Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05400/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/12/2012
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:CONTRATO ADMINISTRATIVO - ACÇÃO ADMINISTRATIVO ESPECIAL
Sumário:Se, no âmbito da execução de um contrato administrativo, a lei (ou o contrato) prevê que a entidade pública exerça poderes de autoridade, tal exercício em concreto é sindicável através da acção administrativo especial.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I.RELATÓRIO
L………… C……….., id. nos autos, com sede na Rua ………..,3240-679 Santiago da ………., ….., intentou no T.A.C de CASTELO BRANCO acção administrativa especial contra MUNICÍPIO DE ……………, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do despacho de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de execução de empreitada, de 23 de Junho de 2008, notificada pelo ofício nº 2993, bem como (o que não é referido na sentença) a condenação do R. a deferir o pedido de prorrogação requerido pela Autora.
Por decisão de 23-4-09, o referido tribunal decidiu absolver o réu da instância, por haver inidoneidade (ou impropriedade) do meio processual.
Inconformada, vem a autora recorrer para este T.C.A. Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES (após alegações inutilmente longas):
I - Está excluída da aplicação do artigo 37.°, n. 2, alínea h) do CPTA a impugnação de actos administrativos praticados no seio daquelas relações jurídicas contratuais ao abrigo dos poderes públicos de autoridade de que a Administração goza (ou pode gozar) face ao seu contraente;
II - O deferimento ou indeferimento do pedido de prorrogação graciosa no âmbito de um contrato de empreitada de obras públicas constitui um poder de autoridade da Câmara Municipal de …………, consubstanciando um verdadeiro acto administrativo impugnável;
III - Dispõe a alínea d) do n. 2 do artigo 47.0 do CPTA do referido artigo que é possível cumular na acção administrativa especial outros pedidos relacionados com a execução do contrato, quando o acto impugnado seja relativo a essa execução.
IV - Esta alínea prevê a hipótese de se cumular a impugnação de um acto Administrativo praticado pela Administração contraente, no seio da execução de um contrato administrativo, com qualquer pedido relativo à execução do contrato em consequência da anulação de tal acto, passando esta causa (que autonomamente correria sob a forma de acção comum) para o âmbito da acção administrativa especial;
V - É precisamente esse o caso dos autos: a ora Recorrente pretende impugnar um acto administrativo (o acto de indeferimento do pedido de prorrogação graciosa) com a condenação no deferimento desse pedido (esse sim que se repercutirá na execução do contrato em consequência daquele primeiro pedido).
VI - No caso em apreço, o meio processual correcto é a acção administração especial e não a acção administrativa comum.
VII - Ao decidir como decidiu, o Meret.° Juiz do Tribunal a quo, guardado o devido respeito, fez uma incorrecta interpretação do artigo 254.° do DL 59/99, do artigo 37.° do CPTA, e do artigo 288.° do C.P.C., violando o disposto nos artigos 4.°, n. 2, g), 46.° e 47.° do CPTA.
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Não foram apresentadas CONTRA- ALEGAÇÕES.
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O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n. 2 do artigo 9.° do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146° n° 1 do CPTA).
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Cumpridos os devidos trâmites processuais, importa agora decidir em conferência.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. FACTOS PROVADOS NO TRIBUNAL RECORRIDO
1º) – Em 29/08/2007, Autora e Réu celebraram contrato de empreitada referente à obra de “Infra-estruturas de Loteamento em ………… – 2ª e 3ª fases”- cfr. doc. nº 2 junto com a p. i. (ao que se seguiram dois contratos adicionais para “realização de trabalhos a mais” – cfr. docs. nºs 7 e 13 juntos com a p. i ).
2º) – A Autora solicitou “uma prorrogação de prazo graciosa de 60 dias para a empreitada acima mencionada” - cfr. doc. nº 15 junto com a p. i..
3º) – Ao que a Presidente da Câmara Municipal de ………… proferiu despacho de 24/06/2008, com o teor de «Já foi dada uma suspensão. De momento não há justificação p/ prorrogar por mais tempo, pelo que Indefiro», aposto na informação técnica nº 127/OM, de 23/06/2008, na qual se exarou “O empreiteiro justifica a necessidade desta prorrogação, alegando instabilidade atmosférica e indefinições de projecto. No que respeita à instabilidade do tempo, julga-se que poderá haver alguma justificação para o solicitado. No que respeita às indefinições de projecto, julga-se que as mesmas não constituem motivo para o atraso dos trabalhos, pois foram esclarecidas em tempo útil, na opinião destes serviços. Houve no entanto, alguns acertos a fazer no que diz respeito à ligação dos trabalhos da 1ª fase com os que fazem parte da obra agora em curso, o que implicou a realização de diversas reuniões com os dois empreiteiros envolvidos, podendo tal situação ter dificultado o cumprimento do prazo inicialmente estipulado.” cfr. doc. nº 1 da p. i..
4º) – O que foi comunicado à Autora por ofício nº 2993, de 23/06/2008 – idem.
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO
O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pelo Recorrente nas conclusões (sintéticas e com a indicação das normas jurídicas violadas) das suas alegações quanto a questões (coisa diversa das considerações, argumentos ou juízos de valor) que tenham sido ou devessem ter sido apreciadas, não podendo confrontar o tribunal superior com questões novas (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso) ou cobertas por caso julgado.
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O tribunal a quo fundamentou assim a sua decisão:
A outorga do contrato em causa remonta a 29/08/2007.
Pelo que é de aplicar o art.º 254º, nº 1, do DL nº 59/99, de 2/03 (cfr. art.º 16º do DL nº 18/2008, de 29/01): «Revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais administrativos sobre interpretação, validade ou execução do contrato».
O contencioso da execução dos contratos exerce-se, pois, no caso, por via da acção comum, prevista no art.º 37º e ss. do CPTA, e não por recurso à acção administrativa especial (art.º 46º e ss. do CPTA).
E, em prol da tutela jurisdicional efectiva, cada pretensão deve ser regularmente deduzida em juízo – art.º 2º, nº 1, do CPTA.
Matéria de disciplina imperativa, subtraída à disponibilidade das partes.
Ora, a Autora preteriu a forma adequada.
A inidoneidade (ou impropriedade) do meio processual - questão distinta do erro na forma do processo - resulta em excepção dilatória, que inexoravelmente e sem aproveitamento, conduz à absolvição da instância (como é a consolidada jurisprudência do STA vertida a propósito dos litígios em redor das vicissitudes de execução dos contratos de empreitada, instaurados com apelo ao contencioso dos actos administrativos, preterindo a via da acção) – art.º 288º, nº 1, e), do CPC.
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O recurso cinge-se a saber se ao litígio descrito na p.i. se aplica o art. 37º CPTA (A.A. Comum) ou os arts. 46º (A.A.Especial) e 47º CPTA (cumulação de pedidos em A.A.Especial). Ou seja, há erro na forma do processo ou não?
A forma de processo é o modelo de tramitação legalmente previsto, que o autor deve indicar na p.i. O erro na forma de processo é uma nulidade processual principal decorrente do, hoje mitigado, princípio da legalidade e tipicidade das formas processuais. Afere-se pela pronúncia jurisdicional concretamente solicitada pelo autor (e, adjuvantemente, pela causa de pedir).
O erro na forma de processo pode dar origem ao aproveitamento de actos praticados e à anulação parcial do processo e eventualmente à adequação processual, sob a égide do princípio da economia processual, ou então à anulação total do mesmo se o aproveitamento do já ocorrido diminuir as garantias de defesa ou se a forma utilizada for totalmente inidónea, aqui já assumindo a natureza plena de excepção dilatória (v. arts. 199º, 202º e 206º CPC).
A situação descrita na p.i. é esta: durante a execução de contrato de empreitada de obras públicas, a empreiteira, ora A, solicitou ao dono da obra, ora R, “uma prorrogação de prazo graciosa de 60 dias para a empreitada”, o que foi recusado pelo R. A A. entende que esta decisão é ilegal, porque o atraso na execução da obra foi culpa do R e da execução da 1ª fase a que a A é alheia, a decisão está mal fundamentada e violou o direito de audiência prévia.
A decisão recorrida invoca o art. 254º-1 do DL 59/99, para concluir que ao caso se aplica a AAComum:
«Revestirão a forma de acção as questões submetidas ao julgamento dos tribunais administrativos sobre interpretação, validade ou execução do contrato».
Esta norma refere-se à “acção” que a LPTA/1985, por oposição ao “recurso contencioso”, referia no seu capítulo VI, que remetiam para os termos do processo civil de declaração, na sua forma ordinária, hoje A.A.Comum (v. art. 35º-1 CPTA e art. 4º-1-e ETAF(1)).
Ora, no caso presente é evidente que estamos na execução de contrato de empreitada de obras públicas.
Mas, como estamos num quadro em que não se aplica o CCP (v. art. 16º-1 DL 18/2008 e arts. 302º, 307º e 309º CCP), há que ter presente o art. 180º CPA (2). Este art. reconhece que a AP pode nesta sede praticar verdadeiros actos administrativos (art. 120º CPA) e não meras declarações negociais sem caracter imperativo. É que a AP dispõe de poderes de autoridade numa relação contratual se tal resultar de lei expressa ou de cláusula contratual expressa permitida por lei (assim: SÉRVULO CORREIA, Legalidade e autonomia…, p. 558 e 782; MÁRIO AROSO…, Anulação de actos…, p. 97-98, e Comentário ao CPTA, 3ª ed., p. 249-250; PEDRO GONÇALVES, O contrato adm., p. 120-121).
Assim, tendo presentes os arts. 178º-2-a (3) e 180º-b-d CPA, concluímos que esta decisão do R é um acto administrativo, um acto de autoridade, permitido pelo CPA. E, por isso, o seu contencioso segue a forma da A.A.Especial prevista nos arts. 35º-2, 46º-1-2-a, 47º e 50º ss CPTA.
Pelo que o tribunal a quo decidiu mal: este processo segue a forma da A.A.Especial. Não há erro na forma do processo escolhida na p.i.
Mas, mesmo que houvesse erro, o tribunal deveria aproveitar o processado nos termos previstos no art. 199º CPC.
Finalmente, o tribunal a quo entende que a inidoneidade (ou impropriedade) do meio processual é questão distinta do erro na forma do processo. Não é assim: tratam-se obviamente da mesma coisa (assim: ALBERTO DOS REIS, CPCA, II, p. 288ss; ANTONIO GERALDES, Temas…, I, nº 11.2; MANUEL DE ANDRADE, NEPC, 1979, p. 180; CASTRO MENDES, DPC, 1980, AAFDL, III, p. 19).
Procedem assim as conclusões do recurso.
III- DECISÃO
Pelo que acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar o saneador-sentença, prosseguindo os autos na forma processual indicada na p.i..
Sem custas.
Lisboa, 12-1-2012

Paulo Pereira Gouveia, relator

Cristina dos Santos

António Vasconcelos

(1) Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.
(2) Artigo 180º - Poderes da Administração
Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode:
a) Modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro;
b) Dirigir o modo de execução das prestações;
c) Rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização;
d) Fiscalizar o modo de execução do contrato;
e) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.
(3) 1— Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
2— São contratos administrativos, designadamente, os contratos de:
a) Empreitada de obras públicas;
b) Concessão de obras públicas;
c) Concessão de serviços públicos;
d) Concessão de exploração do domínio público;
e) Concessão de uso privativo do domínio público;
f) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar;
g) Fornecimento contínuo;
h) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública.