.° da CRP) ou uma outra que, com base apenas no tempo de serviço prestado posteriormente à primeira aposentação, atinge, por vezes, um valor mais elevado do que a primeira, respeitou-se a prescrição constitucional segundo a qual “Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor da atividade em que tiver sido prestado”.

E. Pelo que o Recorrente não tem razão na análise meramente superficial que faz sobre uma norma que deve ser compreendida no quadro de um sistema complexo, como é o do art.° 80.° do Estatuto da Aposentação.

F. Sobre o mesmo assunto, e também no sentido propugnado pela CGA, refira-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 366/2006, proferido no processo n.° 1006/2005, publicado em D.R., 2ª. Série, n.° 158, de 2006-08-17, que ora se junta como Doc. 1.

G. De resto, subscreve-se, inteiramente, o discurso fundamentador da douta Sentença recorrida, na medida em que defende que o recorrente se limita a invocar – e não a demonstrar, como lhe competiria – o vício de violação de lei por aplicação dos n°s 3 e 4 do Art.° 80.° do Estatuto da Aposentação, por violação do princípio constitucional da igualdade.

H. E quanto nela se postula que, “O referido corolário do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado, em geral, no art.° 13.º, e, no domínio das relações laborais, no art.° 59º, n.° 1, alínea a), da C.R.P. Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontrem em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objetiva e racional...

I. Pelo exposto, não violou a douta Sentença recorrida qualquer preceito legal, devendo ser mantida.”.

Pede que seja negado provimento do recurso.


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O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 222-225).

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Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento de Direito, com fundamento em:

1. violação do artº 63º, nº 4, da Constituição, por não consideração de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez [conclusões 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª];

2. violação do artº 13º da Constituição, por não ser dado o mesmo tratamento, em sede de fixação da pensão de aposentação, como é dado à generalidade dos titulares de uma relação jurídica de emprego público [conclusões 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 8ª, 9ª e 10ª].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1) A Entidade Recorrida remeteu, em 19 de dezembro de 1990, à Universidade do Algarve contagem do tempo de Serviço do aqui Recorrente. (Cfr. doc, 1 PI);

2) O Recorrente requereu em 17 de julho de 1992 ao Reitor da Universidade do Algarve a passagem à situação de aposentado. (Cfr. doc 2 PI);

3) Por ofício datado de 28 de setembro de 1992, dirigido ao Chefe dos Serviços Administrativos da Universidade do Algarve, a Caixa Geral de Aposentações transmitiu à Universidade do Algarve que, por despacho proferido nessa data, fora reconhecido o direito à aposentação do Recorrente, tendo-lhe sido atribuída a pensão mensal provisória de 492.800$00. (Cfr. doc 3 PI);

4) Em 30 de outubro de 1992, por ofício dirigido à Universidade do Algarve a CGD informou a Universidade do Algarve que havia fixado a pensão do Recorrente a pensão mensal definitiva no valor de 562.979$00 para o ano de 1992. (Cfr. doc 4 PI);

5) Foi publicado na II série do Diário da República n° 59, de 28 de abril de 1993, o valor da pensão definitiva atribuída ao Recorrente, no valor de 562.979$00. (Cfr. fls. 302 PA)

6) Por despacho de 22 de outubro de 1993 da CGA foi revogado o Despacho de 30 de outubro de 1992, que havia fixado as condições definitivas de aposentação do Recorrente. (Cfr. doc 5 PI);

7) Em 17 de maio de 1999, e no seguimento de um anterior pedido de melhoria de pensão, o ora Recorrente solicitou de novo e em definitivo à CGA “melhoria de pensão”. (Cfr. doc. 9 PI);

8) Por despacho de “Concordamos” do CA da CGA foi deliberado viabilizar a revisão da pensão do Recorrente nos termos do Art° 80° da CGA para 186.690$00, tendo-lhe sido contados os seguintes temos de serviço:

1ª Aposentação: 20 anos e 3 meses;

Após 1° Aposentação: 16 anos e 8 meses;

Total: 36 anos e 11 meses.

(Cfr. fls. 306 e 307 PA)

9) O presente Recurso foi intentado junto do então Tribunal Administrativo do Circulo de Lisboa, em 8 de maio de 2000. (Cfr. fls. 2 Proc°).”.


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Nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 712º do CPC, por ser claramente insuficiente a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo e se mostrar relevante, aditam-se os seguintes factos à seleção dos Factos Assentes:

10) O recorrente, por ter prestado serviço à ex-Administração Ultramarina – Junta Autónoma de Estradas de Moçambique, beneficia desde 16/09/1975 de uma pensão de aposentação, com base em 20 anos e 3 meses de serviços prestados àquela Junta – Acordo;

11) O pedido de aposentação referido em 2) baseou-se em o recorrente ter concluído 36 anos de serviço efetivo – cfr. doc. 2;

12) Para a revogação do despacho que fixou as condições definitivas da aposentação, a que se refere em 6), foi invocada a sua invalidade, por o recorrente já se encontrar aposentado desde 16/09/1975, ao abrigo do D.L. nº 52/75, de 08/02 e estar em causa a acumulação de pensões com base no mesmo tempo de serviço, proibido pelo artº 81º, nº 1 do Estatuto da Aposentação – cfr. doc. 5;

13) O despacho revogatório, datado de 22/10/1993, assente em 6), foi impugnado contenciosamente, o qual, por sentença de 29/06/1995 do TAC de Lisboa (rec. nº 2419/94) foi negado provimento ao recurso, mantendo o ato recorrido na ordem jurídica, sentença que foi confirmada pelo acórdão do STA, datado de 06/03/1997 – cfr. docs. 7 e 8;

14) Em sequência do pedido assente em 7), de melhoria da pensão, foi remetido ao recorrente o ofício de 17/01/2000, dando conhecimento de que as condições de aposentação tinham sido alteradas – doc. 9;

15) Porque tal ofício não esclarecia qual o ato administrativo que tinha fixado a alteração das condições da sua aposentação, a sua data e o seu autor, o recorrente, em 11/02/2000 requereu, por referência ao ofício de 17/01/2000, que lhe fossem passadas certidões autenticadas das informações, pareceres e despachos praticados – doc. 9 e acordo;

16) Em 03/04/2000 foi emitida a certidão requerida – cfr. doc. 9;

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, que não se mostra impugnada pelo recorrente, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Violação do artº 63º, nº 4, da Constituição, por não consideração de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez [conclusões 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 7ª]

Nos termos da alegação do presente recurso, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito, por violação do artº 63º, nº 4, da Constituição, por manter na ordem jurídica o despacho de 17/01/2000, dos Diretores de Serviço da Caixa Geral de Aposentações, que não considera todo o tempo de trabalho, prestado ao longo de mais de 36 anos ao Estado português, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez.

Delimitando a factualidade relevante, decorre dos autos que o recorrente, aposentado desde 16/09/1975, com base em 20 anos e 3 meses de serviços prestado à ex-Administração Ultramarina – Junta Autónoma de Estradas de Moçambique, voltou a exercer funções públicas, ao serviço da Universidade do Algarve.

Após perfazer mais de 36 anos de descontos, veio a solicitar nova pensão de aposentação, a qual foi concedida.

Depois de ser fixada a pensão definitiva em 562.979$00, veio tal ato administrativo a ser revogado, alterando o valor da pensão, o qual, sendo impugnado contenciosamente, por acórdão do STA, se manteve válido na ordem jurídica.

Por isso, não constitui objeto do presente recurso, apurar da validade do ato revogatório do despacho que fixou definitivamente o valor da pensão em 562.979$00, por o mesmo se encontrar consolidado na ordem jurídica, em virtude do efeito de caso julgado produzido, na sequência da sua impugnação judicial.

Posteriormente a tal desfecho, veio o recorrente a dirigir à Caixa Geral de Aposentações requerimento, em que solicitou a “melhoria de pensão”, em sequência do qual foi praticado o ato impugnado na presente instância.

Contra tal ato, de revisão das condições da aposentação, dirige o recorrente a censura invocada, de violação do artº 63º, nº 4, da Constituição, por não consideração de todo o tempo de trabalho para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, nos termos sufragados pela sentença recorrida.

Em causa está a interpretação a dar ao artº 80º do Estatuto da Aposentação, o qual adquiriu a sua atual configuração com o artº 8º, nº 1 da Lei nº 30-C/92, de 28/12 (Orçamento de Estado para 1993), que introduziu os nºs 3 e 4 do preceito, em termos que permitem a instituição de um sistema que assegura, em alternativa e em benefício dos subscritores ou pensionistas, a relevância de todo o tempo de serviço prestado.

Isto é, com essa redação, concedeu-se a opção aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, de requerer uma pensão com base em todo o tempo de serviço prestado, visando conformá-lo com o nº 5 e agora nº 4, do artº 63º da Constituição, ou atender apenas ao tempo de serviço prestado posteriormente à primeira aposentação.

Em causa, está, pois, a conformidade constitucional do artº 80º, nºs 1 e 2, do Estatuto da Aposentação e a interpretação que a Caixa Geral de Aposentações dele faz, com o nº 4 do artº 63º da Constituição, segundo o qual “Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor da atividade em que tiver sido prestado”.

Com efeito, embora o recorrente alegue a desconformidade constitucional dos nºs 3 e 4 do artº 80º do Estatuto da Aposentação, reconduz toda a sua argumentação ao disposto nos seus nºs 1 e 2, isto é, quanto à irrelevância de todo o tempo de serviço, prestado na ex-Administração Ultramarina e na Universidade do Algarve, na nova aposentação (cfr. ponto 6º da alegação de recurso em que o ora recorrente afirma que “Impõe-se, por isso mesmo, voltar ao cerne da questão, ou seja, a inconstitucionalidade do nº 2 do artº 80º do “Estatuto da Aposentação”, pois tudo o que se disser a este respeito, também é válido para a inconstitucionalidade dos nºs 3 e 4 do referido preceito legal, já que, da sua interpretação e aplicação por parte da CGA, resulta a não contagem de todo o tempo de serviço prestado pelo Recorrente enquanto pensionista.”).

O nº 1 do artº 80º do Estatuto da Aposentação, concede ao trabalhador o direito de optar pela segunda aposentação; o nº 2 desse preceito legal, determina que, nesse caso, não será de considerar para cômputo da nova pensão o tempo de serviço anterior à primeira aposentação; o nº 3 permite, nos casos em que o aposentado opte por manter a primeira aposentação, a revisão da pensão respetiva e o nº 4 prevê que o montante da pensão da aposentação, no caso previsto no nº 3, seja igual à pensão auferida à data do requerimento multiplicada pelo fator resultante da divisão de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo de serviço contado no cálculo da pensão inicial.

Assim, quando um aposentado tenha voltado a exercer funções públicas e, findo este novo período, opte pela aposentação correspondente ao mesmo período, não é de considerar, para cômputo da nova pensão, o tempo de serviço anterior à primeira aposentação ou, por outras palavras, o tempo de serviço que tiver relevado para a primeira aposentação, não releva para efeito de concessão da nova aposentação.

Contudo, por força dos nºs 3 e 4 do artº 80º, para a nova aposentação conta-se o tempo de serviço prestado, após a data relevante para a primeira aposentação.

Sobre a questão material controvertida, recaiu o acórdão do Tribunal Constitucional nº 366/2006, de 21/06/2006, extraído do processo nº 1006/2005, publicado no D.R., 2ª Série, nº 158, de 17/08/2006, que decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas do artº 80º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo D.L. nº 498/72, de 09/12, na redação da Lei nº 30-C/92, de 28/12.

Segundo a sua doutrina, “O regime configurado na redação atual do artigo 80º do Estatuto da Aposentação aplica-se de acordo com os seguintes parâmetros:

1) Do ponto de vista do âmbito pessoal de aplicação, aos aposentados que: i) voluntariamente venham a exercer um novo cargo; ii) tiverem, pelo exercício desse novo cargo, direito de inscrição na Caixa;

2) Do ponto de vista do funcionamento do mecanismo de aposentação nele definido, prevê-se, como regra («salvo nos casos em que a lei especial permita a acumulação de pensões»), que o aposentado: i) opte pela aposentação que já possuía; ii) opte pela aposentação, correspondente ao novo cargo e ao tempo de serviço nele prestado;

3) A opção pela aposentação correspondente ao «primeiro ciclo» de vida laboral, isto é, pela «primeira aposentação», implica a revisão da pensão (embora o texto do nº 3 mencione «divisão da pensão», do contexto e da nova epígrafe resulta que o que está em causa é a revisão da pensão) que a esta corresponde, nos termos e através da aplicação da fórmula acolhida nos nºs 3 e 4 do artigo 80º do Estatuto da Aposentação;

4) A opção pela aposentação correspondente ao «segundo ciclo» de vida laboral, isto é, pela «segunda aposentação», implica que, no cômputo da nova pensão, não seja considerado o tempo de serviço anterior à primeira aposentação, nos termos do nº 2 do artigo 80º do Estatuto da Aposentação.

Em suma, enquanto na redação originária do preceito, cingido aos seus nºs 1 e 2, se dispunha, de acordo com o princípio da impossibilidade de cumulação de pensões que, findo o novo período de exercício de funções por aposentado, este tinha de optar entre uma das duas pensões (pela correspondente ao primeiro período de atividade, sem qualquer revisão que atendesse ao segundo período de atividade, ou pela correspondente ao segundo período de atividade, sem que para o cálculo desta fosse de considerar o tempo de serviço anterior à primeira aposentação), já o aditamento, pela Lei nº 30-C/92, dos nºs 3 e 4 veio alterar substancialmente a situação, determinando que, quando o aposentado optasse por manter a primeira aposentação, havia lugar à revisão dessa pensão, ao contrário do que sucedia anteriormente.

Nos termos do nº 4, o montante da (primeira) pensão «revista» será igual à pensão auferida á data do respetivo requerimento «multiplicada pelo fator resultante da divisão de todo o tempo de serviço prestado, até ao limite máximo de 36 anos, pelo tempo de serviço contado no cálculo da pensão inicial».”.

Conforme se salienta em tal citado aresto, “o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63º, nº 4 da CRP, não foi diretamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excecional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo e uma parcela do vencimento correspondente às novas funções.

Antes com ele se pretendeu designadamente evitar, como resulta da discussão parlamentar referida no relatório do Acórdão nº 411/99, que, no cômputo da pensão de aposentação que um trabalhador receba ao concluir a sua vida laboral, existam parcelas de tempo que não sejam contabilizadas. Trata-se, portanto, de um princípio que não foi gizado para situações como a que ora se nos depara, em que é concedida ao trabalhador uma opção que se situa à margem da lógica global do sistema e que representa inequivocamente um plus em face dessa lógica, e sim para aquelas situações (a que chamaríamos comuns ou regra), em que, ao calcular a pensão de um trabalhador no termo do seu período normal de trabalho, há que considerar diversos subperíodos em que aquele cotizou para distintos sistemas de pensões. Em tal caso, o preceito constitucional em questão impede que no cômputo do tempo de trabalho a proceder seja desconsiderado qualquer daqueles subperíodos, assim se realizando, para efeitos de cálculo da pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho.

Na hipótese excecional que nos ocupa, tal objetivo há de ter-se por realizado quando ao trabalhador é atribuída uma primeira pensão de aposentação. Simplesmente, este resolve depois regressar à vida ativa, o que lhe é permitido fazer com manutenção da anterior pensão. E, findo este outro ciclo, o tempo de trabalho prestado é (nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 80º) suscetível de ser considerado numa atualização da anterior pensão, assim se realizando o aproveitamento, ainda que em moldes diferenciados, do tempo de trabalho correspondente ao segundo ciclo laboral. Mas, como se disse, este sistema comporta uma alternativa, que redunda num plus. Tal plus corresponde à concessão ao trabalhador da possibilidade de, caso assim o entenda (decerto que porque isso lhe seja mais favorável), optar por um diferente sistema de cálculo de pensões que leva a prescindir, de forma voluntária, sublinhe-se, da relevância do tempo de serviço prestado anteriormente à primeira aposentação.

(…) o Estatuto da Aposentação faz associar consequências jurídicas distintas às diversas opções feitas pelo trabalhador: num caso, a revisão da primeira pensão de aposentação («melhorada» através da ponderação prevista no nº 4 do artigo 80º); no outro caso, além do recebimento de uma pensão seguramente mais elevada que a correspondente à «primeira aposentação», a ausência de contabilização do tempo de serviço prestado anteriormente a esta primeira aposentação.

(…) Na lógica do sistema – e com aproveitamento integral do tempo de trabalho –, a solução regra é, quanto a este último, a correspondente à «primeira alternativa»: o trabalhador aposentado que reinicio funções terá, no final, direito a uma pensão em que são contabilizados em certos termos o tempo de serviço e os descontos efetuados no «segundo ciclo» da sua vida ativa.

Simplesmente, entendeu o legislador permitir – acrescentar como alternativa a esta possibilidade – uma situação diversa, à margem da lógica global do sistema, concedendo ao trabalhador a faculdade de optar por uma aposentação baseada apenas no tempo de serviço correspondente ao «segundo ciclo» de vida laboral. Tal opção será feita pelo trabalhador, a que tudo indica, dentro de uma lógica de «escolha racional», se tal corresponder a uma melhoria – da sua situação em relação ao outro termo de alternativa.

Por outras palavras, o aposentado que reinicie funções – no exercício das quais, reitera-se, continua a auferir a pensão correspondente ao «primeiro ciclo de vida laboral» – é confrontado com a seguinte alternativa: optar por uma fórmula de cálculo de pensões que respeita o princípio do aproveitamento integral do tempo de serviço e que incorpora, no cálculo da pensão, o «segundo ciclo» da sua atividade laboral; escolher apenas a pensão correspondente ao exercício de funções neste «segundo ciclo» de vida laboral, na qual já não é contabilizado o tempo de serviço correspondente ao «primeiro ciclo».

(…) Trata-se, portanto – e esta é a conclusão a que se chega –, com o regime decorrente do artigo 80º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Aposentação, de oferecer uma outra alternativa, para além daquela que satisfaz integralmente o «princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho». A norma em causa, entendida com este sentido, não fere esse princípio constitucional. (…)”.

Aqui chegados, perante a configuração da situação de facto do ora recorrente e atenta a invocação do fundamento de Direito em causa, as quais se subsumem à situação material subjacente ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 366/2006, de 21/06/2006, cujas passagens são supra transcritas, nenhuma razão lhe assiste quanto à censura dirigida contra a sentença recorrida, que decidiu manter na ordem jurídica o ato administrativo recorrido.

A norma invocada, do nº 4, do artº 63º da Constituição, não tem o alcance defendido pelo recorrente, quanto o de na nova pensão de aposentação – cujo direito se constitui em sequência do segundo período de vida laboral, prestado após a atribuição da primeira pensão e cujo recebimento da pensão acumulou durante todo o segundo período de vida laboral –, englobar-se todo o tempo de serviço correspondente à sua vida laboral, por parte desse período ter sido já considerado para efeitos de fixação da primeira pensão de aposentação.

Quer o tempo de serviço prestado até 1975, quer o tempo de serviço prestado na Universidade do Algarve e que está na base do segundo pedido de pensão de aposentação, foi considerado, nos respetivos atos de deferimento das respetivas pensões, não podendo é existir a duplicação do tempo de serviço prestado, como pretende o ora recorrente.

O recorrente apresentou pedido de “melhoria de pensão”, o que, nos termos do artº 80º do Estatuto da Aposentação e seguindo a doutrina do citado aresto do Tribunal Constitucional, tem o sentido da manifestação de vontade do requerente em optar por uma das possibilidades previstas, neste caso, a de pretender a melhoria da pensão a que tinha direito pelo tempo de serviço prestado antes de 1975, em detrimento de uma nova pensão, calculada por referência ao tempo de serviço prestado em data posterior à primeira aposentação, que opera a revisão da pensão.

Não tem, pois, sentido, o entendimento do recorrente, quanto o de tal requerimento de melhoria da pensão, pretender significar o seu inverso, isto é, de se reportar à nova pensão atribuída pela Caixa Geral de Aposentações, que era aquela que lhe estava a ser paga no momento da prolação do requerimento por si apresentado e do ato que se lhe seguiu, aqui impugnado.

Aliás, carece de sustento legal a tese de que o pedido de melhoria da pensão, seria a melhoria incidente sobre a nova pensão, já que essa apenas pode contemplar o tempo de serviço prestado correspondente ao segundo período laboral, prestado após a fixação da primeira aposentação.

“O silêncio e a inação serão interpretados como sinal de preferência pela pensão que já vem recebendo. Só na hipótese de querer “trocar” de aposentação é que deverá expressamente manifestar a sua vontade (…)” – cfr. José Cândido de Pinho, inEstatuto da Aposentação”, Almedina, 2003, pág. 296.

Assim, o efeito jurídico pretendido pelo recorrente, não pode ser obtido, por falta de consagração legal, não podendo considerar-se na nova pensão de aposentação, todo o tempo de serviço já considerado para efeitos da atribuição da primeira aposentação, não tendo a norma constitucional invocada, o nº 4 do artº 63º, essa amplitude.

Por outro lado, se o recorrente considera que em virtude o ato recorrido na presente instância, que determinou a revisão das condições da aposentação, na sequência do requerimento que apresentou de “melhoria da pensão”, fica lesado quanto ao respetivo valor da pensão, em relação à situação que existia em momento anterior à formulação desse requerimento, sempre pode requerer a sua revogação perante a Caixa Geral de Aposentações, nos termos do nº 2 do artº 140º do CPA.

Isto é, caso o ato que determinou a revisão das condições da aposentação, a pedido do interessado, lhe seja prejudicial, estamos perante um ato constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, que pode ser livremente revogável, na parte em que seja desfavorável para o seu destinatário – alínea a) do nº 2 do artº 140º do CPTA.

Não pode é através do pedido de revisão da pensão formulado, pretender obter o efeito pretendido, de englobar todo o período contributivo, referente aos dois períodos de vida laboral, na nova pensão de aposentação, por tal pretensão se encontrar vedada pelo artº 80º do Estatuto da Aposentação, o qual, após a redação dada pela Lei nº 30-C/92, de 28/12, se conforma com o disposto no nº 4 do artº 63º da Constituição.

Nestes termos, improcedem as conclusões do recurso formuladas contra a sentença recorrida.

2. Violação do artº 13º da Constituição, por não ser dado o mesmo tratamento, em sede de fixação da pensão de aposentação, como é dado à generalidade dos titulares de uma relação jurídica de emprego público [conclusões 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 8ª, 9ª e 10ª]

Mais alega o recorrente que a sentença recorrida ao manter o ato impugnado na ordem jurídica viola o artº 13º da Constituição, por admitir regras de cálculo da pensão distintas das constantes dos artºs. 46º a 53º do Estatuto da Aposentação, e mais gravosas para os funcionários por elas abrangidos, por não considerarem as remunerações auferidas nos cargos exercidos após a primeira aposentação, criando desigualdade entre pensionistas.

Se para todos os pensionistas se aplica a regra da contagem de todo o tempo de serviço para efeitos de fixação do seu direito a uma pensão mensal, não há razão para não se aplicar a contagem de todo o tempo de serviço aos pensionistas anteriormente aposentados pela ex-Administração Ultramarina.

Todos são pensionistas e nenhum pode ser prejudicado, na contagem da totalidade do seu tempo de serviço, só por terem sido anteriormente aposentados.

A interpretação dada pela Caixa Geral de Aposentações, ao impedir a totalidade da contagem do tempo de serviço de um pensionista anteriormente aposentado, cria uma situação de desigualdade entre pensionistas em matéria de contagem de todo o tempo de serviço, em violação do artº 13º da Constituição.

Explanada a alegação do recorrente, importa dizer que não lhe assiste razão, por se mostrar fundada a distinção operada entre os pensionistas em causa, isto é, entre aqueles que embora tenho exercido funções ao abrigo de diferentes regimes, requerem a aposentação mediante a consideração de todo o tempo de serviço laboral prestado, daqueles que se encontrando aposentados, decidem regressar ao exercício de funções, podendo optar entre a pensão que vinham auferindo, revista ou melhorada nos termos dos nºs 3 e 4 do artº 80º do Estatuto da Aposentação ou de receber a nova pensão, fixada com base no serviço prestado no segundo período laboral.

Aliás, essa distinção é feita e aceite no Acórdão do Tribunal Constitucional nº nº 366/2006, de 21/06/2006, supra citado e cujas passagens são transcritas, pois que “o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63º, nº 4 da CRP, não foi diretamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excecional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo e uma parcela do vencimento correspondente às novas funções.”.

É sabido que o princípio da igualdade postula a igualdade perante a lei e não a igualdade exterior à lei.

Não existe igualdade entre as duas situações materiais descritas, de entre pensionistas que se encontrem já a receber pensão de aposentação e pretendam acumular a pensão com o vencimento e depois, reunidos os requisitos legais, pretendam obter uma nova aposentação, podendo optar entre a primeira pensão revista ou melhorada ou simplesmente pela nova aposentação, com aqueles que tendo uma carreira contributiva, ainda que sob diferentes regimes legais, pretendam aposentar-se, mediante consideração de todo o tempo de serviço prestado ao serviço da Administração Pública portuguesa.

Desse modo, não pode o recorrente pretender que a diferentes situações jurídicas, corresponda a mesma solução de direito, já que essa respetiva diferenciação, operada legislativamente, não se apresenta arbitrária, desrazoável, inadequada ou sequer desproporcionada, revelando antes o tratamento dado a uma situação que é excecional, por não se integrar na situação contributiva comum dos funcionários da Administração Pública.

Por isso, atenta a diferenciação de realidades jurídicas subjacentes, não está o legislador impedido de proceder à respetiva diferenciação jurídica, segundo a vertente positiva do princípio da igualdade, que postula o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais.

Para tanto, há a distinguir o “plano comparativo”, que exige um juízo comparativo das situações ou objetos que se comparam, afim de apreender as suas respetivas singularidades e que, por um esforço de abstração, permite a qualificação das situações como iguais ou como desiguais, do “plano valorativo”, em que o estabelecimento da igualdade e da desigualdade é orientado “por opções de valor resultantes do desejo de vivência humana pacífica e justa”, em que nem todas as igualdades e nem todas as desigualdades são juridicamente relevantes, só sendo juridicamente relevantes as que derivem de opções valorativas – cfr. Maria Glória F. P. D. Garcia, “Princípio da Igualdade: Da Uniformidade à Diferenciação ou a Interminável História de Caim e Abel, Dois Irmãos Marcados pela Diferença”, inEstudos sobre o Princípio da Igualdade”, Almedina, 2005, pág. 16.

Daí que “a única realidade que (…) o princípio da igualdade condena e repudia é o tratamento arbitrário da realidade, fundado na ausência de um motivo razoável ou suficiente”, acentuando a ausência de neutralidade do princípio da igualdade – vide autora e obra citados, pág. 17-18.

Sobre a problemática do controlo do respeito pelo princípio da igualdade pelos Tribunais e do princípio fundamental da separação de poderes, como salienta alguma doutrina, tal controlo “deve ser um controlo meramente negativo, não sendo legítimo aos tribunais invocar o princípio da igualdade para orientar em concreto a opção por um ou outro critério valorativo.”, pois como refere o Tribunal Constitucional “a prevalência da igualdade como valor supremo do ordenamento tem de ser caso a caso compaginada com a liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo e diferenciar o seu tratamento no caso de entender que tal se justifica” (cfr. Acórdão nº 231/94) – cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, inConstituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2ª ed., 2010, Coimbra Editora, pág. 223.

Não está, pois, vedado ao legislador, a liberdade de conformação diferenciada de situações materialmente desiguais, salvo se não se descortinar existir fundamento material para essa distinção, caso em que essa diferenciação será ilegítima.

Assim, considerando as finalidades da Lei nº 30-C/92, de 28/12, que deu nova redação ao artº 80º do Estatuto da Aposentação, aditando-lhe os nºs 3 e 4, visou-se precisamente, não só adequar o seu nº 2, na redação originária, ao nº 4 do artº 63º, da Constituição (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 411/99), como repor alguma injustiça que existia na redação anterior, não se mostrando a solução legal acolhida no artº 80º, que determina que não possa ser considerada na nova pensão de aposentação, fixada em sequência de um segundo período laboral por parte de funcionário aposentado, todo o período de tempo de serviço prestado, isto é, aquele que foi considerado para efeitos da primeira aposentação, atenta a diferenciação material de situações subjacentes, como é aquela que resulta, designadamente de, durante todo o segundo período laboral, se encontrar a acumular o valor da pensão, com o valor do vencimento e não poder considerar-se duas vezes o mesmo período contributivo, para efeitos de aposentação.

Tal distinção legal operada não se apresenta, pois, em violação do princípio da igualdade, pois não se vê que seja arbitrária ou fundada em valorações sem fundamento.

Neste sentido, improcedem as conclusões dirigidas contra a sentença recorrida.


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Em suma, pelo exposto, improcede o recurso que se nos mostra dirigido, por não provados os seus respetivos fundamentos, mantendo-se a sentença recorrida que julgou improcedente o pedido, mantendo-se o ato recorrido válido na ordem jurídica.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. O artº 80º do Estatuto da Aposentação, na redação dada pelo artº 8º, nº 1 da Lei nº 30-C/92, de 28/12 (Orçamento de Estado para 1993), ao introduzir os nºs 3 e 4, permite a instituição de um sistema que assegura, em alternativa e em benefício dos subscritores ou pensionistas da Caixa Geral de Aposentações: i) a fixação da pensão de aposentação revista ou melhorada, atendendo a todo o tempo de serviço prestado, isto é, o tempo de serviço prestado antes da primeira pensão e o prestado no segundo período contributivo, ou ii) atender apenas ao tempo de serviço prestado posteriormente à primeira aposentação, a que corresponde a nova pensão de aposentação.

II. Um aposentado, que volte a exercer funções públicas, acumula a pensão de aposentação com uma parcela do vencimento.

III. Optando o aposentado pela nova pensão, o tempo de serviço que tiver relevado para a primeira aposentação, não releva para efeito de concessão da nova aposentação.

IV. Tal não colide com o nº 4 do artº 63º da Constituição, segundo o qual “Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor da atividade em que tiver sido prestado”, pois além de não poder ser considerado duas vezes o mesmo período contributivo, concede o legislador do artº 80º do Estatuto da Aposentação, a faculdade de o subscritor optar, entre a revisão da primeira pensão de aposentação, melhorada quanto ao seu respetivo tempo de serviço prestado, e entre a nova aposentação, que considere apenas o tempo de serviço correspondente ao segundo período contributivo.

V. A norma do nº 4 do artº 63º da Constituição, que acolhe na ordem jurídica o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, não foi diretamente concebida para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excecional, em que se permite a um aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo com uma parcela do vencimento correspondente às novas funções, por antes se ter pretendido evitar, que, no cômputo da pensão de aposentação, existam parcelas de tempo que não sejam contabilizadas.

VI. O citado preceito constitucional impede que no cômputo do tempo de serviço seja desconsiderado qualquer subperíodo, permitindo, para efeitos de cálculo da pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho.

VII. O pedido de “melhoria de pensão”, tem o sentido da manifestação de vontade do requerente em optar por uma das possibilidades previstas, neste caso, a de pretender a melhoria ou revisão da primeira pensão de aposentação, em detrimento da nova pensão, calculada por referência ao tempo de serviço prestado em data posterior à primeira aposentação.

VIII. Se o recorrente considera que em virtude do ato que determinou a revisão das condições da aposentação, na sequência do requerimento apresentado de “melhoria da pensão”, fica lesado quanto ao respetivo valor da pensão, em relação à situação que existia em momento anterior à formulação desse requerimento, pode requerer a sua revogação, na parte em que lhe seja desfavorável, perante a Caixa Geral de Aposentações, nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 140º do CPA, por estarmos perante um ato constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos, livremente revogável.

IX. Existe diferenciação relevante entre as situações materiais: i) dos pensionistas que se encontrem a receber pensão de aposentação e depois de novo exercício de funções, em que cumularam a pensão com uma parcela de vencimento, pretendam obter uma nova aposentação, podendo optar entre a primeira pensão revista ou melhorada, que considere todo o tempo de serviço prestado ou pela nova aposentação, que atenda apenas ao tempo de serviço prestado no segundo período laboral; ii) dos trabalhadores que tendo uma carreira contributiva, ainda que sob diferentes regimes legais, pretendam aposentar-se, mediante consideração de todo o tempo de serviço prestado ao serviço da Administração Pública portuguesa.

X. A essa diferenciação material, não está vedada a possibilidade de uma diferenciação operada por via legislativa, assente na liberdade que assiste ao legislador de ponderar os diversos interesses em jogo, pelo que, a opção de não relevar na nova aposentação, baseada no segundo período contributivo do aposentado, o tempo de serviço que tiver relevado para a primeira aposentação, não se apresenta arbitrária, desrazoável, inadequada ou sequer desproporcionada, antes sendo conforme com o princípio da igualdade, consagrado no artº 13º da Constituição.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, que julgou improcedente o pedido.

Custas pelo recorrente.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)