Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04056/08
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:05/24/2012
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:CONTRATO, EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO, ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO, CONFISSÃO, DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO, ARTSº 508º NºS 2 E 3 DO CPC, LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Sumário:I. Como efeito processual decorrente da citação, o réu tem o ónus de contestar e o ónus de impugnar, nos termos dos artºs. 484º e 490º do CPC, salvo as exceções previstas no artº 485º.

II. O ónus de impugnação consiste na necessidade de o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial, como exige o nº 1 do artº 490º do CPC, sob pena de tais factos serem considerados admitidos por acordo, nos termos e com as ressalvas das exceções previstas na nº 2 do mesmo preceito (tal ónus de impugnação estende-se aos articulados posteriores à contestação, oferecidos pelo autor ou pelo réu, segundo o artº 505º).

III. O despacho de aperfeiçoamento a que alude o nº 2 do artº 508º do CPC, não tem a finalidade de permitir ao réu dar cumprimento a tal ónus de impugnação, clarificando que factos considera ser falsos, incorretos, que ignora ou que não lhe compete conhecer, quando tenha ocorrido a impugnação em bloco de todos os artigos da petição inicial.

IV. Tal despacho de convite ao aperfeiçoamento, por impugnação ambígua ou equívoca, poderá ser proferido à luz do disposto no nº 3 do artº 508º e do nº 2 do artº 266º, do CPC, nos termos do circunstancialismo do caso concreto e segundo o critério discricionário do juiz.

V. Omitindo o juiz o despacho de aperfeiçoamento da contestação para a finalidade aduzida, não incorre na omissão de um ato que a lei prescreva, na aceção do nº 1 do artº 201º do CPC, por não estar em causa um despacho vinculado.

VI. A confissão opera no caso de revelia e é também uma consequência associada à omissão ou falta de impugnação.

VII. Em face do artº 490º do CPC, não é exigível a impugnação especificada (por cada facto), não se proíbe a possibilidade de contestar por negação, nem a impugnação por mera alusão do número dos artigos, importando antes aferir do cumprimento do dever de tomar posição definida perante os factos que se pretende impugnar, o que exige uma posição clara, frontal e concludente, ou que se assuma uma posição perante um recorte definido de um conjunto fáctico.

VIII. O ónus de posição definida perante os factos implica a não admissibilidade da impugnação genérica do articulado e mesmo a impugnação por ignorância se deve fazer em relação a factos determinados.

IX. Os factos são suscetíveis e carecidos de prova, mas a apreciação jurídica dos factos não é objeto de prova, apenas dependendo do juízo de ponderação e da decisão judicial.

X. Saber se “o réu não deu cumprimento às cláusulas contratuais do contrato” e se “a Autora cumpriu as obrigações resultantes desse contrato”, constitui a própria questão material controvertida, não constituindo factos, dando-se por não escritas tais alíneas do probatório, nos termos do nº 4 do artº 646º do CPC.

XI. Embora exista a previsão de obrigações recíprocas, por estar em causa um contrato bilateral ou sinalagmático, prevendo-se prazos diferentes para o cumprimento das respetivas prestações e não se podendo dizer que seria o réu que devesse cumprir em segundo lugar, não está verificado o pressuposto para a invocação, por si, da exceção de não cumprimento do contrato, prevista no nº 1 do artº 428º do Código Civil.

XII. Existindo a estipulação de prazos diferentes, sendo certos os prazos a que o réu se obriga a cumprir, devendo cumprir em primeiro lugar, tal implica uma renúncia da sua parte à exceção de não cumprimento do contrato, determinando o seu incumprimento a constituição em mora, nos termos dos artºs. 804º, nº 2 e 805º, nº 2, alínea a), do Código Civil.

XIII. A fundamentação de facto em que o juiz a quo se estribou para as condenações em litigância de má-fé, assenta na própria alegação do réu em juízo, nos termos das partes concretamente identificadas e transcritas na sentença, assim como na sua demais atuação, revelada no próprio processado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Município da ………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 27/02/2008 que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, instaurada pela Associação Cultural …………., julgou a ação procedente, condenando o réu no pedido, a executar o Protocolo de Colaboração e a proceder ao pagamento das prestações vencidas e vincendas, sem prejuízo dos poderes da Administração em matéria contratual administrativa, designadamente os conferidos pelo disposto no artº 180º do CPA.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que, em suma, para além de diversas condenações em incidentes e condenações por litigância com má fé, no montante global de 50 unidades de conta, o equivalente a € 4.800,00, julgou procedente a ação e condenou o Réu no pedido.

B. A propósito do incidente que o Tribunal a quo conseguiu descortinar a respeito da resposta do Réu entendeu o mesmo condenar o Réu em custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC’s, violando contudo o disposto no artigo 446°, o número 2 do artigo 508°, ambos do Código do Processo Civil e o número 1 do artigo 16° do Código das Custas Judiciais, visto a questão suscitada pelo Réu não ser nem descabida e nem assumir qualquer autonomia, em relação à causa, para efeito de sujeição autónoma a pagamento de custas.

C. A propósito da fundamentação de facto, a sentença proferida nos autos viola o princípio da igualdade das partes, contido no artigo 3°A do CPC e o disposto no artigo 490° e o número 2 do artigo 508°, ambos do mesmo compêndio normativo e é nula face ao que dispõe o número 1, in fine, do artigo 201° do CPC.

D. Na verdade, se o Tribunal a quo entendia que o articulado apresentava irregularidades que podiam conduzir à procedência do pedido, nos termos do disposto no número 2 do referido artigo 508° do CPC, deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento e não tendo convidado o Réu a aperfeiçoar o seu articulado (contestação), o Tribunal a quo violou aquele preceito legal (número 2 do referido artigo 508° do CPC), constituindo, ainda, uma nulidade, uma vez que influi no exame e na decisão da causa, nulidade essa que decorre do número 1, in fine, do artigo 201° do CPC.

E. Sendo certo que, o facto de o Réu ter impugnado os factos do petitório que impugnou da forma como o fez no artigo 14° da contestação não pode, de modo nenhum, configurar a confissão pela qual concluiu o Tribunal a quo, pelo que, violou o artigo 490° do CPC ao considerar confessados - nos termos do número 3 deste preceito - todos os factos vertidos no petitório.

F. Acresce que: o tribunal a quo deu por assente matéria de facto conclusiva e que, simultaneamente, encerra matéria de Direito (vide as alíneas R) e S) da matéria de facto assente), para além de, como decorre dos articulados do Réu se encontravam expressa e especificadamente impugnados, aliás as questões levadas à alínea S) encontram-se em flagrante oposição com o que o Réu verteu na contestação e com a reposta que apresentou ao articulado aperfeiçoado da Autora.

G. Ora, abrangendo questões de Direito, para além de ser matéria conclusiva, têm de se considerar tais respostas como não escritas, nos termos do disposto no artigo 646°, n° 4, do Código do Processo Civil, pelo que, tendo selecionado a matéria que plasmou naquelas alíneas R) e S) o Tribunal a quo violou, pois, aqueles preceitos legais artigo 511° e naquele artigo 646°, ambos do CPC, bem como o n.° 2 do referido artigo 511º por não ter levado a uma base instrutória aquela matéria de facto levada aos autos pelo Réu, controvertida e indubitavelmente relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito

H. Pelo que se impõe a revogação da sentença, substituindo-a por decisão que leve à base instrutória aquela matéria de facto vertida pelo Réu nos seus articulados.

I. A exceptio non adimpleti contratus não está dependente de uma deliberação da Câmara Municipal respetiva nesse sentido, sendo possível, em qualquer circunstâncias, e sem prejuízo do disposto no artigo 180º do Código do Procedimento Administrativo, invocar uma exceção de não cumprimento, a qual não está sujeita às razões formais de manifestação da vontade, pois está-se perante uma recusa do cumprimento de uma prestação enquanto o outro contraente não satisfizer a que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

J. Consequentemente, a sentença dos autos violou, também, o artigo 428° do Código Civil.

K. A situação a que a sentença recorrida chama de violação do dever de cooperação traduz-se, tão só, numa manifesta falta de entendimento entre o que pretendia o M.mo Juiz a quo e o que o Réu, aqui Recorrente, entendeu que dela era pretendido, pelo que não houve violação do dever de cooperação e, a ter havido, o montante encontrado, 10 unidades de conta, € 960,00, é manifestamente exagerado, desadequado e desproporcionado da realidade em causa, tendo, consequentemente, a sentença recorrida violado os artigos 519°, n° 1 e 2 do Código de Processo Civil, e 102° do CCJ.

L. Nas duas condenações da Recorrente como litigante de má fé, uma decorrente da outra, não são imputados, às mesmas quaisquer factos que sejam suscetíveis de serem entendidos como fazendo da lide um uso reprovável, muito menos manifestamente e, ou que tenha deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devessem ignorar, sendo certo que esta alegação não pode ser dissociada, como aliás decorre claramente do dito articulado do Réu, da defesa vista no seu conjunto.

M. No que tange ao quantum indemnizatório, 20 unidades de conta, o equivalente à quantia de € 1.920,00, e 15 unidades de conta, o equivalente à quantia de € 1.440,00, respetivamente, nada é referido quanto ao que permitiu ao tribunal apurar aqueles valores e não outros quaisquer, ou seja, quais as efetivas e atuais condições económicas do Recorrente, sendo certo que, de todas as formas, aqueles valores são manifestamente desadequados e desproporcionados aos factos que lhe subjaz, no qual não se concede.

N. Soçobrando a questão das multas, cai por terra igualmente a questão da indemnização a favor da Recorrente, sendo certo que o valor fixado é manifestamente desajustado, imponderado e injustificado.

O. Pelo que, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 456° e 457° do Código de Processo Civil e, para além do mais, sem conceder, sempre terá de se considerar que foi violado o dever de fundamentação da decisão, nos termos em que é posto no art. 158° deste compêndio normativo, devendo a mesma ser declarada nula, nos termos do art. 668° do C.P.C., n° 1, b), por não especificar os fundamentos de facto que, nesta parte, justificam a decisão.”.

Termina pedindo a revogação da sentença.


*

A ora recorrida, notificada, apresentou contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:

“a) A Sentença é um boa e justa sentença não merecendo qualquer reparo, bem pelo contrário;

b) Não existe qualquer violação do art. 508°, do CPC, por parte da douta Sentença recorrida;

c) A Recorrida foi convidada a esclarecer o douto Tribunal, o que o fez, e o Recorrido pronunciou-se no prazo legal;

d) Não podia ser outro prazo dado para resposta, não tendo existido qualquer violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade;

e) Não foi dada, e bem, possibilidade do Recorrido alterar a sua Contestação, nem tinha de existir tal possibilidade;

f) Se o Recorrente queria esclarecer o douto Tribunal acerca da forma como se limitou a negar todos os factos da p.i., por alegadamente serem “todos falsos, incorretos ou ele os desconhecer não tendo a obrigação dos conhecer”, não tinha defendido que se tratava de “mera técnica de alegação”;

g) Ao dizer, sem especificar, que toda a matéria constate da p.i. era falsa incorreta ou desconhecida sem obrigação de ser conhecida, o Recorrente abrangeu factos pessoais, cujo o conhecimento não podia deixar de ter;

h) A consequência da negação do conhecimento relativamente aos factos pessoais é a confissão, pelo que outra não podia ser a solução do douto Tribunal se não a de dar por confessados tais factos;

i) Se o fundamento da suspensão da execução dos contratos era, segundo o próprio Recorrente, a própria exceção de não cumprimento, parece evidente que sendo nulo, por incompetência, o ato que declara a suspensão do contrato é absolutamente irrelevante se verificam ou não os pressupostos da exceção de não cumprimento;

j) O douto Tribunal não conheceu da exceção de não cumprimento, nem tinha de conhecer face à nulidade do ato que suspendeu a execução do contrato;

k) Violou frontalmente o Recorrente o dever de cooperação, face ao reiterado pedido do Tribunal para juntar determinados documentos, e a reiterada junção por parte do Recorrente de documentos que já existiam nos autos;

l) Obviamente que tal facto não se ficou a dever a uma falta de entendimento por parte do Recorrente do que o douto Tribunal lhe pedia, pois era claro o pedido e os documentos solicitados, como aliás a Recorrida fez notar;

m) O Recorrente foi condenado em dois incidentes de litigância de má fé, e foi-o com toda a justiça;

n) No primeiro incidente porque, como é evidente, ao dizer, sem mais, que todos os factos da p.i. “são falsos, incorretos ou a Ré ignora, não lhe competindo conhecer..” sem especificar quais os falsos, os incorretos e os que ignorava, abrangeu factos, que por serem pessoais, jamais podia deixar de conhecer, tudo como objetivo de tardar e entorpecer a bom andamento da justiça;

o) O Recorrente chegou a negar o conhecimento de factos como, por exemplo, o conteúdo do protocolo por si assinado!

p) O intuito do Recorrente era um apenas: o de fazer tardar a justiça e a aplicação do Direito;

q) No segundo incidente porquanto a forma como o Recorrente se opôs ao pedido de condenação em litigância de má fé é absolutamente inadmissível e revelou bem o “espírito processual” do Recorrente;

r) Ao dizer que desconhecia quais os factos em que se baseava o pedido de condenação em litigância e que, perante isso, não tinha capacidade de se defender de tal acusação, o Recorrente atingiu o ponto alto da utilização do processo como forma de negação da justiça;

s) Com efeito, e não obstante a Recorrida ter especificado de forma clara e inequívoca quais os factos que sustentavam a sua acusação de litigância de má fé, ainda assim o Recorrente vem dizer que não se consegue defender de tal acusação;

t) É evidente que perante a matéria de facto, e de toda a matéria constante dos articulados, só restava ao douto Tribunal condenar o Recorrente em segundo incidente de litigância de má fé, por se deduzir oposição cuja a falta de fundamente se conhece amplamente;

u) A Sentença encontra-se plenamente fundamentada, sendo um exemplo de aplicação do silogismo judiciário;

v) A Sentença recorrida não merece qualquer reparo da parte do Tribunal ad quem, sendo o presente recurso mais um expediente dilatório utilizado pelo Recorrente para tardar a aplicação da justiça e do Direito.”.

Pede a improcedência do recurso.


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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, por a sentença não padecer de qualquer dos vícios que lhe são assacados (cfr. fls. 513-514).

*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas, ordenadas segundo a sua ordem lógica de conhecimento, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Erro de julgamento quanto à tributação em custas pelo incidente, em violação dos artºs. 446º e 508º nº 2 do CPC e 16º nº 1 do CCJ [conclusão B.];

2. Nulidade processual, por força do artº 201º, nº 1 parte final, do CPC e violação do princípio da igualdade de armas, previsto no artº 3º-A do CPC, por falta de prolação de despacho de aperfeiçoamento [conclusões C. e D.];

3. Erro de julgamento quanto à confissão dos factos pelo réu, em violação do artº 490º do CPC [conclusão E.];

4. Erro de julgamento quanto à matéria de facto [conclusões F., G. e H)];

5. Erro de julgamento, quanto ao juízo de exceção de não cumprimento do contrato [conclusões I. e J.];

6. Nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea b), do nº 1 do artº 668º do CPC e erro de julgamento, quanto à condenação de litigância de má-fé, em violação dos artºs. 446º, 519º, nºs 1 e 2 e 508º nº 2 do CPC e 16º, nº 1 do CCJ [conclusões K., L), M), N) e O)].

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO
O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:
“A) A Associação Cultural ……………… e uma associação sem fins lucrativos constituída por escritura pública de 9 de julho de 1997 (cfr. D.R., III Série, n° 229, de 03-10-1997, pág. 19-546);
B) Por deliberação de 3 de maio de 2002, a Câmara Municipal da ………..aprovou uma proposta com o seguinte teor, designadamente: “1) Associação Cultural da ………….. – Protocolos de Colaboração Foi presente à Câmara a informação n°. 40/02, datada de 02/05/2002, da Senhora Vereadora, Maria …………, que propõe a celebração de um protocolo de colaboração com a Associação Cultural da ………. para atribuição de um subsídio mensal de € 2.250,00, bem como a celebração de um protocolo de colaboração com o Coro dos Pequenos Cantores da referida associação para atribuição de um subsídio anual de € 9,976,00, documentos que ficam apensos à ata. A Senhora Vereadora, Maria …………, informou que estes protocolos vêm na sequência dos protocolos anteriormente celebrados. (...). A Câmara deliberou aprovar a proposta apresentada” (ata da reunião da Câmara Municipal da ………. de 03/05/2002 junta a fls. do processo instrutor);
C) Com data de 08/05/2002, foi celebrado entre a Câmara Municipal da ……….., designada por 1º Outorgante, e a Associação Cultural da ………., designada por 2° Outorgante, um “protocolo de colaboração”, junto a fls. do processo instrutor, do seguinte teor, designadamente:
“1ª
O 1º Outorgante obriga-se a:
1. Subsidiar mensalmente o 2º Outorgante em 2.250€.

O 2º Outorgante obriga-se a:
1. Indicar o nome da Câmara Municipal da ……., em todas as atividades, com a frase «A Câmara Municipal da Covilhã apoia a Associação Cultural ……….».
2. A realizar oito concertos no Concelho da ….., através do Coro ………….., sendo dois desses concertos com orquestra;
3. Os concertos têm a seguinte calendarização:
3.1. quatro Concertos integrados no Projeto Natal para Todos, a realizar na 2ª Quinzena de dezembro.
3.2. Um Concerto de Natal na 2ª Quinzena de dezembro.
3.3. Um Concerto de Encerramento de Atividade em junho.
3.4. Um Concerto em março e outro em maio.
3.5. Os locais dos Concertos citados nos pontos 3.1 e 3.4 serão definidos pelo 1º Outorgante.
4. As datas dos Concertos poderão ser alteradas em comum acordo.
5. O 2º Outorgante compromete-se a executar o Projeto «Música nas Escolas» nas Escolas do ………., Bairro Municipal, Vila ……. e Santo ………….

1. O presente Protocolo tem validade a partir de 1 de janeiro de 2002.
2. Qualquer situação omissa neste protocolo será analisada pontualmente por ambas as partes.
3. Este protocolo é renovável automaticamente de ano para ano, caso nenhuma das partes rescinda o mesmo.”;
D) Com data de 08/05/2002, foi celebrado entre a Câmara Municipal da …………., designada por 1º Outorgante, e a Associação Cultural ………….., designada por 2º Outorgante, um “protocolo de colaboração”, junto a fls. do processo instrutor, do seguinte teor, designadamente:
“1ª
O 1º Outorgante obriga-se a:
1. Subsidiar mensalmente o 2º Outorgante em 9.976€.
2 ª
O 2º Outorgante obriga-se a:
1. Indicar o nome da Câmara Municipal da …….., em todas as atividades do Coro dos Pequenos Cantores, com a frase «O Coro dos Pequenos Cantores é uma iniciativa da Câmara Municipal da ………….».
2. A realizar seis concertos no Concelho da …….. no presente ano e dez concertos a partir de 2003;
3. Os concertos têm a seguinte calendarização:
3.1. quatro Concertos integrados no Projeto Natal nas Escolas, a realizar na 2ª Quinzena de dezembro.
3.2. Um Concerto de Natal na 2ª Quinzena de dezembro.
3.3. Um Concerto de Encerramento de Atividade em junho.
4. As datas dos Concertos poderão ser alteradas em comum acordo.

1. O presente Protocolo tem validade a partir de 1 de janeiro de 2002.
2. Qualquer situação omissa neste protocolo será analisada pontualmente por ambas as partes.
3. Este protocolo é renovável automaticamente de ano para ano, caso nenhuma das partes rescinda o mesmo.”;
E) Por ofício datado de 07/06/2002, a “Vereadora do Pelouro da Cultura” da Câmara Municipal da ………. comunicou à “Direção da Associação Cultural da …………..”, pelo ofício n° DMECDS/584, sob a epígrafe “Assunto: Concerto «Cidade da …………», designadamente o seguinte: “No seguimento da receção de Projeto do Concerto «Cidade da …….» a realizar na Praça do Município, venho pelo presente informar que esta Câmara Municipal discorda com o Cachet apresentado, dado partir do pressuposto que através do Protocolo existente com a Associação Cultural ……….. a Câmara Municipal obteria, como contrapartida, a realização deste Concerto sem qualquer encargo. Assim, sendo, informo ainda que, caso essa Associação Cultural não possa prescindir do cachet apresentado, o referido Concerto ficará anulado.” (doc. 3 junto com a petição inicial);
F) Por ofício n° 1125 datado de 12/06/2002, a Associação Cultural ………..comunicou à “Srª Ver. da Cultura Drª Maria …………”, designadamente o seguinte: “Acusamos a receção do vosso ofício DMECDS/584 de 02.06-07. Aceitamos com toda a normalidade, o facto de a Câmara Municipal da ………., discordar do cachet apresentado. No entanto queremos esclarecer, que ao contrário do que vem mencionado no vosso ofício, este concerto não faz parte do Protocolo celebrado entre esta Associação e a Câmara Municipal da …………... O único concerto referido no protocolo, cujo programa envolve uma Orquestra é o concerto de Natal, e cujas despesas serão suportadas por esta associação, não implicando que seja a Orquestra da EPABI, podendo ser uma outra qualquer, da nossa responsabilidade. Aproveito para informar V. Exª que o concerto de final de Ano Escolar, desta Associação, terá lugar no dia 223 do corrente, na Igreja de S. Francisco, na cidade da Covilhã, com a participação do Coro Misto da ………..e do Coro dos Pequenos Cantores, este sim, integrado no Protocolo. Relembro que independentemente desta Associação, prestigiar continuamente a Cidade e o País, não tem poder económico para contratar orquestras a expensas próprias, sendo essa uma atitude mais características das Câmaras, pelo que lamentamos não poder corresponder a esta vossa expectativa, que concerteza seria tanto do nosso agrado como do vosso. Relembro que esta Associação não tem nenhuma Orquestra, sendo esse tipo de grupo, pertença da EPABI, que tem uma Direção, que responderá pelas participações da mesma, não podendo esta Associação opinar sobre tal, limitando-se a transmitir os custos, tal e qual me foi pedido pelo Sr. Presidente da Câmara.” (cfr. doc. 4 junto com a petição inicial);
G) Por ofício n° DMECDS/662, datado de 26 de junho de 2002, dirigido à Autora, a Ré comunicou: “(...) Assunto: Protocolo celebrado com a Associação Cultural da ………….. Relativamente ao Protocolo mencionado em epígrafe, datado de 08/05/2002, comunicamos que, face à insustentabilidade legal de alguns pontos, o referido Protocolo terá que ser objeto de revisão, numa próxima reunião de Câmara. Por outro lado, solicito que seja prestada uma informação quanto às datas precisas e locais propostos para a realização dos Concertos que se encontram inseridos no já mencionado protocolo, a fim de ficarem registadas no mesmo. Até à assinatura do Protocolo revisto, informo que se encontra suspensa a vigência do mesmo. (...). O Protocolo em referência é o que se reporta ao Coro Misto da …………. (cfr. fls. do processo 2 instrutor);
H) Pelo ofício n° 1137, datado de 01-07-2002, a Associação Cultural da ………… comunicou ao “Presidente da Câmara Municipal da ………..”, designadamente o seguinte: “É com alguma estranheza, ou talvez não, que recebemos o vosso ofício com a referência DMECDS/662 sobre a suspensão do Protocolo com esta Associação. (...) Quanto às datas precisas dos concertos e locais, é efetivamente impossível, pois temos de saber da disponibilidade dos mesmos (Igrejas, etc), sendo possível isso sim, apontar os concertos por meses como foi feito e é normal num protocolo de qualquer Instituição com uma qualquer Câmara. (...)“ (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial e fis. do processo administrativo);
I) Em reunião da Câmara Municipal da Covilhã, de 2002/07/05, foi exarado em ata, designadamente, o seguinte, sobre o ponto em discussão: “O Senhor Vereador, Miguel …………….., colocou à Câmara questões relacionadas com: (...) A interrupção do protocolo celebrado com a Associação Cultural ……………, devido a ilegalidades processuais (...) A Senhora Vereadora, Maria …………., informou que o protocolo celebrado com a Associação Cultural da …………. previa determinados concertos, mas quando foi solicitado pela Câmara a realização dos mesmos, foi apresentado um caché da Orquestra, por isso foi decidido suspender-se o referido protocolo para se esclarecer quais os concertos que se devem fazer, a sua calendarização e quais serão pagos. O Senhor Vereador, Miguel …………., considerou ser importante que em protocolos futuros sejam acauteladas este tipo de situações, devendo os mesmos indicar, de forma explicita, quais os concertos a realizar e em que condições. O Senhor Vice-Presidente declarou que para se ter uma orquestra com qualidade é preciso investir em músicos profissionais, mas o que se constata é que a qualidade tem vindo a diminuir.” (Doc. 8 junto com a p.i.).
J) Por ofício datado de 11 de julho de 2002, dirigido à Autora, a Ré comunicou: “(...) Assunto: «Protocolo Celebrado com a Associação Cultural da ……………». Dado não ter sido respondido, nos termos solicitados no nosso ofício anterior, confirmamos a suspensão do protocolo com todas as suas consequências. Quando for entendido por essa Associação o cumprimento do solicitado, voltaremos a analisar a normal execução do referido Protocolo. (...)” (cfr. doc. 7 junto com a petição inicial e fls. do processo administrativo);
K) Por ofício n° 1144, datado de 19-07-2002, a Autora comunicou à “Srª Vereadora da Cultura da Câmara Municipal da ………” o seguinte: “Resposta ao Ofício nº 727 do dia 11 de julho de 2002. Na ausência do presidente desta Associação, encarrega-me o mesmo de transmitir a V. Exª o seguinte: Na leitura do protocolo assinado, verifica-se que nos pontos 3.1 e 3.4, é da responsabilidade da Câmara, indicar os locais dos concertos. Pelo que é totalmente impossível marcarem-se datas sem se saber os locais, situação essa que é da vossa responsabilidade e que até agora não foi fornecida qualquer informação a esta Associação. No ponto 3.4 «Projeto Natal para todos», também a Câmara não nos forneceu os nomes das Instituições que receberão os quatro Concertos. No que concerne aos pontos 3.3 e 3.4, parece-nos concebível do ponto de vista da planificação cultural não apontar um dia em concreto mas sim uma época informando esta Associação com um mês de antecedência o dia certo dos concertos, pois existem como V. Exª sabe impedimentos logísticos para a que a esta distância de tempo se precise o dia dos Concertos isto para que não haja incumprimentos. Relembramos que antes da assinatura deste protocolo, o mesmo foi discutido com o Sr. Presidente e com V. Exª estranhando nos agora toda a situação criada que aliás nada de novo acrescenta ao protocolo, unicamente causando prejuízo a esta Associação.” (cfr. fls. do processo administrativo e doc. 9 junto com a p.i.);
L) Pelo ofício n° 1148, datado de 28-08-2002, a Autora comunicou ao “Sr. Presidente Carlos ……….” o seguinte: “Suspensão do Protocolo”. Apesar da troca de correspondência entre a Srª Vereadora da Cultura e esta Associação, sobre o assunto em epígrafe, a mesma não trouxe evolução rigorosamente nenhuma da situação. Assim, venho solicitar uma reunião a V.Exª, de modo a que esta situação possa eventualmente vir a ser ultrapassada. Relembro que na primeira semana de setembro, teremos de ter a planificação das atividades devidamente elaboradas, nomeadamente as que se encontram no protocolo suspenso, pelo que lhe agradeço, que a referida reunião seja o mais breve possível. Um entendimento, é nosso entender, uma grande vantagem cultural para a cidade.” (cfr. fls. do processo administrativo e doc. 10 junto com a p.i.);
M) Pelo oficio com o n° GAP-1388/2002, de 3/09/2002, o “Vereador em Permanência” “Luís …………”, comunicou ao “Presidente da Direção da Associação Cultural da ………..” o seguinte: “Em resposta à sua carta datada de 28/08/2002, refª 1148, cumpre-me em nome do Senhor Presidente informar que a reunião solicitada foi agendada para as 15 horas do dia 13/09/2002.” (cfr. fls. do processo administrativo e doc. 11 da p.i.);
N) Por telefax de 17/09/2002, o Gabinete do Presidente da Entidade Ré comunicou ao Presidente da Direção da Autora o seguinte: “Por indicação do Senhor Presidente da Câmara, venho comunicar que fica sem efeito a reunião marcada para esta tarde.” (cfr. fls. do processo administrativo e doc. 12 junto com a p.i.);
O) A Câmara Municipal da Covilhã juntou a esta presente ação administrativa comum, a pedido do Tribunal, “os documentos de delegação de competências na senhora Vereadora da Cultura Maria …………… para a prática de atos no período correspondente ao ano de 2002”, a fls. 300 a 306;
P) Dá-se por inteiramente reproduzido o Despacho n° 6/2002, de 15 de janeiro de 2002, do Presidente da Câmara Municipal da ……….., designadamente: “A Lei nº 159/99, de 1\4 de setembro, estabelece o quadro das transferências de atribuições e competências para as autarquias locais, considerados os ramos de serviços em que se divide a administração municipal, vulgarmente conhecidos como pelouros. Assim, ao abrigo da citada Lei nº 159/99, de 14 de setembro, para conhecimento dos serviços e nos termos do artigo 69º da Lei n 169/99, de 18 de setembro, determino a atribuição aos vereadores em regime de permanência dos respetivos pelouros, para as tarefas e atos cuja competência lhes foi delegada. (...) A Vereadora Drª Maria ………………. Cultura; Educação; Ação Social; Saúde. (...)” (cfr. doc. junto a fls. 300 a 306 dos autos);
Q) Dá-se por inteiramente reproduzida a cópia da Ata da reunião da Câmara Municipal da ………., de 18 01/2002, junta a fls. 300 a 306 dos autos, designadamente: “Foi presente à Câmara o despacho n 2/2002, do Senhor Presidente, datado de 15 de janeiro de 2002, documento que fica apenso a ata, que determina, nos termos do nº 3 do artigo 68º, da Lei n 169/99, e para os efeitos previstos no nº 2, do artigo 58º, do mesmo diploma legal, o regime de tempo inteiro para os senhores vereadores: - Maria do ……………….. (...) A Câmara deliberou ratificar o despacho apresentado. (...) Foi presente À Câmara o despacho nº 6/2002, do Senhor Presidente, datado de 15 de janeiro de 2002, que, ao abrigo da Lei nº 159/99 de 14 de setembro e nos termos do artigo 69º da Lei 169/99, de 18 de setembro, determina a atribuição aos vereadores em regime de permanência dos respetivos pelouros, para as tarefas e atos cuja competência lhes foi delegada, documento que fica apenso à ata. (...) — Vereadora Maria ………………… Cultura Educação Ação Social Saúde (...)”;
R) O Réu não deu cumprimento às cláusulas contratuais do contrato identificado em C) no período compreendido entre julho do ano de 2002 até ao mês de janeiro do ano de 2004, inclusive, e;
S) A Autora cumpriu as obrigações resultantes desse contrato.”.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente pelo tribunal a quo, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

1. Erro de julgamento quanto à tributação em custas pelo incidente, em violação dos artºs. 446º e 508º nº 2 do CPC e 16º nº 1 do CCJ [conclusão B.]

Alega o recorrente que o Tribunal a quo viola o artº 16º nº 1 do CCJ quando decidiu condenar em custas a respeito da resposta do réu ao aperfeiçoamento do petitório da autora.

O réu referia-se ao facto de a autora não ter apresentado nova petição aperfeiçoada, para poder dispor de prazo de resposta equivalente ao prazo de contestação, tendo o Tribunal entendido que o alegado constituía um incidente suscetível de integrar a 1ª parte do nº 1 do artº 16º do CCJ, por constituir uma ocorrência estranha ao desenvolvimento normal da lide, condenando o réu em custas, fixando a taxa de justiça em 5 UCs.

O alegado pelo réu não é descabido e não assume qualquer autonomia em relação à causa, pelo que, não devia ter sido objeto de tributação em custas.

Vejamos.

Ao longo da alegação do recurso e também na sua conclusão A., o recorrente identifica o objeto do presente recurso como incidindo sobre a “sentença proferida nos autos”.

Significa isto que o objeto do recurso incide sobre a sentença e não sobre qualquer outra decisão que haja sido proferida no âmbito da tramitação da causa.

Na sentença recorrida, além da questão do mérito do pedido, foram decididos dois incidentes, que mereceram condenação em custas, sendo que nenhum deles se refere ao ora alegado pelo recorrente no presente recurso pois que foram tributados em 2 UCs, cada um.

Ora, analisado o teor das alegações de recurso, decorre que em momento algum logra o ora recorrente identificar qual a condenação em custas que se mostra impugnada, sendo certo que a mesma não decorre de nenhum dos segmentos condenatórios da sentença recorrida.

Além disso, se o recorrente vem impugnar algum despacho interlocutório, proferido no âmbito da tramitação da causa, também não o logra identificar, não indicando sequer a data da sua prática.

Assim, quer porque não se mostra identificada a decisão de condenação em custas a que se refere o recorrente, quer porque constitui objeto do presente recurso a sentença recorrida e não qualquer despacho interlocutório, não se conhecerá do suscitado na conclusão B. do presente recurso, por tal questão não integrar o objeto do recurso.

2. Nulidade processual, por força do artº 201º, nº 1 parte final, do CPC e violação do princípio da igualdade de armas, previsto no artº 3º-A do CPC, por falta de prolação de despacho de aperfeiçoamento [conclusões C. e D.]

Segundo a alegação do recorrente, incorre o Tribunal em nulidade processual, nos termos do artº 201º nº 1 e em violação do princípio da igualdade de armas, previsto no artº 3º-A do CPC, decorrente da falta de despacho de aperfeiçoamento da contestação.

Se o juiz a quo entendia que a contestação apresentava irregularidades que podiam conduzir à procedência do pedido, ao não esclarecer quais os factos que considerava ser falsos, incorretos ou que ignorava, deveria ter proferido tal despacho, nos termos do nº 2 do artº 508º do CPC, convidando o réu a aperfeiçoar o seu articulado.

Ao não proferir esse despacho, a sentença recorrida violou o princípio da igualdade das partes, previsto no artº 3º-A do CPC, assim como os artºs 490º e 508º, nº 2, do CPC.

Vejamos.

Compulsada a contestação apresentada pelo réu, a qual contém 14 artigos, decorre o seguinte.

No artº 14º da contestação, refere o réu que “São falsos, incorretos e ou a Ré ignora, não lhe competindo conhecer os factos vertidos nos artigos 1º a 53º do douto petitório, pelo que aqui expressamente se impugnam para todos os devidos efeitos legais.”.

No demais, no seu articulado, o réu invocou a exceção de não cumprimento do contrato, isto é, que o réu não cumpria a obrigação que lhe competia, por facto imputável ao incumprimento da contraparte, por a autora não ter cumprido com a prestação que lhe competia satisfazer.

Por outro lado, resulta da tramitação da causa que não foi proferido despacho de aperfeiçoamento, que convidasse o réu a aperfeiçoar a contestação.

Assim, o que se impõe saber é se se impunha esse despacho, para as finalidades invocadas pelo réu, relativas a esclarecer quais os factos aduzidos na petição inicial que o réu considerava ser falsos, incorretos ou que ignorava e se o juiz a quo ao omitir esse despacho incorreu na violação do princípio da igualdade de armas, além de constituir uma nulidade processual.

Nos termos do artº 3º-A do CPC, “o tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais”.

Nos termos do disposto no nº 2 do artº 508º do CPC, “o juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa”.

Tal preceito tem como epígrafe “Suprimento de exceções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados”.

Assim, constitui dever de o juiz, à luz do disposto no nº 2 do artº 508º do CPC, verificar se o réu, na contestação, especificou separadamente as exceções que deduziu, nos termos do artº 488º, identificou e deduziu separadamente a reconvenção, segundo o nº 1 do artº 501º, procedeu à indicação do valor da causa, segundo o nº 2 do artº 501º, bem como, se a contestação obedeceu aos requisitos formais gerais dos atos das partes [redação em língua portuguesa, assinatura, etc] e nelas foram alegados os factos por artigos.

Não se prevê em tal disposição legal que deva o réu ser notificado para esclarecer quais os factos que impugnou ou não ou para aditar novos factos, conforme ora é pretendido pelo recorrente.

Além disso, visa tal despacho de aperfeiçoamento, à luz da norma legal invocada do nº 2 do artº 508º do CPC, sanar eventuais exceções dilatórias que sejam sanáveis, o que igualmente não está em causa.

Isto é, o despacho convite ao aperfeiçoamento a que se refere o recorrente, previsto no nº 2 do artº 508º do CPC, não se encontra previsto para a finalidade pelo mesmo invocada, pelo que, embora esteja em causa um despacho vinculado, não merece aplicação à situação configurada em juízo.

Ao invés do nº 2 do artº 508º do CPC, invocado pelo recorrente, tem o nº 3 desse preceito a finalidade de permitir ao juiz “convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido”, sem que, contudo, a prolação desse despacho se impusesse na situação do caso concreto, atento o teor do alegado na contestação.

Além disso, tem o despacho de aperfeiçoamento proferido ao abrigo do nº 3 do artº 508º do CPC, ao contrário do disposto no número precedente, natureza discricionária, em que, por isso, não é de associar à sua omissão a nulidade processual, nos termos do nº 1 do artº 201º do CPC.

Importa salientar que como efeito processual decorrente da citação, o réu tem o ónus de contestar e o ónus de impugnar, sob pena de terem-se por provados os factos alegados pelo autor (artº 484º), salvo as exceções previstas no artº 485º.

O ónus de impugnação consiste na necessidade de o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial, como exige o nº 1 do artº 490º do CPC, sob pena de os mesmos serem considerados admitidos por acordo, nos termos e com as ressalvas das exceções previstas na nº 2 do mesmo preceito.

De resto, tal ónus de impugnação estende-se ainda aos articulados posteriores à contestação, oferecidos quer pelo autor, quer pelo réu, como estatui o artº 505º.

Não pode o despacho de aperfeiçoamento servir para conceder a possibilidade ao réu de dar cumprimento a tal ónus, por não ser essa a sua finalidade, pelo que, é de recusar estar em causa a omissão de um despacho vinculado.

Por outro lado, não está o despacho de aperfeiçoamento, a que alude o nº 2 do artº 508º do CPC, vocacionado para a finalidade pretendida pelo réu, ora recorrente, donde, não poder falar-se na omissão de um ato que a lei prescreva e, consequentemente, na nulidade invocada.

No que respeita à violação do princípio da igualdade, com o fundamento de o juiz a quo ter proferido despacho de aperfeiçoamento em relação à petição inicial, convidando a autora a proceder à definição e precisão da matéria de facto e não o ter feito em relação à contestação, não tendo proferido tal despacho de aperfeiçoamento da contestação, importa notar o seguinte.

Decorre efetivamente da tramitação dos autos que em 14/10/2004 foi proferido despacho em que, de entre outras finalidades, convidou a autora a proceder a maior definição e precisão da matéria de facto, designadamente, a esclarecer as questões no mesmo enunciadas ou a apresentar nova petição inicial suprindo essas irregularidades.

Em cumprimento, a autora apresentou requerimento em que esclareceu e completou a petição inicial.

Mais decorre da tramitação da causa que notificado o réu desse requerimento, o mesmo apresentou a sua pronúncia em juízo, nos termos do requerimento datado de 03/11/2004, pelo que, extrai-se dos autos que foi concedida ao réu a possibilidade de se pronunciar sobre o aperfeiçoamento da petição inicial, tendo tido a oportunidade de clarificar certos aspetos da sua contestação ou, pelo menos, tomar posição em relação ao quadro fáctico-jurídico assumido pela autora, o que o réu não fez.

Assim, em face da atitude processual assumida diversas vezes pelo réu, de não clarificação dos termos da relação material controvertida e atenta a natureza discricionária do despacho de aperfeiçoamento, previsto no nº 3 do artº 508º do CPC, não é possível dizer que tenha o juiz a quo incorrido na violação do princípio da igualdade de armas.

O réu delineou a sua estratégia processual e tem de ser responsável por ela, de acordo com o princípio da autorresponsabilização das partes.

Tal princípio “determina, no que respeita à condução do processo, que compete às partes interessadas (e não ao juiz, como seria próprio do princípio do inquisitório) a dinamização do processo.” – cfr. José Carlos Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4ª ed., 2003, Almedina, pág. 411.

Ora, não pode o réu, ora recorrente, pretender que, ao mesmo tempo em que, de modo reiterado, se furta ao cumprimento dos ónus processuais que sobre si recaem, na qualidade de parte da ação e cujo sancionamento decorre da condenação por dois incidentes de litigância de má-fé, exija do julgador que promova o que, deliberadamente, se recusa a cumprir.

Termos em que, em face do exposto, improcede a nulidade processual e o erro de julgamento, invocados nas citadas conclusões do recurso.

3. Erro de julgamento quanto à confissão dos factos pelo réu, em violação do artº 490º do CPC [conclusão E.]

Nos termos da citada conclusão, vem o recorrente dizer que ao impugnar os factos do petitório, como o fez no artº 14º da contestação, não podia o Tribunal configurar a confissão, além de que o alegado não significa que todos esses factos sejam falsos ou que todos estejam incorretos ou que todos desconheça, pelo que ao concluir o Tribunal a quo pela confissão de todos os factos, incorre em violação do artº 490º do CPC.

Ora, no tocante a tal erro de julgamento, importa antes de mais atender ao teor da sentença recorrida, na parte que antecede a fixação da matéria de facto, pelo qual logrou o juiz a quo fundamentar os termos em que procedia à seleção dos factos assentes.

Resulta do seu teor, o seguinte:

A forma como o Réu se defende e a substância dessa defesa, neste particular aspeto ora em análise, e que suscitou até, por banda do Autor, a alegação de litigância de má-fé, suscita apreciação preliminar quanto ao assentamento da matéria de facto.

Na sua contestação, a Ré, vem opor-se à causa de pedir e ao peticionado pela Autora invocando nomeadamente a exceção de não cumprimento do contrato e veio ainda impugnar os factos, dizendo: “São falsos, incorretos e ou a Ré ignora, não lhe competindo conhecer os factos vertidos nos artigos 1º a 53º do douto petitório, pelo que aqui expressamente se impugnam para todos os devidos efeitos legais.” (…).

E a petição inicial tem precisamente 53º artigos.

Em articulado posterior veio ainda a Ré dizer: “… a Ré no artigo 14º do seu articulado apenas alegou que os factos vertidos nos artigos 1º a 53º do petitório ou são falsos, ou são incorretos ou a Ré os ignora, não tendo obrigação de os conhecer. Pelo que: Nem todos esses factos são falsos, nem todos são incorretos e nem todos a Ré ignora” (…).

Assim sendo, e como a Autora juntou documentos para prova do alegado que fazem parte do próprio processo administrativo junto pela Entidade Ré a pedido do Tribunal, sendo que os docs. 1, 2 e 8 são cópias certificadas pela própria Entidade Ré, que certa e necessariamente os não ignora, tendo ainda em conta que vêm impugnados factos pessoais, considerando que não se sabe porque o Réu não alega ou esclarece quais os que considera serem factos falsos, quais os que considera serem factos incorretos, nem identificando quais os factos que ignora, qualquer deles é ou pode ser falso, qualquer deles é ou pode ser incorreto ou qualquer deles é ou pode ser ignorado pelo Réu e tendo em conta ainda que não compete ao Tribunal proceder à escolha dos factos que a Ré considera falsos ou que considera incorretos ou que ignora, impõe-se o seu relevo como fundamento de prova, além do mais por confissão, nos termos do disposto no nº 3 do artº 490º do CPC, quanto aos factos pessoais.

Ademais, viola o dever ínsito no nº 1 do artº 490º do CPC: “Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição”.

E sem esquecer ainda que, nos termos do nº 2 do mesmo artº 490º do CPC, se consideram admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só poderem ser provados por documento escrito.

Outrossim se apreciará livremente o valor da recusa em que se traduziu o envio a juízo de documentos que não correspondem aos documentos cuja junção foi pedida pelo Tribunal (artº 519º, nº 2 do CPC).

Assim, atento também os documentos juntos aos autos, certificados pela Entidade Ré, e designadamente os constantes do processo administrativo, assenta-se a seguinte matéria de facto: (…)”.

Tendo presente o que antecede, o teor do artº 14º da contestação e a demais atitude processual assumida nos autos pelo réu, que não aproveitou qualquer dos articulados apresentados para esclarecer a factualidade que considerava controvertida, que ignorava, que considerava ser falsa ou incorreta, ou que não lhe compete conhecer, nenhum juízo de censura merece a sentença recorrida quando considerou confessados, por um lado, e demonstrados por prova documental, por outro, os factos que deu como assentes no probatório.

Conforme anteriormente aduzido, além do ónus de contestar, o réu tem o ónus de impugnar, sob pena de se terem por provados os factos alegados pelo autor (artº 484º).

O ónus de impugnação consiste na necessidade de o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial, sob pena de os mesmos serem considerados admitidos por acordo, nos termos e com as ressalvas das exceções previstas na nº 2 do mesmo preceito, o que não se mostra respeitado pelo réu.

Não obstante, nem sempre vigorou no sistema do processo civil português o princípio do ónus de impugnação, tal qual o conhecemos hoje.

No domínio do CPC de 1876 não recaía sobre qualquer das partes o ónus de tomar posição sobre os factos alegados pela parte contrária, já que a falta de impugnação não dispensava o alegante de provar os factos por si deduzidos. Nos termos do seu artº 273º, “A testemunha será perguntada pelos factos que estiverem articulados (…)”.

No Decreto nº 3 de 29/05/1907, veio a introduzir-se a forma de processo sumário, determinando o artº 4º que o juiz profere de imediato sentença condenatória – sentença de preceito – quando o réu não deduzisse qualquer defesa; no processo ordinário mantém-se o regime do velho código.

Só com o Decreto nº 13.979, de 25/07/1927 é que se consagrou, em termos gerais, o princípio do ónus de impugnação, ao dar-se nova redação ao artº 36º do Decreto nº 12.353, de 22/09/1926, nos seguintes termos:

Não serão objeto de interrogatório (das testemunhas):

(…)

c) Os factos sobre os quais haja acordo ou confissão das partes, considerando-se admitidos por acordo os factos que não tenham sido especialmente impugnados pela parte contrária.”.

A norma legal em causa transitou para o artº 63º, § 1º, al. c) do Decreto nº 21.287, de 26/05/1932, com o seguinte teor:

Não serão objeto de interrogatório:

(…)

c) Os factos sobre os quais haja acordo ou confissão das partes, considerando-se admitidos por acordo os factos sobre os quais não exista nos articulados oposição especificada.”.

No CPC de 1939 consagrou-se no artº 494º, sob epígrafe “Posição do réu quanto aos factos articulados pelo autor”, o seguinte:

O réu deve tomar posição definida quanto aos factos articulados na petição. Reputam-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados especificadamente, salvo se estiverem em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, ou se não for admissível confissão sobre eles, ou se só puderem ser provados por documento.

(…)

§ 2º Não é admissível a contestação por negação. (…)”.

Foi então efetuada pelo legislador a deslocação do normativo em apreço do setor da prova testemunhal, onde antes se encontrava inserido, para o domínio da contestação, no que se traduziu uma melhor integração sistemática.

Mantendo o legislador de 39 a referência expressa à impugnação especificada, foi aditado o § 2º, tornando mais clara a não admissibilidade da impugnação em bloco ou genérica dos factos.

Admitia-se, contudo, que a impugnação resultasse da manifesta oposição com a defesa no seu conjunto, passando a considerar-se impugnação relevante não apenas quando se refutassem diretamente os factos, um a um, mas também quando se alegasse, mesmo em bloco, factos incompatíveis com aqueles.

A reforma do CPC de 1961, operada pelo D.L. nº 44.129, de 28/12/1961 previu no seu artº 490º o “Ónus de impugnação especificada”, precisando no seu nº 1 que “O réu deve tomar posição definida sobre cada um dos factos articulados na petição (…)”.

Entendia-se que a impugnação especificada implicava uma posição definida do réu perante cada espécie factual, facto por facto, não deixando margem para impugnação em bloco ou parcial, sem prejuízo da impugnação por efeito da manifesta oposição com a defesa no seu conjunto.

Tomar posição definida sobre os factos não requer impugnação de forma motivada ou circunstanciada, bastando a negação de cada facto (neste sentido, cfr. Ac. da Relação do Porto, de 11/12/1984, C.J., Ano IX, Tomo 5º, págs. 268 e segs.).

O D.L. nº 242/85, de 09/07 veio aditar o nº 5 ao artº 490º, permitindo que “A impugnação pode fazer-se, total ou parcialmente, por simples menção dos números dos artigos da petição inicial em que se narram os factos contestados.”.

Com a reforma do CPC de 1995/96, operada pelo D.L. nº 329-A/95, de 12/12 e do D.L. nº 180/96, de 25/09, foi dada nova redação ao artº 490º, dela resultando:

i) O nº 1 do artº 490º, correspondente à 1ª parte do nº 1 originário, substituiu a expressão “perante cada um dos factos”, por “perante os factos”.

Deixou assim de exigir-se que a posição sobre os factos articulados na petição se faça de forma individualizada, perante cada facto, o que redundou na supressão da anterior exigência da impugnação especificada.

ii) O nº 2, correspondente à 2ª parte do nº 1 originário suprimiu o advérbio especificadamente (“impugnados especificadamente”) e o adjetivo manifesta (“manifesta oposição”);

iii) Foi suprimido o anterior nº 3, que previa que “não é admissível a contestação por negação”.

No que concerne à eliminação do anterior nº 3, já antes se entendia que a proibição da contestação por simples negação visava impedir a negação global dos factos da petição inicial, não impedindo a negação de cada facto de per si, individualizado.

iv) Foi suprimido o nº 5 (introduzido na ordem jurídica pela reforma intercalar de 1985), de acordo com a qual podia impugnar-se, total ou parcialmente, por simples menção dos números dos artigos.

Em 1985 esclareceu-se que a negação se podia fazer por mera referência ao número do artigo da petição inicial em que o facto era narrado, pelo que, com a supressão do ónus de impugnação especificada e do desaparecimento do nº 3, o nº 5 perdeu a sua utilidade – cfr. José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Coimbra Editora, 2001, pp. 296-297.

A relevância da questão configurada em juízo consiste em que o efeito jurídico da confissão não se produz apenas no caso de revelia, sendo também uma consequência associada à omissão ou falta de impugnação.

Assim, antes da reforma introduzida ao CPC para que o efeito cominatório não se produzisse, não bastava que o réu negasse genericamente a realidade dos factos alegados pelo autor, impondo-se que a impugnação fosse especificada, facto por facto.

Contudo, nas Linhas Orientadoras da Reforma de 95/96 entendeu-se atenuar o excessivo rigor e exigências formais, deixando de exigir-se a impugnação especificada.

Pode ler-se no Preâmbulo do D.L. nº 329-A/95, de 12/12, que se pretendeu maleabilizar o ónus de impugnação especificada, de forma a que a verdade processual reproduza a verdade material subjacente.

Daí que possam novamente suscitar-se dúvidas sobre saber se é agora permitida a impugnação por negação global ou em bloco ou ainda a impugnação por simples menção de artigos.

A relevância é tanto maior quanto a lei de processo cominar com o efeito legal da admissão dos factos não impugnados.

Em face da lei vigente deve entender-se que o legislador abandonou a técnica dos critérios formais previstos nos anteriores nºs. 1, 3 e 5 do artº 490º do CPC, isto é:

- da impugnação especificada (por cada facto);

- da proibição de contestar por negação;

- da impugnação por mera alusão do número dos artigos.

A relevância e eficácia da impugnação tem hoje de centrar-se no conceito primacial de posição definida perante os factos, previsto no nº 1 do artº 490º do CPC.

A impugnação para ser processualmente relevante e eficaz tem de traduzir-se numa posição definida do impugnante perante os factos que pretende impugnar, nos termos do nº 1 do artº 490º do CPC, o que exige uma posição clara, frontal e concludente.

Assim, a atenuação do ónus de impugnação resultante da reforma de 95/96:

- não dispensa, em regra, a impugnação;

- não exige que a impugnação se faça sob a forma especificada, facto por facto, podendo ser dirigida tanto a uma determinada espécie factual, como a um conjunto fáctico, desde que assuma um recorte definido em função dos factos impugnados;

- implica a não admissibilidade da impugnação genérica do articulado, por esta modalidade de impugnação se mostrar incompatível com a exigência de uma posição definida perante os factos (aliás, o nº 3 do artº 490º pressupõe que a impugnação por ignorância se faça em relação a factos determinados);

- permite que a impugnação continue a poder ser efetivada pela menção do número dos artigos identificadores dos factos narrados;

- basta-se com a simples oposição, ainda que não manifesta, do facto com a defesa considerada no seu conjunto (nº 2 do artº 490º);

- parece admitir que a impugnação ambígua ou equívoca possa ser passível de despacho de convite ao aperfeiçoamento (nº 2 do artº 266º e nº 3 do artº 508º).

Ora, perante todo o exposto, decorre que tal como entendeu a sentença recorrida, o réu não deu cumprimento ao ónus de tomar posição perante os factos articulados na petição inicial, motivo porque, certo tipo de factos foi admitido por acordo, os factos pessoais foram admitidos por confissão e os demais factos foram provados por prova documental, com isso, não tendo a sentença violado o artº 490º do CPC.

Salienta-se a afirmação do réu, de que embora constando da contestação, no seu artº 14º, que “São falsos, incorretos e ou a Ré ignora, não lhe competindo conhecer os factos vertidos nos artigos 1º a 53º do douto petitório, pelo que aqui expressamente se impugnam para todos os devidos efeitos legais.”, venha depois dizer que afinal, nem todos os factos são falsos, são incorretos ou todos os ignora, sem que em devido tempo, tenha logrado concretizar a sua posição, nos diferentes articulados e requerimentos apresentados.

Não pode, pois, proceder a censura dirigida à sentença recorrida, improcedendo a conclusão do recurso, em análise.

4. Erro de julgamento quanto à matéria de facto [conclusões F., G. e H)]

Alega o recorrente que o Tribunal, nas alíneas R) e S), deu por assente matéria de facto conclusiva e que, simultaneamente, encerra matéria de Direito, em violação dos artºs. 511º e 646º do CPC, devendo tal matéria ter sido levada à base instrutória.

Assim, importa decidir se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento quanto à matéria de facto assente.

O recorrente vem impugnar especificamente as alíneas R) e S), impugnando tais pontos concretos da matéria de facto, que considera incorretamente julgados, por serem juízos conclusivos e exigirem a aplicação de regras de Direito.

Nos termos do artigo 685º-B do CPC, incumbe ao recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (nº 1);

b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida …” (nº 1) e

c) que no “caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição” (nº 2).

Na citada disposição impõe-se um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, que impende sobre o aqui recorrente e que o mesmo quanto às citadas alíneas R) e S) satisfez, como decorre das alegações produzidas em juízo.

A este Tribunal de recurso assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo, desde que ocorram os pressupostos previstos nos artºs. 712º do CPC e 149º do CPTA, incumbindo-lhe reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.

Não obstante a amplitude conferida a um segundo grau de jurisdição, na caracterização da amplitude dos poderes de cognição do tribunal ad quem sobre a matéria de facto, não se está perante um segundo ou novo julgamento de facto, porquanto, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 685º-B nºs. 1 e 2 do CPC, além de que o controlo de facto não pode aniquilar a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide Abrantes Geraldes inTemas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).

O tribunal ad quem aprecia apenas os aspetos sob controvérsia e não vai à procura duma nova convicção, pois o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta dos elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não pode postergar o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador, previsto no art. 655º do CPC, intervindo na formação da convicção não apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também fatores não materializados.

Nos sistemas da livre apreciação da prova, detendo o julgador a liberdade de formar a sua convicção, não é de associar o arbítrio no julgamento da matéria de facto, pois o tribunal não está isento de indicar os fundamentos onde aquela assentou, de modo a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, possa ser controlada a razoabilidade do processo de formação da convicção sobre a prova e não prova dos factos, deste modo se sindicando o processo racional da decisão.

Por isso, a nossa lei processual prevê um processo racional e objetivado, que faz impender sobre o julgador um ónus de objetivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), mediante uma análise critica e comparativa das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção (cfr. art. 653º, n.º 2 do CPC).

A exigência legal de enunciação ou explicitação da convicção sobre a prova constitui uma garantia da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador.

Se, à luz desta caracterização a decisão, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, então ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

No sentido ora expendido, vide o Acórdão do STA, datado de 17 de março de 2010, proc. 367/09, segundo o qual: “A garantia de duplo grau de jurisdição em matéria de facto (art. 712º CPC) deve harmonizar-se com o princípio da livre apreciação da prova (art. 655º/1 CPC). Assim, tendo em conta que o tribunal superior é chamado a pronunciar-se privado da oralidade e da imediação que foram determinantes da decisão em 1ª instância e que a gravação/transcrição da prova, por sua natureza, não pode transmitir todo o conjunto de fatores de persuasão que foram diretamente percecionados por quem primeiro julgou, deve aquele tribunal, sob pena de aniquilar a capacidade de livre apreciação do tribunal a quo, ser particularmente cuidadoso no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto e reservar a modificação para os casos em que a mesma se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que for seguro, segundo as regras da ciência, da lógica e/ou da experiência comum que a decisão não é razoável.”.

No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do mesmo Tribunal, de 14 de abril de 2010, proc. 751/07: “o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida”.

Em face do exposto, vejamos os concretos fundamentos de impugnação da matéria de facto invocados, em relação às alíneas R) e S).

No caso, releva a distinção entre questão de facto e questão de direito.

A questão de facto é a questão relativa ao que efetivamente aconteceu; a questão de direito, é a questão a respeito de como se há de qualificar o ocorrido, em conformidade com os critérios da ordem jurídica – cfr. Karl Larenz, “Metodologia da Ciência do Direito”, 4ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 433.

Ao passo que o juiz julga a questão de facto com base no que é aduzido pelas partes e na produção da prova, a questão de direito decide-a sem depender do que é alegado pelas partes, com base no seu próprio conhecimento do Direito e da lei.

A situação de facto enquanto enunciado não é «dada» de antemão ao julgador, mas tem de ser primeiramente conformada por ele, tomando em consideração, por um lado, os factos que lhe chegaram ao conhecimento e, por outro lado, a sua possível significação jurídica.” (cfr. Karl Larenz, obra cit., pág. 391).

Os factos são suscetíveis e carecidos de prova, mas a apreciação jurídica dos factos não é objeto de prova, apenas dependendo do juízo de ponderação e da decisão judicial.

Revertendo o alegado para as citadas alíneas do probatório, é possível descortinar que efetivamente o seu teor não corresponde a matéria de facto, mas antes a juízos conclusivos, relativos ao próprio cerne do litígio, em que é exigível a aplicação de regras de direito.

Saber se “o réu não deu cumprimento às cláusulas contratuais do contrato” e se “a Autora cumpriu as obrigações resultantes desse contrato”, constitui a própria questão material controvertida, a que se dará resposta por recurso a um conjunto de factos e à respetiva aplicação das regras de Direito, mas que em si mesmo não constituem factos, que se possam levar à seleção dos factos assentes.

Assim, nos termos do disposto no nº 4 do artº 646º do CPC, terão de se dar como não escritas as alíneas R) e S) do probatório.

No demais, não logra o recorrente concretizar no recurso quais os factos alegados no seu articulado que considera controvertidos e que deveriam ter sido levados à base instrutória, em alegada violação do nº 2 do artº 511º do CPC, por se limitar a alegar que existe factualidade controvertida alegada na contestação.

Em qualquer caso, tal alegação, por não se referir aos factos alegados na petição inicial, nunca seria apta a inverter o juízo efetuado acerca da sua demonstração, por acordo, por confissão e por prova documental.

Nestes termos, procede o erro de julgamento quanto à inclusão do teor das alíneas R) e S) nos factos assentes, as quais se dão como não escritas, por estar em causa meros juízos, decorrentes da aplicação das regras de Direito, improcedendo tudo o demais alegado.

5. Erro de julgamento, quanto ao juízo de exceção de não cumprimento do contrato [conclusões I. e J.]

Nos termos alegados no presente recurso, invoca o recorrente que ao contrário do que decidiu o tribunal, a exceção de não cumprimento do contrato não está dependente de uma deliberação da Câmara Municipal nesse sentido.

É possível, em quaisquer circunstâncias, invocar a exceção de não cumprimento, que não está dependente de razões formais de manifestação da vontade.

Está-se perante uma recusa do cumprimento de uma prestação enquanto o outro contraente não satisfazer o que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo e essa recusa não carece, para poder ser exercida, de uma manifestação de vontade, incorrendo a sentença na violação do artº 428º do Código Civil.

Vejamos o que se decidiu na sentença sob recurso:
Vem pedida a condenação do Réu “a executar o Protocolo de Colaboração nos termos nele acordados, bem assim como proceder ao pagamento das prestações vencidas e vincendas”.
A Câmara Municipal da ………. e a Associação Cultural da ………….. (ACBI) realizaram entre si um negócio jurídico que designaram por “protocolo”, visando genericamente a colaboração desta à realização de um interesse público, de âmbito cultural, integrado no conjunto das atribuições da pessoa coletiva Município da …………., mediante subvenção mensal, e em que ambos os outorgantes assumem determinadas obrigações.
Esse “protocolo” configura juridicamente um contrato administrativo, já que tal “protocolo” integra um “acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo” consubstanciada, por banda do órgão autárquico, na atribuição de uma subvenção mensal com vista à realização de interesse público de âmbito cultural em sede de contrapartida prestada pela cocontratante ACBI (v.d. art°s 178° e 179°/1 do CPA).
A questão sub júdice não assenta na invalidade do contrato ou sua formação, mas antes nasce no plano da sua execução.
Na vigência do dito “Protocolo”, pediu a Ré à Autora a realização de um determinado evento cultural – um concerto “de orquestra”.
A Autora apresentou à Ré as despesas a efetuar com tal evento.
A Ré respondeu ter partido do “pressuposto que através do Protocolo existente com a Associação Cultural da ………………… a Câmara Municipal obteria, como contrapartida, a realização deste Concerto sem qualquer encargo”.
Respondeu a Autora dizendo que tal concerto não fazia parte do Protocolo celebrado entre ambas.
E, de seguida, a “Vereadora do Pelouro da Cultura” Mª do …………., Lic” contrapôs, em ofício com data de 26/06/2002, a necessidade de revisão do Protocolo, “face à insustentabilidade legal de alguns pontos” e acrescentou: “Até à assinatura do Protocolo revisto, informo que se encontra suspensa a vigência do mesmo” (sublinhado nosso).
Eis o pomo da discórdia.
Em síntese:
Num primeiro momento, verifica-se que por ofício datado de 07/06/2002, a “Vereadora do Pelouro da Cultura” da Câmara Municipal da ……….. comunicou à “Direção da Associação Cultural da ……….” que “caso essa Associação Cultural não possa prescindir do cachet apresentado, o referido Concerto ficará anulado.”.
Num segundo momento – e após resposta da ora Autora, com o entendimento de que o dito concerto não fazia parte do identificado Protocolo –, pela mão da Vereadora da Cultura foi comunicado, por ofício datado de 26/06/2002 e confirmado por ofício de 11/07/2002, respetivamente, “que se encontra suspensa a vigência do mesmo” e que “confirmamos a suspensão do protocolo com todas as suas consequências”.
Vejamos.
Os contratos administrativos mostram-se regulados, em termos gerais, nos art°s 178° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
Se bem que o órgão administrativo não possa exigir prestações contratuais desproporcionadas ou que não tenham uma relação direta com o objeto do contrato (n° 2 do art° 179º do CPA), a Administração – salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato – pode, ao abrigo do disposto no art° 180º do CPA:
a) modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objeto do contrato e o seu equilíbrio financeiro;
b) Dirigir o modo de execução das prestações;
c) Rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização;
d) Fiscalizar o modo de execução do contrato; e
e) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato.
Acontece que o art° 67° da Lei n° 169/99, de 18 de setembro, dispõe: “As competências previstas nas alíneas l) do n° 1, j) e 1) do n°2 e b) e c) do n°4 do artigo 64° podem ser objeto de protocolo de colaboração, a celebrar com instituições públicas, particulares e cooperativas, que desenvolvam a sua atividade na área do município, em termos que protejam cabalmente os direitos e deveres de cada uma das partes e o uso, pela comunidade local, dos equipamentos”.
Foi o que aconteceu, pela celebração do protocolo em causa.
A matéria objeto do dito “protocolo” insere-se na competência da câmara municipal no âmbito do apoio a atividades de interesse municipal, designadamente, “apoiar ou comparticipar, pelos meios adequados, no apoio a atividades de interesse municipal, de natureza social, cultural, desportiva, recreativa ou outra”, a que se refere a alínea b) do n° 4 do art° 64° da Lei n° 169/99, de 18 de setembro.
E a competência nesta matéria é indelegável, constituindo uma reserva absoluta de competência da câmara municipal, como dispõe o n° 1 do art° 65° da mesma Lei, que ressalva precisamente, entre o mais, a competência relativa às matérias previstas nas alíneas a), b), d) e f) do n°4 do art° 64° referido.
Significa isso que para a constituição, regulação, modificação ou extinção dos referidos protocolos, ou seja, nas intervenções do Município que requeiram a manifestação válida da sua vontade, em termos de imputabilidade enquanto pessoa coletiva territorial, e precisamente no âmbito de atividades de interesse municipal, de natureza social, cultural, desportiva, recreativa, etc, designadamente no âmbito do protocolo em causa, é competente, quanto à formação e manifestação da vontade jurídica do município, a respetiva câmara municipal e só este órgão.
Ao vereador respetivo cabe, entre o mais, a competência que lhe foi delegada pelo Presidente da Câmara Municipal, das quais estão excluídas aquelas apontadas competências, desde logo porque o Presidente da Câmara Municipal não pode delegar competências que não detém.
Por isso, as competências que delegou na Vereadora da Cultura não podiam incluir, porque legalmente excluídas dessa possibilidade, as competências na matéria em causa, designadamente para suspender unilateralmente os efeitos do contrato que entre as partes vigorava.
É, assim, e quanto a nós, indubitável que o ato de suspensão da execução do contrato, designadamente a suspensão do cumprimento das cláusulas a que o Réu estava adstrito, é ilegal, por ofensa dos apontados normativos, mostrando-se ferido de nulidade.
Na verdade, e por outro lado, não se conhece nos autos, nem resulta das alegações produzidas, que tenha havido deliberação do órgão com competência para o efeito, no sentido da dita suspensão, designadamente a Câmara Municipal da ……… ou, sequer, ratificação do identificado ato de suspensão da autoria da Vereadora do pelouro da cultura.
E que, da ata da reunião da Câmara Municipal da …………, de 05/07/2002, única ata conhecida que regista discussão de atinente matéria, consta apenas a comunicação da situação pela senhora Vereadora Maria ……………. e o registo de dois comentários à mesma situação produzidos pelo Senhor Vereador Miguel …… e pelo Senhor Vice-Presidente, não constando ter sido tomada qualquer deliberação sobre o assunto: do registo dessa ata consta ter havido, pois, discussão de matéria afim, mas não a adoção de deliberação sobre a dita suspensão da execução do contrato.
E, sendo certo que a ata deverá conter “um resumo de tudo o que nela tiver ocorrido, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas e a forma e o resultado das respetivas votações” (nosso sublinhado) – é o que dispõe o n° 1 do art° 27° do Código do Procedimento Administrativo –, não pode concluir-se ter havido aquilo que a ata respetiva não registou.
Assim sendo, porque desacompanhado da respetiva manifestação da vontade nesse sentido que pudesse ser imputável ao Município da …….., a cessação da transferência de verbas para a ACBI, a que a Câmara Municipal respetiva se havia contratualmente obrigado, ocorre em violação do contrato por banda do Réu que, nessa medida, o incumpre e incorre em mora.
Neste procedimento dirimente não se alcança sequer o patamar da apreciação da alegada “exceptio non adimpleti contractus”, barrado que está esse caminho pela ausência de manifestação válida da vontade do Município da ………. na matéria em causa, designadamente quanto à suspensão da execução do protocolo, que é de conhecimento prejudicial.
Em conclusão e por tais motivos, o ato de suspensão da execução do contrato é manifestamente ilegal e violador do contrato em causa.
Cabe ainda consignar que também não se vislumbra, nem se mostra alegado pelo Réu, que tenha sobrevindo a rescisão ou modificação do contrato, pelo que nos termos da sua cláusula 3ª ponto 3 – “3. Este protocolo é renovável automaticamente de ano para ano, caso nenhuma das partes rescinda o mesmo” – o mesmo se renovou automaticamente de ano para ano, como do mesmo consta.
Permanece, assim, o contrato, desde aquela data, com a sua execução suspensa, apenas materialmente suspensa, entenda-se, por banda do Réu, o que significa que o Réu não deu cumprimento às suas obrigações contratuais, pelo que se encontra em mora.
Quanto às prestações vincendas, não se vislumbra nem vem alegada a impossibilidade superveniente das prestações, sendo certo que, como se viu, o contrato se mostra em pleno vigor, não sendo conhecida rescisão do mesmo pelo Réu.
Questão outra é a produção de danos decorrente do incumprimento do contrato, mas que não se mostra incluída na causa de pedir nem pedido atinente se mostra formulado.”.

De imediato se diz não poder proceder o erro de julgamento imputado à sentença recorrida.

Extrai-se do presente recurso que sobre o mérito da ação apenas vem impugnada a concreta questão da exceção de não cumprimento do contrato e nada mais, por nada mais do decidido na sentença, que culminou com a condenação do réu no pedido, se mostrar impugnado pelo ora recorrente, quer de facto, quer de direito.

Nos termos que decorrem da sentença recorrida, decorre que o réu decidiu suspender a vigência do Protocolo e que a competência para a constituição, regulação, modificação ou extinção dos protocolos é da Câmara Municipal, mostrando-se ferido de nulidade o ato praticado pela Vereadora da Cultura, de suspensão da execução do contrato.

Mais se extrai que existe um incumprimento contratual por banda do ora réu, decorrente da cessação da transferência de verbas para a ora recorrida, nos termos em que se havia contratualmente obrigado.

Tais questões que se mostram decididas na sentença, não foram objeto de impugnação pelo ora recorrente, pelo que se têm como transitadas em julgado.

Ora, conhecer e decidir o fundamento do recurso, referente à invocação da exceção de não cumprimento do contrato, quando nada mais do decidido na sentença se mostra impugnado, designadamente, quanto ao incumprimento contratual do réu, seria conceder que o efeito do julgado, na parte não recorrida, pudesse ser prejudicado pela decisão do recurso, em derrogação do disposto no nº 4 do artº 684º do CPC, o que a ordem jurídica não consente.

Conforme prescreve tal norma legal, os efeitos do julgado na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso, nem pela anulação do processo, a que subjaz que a parte não recorrida da decisão, transita em julgado e que os efeitos do julgado não podem ser prejudicados.

Sem prejuízo, ainda que assim não fosse, não tem o réu razão quanto ao suscitado, pois nos termos que decorrem do teor do Protocolo celebrado, encontram-se previstos prazos diferentes para o cumprimento das respetivas prestações, pelo que, não está verificado o pressuposto para a invocação, pelo ora réu, da exceção de não cumprimento do contrato, prevista no nº 1 do artº 428º do Código Civil (cfr. alínea C) dos factos assentes).

Com efeito, atenta a factualidade assente nos autos, nos termos do Protocolo celebrado, o ora réu obrigou-se a subsidiar mensalmente a autora, ao passo que esta se obrigou, com relevo, a realizar oito concertos, sendo dois deles, com orquestra, segundo a calendarização aí prevista.

Embora exista a previsão de obrigações recíprocas, por estar em causa um contrato bilateral ou sinalagmático, é inequívoco que existem prazos diferentes para o respetivo cumprimento obrigacional e que a situação de alegado incumprimento contratual por banda da autora não consente a invocação da exceção de não cumprimento do contrato pelo réu, por não poder dizer-se que seria o réu que devesse cumprir em segundo lugar.

Existindo a estipulação de prazos diferentes, sendo certos os prazos a que o réu se obriga a cumprir, e podendo dizer-se, no caso concreto, que seria o réu quem deveria cumprir em primeiro lugar, tal implica uma renúncia da sua parte à exceção de não cumprimento do contrato, determinando o seu incumprimento a constituição em mora, nos termos do nº 2 do artº 804º e da alínea a), do nº 2 do artº 805º do Código Civil.

Decorre, por isso, que o nº 1 do artº 428º do Código Civil prevê uma limitação quanto à invocação da exceção de não cumprimento do contrato por parte do contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, o que no caso do Protocolo em causa é possível dizer ser o caso do ora réu.

Por outro lado, não se mostra invocada qualquer das situações previstas n artº 429º do Código Civil, nem a mesma logra ocorrer.

Assim, estando em causa um contrato sinalagmático, em que existe o dever de prestar por ambas as partes, nos termos que decorrem dos factos assentes, não é possível imputar à autora, ora recorrida, uma situação de incumprimento contratual, ou sequer, cumprimento defeituoso das obrigações a que contratualmente se vinculou, pelo que, não existindo omissão ou recusa do dever de prestar por banda da autora e nem sequer incumprimento defeituoso, não é lícita a recusa do cumprimento por parte do réu, ora recorrente.

Além disso, nos termos que decorrem do probatório, nunca a atuação do réu foi consentânea com a invocação da exceção de não cumprimento do contrato, já que o Município da Covilhã optou por invocar perante a contraparte, a suspensão do Protocolo celebrado.

Assim, independentemente da questão de saber se é de associar a natureza formal à invocação da exceção de não cumprimento do contrato, mediante a prática de um ato administrativo imputável ao réu, o certo é que nem mesmo por atuação informal o réu procedeu a essa invocação, nunca tendo invocado, senão em juízo, que apenas cumpriria a sua parte do acordo quando e na medida em que a contraparte também cumprisse a prestação a que está obrigada.

Deste modo, nunca poderia proceder a exceção de não cumprimento, por a mesma nunca ter sido invocada, senão nos termos da contestação deduzida em juízo.

Termos em que, em face de todo o exposto, não procede a censura dirigida contra a sentença recorrida.

6. Nulidade por falta de fundamentação, nos termos da alínea b), do nº 1 do artº 668º do CPC e erro de julgamento, quanto à condenação de litigância de má-fé, em violação dos artºs. 446º, 519º, nºs 1 e 2 e 508º nº 2 do CPC e 16º, nº 1 do CCJ [conclusões K., L), M), N) e O)]

Invoca, por último, o recorrente que a sentença recorrida incorre em violação dos artºs. 519º, nºs 1 e 2 do CPC e 102º do CCJ, pois o que motiva a condenação do réu em dois incidentes de litigância de má-fé é só uma manifesta falta de entendimento entre o que pretendia o juiz a quo e o que o réu entendeu, não tendo existido violação do dever de cooperação.

Além disso, na parte em que decide os dois incidentes, a sentença é nula, por falta de especificação dos fundamentos de factos que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC, além de incorrer na violação dos artºs. 456º e 457º do CPC.

Remetendo para o exacto teor da sentença, na parte em que decide tais incidentes, de imediato se diz não ter o recorrente razão quanto aos fundamentos do recurso.

No respeitante ao cumprimento do dever de fundamentação da sentença, na parte em que decide os dois incidentes, em respeito do artº 158º do CPC, deve dizer-se que a fundamentação de facto em que o juiz a quo se estribou para as respetivas condenações assenta na própria alegação do réu em juízo, nos termos dos vários articulados e pronúncias apresentados, designadamente, nas partes concretamente identificadas e transcritas na sentença, assim como na sua demais atuação, revelada no próprio processado e que a decisão impugnada permite revelar.

Isto é, a fundamentação de facto que o ora recorrente alega inexistir mais não consiste senão na sua própria alegação em juízo e na sua demais atuação/omissão processual, a qual se mostra vertida, na sua parte relevante na sentença recorrida, pelo que, não se pode falar que proceda o vício de falta de especificação dos fundamentos de facto em relação à decisão dos dois incidentes por litigância por má-fé.

Ademais, existe a aplicação das regras de Direito a essa atuação processual do réu, assumida no teor dos vários articulados.

Assim, a invocação do presente vício dirigido contra a sentença recorrida, mais não traduz senão aquela que foi a atuação constante do réu em juízo, em que de forma reiterada alega o que, por falta de fundamento, não devia alegar.

Mostra-se exemplar não só o discurso assumido no aresto sob censura, como as respetivas condenações, o que decorre, além do processado dos autos, dos próprios termos das transcrições, que traduzem a posição de cada uma das partes em relação aos termos do litígio, seja no âmbito da relação material controvertida, seja nos próprios termos da relação processual, assumida na presente instância.

Daí que se recuse que incorra a sentença no vício de nulidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC, não incorrendo no vício de omissão dos respetivos fundamentos de facto para a condenação do réu como litigante de má-fé, em ambos os incidentes.

Além disso, é patente que não ocorreu qualquer incompreensão por parte do réu, quer quanto aos termos do litígio, decorrente da estruturação da causa, quer quanto ao teor dos vários despachos judiciais proferidos, o que tem o seu sustento no teor das pronúncias emitidas e nos termos do próprio recurso jurisdicional.

Por outro lado, não consegue o ora recorrente, na presente instância de recurso, abalar aqueles que são os pressupostos, de facto e de direito, em que o tribunal a quo se baseou para a sua condenação como litigante por má-fé processual, já que assenta nos autos a respetiva atuação processual, que se encontra corretamente enquadrada nos normativos de direito aplicáveis.

Donde, não poder proceder a censura que é dirigida à sentença quanto o de não se verificarem os pressupostos para a procedência da violação do dever de cooperação, o qual se encontra de forma manifesta e reiterada postergado pela atuação processual do réu, nos exatos termos que decorrem do aresto sob impugnação.

Com isto, não incorre a sentença recorrida na violação dos nºs 1 e 2 do artº 519º do CPC e do artº 102º do CCJ, pois não só se mostra caracterizada a violação do dever de colaboração pelo réu, ora recorrente, como o montante das multas fixadas nos dois incidentes, respetivamente, 20 UC e 15 UC, respeitam os limites estabelecidos na alínea a) do artº 102º do CCJ, ficando muito longe do seu limite máximo, de 100 UC.

No tocante ao montante da indemnização fixado, que o recorrente alega como sendo de 20 UC, equivalente à quantia de € 1920,00 e 15 UC, equivalente à quantia de € 1.440,00, também não tem razão, já que desde logo confunde a condenação em multa por litigância por má-fé, com a indemnização fixada a pagar à parte contrária.

Os valores a que o recorrente se refere, de 20 UC e de 15 UC são os valores da multa pela condenação nos incidentes e não os valores da indemnização.

Apenas foi fixada indemnização no âmbito do primeiro incidente, nos termos do despacho posterior à sentença, no valor de € 950,00 (sendo € 900,00 respeitante a honorários e € 50,00 relativo a despesas, em que a parte contrária incorreu por facto imputável à atuação processual do réu), pelo que não tem razão de ser o alegado no recurso.

Assim, em face da concreta atuação do réu que os autos permitem identificar, não assiste razão ao recorrente quando invoca a desproporcionalidade, ou que é exagerado ou desadequado o valor de indemnização fixado.

Para o efeito, não relevam os valores de honorários e de despesas apresentados pela contraparte, mas o valor que foi fixado pelo tribunal a quo, por ser esse que foi objeto de decisão judicial e integra o presente recurso.

Além disso, não logra o recorrente concretizar porque motivos o valor é desproporcional, nada alegando sobre as concretas condições económicas do réu, pessoa coletiva de direito público, de população e território (artº 235º da Constituição), que afastem os pressupostos em que se baseia a sentença recorrida.

De resto, não é de associar a violação dos artºs 456º e 457º do CPC, sem mais, isto é, sem concretização de qual dos seus números considera o recorrente resultar violado, decorrente da fixação do valor da indemnização em montante que se julgue desajustado.

Por todo o exposto, não procede a censura que é dirigida ao aresto sob recurso, improcedendo in totum as respetivas conclusões em análise.


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Em consequência, dando por não escritas as alíneas R) e S) dos factos assentes, por ser matéria conclusiva, será de improceder o recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, assim se conclui:

I. Como efeito processual decorrente da citação, o réu tem o ónus de contestar e o ónus de impugnar, nos termos dos artºs. 484º e 490º do CPC, salvo as exceções previstas no artº 485º.

II. O ónus de impugnação consiste na necessidade de o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição inicial, como exige o nº 1 do artº 490º do CPC, sob pena de tais factos serem considerados admitidos por acordo, nos termos e com as ressalvas das exceções previstas na nº 2 do mesmo preceito (tal ónus de impugnação estende-se aos articulados posteriores à contestação, oferecidos pelo autor ou pelo réu, segundo o artº 505º).

III. O despacho de aperfeiçoamento a que alude o nº 2 do artº 508º do CPC, não tem a finalidade de permitir ao réu dar cumprimento a tal ónus de impugnação, clarificando que factos considera ser falsos, incorretos, que ignora ou que não lhe compete conhecer, quando tenha ocorrido a impugnação em bloco de todos os artigos da petição inicial.

IV. Tal despacho de convite ao aperfeiçoamento, por impugnação ambígua ou equívoca, poderá ser proferido à luz do disposto no nº 3 do artº 508º e do nº 2 do artº 266º, do CPC, nos termos do circunstancialismo do caso concreto e segundo o critério discricionário do juiz.

V. Omitindo o juiz o despacho de aperfeiçoamento da contestação para a finalidade aduzida, não incorre na omissão de um ato que a lei prescreva, na aceção do nº 1 do artº 201º do CPC, por não estar em causa um despacho vinculado.

VI. A confissão opera no caso de revelia e é também uma consequência associada à omissão ou falta de impugnação.

VII. Em face do artº 490º do CPC, não é exigível a impugnação especificada (por cada facto), não se proíbe a possibilidade de contestar por negação, nem a impugnação por mera alusão do número dos artigos, importando antes aferir do cumprimento do dever de tomar posição definida perante os factos que se pretende impugnar, o que exige uma posição clara, frontal e concludente, ou que se assuma uma posição perante um recorte definido de um conjunto fáctico.

VIII. O ónus de posição definida perante os factos implica a não admissibilidade da impugnação genérica do articulado e mesmo a impugnação por ignorância se deve fazer em relação a factos determinados.

IX. Os factos são suscetíveis e carecidos de prova, mas a apreciação jurídica dos factos não é objeto de prova, apenas dependendo do juízo de ponderação e da decisão judicial.

X. Saber se “o réu não deu cumprimento às cláusulas contratuais do contrato” e se “a Autora cumpriu as obrigações resultantes desse contrato”, constitui a própria questão material controvertida, não constituindo factos, dando-se por não escritas tais alíneas do probatório, nos termos do nº 4 do artº 646º do CPC.

XI. Embora exista a previsão de obrigações recíprocas, por estar em causa um contrato bilateral ou sinalagmático, prevendo-se prazos diferentes para o cumprimento das respetivas prestações e não se podendo dizer que seria o réu que devesse cumprir em segundo lugar, não está verificado o pressuposto para a invocação, por si, da exceção de não cumprimento do contrato, prevista no nº 1 do artº 428º do Código Civil.

XII. Existindo a estipulação de prazos diferentes, sendo certos os prazos a que o réu se obriga a cumprir, devendo cumprir em primeiro lugar, tal implica uma renúncia da sua parte à exceção de não cumprimento do contrato, determinando o seu incumprimento a constituição em mora, nos termos dos artºs. 804º, nº 2 e 805º, nº 2, alínea a), do Código Civil.

XIII. A fundamentação de facto em que o juiz a quo se estribou para as condenações em litigância de má-fé, assenta na própria alegação do réu em juízo, nos termos das partes concretamente identificadas e transcritas na sentença, assim como na sua demais atuação, revelada no próprio processado.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente.

Registe e notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Maria Cristina Gallego Santos)

(António Paulo Vasconcelos)