Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 07839/11 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 04/21/2016 |
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Relator: | CATARINA JARMELA |
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Descritores: | INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE - ARTIGO 536º, DO CPC |
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Sumário: | I – Nos termos do art. 536º, n.º 3, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, a responsabilidade do recorrente pelas custas, nos casos de inutilidade superveniente da lide previstos nesse preceito, determina-se por exclusão dos casos em que é responsável o recorrido, isto é, o recorrente é sempre responsável quando não o for o recorrido, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável. II – Apenas quando ocorre uma alteração das circunstâncias não imputável às partes taxativamente enumerada no n.º 2 do art. 536º, do CPC de 2013, é que as custas são repartidas entre as mesmas, em partes iguais. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | * I - RELATÓRIO D………. – Engenharia ………., Lda., e I……….. – Engenharia …………, Lda., intentaram no TAF de Loulé acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Estado Português (na sequência da apresentação de petição inicial aperfeiçoada), na qual formularam pedidos condenatórios.Por despacho de 15 de Novembro de 2010 do referido tribunal foi determinada a suspensão da presente instância até se mostrar definitivamente julgada a acção administrativa especial que corria termos no TAF de Loulé sob o n.º 661/08.2 BELLE.
Inconformadas, as autoras interpuseram recurso jurisdicional desse despacho para este TCA Sul.
Por decisão sumária da Juíza relatora, de 3.12.2015, foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, condenando-se as recorrentes nas custas do recurso jurisdicional, em partes iguais.
Inconformadas com tal decisão, na parte relativa à condenação em custas, D………. – Engenharia ………., Lda., e I……….. – Engenharia …………, Lda., dela vieram pedir a reforma quanto a custas concluindo da seguinte forma: “Requer-se a este douto Tribunal se digne: a) Isentar as Recorrentes de quaisquer custas no âmbito da presente instância de recurso; ou caso assim não se entenda, e sem conceder b) Condenar todas as Partes no pagamento das referidas custas em partes iguais; ou, se também, assim não se entender, e sempre sem conceder, pelo menos c) Dispensar as Recorrentes de quaisquer valores adicionais a título de custas processuais para além da taxa de justiça que já foi liquidada”.
O Ministério Público, em representação do Estado Português, pronunciou-se sobre tal requerimento, defendendo que não há lugar a qualquer reforma da decisão quanto a custas, não se opondo, contudo, a que seja deferido o pedido formulado quanto à dispensa do pagamento do remanescente, nos termos do art. 6º n.º 7, do RCP.
Por despacho de 24.2.2016, o pedido de reforma quanto a custas, e face ao disposto no art. 27º n.º 2, do CPTA, conjugado com o art. 193º n.º 3, do CPC de 2013, foi convolado em reclamação para a conferência.
Cumpre apreciar se a decisão sumária de 3.12.2015 enferma de erro ao determinar que as custas ficam a cargo das recorrentes ou, caso inexista tal erro, se há lugar à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. II - FUNDAMENTAÇÃO « D………. – Engenharia ………., Lda., e I……….. – Engenharia …………, Lda., intentaram no TAF de Loulé acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Estado Português (na sequência da apresentação de petição inicial aperfeiçoada), na qual formularam pedidos condenatórios. Inconformadas, as autoras interpuseram recurso jurisdicional desse despacho para este TCA Sul. Em 3 de Agosto de 2015 foi proferido o seguinte despacho: Assim, e face ao disposto no art. 277º, al. e), do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, deverá ser extinta a instância de recurso. As recorrentes deverão ser condenadas na totalidade das custas, em partes iguais, atento o estatuído nos arts. 528º n.º 1 e 536º n.º 3, ambos do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA. Pelo exposto, julga-se extinta a instância de recurso, por inutilidade superveniente da lide, e, em consequência, prejudicado o conhecimento do objecto do recurso jurisdicional. Custas do recurso jurisdicional pelas recorrentes, em partes iguais. *
Estas alegam que: a) Devem ser isentas das custas no âmbito da presente instância de recurso ou, caso assim não se entenda, b) Todas as partes devem ser condenadas no pagamento das referidas custas em partes iguais ou, se também assim não se entender, c) Devem ser dispensadas de quaisquer valores adicionais a título de custas processuais para além da taxa de justiça que já foi liquidada,
Vejamos separadamente cada um destes fundamentos.
a) Referem as reclamantes que foi a sentença proferida em 24.2.2015, no proc. n.º 661/08.2 BELLE, que conduziu à inutilidade superveniente da lide do recurso interposto em 3.1.2011, o que significa que, tendo o presente recurso sido extinto em 3.12.2015, a presente lide foi extinta ao fim de 4 anos e 11 meses, não sendo aceitável que lhes seja imputada responsabilidade pelo pagamento das custas de um recurso cuja decisão se tornou inútil por motivos em relação aos quais são totalmente alheias, devendo ser isentas do seu pagamento.
Conforme decorre do art. 1º, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), os recursos jurisdicionais estão sujeitos a custas
Dispõe o art. 536º, do CPC de 2013, o seguinte: “1 - Quando a demanda do autor ou requerente ou a oposição do réu ou requerido eram fundadas no momento em que foram intentadas ou deduzidas e deixaram de o ser por circunstâncias supervenientes a estes não imputáveis, as custas são repartidas entre aqueles em partes iguais. 2 - Considera-se que ocorreu uma alteração das circunstâncias não imputável às partes quando: a) A pretensão do autor ou requerido ou oposição do réu ou requerente se houverem fundado em disposição legal entretanto alterada ou revogada; b) Quando ocorra uma reversão de jurisprudência constante em que se haja fundado a pretensão do autor ou requerente ou oposição do réu ou requerido; c) Quando ocorra, no decurso do processo, prescrição ou amnistia; d) Quando, em processo de execução, o património que serviria de garantia aos credores se tiver dissipado por facto não imputável ao executado; e) Quando se trate de ação tendente à satisfação de obrigações pecuniárias e venha a ocorrer a declaração de insolvência do réu ou executado, desde que, à data da propositura da ação, não fosse previsível para o autor a referida insolvência. 3 - Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas. 4 - Considera-se, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente, fora dos casos previstos no n.º 2 do artigo anterior e salvo se, em caso de acordo, as partes acordem a repartição das custas”.
Conforme decorre do n.º 3 deste art. 536º, quando a instância de recurso se extingue por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do recorrente, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao recorrido, que neste caso as pagará.
Como se sumariou no Ac. do STA de 21.9.2011, proc. n.º 0779/11: “III – Nos termos do art. 450.º, n.º 3, do CPC (1), a responsabilidade do autor pelas custas, nos casos de inutilidade superveniente da lide previstos nesse preceito, determina-se por exclusão dos casos em que é responsável o réu, isto é, o autor é sempre responsável quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável” (sublinhado nosso).
Nesse aresto escreveu-se a este propósito o seguinte: Nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, o art. 450.º, n.º 3, do CPC (…), estabelece a regra para os casos, como o sub judice, em que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide resulte de circunstâncias que não as referidas nos dois primeiros números do artigo: paga as custas o autor, a menos que a impossibilidade ou inutilidade seja imputável ao réu, caso em que este responde pelas custas. Assim, nesses casos, as custas ficam a cargo do autor, independentemente de o facto que provoca a inutilidade ou impossibilidade lhe ser ou não imputável, a menos que o seja ao réu. O autor é sempre responsável pelas custas quando não o for o réu, sendo que este só o é quando o facto de que resulta a inutilidade lhe for imputável (Naquela que se nos afigura a melhor interpretação, a responsabilidade do réu pelas custas depende exclusivamente da imputabilidade objectiva do facto que determine a inutilidade superveniente, não se exigindo uma imputação subjectiva, traduzida na eventual censura ético-jurídica (culpa) pela verificação desse facto.)” (sublinhado e sombreado nossos). Conforme ensina Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 5ª Edição, 2013, pág. 97, em anotação ao n.º 3 do citado art. 536º: «Assim, quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a inutilidade ou impossibilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará. (…) O que neste normativo se prescreve é inspirado pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da ação, por ele não ter dado origem ao facto determinante da inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa».
Como a este propósito esclarece António Santos Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, 1998, pág. 237, «Como se refere no Ac. do STA de 8-10-87, in BMJ 370.º/587, a atribuição ao autor da responsabilidade pelas custas, em casos de impossibilidade ou de inutilidade superveniente da lide, não implica a formulação de um juízo de imputabilidade quanto à ocorrência do litígio; o autor “será responsável, a menos que a impossibilidade seja imputável ao réu”» (sublinhado e sombreado nossos). E conforme explicita Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2ª Edição Revista e Actualizada, 1971, pág. 330, “Finalmente, é ainda previsível que em consequência da extinção da instância por superveniente impossibilidade ou inutilidade da lide, aconteça não ser possível estabelecer relação causal entre qualquer das partes e os encargos produzidos, em caso em que nenhuma delas tire proveito do processo. É ainda uma forma de responsabilidade objectiva baseada no risco que corre qualquer autor de ver extinta a instância por aquele motivo” (sublinhado nosso).
Retomando o caso vertente verifica-se que a extinção da instância recursiva decorreu do trânsito em julgado da sentença proferida em 24.2.2015, no proc. n.º 661/08.2 BELLE, facto que não pode ser imputado ao recorrido, ora reclamado.
Assim sendo, e tal como se determinou na decisão reclamada, as custas são a suportar pelas recorrentes, ora reclamantes, atento o estatuído no art. 536º n.º 3, do CPC de 2013, ex vi art. 1º, do CPTA, sendo certo que inexiste base legal para as isentar das custas.
Com efeito, de acordo com o disposto nos arts. 25º n.º 1 e 26º n.º 1, ambos do DL 34/2008, de 26/2, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12 (cfr. o respectivo art. 156º), foram revogadas, a partir de 20.4.2009, as isenção de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, não previstas nesse DL 34/2008.
Através do referido DL 34/2008 foi aprovado o Regulamento das Custas Processuais, em cujo art. 4º são elencadas as isenções de custas e do qual não consta qualquer situação assimilável à dos presentes autos, e sendo certo que as reclamantes também não invocam qualquer norma que permita alicerçar a isenção de custas que reclamam.
b) Alegam também as reclamantes que, caso não sejam isentas das custas, estas devem ser repartidas por todas as partes, atento o disposto no art. 536º n.º 1, do CPC de 2013, pois a circunstância superveniente que determinou a inutilidade e consequente extinção da presente instância não lhes é imputável.
Como ensina Salvador da Costa, cit., págs. 93 e 94, em anotação aos n.ºs 1 e 2 do art. 536º, do CPC de 2013, “Prevê o n.º 1 a demanda do autor ou do requerente e a contestação do réu ou do requerido, na altura fundadas, mas que perderam o seu fundamento por circunstâncias supervenientes a eles não imputáveis, e estatui serem as custas repartidas entre si em partes iguais. Assim, quando a demanda do autor ou a oposição do réu era fundada no momento da petição ou da contestação e deixou de o ser por circunstâncias supervenientes a eles não imputáveis, as custas são repartidas entre si em partes iguais. (…) 3. Prevê o n.º 2 o circunstancialismo de facto e de direito constante das suas cinco alíneas, e estatui, em termos de presunção iure et de iure, dever considerar-se ter ocorrido alteração das circunstâncias não imputáveis às partes. Na realidade, a lei optou pelo elenco dos casos de alterações das circunstâncias não imputáveis às partes, substituindo o que poderia e deveria ser tarefa do intérprete, inserindo uma causa redutora da necessária dinâmica interpretativa” (sublinhado nosso).
Do exposto decorre que, apenas quando ocorra uma alteração das circunstâncias não imputável às partes taxativamente enumerada no n.º 2 do art. 536º, do CPC de 2013, é que as custas são repartidas entre as mesmas, em partes iguais.
Ora, o caso vertente não é subsumível em qualquer das cinco alíneas do n.º 2 do referido art. 536º, ou seja, não têm as recorrentes razão quando pretendem que as custas sejam repartidas por todas as partes.
c) Invocam ainda as reclamantes que, atendendo ao valor da presente causa (€ 275 225,27), haveria lugar ao pagamento de uma quantia remanescente, por aplicação do disposto no art. 6º n.º 7, do RCP, devendo o tribunal isentá-las, pelo menos, dessa quantia.
Nesta parte têm as reclamantes razão, pelo que, face ao estatuído no art. 6º n.º 7, do RCP (e uma vez que o valor da presente causa excede o montante de € 275 000), deverão ser dispensadas do pagamento do remanescente da taxa de justiça (de acordo com a tabela I, para além dos € 275 000, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25 000 ou fracção, 1,5 UC, no caso dos recursos), pois o recurso jurisdicional foi declarado extinto por inutilidade superveniente, isto é, através de uma decisão sem qualquer complexidade, a cuja prolação as partes não se opuseram, sendo mais proporcional o montante da taxa de justiça devido caso haja lugar a tal dispensa.
Conclui-se, assim, que deverá ser dado provimento à presente reclamação para a conferência apenas na parte relativa à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. III - DECISÃO I – Conceder parcial provimento à presente reclamação para a conferência e, em consequência, dispensar as ora reclamantes do pagamento do remanescente da taxa de justiça e, no demais, manter a decisão sumária de 3.12.2015 que as condenou nas custas do recurso jurisdicional, em partes iguais. II – Condenar as reclamantes, em partes iguais, nas custas deste incidente, na proporção de 85% (oitenta e cinco por cento), e, no remanescente (15%), pela parte vencida a final, fixando-se a taxa de justiça em € 230 (duzentos e trinta euros). III – Registe e notifique. * Lisboa, 21 de Abril de 2016 _________________________________________ (Catarina Jarmela - relatora) _________________________________________ (Conceição Silvestre) _________________________________________ (Carlos Araújo) (1) O art. 536º n.º 3, do CPC de 2013, tem uma redacção idêntica a este art. 450º n.º 3, do CPC de 1961. (2) O art. 527º, do CPC de 2013, tem uma redacção idêntica a este art. 446º, do CPC de 1961. |