Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6405/02
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/26/2002
Relator:Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE AUDIÊNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
MÉTODOS INDICIÁRIOS ( ARTº 38º DO CIRS)
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
Sumário:I)- A sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais ( artº 3º do ETAF).Ela conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.

II)- Integra na primeira hipótese a situação em que o recorrente pretende que o acto tributário violou os princípios constitucionais em apreço (violação de lei) pelo que, por estes motivos o provimento do recurso somente poderá determinar a revogação da sentença e a anulação do acto da liquidação impugnada e não a anulação daquela.

III)- O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A. assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art. 267.º da C.R.P. obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.

IV)- O CPT previa como garantia dos contribuintes um "direito de audição" (artigo 19.º, alínea c)) que, por força do artigo 23.º, alínea e), do mesmo diploma se restringia ao processo de contra - ordenação fiscal.

V)- Esse princípio era inaplicável ao processo de impugnação judicial já que à luz do mesmo a intervenção procedimental do contribuinte se justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso, corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional.

VI)- Porque no processo de impugnação estamos em presença de um conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, isso significa que estamos no âmbito do contraditório e por isso não se impunha a audiência prévia do contribuinte.

VII)- É que a violação do art. 100.º CPA se reconduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa da interessada, por forma a garantir t justeza e correcção do acto final do procedimento. Porque se trata de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.

VIII- Visto que a recorrente deduziu impugnação judicial, não tem aquela preterição relevância invalidante pois da preterição da formalidade não resultou uma lesão efectiva e real dos interesses ou valores protegidos pelo preceito violado já que, mesmo a admitir a aplicabilidade do regime do artº 100º do CPA, não obstante tal preterição, veio a atingir-se o resultado que com ela se pretendia alcançar e que é a defesa contra o acto tributário.

IX)- Apoiando-se o acto em causa em no Relatório dos SFT e resultando da análise dos elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à recorrente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente, manifestamente que existe fundamentação formal não ocorrendo a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.

X)- Excepcionalmente, em determinadas circunstâncias, designadamente quando a contabilidade enfermar de omissões ou inexactidões que não permitam que o apuramento do lucro tributável se faça com base nela e se mostrar inviável a quantificação directa, a lei permite que a AF proceda à fixação do lucro tributável mediante o recurso a métodos indiciários (arts. 16° n° 3 e 51° n°s l e 2, do CIRC e 82º e 84º do CIVA), devendo fundamentar a sua decisão (arts. 268° n° 3, da CRP, 125° do CPA, 21° e 81° do CPT e 53° n° l do CIRC).

XI)- Para que a AF se encontre legitimada a lançar mão do método presuntivo no apuramento do valor tributável, em sede de IVA, o basta que depare com anomalias e incorrecções na contabilidade dos contribuintes, designadamente, quando subsumíveis à al. d), do n° l, do art. 51° referido, sendo, por força do preceituado no n° 2 desse mesmo normativo, ainda indispensável que tais anomalias e incorrecções inviabilizem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável (condicionalismo que, hoje, também se impõe, face ao preceituado nos arts. 85°/l e 87° e segs. da LGT).

XII)- À AT compete, pois, demonstrar, fundamentadamente, que a escrita não merece confiança, para que seja possível recorrer a estimativas ou presunções (métodos indiciários) na fixação da matéria tributável. Feita essa demonstração, cabe então ao contribuinte demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

XIII)- O nascimento de uma obrigação dá-se sempre que se verifica uma situação de facto a que a lei liga um dever de prestar, o que quer dizer que o facto gerador, embora possa ser decomposto em outros factos igualmente relevantes, é assim considerado como uma realidade unitária na perspectiva da sua aptidão para fazer nascer a dívida fiscal.

XIV)- Daí que haja que distinguir entre a existência de uma obrigação na forma de mera pretensão fiscal e uma obrigação que atingiu a fase da exigibilidade: o que só acontece depois de se ter verificado o momento do vencimento dessa mesma obrigação, que ocorre aquando da liquidação do imposto pela administração e respectiva notificação. O facto tributário não só se verificou como resulta do relatório da fiscalização como foi feita a liquidação, tornando-se exigível ao contribuinte.

XV)- A justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva. ( art°103-l da CR, versão actual, anterior art°106-l), pelo que o conceito de justiça, tal como o conceito de capacidade contributiva, por serem a transposição jurídica de axiomas éticos, não têm uma definição exacta e precisa, antes surgindo, como princípios orientadores do ordenamento jurídico tributário.

XVI)- No caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional ( cfr. n°2 do art°104º da CR, anterior n°2 do art°107º).

XVII)- Assim, a não declaração de todos os custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, é que constitui não só violação do princípio da tributação do lucro real, porque se não forem declarados, pelo contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis, o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercido, e é em relação a esse período de tempo, que o lucro real, para efeitos de tributação, deve ser aferido.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DO TCA:

1.- RELATÓRIO

1.1. A......, com os sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, lhe julgou improcedente o pedido de anulação das liquidações de IRS, do anos de 1994 e correspondentes juros compensatórios, no montante de 10.879.681$00.

1.2. Alega e termina formulando as Conclusões seguintes:
A) A douta sentença, ao não ter por verificado o vício traduzido na falta de audiência prévia do recorrente, violou o preceituado no art.°s 8.°, 100.° e segs. do Código do Procedimento Administrativo, já que tais disposições eram aplicáveis ao procedimento tributário antes da entrada em vigor da LGT.
B)- A douta sentença incorreu em erro de julgamento ao não dar como verificada a falta de fundamentação da fixação efectuada e, consequentemente, da liquidação impugnada.
C)- Do mesmo modo, incorreu em erro de julgamento e violou o preceituado no art.° 38.° do CIRS ao não julgar procedente a impugnação por falta de verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indiciários assim como por inexistência de facto tributário e violação do princípio da capacidade contributiva.
D)- A douta sentença, ao não assacar à liquidação impugnada a violação dos princípios da boa - fé, da justiça e da proporcionalidade, incorreu em erro de julgamento.
E)- Finalmente, a douta sentença, por que interpretou e aplicou o disposto no art.° 46.°, n.º 2, do CIRC, ex - vi do art.° 54.°, n.º 2., do CIRS, nas redacções vigentes em 1994, cujas normas violam os princípios da capacidade contributiva, da justiça, da proporcionalidade e da proibição dos efeitos necessários e automáticos de sanções, consagrado no art.° 30.°., n.º 4, da CRP, é nula e não pode manter-se na ordem jurídica.
Nestes termos entende que deve ser concedido provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da douta sentença sob recurso e a procedência da impugnação deduzida, como é de JUSTIÇA.
1.3.- Não houve contra – alegações.
1.4.- A EMMP pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2.- FUNDAMENTOS

2.1.- A sentença recorrida julgou provada a matéria de facto seguinte:
a) as actividades exercidas em 1994 pelo impugnante, era a de médico, que continua a exercer, e prestação de serviços de «Café, Restaurante e Pizzaria», tendo sido tributado em sede de IRS pelos rendimentos das categorias A, B, e C e em 5/11/97 apresentou uma declaração de substituição, da qual resultou uma nota de cobrança que por falta de pagamento deu origem á emissão de uma certidão de dívida emitida em 22/10/98, naquele anexo C foram declarados os elementos relativos à actividade de restaurante e pizzaria exercida pelo impugnante dos quais resulta um lucro fiscal de esc. 18.545.823$00 e constando prejuízos acumulados, até ao exercício de 1993, inclusive, no montante de esc. 32.927.062 $00, não deduzidos aos lucros apurados;
b)- na sequência da acção de fiscalização realizada entre 5/11/97 e 29/1/98, relativamente a IRS do exercício de 1994, procederam os respectivos serviços à fixação do lucro tributável da categoria C (rendimentos comerciais), no montante de esc. 19.379.755$00, cuja determinação foi feita por recurso a métodos indiciários com os fundamentos expressos na nota de fundamentação de fls. 42 a 54, que aqui se dá por reproduzida, como:
- o estabelecimento é frequentado, para além das horas de almoço, por estudantes dado que os maiores valores de consumo, são relativos a café, refrigerantes, cerveja de barril e garrafa e águas, destes produtos não se verificam falhas de compras , ao longo de nove meses de actividade exercida, excepto o mês de abril para a cerveja em barril mas que é compensada pelo maior volume de compras de cerveja em garrafa e existem artigos que, pôr se tratarem de artigos complementares de outros (cerveja em lata, por exemplo) não têm compras declaradas em todos os meses do ano;
- na análise às outras compras, verifica-se desde logo, falhas de compras de consumos indispensáveis, como o caso do pão (carcaça e forma), bastantes meses de fiambre ou afiambrado e bolos (pastéis, croassants, lanches e queques), gelados, sobremesas e dois meses de peixe;
- para análise dos apuros diários declarados elaborou-se um mapa de apuros diários com base nas folhas mensais de apuros (de Janeiro a Junho) e fitas de máquina registadora (Julho e Agosto), nos meses de Janeiro a Abril verifica-se falta de apuros declarados em dois dias do mês (Sábado e Domingo) o que não é normal atendendo ao tipo de actividade;
- verificou-se que o sujeito passivo adquiriu, por exemplo, no dia 26 de Fevereiro (sábado), dia em que não foi declarado qualquer apuro, carne, no mês de Janeiro falta o apuro do dia 18 (terça) quando estaria aberto nesse dia, dado que adquiriu 10 Kgs de café que contabilizou em Julho, em Fevereiro, considerou os dias 29, 30 e 31 quando o mês nesse ano teve apenas 28 dias, no Mês de Abril faltou apurar o dia 30, registando apuro no dia 31;
- nos meses de Maio e Junho verifica-se falta de apuro no dia 8 (Domingo) e no dia 30 de Junho (Quinta), não havendo razão parente para o facto, nos meses de Julho e Agosto apenas declarou 15 dias de apuro em cada mês, considerou no dia 13 de Julho o apuro de esc. 25.310$00 relativo ao dinheiro em caixa, de um empregado, quando o valor do apuro do dia foi de esc. 40.860$00; poderá algum destes períodos de parte da 1a quinzena de Julho e Agosto ser relativo a encerramento do estabelecimento para férias, o que será, em princípio, o mês de Julho já que no mês de Agosto existem compras de bens essenciais para o funcionamento da actividade de consumo diário, como bolos e carne adquirida diariamente;
- na 2a quinzena destes meses também existem dias, parte deles da semana, inclusive sábados em que não foram juntas as fitas de máquina de apuro diário quando existem compras de produtos de consumo diário, não foram declarados quaisquer valores de apuros em Setembro quando foram efectuadas compras declaradas até 29 de Setembro;
- encontrou-se o sujeito passivo inactivo a partir de Outubro e até meados de Dezembro, data em que cessou a actividade e trespassou o estabelecimento;
- relativamente às despesas com pessoal declarou 3 empregadas de mesa, auferindo o ordenado mínimo nacional, uma só em Janeiro e Fevereiro e duas de Janeiro a Março, declarou ainda o gerente de Janeiro a Junho (70.000$00/mês) e apenas para a cozinheira (60.000$00/mês) foram declaradas remunerações de Janeiro a Setembro;
- face a estes elementos entendemos que os serviços prestados registados pelo contribuinte não traduzem a realidade, concluindo haver omissões pelo que se verifica a necessidade de recorrer a presunções que permita a sua obtenção, apenas quanto aos serviços prestados, pois quanto às compras não existem nos principais consumos falhas que justifiquem a presunção, quanto àqueles foi determinado os consumos que corresponderão às compras declaradas, os preços (médios) dos serviços prestados foram obtidos, em parte, com base em alguns tipos de serviços discriminados nas fitas de máquina registadora, relativos a apuros diários declarados, dos meses de Julho e Agosto, relativamente aos restantes Serviços prestados os preços correspondem aos valores praticados no exercício em questão, por estabelecimentos similares, dentro da zona do Porto;
Serviços prestados presumidos........... 9.044.035 $00;
Serviços prestados declarados............8.142.377$00
Valor dos serviços omitidos........................901.658$00
sendo o valor do IVA em falta de esc. 144.266$00;
- relativamente ao IRS face aos fundamentos descritos houve necessidade de recorrer aos métodos indiciários para determinação do lucro tributável na medida em que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, como os proveitos; os custos e custos com pessoal, sendo sabido que uma actividade deste tipo (Café, Restaurante e Pizzaria) não poderá funcionar apenas com um gerente e uma cozinheira (de Abril a Junho) e apenas com uma cozinheira (de Junho a Setembro), pelo que se presumirá a necessidade de um mínimo de 3 empregados ao serviço, sendo a remuneração o ordenado mínimo nacional o que dá esc. 443.700$00, não se efectua qualquer correcção aos restantes custos, o lucro fiscal ascendeu a esc. 19.379.755 $00;
c) em 2/7/98 foi o impugnante notificado de que para efeitos do IRS do ano de 1994 lhe foi fixado um rendimento liquido de esc. 28.161.417$00, contra o qual poderia reagir através de reclamação para a comissão de revisão, nos termos do art. 84° do CPT;
d) contra esta fixação não foi deduzida reclamação, mas em 22/12/98 fez petição dirigida ao Ministro das Finanças solicitando a título excepcional a dedução dos prejuízos dos anos anteriores não incluídos na liquidação oficiosa do IRS de 1994, na sequência de uma acção de fiscalização, pelo facto de na altura da recepção da notificação viver uma grave situação familiar com a doença cancerosa de que padece seu filho, não tendo tido, por esse motivo, o necessário discernimento para reclamar da fixação da matéria colectável, tal pedido foi indeferido em 5/11/99;
e) em consequência foi emitida a liquidação no valor total de esc. 10.879.681(00 cujo prazo de pagamento terminou em 23/12/98,
f) o impugnante declarou a cessação da actividade em Dezembro de 1994, por motivo de trespasse que ocorreu nessa data.
FACTOS NÃO PROVADOS.
Não há.
FUNDAMENTAÇÃO.
Os factos basearam-se nos documentos juntos aos autos como: o relatório de inspecção, nas facturas e demais documentos constantes do autos.
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2.- Fixada a matéria de facto que interessa à decisão, vejamos, então, se a sentença recorrida enferma das nulidades e erros que lhe são assacados, a saber:

I)- Se a sentença é nula, por que interpretou e aplicou o disposto no art.° 46.°, n.º 2, do CIRC, ex - vi do art.° 54.°, n.º 2., do CIRS, nas redacções vigentes em 1994, cujas normas violam os princípios da capacidade contributiva, da justiça, da proporcionalidade e da proibição dos efeitos necessários e automáticos de sanções, consagrado no art.° 30.°., n.º 4, da CRP (conclusões d) e e) -).

Quanto a esta questão, vê-se do petitório ( artºs. 72º e segs) que o recorrente assacou ao acto tributário a violação dos princípios da justiça e da boa – fé, sendo que a violação de tais princípios, na perspectiva do impugnante, resulta da insignificante diferença entre o lucro tributável declarado, com a correcção técnica efectuada, e o lucro tributável a que se chegou com a utilização do método indiciário (mais esc. 457.958$00) e a sanção que decorre do art. 46°, n.9 2, do CIRC, impossibilidade de abater os prejuízos acumulados dos anos anteriores (no valor de esc. 32.927.062 $00) no ano quem que o citado lucro foi encontrado através do método indiciário, sendo que não tem possibilidade de criação de lucros futuros, pelo não exercício actual ou esperável de qualquer actividade de natureza comercial ou industrial.
O Mº Juiz « a quo» pronunciou-se sobre esses vícios de forma clara, exaustiva e congruente ao expender que: “(...) os princípios da justiça, proporcionalidade e boa - fé só assumem relevância no domínio da actuação discricionária da Administração, encontrando-se, no, exercício da actividade vinculada tutelada a prossecução de tais princípios pelo princípio da legalidade" Ac. do S.T.A. de 16/6/94, rec. n.° 31 319,citado no C.P.A anotado de Santos Botelho, Américo Esteves e Cândido de Pinho, 4a edição, pág. 73).
No caso dos autos, a administração fiscal está adstrita, campo, a uma actuação vinculada, ou seja, submetida à lei.
Nesta matéria de quantificação indirecta da matéria colectável, a administração fiscal só pode recorrer a métodos de avaliação indirecta nos caso e condições expressamente prevista na lei.
Trata-se, portanto, de uma possibilidade de carácter excepcional, uma ultima ratio da Administração fiscal na quantificação da obrigação tributária. Esta regra tem como corolário a taxatividade dos pressupostos legais do recurso a métodos indiciários e dos indícios admitidos como prova indirecta, e a impossibilidade de interpretação extensiva e, por maioria de razão, de analogia, na fixação dos primeiros e na utilização dos segundos, (cfr. actualmente os arts. 81° e 88° da LGT). É pois inquestionável que sempre que seja impossível determinar a matéria tributável por avaliação directa não há outra alternativa que não seja recorrer a avaliação indirecta.
No caso dos autos verificando-se, como se viu, os pressupostos legais do art. 38° do CIRS, para avaliação indirecta não se pode afirmar que administração violou os princípios da justiça, boa - fé e proporcionalidade.
Não deixa de surpreender a consequência que a aplicação de tal avaliação traz para o contribuinte, mas aqui a injustiça poderá resultar directamente da norma, art. 46°, n.° 2, do C.I.R.C., ao não permitir, quiçá, uma aplicação mais restritiva; e não uma aplicação tão abrangente, ou seja, todo e qualquer apuramento da matéria tributável por forma indirecta.
Mas nesta questão não está autorizada a administração a actuar de outra forma.”
Nos termos do nº 1 do artº 144º do CPT eram causas de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Assim, da análise da sentença recorrida resulta que a Mº Juiz « a quo » se pronunciou especificamente e de forma clara, rigorosa e explícita sobre a causa de pedir invocada pela impugnante e que agora nos ocupa, para justificar o pedido de anulação do acto.
Doutro modo, a sentença é uma decisão jurisdicional, dos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas fiscais ( artº 3º do ETAF). Ela conhece do peido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:- por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.
Cremos que o caso «sub judicio» se integra na primeira hipótese já que o que a recorrente pretende é que o acto tributário violou os princípios constitucionais em apreço (violação de lei).
Termos em que por estes motivos o provimento do recurso somente poderá determinar a revogação da sentença e a anulação do acto da liquidação impugnada e não a anulação daquela.
Donde se conclui que a sentença não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade porque, no contexto precisado, tendo a sentença recorrida decidido a questão que lhe fora posta e justificado a sua decisão, não cometeu erro algum de actividade jurisdicional até porque aplicou e interpretou correctamente o direito aos factos relevantes, sem afrontar os princípios constitucionais referidos.
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II)- DA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÊNCIA:
A este respeito, sustenta o recorrente que a sentença, ao não ter por verificado o vício traduzido na falta de audiência prévia do recorrente, violou o preceituado no art.°s 8.°, 100.° e segs. do Código do Procedimento Administrativo, já que tais disposições eram aplicáveis ao procedimento tributário antes da entrada em vigor da LGT.
O Mº Juiz recorrido Com efeito, reconhecendo que dos autos decorre que não teve lugar qualquer audiência prévia do contribuinte face ao acto de liquidação, perfilha o entendimento de que a obrigatoriedade de audiência prévia do contribuinte para a válida formação e exteriorização da vontade da administração fiscal não era aplicável à presente liquidação dado que o Código de Processo Tributário continha à data as normas que regulavam a válida formação da vontade da administração em matéria tributária apenas impondo a audição do contribuinte nos processos de contra-ordenação, como resulta dos arts. 19° a 23° do C.P.T..
Por outro lado, considera que o Código de Procedimento Administrativo apenas teria aplicação supletiva, não por força das regras do C.P.T. mas pelo disposto no art. 2°, n.º 7, do C.P.A. que entrou em vigor alguns meses depois do C.P.T. e, ainda que pudesse extrair-se o entendimento de que o C.P.A. operou uma revogação completa de toda a legislação anterior que versasse sobre a mesma matéria, como consta do Parecer 3/93 de 1/4/93, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, com a publicação da Lei Geral Tributária que altera o C.P.T. impondo a audiência prévia do contribuinte, em situações similares às dos autos, sempre teria que concluir-se que essa exigência de audiência prévia não se aplicava a administração tributária até à entrada em vigor da L.G.T. pois não faria sentido alterar o que já tivesse sido alterado com o C.P.A., há vários anos.
Nesse sentido louva-se no decidido no Acórdão do TCA no proc. n.° 3066/99 de 9/5/00, que doutrina que o direito de audiência prévia dos interessados no procedimento tributário só veio a ser concretizado no art. 60° da LGT, aprovada pelo DL 398/98 de 17/12; tal direito não estava previsto no CPT para o processo administrativo tributário (cfr. arts. 71° e seguintes) nem constituía garantia dos contribuintes (art. 19°); não se tratava de nenhuma lacuna porque o legislador do CPT, aprovado pelo DL 154/91 de 23/4, foi o mesmo do CPA, aprovado pelo DL 442/91 de 15/11, pelo que é legítimo concluir que se pretendesse instituir aquele direito, para o procedimento gracioso tributário, tê-lo-ia feito.
Concordamos inteiramente com o ponto de vista manifestado na sentença recorrida.
Na verdade, o princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A. assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art. 267.º da C.R.P. obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Segundo Freitas do Amaral estamos aqui perante “a dinamização de preceitos constitucionais” (cfr. “O Novo Código do Procedimento Administrativo”, in ‘O Código do Procedimento Administrativo”, I.N.A., 1992, a pág. 311).
Hoje a LGT , que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei n.o 398/98, de 17 De Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
Ao tempo dos factos vigorava o CPT que previa como garantia dos contribuintes um “direito de audição” (artigo 19.º, alínea c)). No entanto, o artigo 23.º, alínea e), do mesmo diploma fazia restringir o “direito de audição e defesa” ao processo de contra - ordenação fiscal, sendo inaplicável ao processo de impugnação judicial tanto mais que a intervenção procedimental do contribuinte se justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso, corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional. Na verdade e conforme formulação feita por G. Berti Procedimento, procedura, partecipacione” in Scritti Guicciardi, 1975, pp, 801 e 802, “a participação diferencia-se do contraditório seja porque prescinde de toda a ideia de conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, seja porque não define uma forma de tutela ou de garantia mas uma modalidade de acção”.
Todavia, pode ser entendido, como o faz a recorrente, que a participação procedimental no âmbito do procedimento tributário era, e atento o carácter especial deste procedimento, regulada em termos gerais do Código do Procedimento Administrativo (cfr. os n.º s 5 a 7 do seu artigo 2.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de31 de Janeiro).
Vejamos, por isso e antes de mais, se «in casu» é exigível a audiência da recorrente e, na afirmativa, que consequências terá em sede de vícios do acto decisório final a sua omissão.
Porque estamos em presença de um conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, diríamos que estamos no âmbito do contraditório e por isso não se impunha a audiência pretendida pela recorrente.
Acresce que, em nosso critério, a violação do art. 100.º CPA se reconduz a um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, estando essa formalidade instituída para assegurar as garantias de defesa da interessada, por forma a garantir a justeza e correcção do acto final do procedimento.
Ora, tratando-se de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares a possibilidade de também aqui ser possível ocorrer a sua degradação em formalidade não essencial, quer dizer que a preterição não implica necessariamente a invalidade do acto final.
Visto que o recorrente deduziu impugnação judicial, não tem aquela preterição relevância invalidante pois da preterição da formalidade não resultou uma lesão efectiva e real dos interesses ou valores protegidos pelo preceito violado.
Ou seja, mesmo a admitir a aplicabilidade do regime do artº 100º do CPA, como pretende a recorrente, não obstante tal preterição, veio a atingir-se o resultado que com ela se pretendia alcançar então, que é a defesa contra o acto tributário, pelo que o vício da forma não terá efeitos invalidantes.
Perante o exposto, dúvidas não sobram de que o vício invocado não inquina o acto tributário impugnado, improcedendo as conclusões sob análise.
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III)- DO ERRO DE JULGAMENTO:
A)- falta de fundamentação:

Sustenta o recorrente na conclusão B)- que a sentença incorreu em erro de julgamento ao não dar como verificada a falta de fundamentação da fixação efectuada e, consequentemente, da liquidação impugnada.
Para a recorrente, é insuficiente para concluir que há omissão de serviços prestados num determinado dia a alegação de que nesse dia foi adquirida carne (dia 26/02/94) ou café (dia l8/01/94); é insuficiente a invocação da inexistência de razão aparente para a não declaração de apuros como motivo capaz de suportar a conclusão de que nesse dia foram prestados serviços (dias 8 de maio e 30 de Junho); é contraditório que se proponham e efectuem correcções por métodos indiciários de tal modo que o lucro tributável fixado exceda em apenas 457.958$00 o resultado declarado e, por fim, a fixação está desprovida de fundamento (para além da sua contradição) capaz de a suportar, atento a constatação de inexistência de divergência significativa entre o resultado fiscal declarado e aquele que, ex-ante, adviria da utilização dos critérios seleccionados.
Remetendo para o art. 21°, n.° l, do C.P.T, que prescreve um direito à fundamentação de todas as decisões em matéria tributária que afectem os direitos ou interesses dos contribuintes e considerando que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, conclui o Mº Juiz « a quo» que do suporte fáctico da fundamentação não se vislumbra qualquer insuficiência ou contradição para a determinação do lucro tributável, pois esta funda-se como claramente emerge do relatório, de falhas detectadas no âmbito dos serviços prestados que empurra para a determinação do lucro através do método indiciário.
Enfim, para o Mº Juiz «in casu» a fundamentação é bem clara e suficiente.
Quid Juris?
O imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação.
Assim, para que o acto cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa.
E para isso, a fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.
É por demais evidente que da exposição de motivos aduzidos pela entidade decidente ficou a recorrente a saber o porquê de tal decisão já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
Se bem perscrutamos, para a recorrente não foram pela entidade decidente apontados os motivos que em base coerente e credível serviram de suporte do acto de que visam ser fundamento e que o seu destinatário não ficou em condições de entender porque razão a entidade decidente actuou daquela forma e não de outra.
Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo ( nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231).
Neste contexto, o que se impõe, a nosso ver é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Como se disse, impende sobre a Administração a obrigação de fundamentar os seus actos que possam afectar os direitos e os interesses legalmente protegidos do contribuinte sob pena de tais actos serem susceptíveis de anulação.
É entendido na Doutrina e Jurisprudência Portuguesas que a fundamentação há-de ser «a indicação dos factos e das normas jurídicas que a justificam» (Prof. J. Alberto Reis,in vol. V-pag.24).
Ou ainda como diz Henri Capitant, no seu «Vocabulaire Juridique», a «exposição das razões de facto e /ou de direito que determinam... uma decisão».
Ou, também, como diz Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, «a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta, ou em exprimir os motivos por que se resolve de certa maneira, e não de outra».
Constituindo um direito essencial dos administrados a defesa dos seus direitos a qual se traduz, duma banda, na participação activa na fase que conduz à produção do acto administrativo (v. art° 48°, n°s. l e 2 e 268° n° l da CRP ) e, doutra, pela possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios ( art°s- 20° e 268° n° 4 da CRP ) é inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância porquanto, face à fundamentação do acto é que se podem verificar a legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.
É que a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei.
As decisões administrativas, quando devidamente fundamentadas, constituirão para os contribuintes não um produto da mera intuição dos seus autores, mas o produto de um juízo lógico de ponderação, facilitando as relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.
A fundamentação é ainda relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer.
Assim, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto deve concluir-se que houve preterição de formalidades legais.
Em consonância com o ponto de vista atrás afirmado e porque no n° 3 do art° 1° do Dec.-Lei n° 256-A/77, de 17 de Junho e agora no n° l do art° 21° do CPT, se faz equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto o que vai contra quer o art° 1°, n° l do próprio diploma, quer o art° 268° da Constituição da República, em termos de se considerar preterida uma formalidade essencial, teremos de concluir que o acto recorrido se encontra claramente suportado pelos elementos de facto e de direito como o revela a materialidade que deflui dos autos.
Na verdade, a fundamentação do acto recorrido está vazada em termos claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante da aplicação dos métodos indiciários “...face aos fundamentos descritos no ponto 1 desta Nota...” (vd. ponto 3 a fls. 53) e às anomalias e deficiências descritas em toda a al. b) do probatório.
É que a fundamentação prossegue ainda o princípio da verdade material na medida em que como ensina Osvaldo Gomes in «Fundamentação do Acto Administrativo» pag 21 e segs.- obriga a administração a aprofundar as razões da sua conduta, a procurar a conformidade completa entre o direito e a vida.
Na verdade, a realização do interesse público postula o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei acarreta a irrenunciabilidade aos poderes que esta atribui aos órgãos administrativos.
A fundamentação realiza uma espécie de «aveu préconstitué» das razões do acto pela administração funcionando coma um processo de autolimitação.
Por outro lado, sujeita-se indirectamente a certas regras de trabalho na medida em que a toma mais prudente, mais atenta e mais respeitadora do direito e lhe impõe a racionalização dos métodos de trabalho administrativo servindo de meio de reacção contra o comodismo a rotina e o arbítrio.
Perante todo o exposto, afigura-se-nos que deve entender-se que em relação ao caso «sub iudicio» a administração esclareceu em concreto os motivos da sua decisão, a motivou clara e congruentemente e tudo indica que no acto impugnado se socorreu a entidade decidente de fórmula tendente a enfrentar os estrangulamentos organizacionais derivados da prática maciça de actos administrativos semelhantes.
Todavia, o acto tributário, como salienta José Carlos Vieira de Andrade no seu «O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos», págs. 153-155, tem de ser sustentado por um mínimo suficiente da fundamentação expressa, ainda que operada por forma massiva e sendo produto de um poder legalmente vinculado, aspectos estes que só poderão ser valorados dentro do grau de exigibilidade da declaração de fundamentação, quer porque a massividade intui maior possibilidade de entendimento dos destinatários, quer porque a vinculação dispensa a enunciação da motivação do agente que decorrerá imediatamente da mera descrição dos factos-pressupostos do acto.
Daí a necessidade de que o acto resulte de uma comunicação clara- i. é, não indistinta, confusa, dubitativa, obscura ou ambígua-, congruente- i. é, que se traduza num processo lógico coerente e sensato, justificativo e com aptidão pôr si para sustentar o acto, dos factos e razões de direito- tudo apreensível pelo discurso justificativo e sem que esteja dispensada uma certa análise ou interpretação dele.
Analisando os elementos de suporte para onde remete a decisão em causa, vê-se que a fundamentação neles contida é clara e congruente e permite à recorrente a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Assim, a fundamentação formal existe e é manifestamente suficiente e clara, pelo que não ocorre a violação do disposto nos artigos 268°, n° 3, da Constituição da República, dos artºs. 124º, nº 1, a) e b) 125º e 133º, nº 1 e nº 2 , al. d), todos do Código do Procedimento Administrativo.
Conseguintemente, improcede o fundamento em causa.
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B)- Falta de verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indiciários assim como por inexistência de facto tributário e violação do princípio da capacidade contributiva.
Na conclusão c) afirma o recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento e violou o preceituado no art.° 38.° do CIRS ao não julgar procedente a impugnação por falta de verificação dos pressupostos para o recurso a métodos indiciários assim como por inexistência de facto tributário e violação do princípio da capacidade contributiva.
E isso porque, tendo alegado a este propósito na sua p.i. que, em bom rigor, não ocorreu verdadeira determinação do lucro tributável por métodos indiciários, mas antes a comprovação, sob a capa formal da utilização de métodos indiciários, do resultado fiscal declarado pelo impugnante, atenta a exígua diferença entre os valores declarados e os apurados pela Inspecção Tributária formalmente por métodos indirectos. Ou seja, o resultado a que a Administração Fiscal chega é, com diferenças não significativas, o resultado a que o próprio impugnante chega, desmentindo, assim, a verificação do pressuposto traduzido na impossibilidade da comprovação e da quantificação directa e exacta dos elementos para o efeito indispensáveis. E de facto assim é, não obstante a douta sentença pretender que seja irrelevante a expressão quantitativa da correcção do lucro tributável por métodos indirectos, do que se poderia extrapolar que tanto haveria lugar a efectiva tributação por métodos indirectos naqueles casos em que se acrescesse l $00 ao resultado declarado como naqueles em que fosse acrescido 1.000.000.000$00.
O Mº Juiz « a quo» entendeu que, em decorrência dos factos enunciados e elementos recolhidos pela administração fiscal, esta não podia quantificar directamente todos os elementos indispensáveis à correcta quantificação do lucro tributável.
E explica porquê:
Não há dúvida que os factos relatados pela fiscalização decorrem de omissões aos registos e não de quaisquer condições concretas que tenham presidido ao exercício da actividade de café, restaurante e pizzaria desenvolvida pelo impugnante, pelo menos, nada foi alegado nesse sentido e por conseguinte demonstrado no processo.
Na verdade, não é encontrada qualquer explicação, incumbindo ao impugnante demonstrar, para o facto de em alguns dias na semana, às vezes ao sábado, outras vezes ao Domingo ou até a meio da semana, para não serem encontrados registos de apuros, no mês de Setembro não foram declarados apuros e até ao dia 29 foram registadas compras de bens essenciais e as despesas com pessoal respeitam apenas a uma cozinheira.
Depois perante a contabilidade exibida pelo impugnante, não era possível saber o número e categoria dos empregados indispensáveis à actividade, se os únicos declarados por ele se mais, aliás o próprio contribuinte apenas apresenta a declaração do IRS, com o anexo C, do exercício de 1994 apenas três anos depois, em 1997.
Não é o facto de o valor do lucro tributável atingido peto método indiciário exceder apenas em esc. 457.958$00 o declarado (com a correcção técnica) que pode pôr em causa o método aplicável.
O certo é que se deu como assente ( vd. al. b) do Probatório) que na sequência da acção de fiscalização realizada entre 5/11/97 e 29/1/98, relativamente a IRS do exercício de 1994, procederam os respectivos serviços à fixação do lucro tributável da categoria C (rendimentos comerciais), no montante de esc. 19.379.755$00, cuja determinação foi feita por recurso a métodos indiciários com os fundamentos expressos na nota de fundamentação de fls. 42 a 54, como:
- o estabelecimento é frequentado, para além das horas de almoço, por estudantes dado que os maiores valores de consumo, são relativos a café, refrigerantes, cerveja de barril e garrafa e águas, destes produtos não se verificam falhas de compras , ao longo de nove meses de actividade exercida, excepto o mês de abril para a cerveja em barril mas que é compensada pelo maior volume de compras de cerveja em garrafa e existem artigos que, pôr se tratarem de artigos complementares de outros (cerveja em lata, por exemplo) não têm compras declaradas em todos os meses do ano;
- na análise às outras compras, verifica-se desde logo, falhas de compras de consumos indispensáveis, como o caso do pão (carcaça e forma), bastantes meses de fiambre ou afiambrado e bolos (pastéis, croassants, lanches e queques), gelados, sobremesas e dois meses de peixe;
- para análise dos apuros diários declarados elaborou-se um mapa de apuros diários com base nas folhas mensais de apuros (de Janeiro a Junho) e fitas de máquina registadora (Julho e Agosto), nos meses de Janeiro a Abril verifica-se falta de apuros declarados em dois dias do mês (Sábado e Domingo) o que não é normal atendendo ao tipo de actividade;
- verificou-se que o sujeito passivo adquiriu, por exemplo, no dia 26 de Fevereiro (sábado), dia em que não foi declarado qualquer apuro, carne, no mês de Janeiro falta o apuro do dia 18 (terça) quando estaria aberto nesse dia, dado que adquiriu 10 Kgs de café que contabilizou em Julho, em Fevereiro, considerou os dias 29, 30 e 31 quando o mês nesse ano teve apenas 28 dias, no Mês de Abril faltou apurar o dia 30, registando apuro no dia 31;
- nos meses de Maio e Junho verifica-se falta de apuro no dia 8 (Domingo) e no dia 30 de Junho (Quinta), não havendo razão parente para o facto, nos meses de Julho e Agosto apenas declarou 15 dias de apuro em cada mês, considerou no dia 13 de Julho o apuro de esc. 25.310$00 relativo ao dinheiro em caixa, de um empregado, quando o valor do apuro do dia foi de esc. 40.860$00; poderá algum destes períodos de parte da 1a quinzena de Julho e Agosto ser relativo a encerramento do estabelecimento para férias, o que será, em princípio, o mês de Julho já que no mês de Agosto existem compras de bens essenciais para o funcionamento da actividade de consumo diário, como bolos e carne adquirida diariamente;
- na 2a quinzena destes meses também existem dias, parte deles da semana, inclusive sábados em que não foram juntas as fitas de máquina de apuro diário quando existem compras de produtos de consumo diário, não foram declarados quaisquer valores de apuros em Setembro quando foram efectuadas compras declaradas até 29 de Setembro;
- encontrou-se o sujeito passivo inactivo a partir de Outubro e até meados de Dezembro, data em que cessou a actividade e trespassou o estabelecimento;
- relativamente às despesas com pessoal declarou 3 empregadas de mesa, auferindo o ordenado mínimo nacional, uma só em Janeiro e Fevereiro e duas de Janeiro a Março, declarou ainda o gerente de Janeiro a Junho (70.000$00/mês) e apenas para a cozinheira (60.000$00/mês) foram declaradas remunerações de Janeiro a Setembro;
- face a estes elementos entendemos que os serviços prestados registados pelo contribuinte não traduzem a realidade, concluindo haver omissões pelo que se verifica a necessidade de recorrer a presunções que permita a sua obtenção, apenas quanto aos serviços prestados, pois quanto às compras não existem nos principais consumos falhas que justifiquem a presunção, quanto àqueles foi determinado os consumos que corresponderão às compras declaradas, os preços (médios) dos serviços prestados foram obtidos, em parte, com base em alguns tipos de serviços discriminados nas fitas de máquina registadora, relativos a apuros diários declarados, dos meses de Julho e Agosto, relativamente aos restantes Serviços prestados os preços correspondem aos valores praticados no exercício em questão, por estabelecimentos similares, dentro da zona do Porto;
Serviços prestados presumidos........... 9.044.035 $00;
Serviços prestados declarados............8.142.377$00
Valor dos serviços omitidos........................901.658$00
sendo o valor do IVA em falta de esc. 144.266$00;
- relativamente ao IRS face aos fundamentos descritos houve necessidade de recorrer aos métodos indiciários para determinação do lucro tributável na medida em que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, como os proveitos; os custos e custos com pessoal, sendo sabido que uma actividade deste tipo (Café, Restaurante e Pizzaria) não poderá funcionar apenas com um gerente e uma cozinheira (de Abril a Junho) e apenas com uma cozinheira (de Junho a Setembro), pelo que se presumirá a necessidade de um mínimo de 3 empregados ao serviço, sendo a remuneração o ordenado mínimo nacional o que dá esc. 443.700$00, não se efectua qualquer correcção aos restantes custos, o lucro fiscal ascendeu a esc. 19.379.755 $00.
Foi com base nesta factualidade que a sentença recorrida concluiu, em síntese: por um lado, estavam reunidos os pressupostos de que a lei faz depender o recurso a métodos indiciários de fixação da matéria tributável (nos termos do art. 38° do CIRS), sendo que tais factos hipotecam, de modo irremediável, a credibilidade da respectiva contabilidade.
A al. d) do nº 1 do art. 38° do CIRS estatuía que a determinação do lucro tributável por métodos indiciarias se verificará sempre que ocorram erros ou inexactidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
O imperativo constitucional de que a tributação das empresas deverá incidir sobre o seu rendimento real (cfr. art. 107º, nº 2, da CRP (na redacção da Lei Constitucional nº 1/89, de 8/7, aplicável à data. Hoje, após a entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/97, corresponde-lhe o art. 104º, nº 2 da CRP), implica um acréscimo dos deveres de cooperação do sujeito passivo para com a AT.
Entre eles, destaca-se a obrigação que decorre do art. 78º do CPT e 98º do CIRC ou, no caso, dado o regime previsto nos arts. 39º e 46º do CIVA, a que decorre do registo e conservação dos duplicados dos talões de venda ou demais documentos referidos no nº 2 do art. 52º do CIVA.
Embora o sistema fiscal português consagre o método da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável (arts. 57º a 61º do CIRS, 16º do CIRC e 28º a 40º do CIVA), nem sempre o apuramento da matéria colectável se fará com base na declaração do contribuinte: desde logo, como é óbvio, não se fará quando o contribuinte não apresente a declaração, caso em que a AF procederá oficiosamente à sua determinação, com base nos elementos de que dispuser ou que lhe sejam fornecidos pelos serviços de fiscalização; não se fará quando, como resulta do nº 2 do art. 76º do CPT, a declaração não seja apresentada nos termos previstos na lei ou quando o contribuinte não forneça à AF os elementos indispensáveis ao controlo da situação tributária dele; não se fará também quando do controlo efectuado resultar que a matéria colectável apurada na declaração ou com base nos elementos por ela fornecidos não corresponde à realidade.
Nos termos do art. 78º do CPT (correspondente ao art. 75º da LGT, «quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».
Assim, se a declaração do contribuinte estiver de acordo com os elementos constantes da sua contabilidade ou escrita, esta se mostrar organizada nos termos da lei e não se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não corresponde à realidade, presume-se que a matéria tributável declarada é a real.
Como se disse, a al. d) do nº 1 do art. 38° do CIRS –aplicável ex vi do artº 84º -1 do CIVA- estatuía que a determinação do lucro tributável por métodos indiciários se verificará sempre que ocorram erros ou inexactidões no registo das operações ou indícios seguros de que a contabilidade ou os livros de registo não reflectem a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido. E o seu nº 2 dispunha que a aplicação dos métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade ou dos livros de registo só poderá verificar-se quando não seja possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, devendo, então, a determinação desse lucro fazer-se de acordo com o disposto no art. 52º do CIRC, com as necessárias adaptações (nº 5 do mesmo art. 38º do CIRS).
A fixação da matéria tributável por métodos indiciários constitui, pois, um método excepcional de tributação do rendimento que, em regra, se faz com base na declaração do sujeito passivo, alicerçada nos elementos constantes da respectiva contabilidade.
No caso sub judice estavam, ou não, verificados os pressupostos que permitem à AT, afastando-se dos valores declarados pelo recorrente, recorrer a estimativas ou presunções para determinar o seu lucro tributável?
Tenha-se presente que é à AT que compete demonstrar, fundamentadamente, que a escrita não merece confiança, para que seja possível recorrer a estimativas ou presunções (métodos indiciários) na fixação da matéria tributável (cfr. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, pág. 281). Feita essa demonstração, cabe então ao contribuinte demonstrar, e não só gerar fundada dúvida, que houve «erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada» (cfr. art. 121º, nº 3, do CPT).
No caso vertente a AT, depois efectuar as diligências que houve por convenientes, concluiu que a escrita, pese embora a sua correcção formal, não merecia credibilidade.
Mais concluiu a AT que, dada a falta de tais elementos, não podia apurar directamente a matéria tributável, através das chamadas correcções técnicas, motivo por que procedeu à determinação da mesma por presunções.
Ou seja, a AT considerou estarem verificadas as situações previstas na citada al. d) do nº 1 e no nº 2, ambos do art. 38° do CIRS, - veja-se, quanto ao IVA os arts. 16° n° 3 e 51° n°s l e 2, do CIRC e 82º e 84º do CIVA -, devendo fundamentar a sua decisão (arts. 268° n° 3, da CRP, 125° do CPA, 21° e 81° do CPT e 53° n° l do CIRC), que legitima a fixação do lucro tributável por métodos indiciários, já que constatou erros e omissões no registo das operações e considerou existirem indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido e já que considerou não ser possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável.
E, na verdade, face aos factos provados, vê-se que aqueles erros e omissões ocorrem na escrita do recorrente e que, face à ausência dos elementos em falta, não é possível, dada a sua amplitude e relevância, a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação do lucro tributável, pelo que estavam verificados esses pressupostos que permitem à AT, afastando-se dos valores declarados pelo contribuinte, recorrer a estimativas ou presunções para determinar o seu lucro tributável, não tendo o recorrente, por sua vez, logrado, fazer prova de que aqueles pressupostos em que a AT fez assentar a sua decisão de aplicação de métodos indiciários se não verificam ou estão errados.
Consequentemente, não merece qualquer reparo a conclusão de que a contabilidade do recorrente não reflecte a sua realidade negocial.
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Por outro lado, e como refere o Mº Juiz recorrido, a tributação tem de ser efectuada pelo rendimento real e efectivo; este, em 1a linha, será apurado segundo a declaração do contribuinte; contudo, como forma de controlar e de evitar a fraude e evasão fiscal, são cometidos à Administração Fiscal, através dos serviços da DGCI, um poder/dever de fiscalização( cfr. arts. 124° e 125° do C.I.R.S. e 75° do CPT).
Ora, apurando-se anomalias e/ou irregularidades e não sendo possível em face da contabilidade a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável, esta será apurada por métodos indiciários (cfr. art. 38° do C.I.R.S.).
Como já se demonstrou, a AF no caso concreto podia estabelecer presunções quer no sentido de que o recorrente exerceu a actividade, quer no sentido de que obtiveram lucros.
Se a AT podia presumir a existência de lucros isso pressupõe que seja claramente assumida a actividade. Se um indivíduo possui um estabelecimento comercial ou industrial, não pode dizer que não exerce a actividade.
Pelo que ficou dito, tem de entender-se que a AT ao apurar determinados factos, deve verificar se os mesmos se acomodam à lei tributária, não operando com presunções que não estejam previstas na lei fiscal e proibidas pelo principio da legalidade, não sendo fundado os vícios de INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO e VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA invocados pois estamos perante um critério seguido pela AF que se revela manifestamente acertado e aceitável e que se contém no campo da legalidade, não dando assim fundamento ao tribunal para anular o acto por inexistência de facto tributário.
É que, como bem refere o Mº Juiz « a quo», o nascimento de uma obrigação dá-se sempre que se verifica uma situação de facto a que a lei liga um dever de prestar. Por exemplo, o princípio que se encontra expresso no n.° 7 do art. 7° do CIRC, «O facto gerador do imposto considera-se verificado no último dia do período da tributação», devendo o IRC ser pago em função do lucro obtido durante um determinado período, em princípio um ano, estando o facto realizado de pois do decurso desse período de tempo.
O que quer dizer que o facto gerador, embora possa ser decomposto em outros factos igualmente relevantes, é assim considerado como uma realidade unitária na perspectiva da sua aptidão para fazer nascer a dívida fiscal.
Cabe aqui distinguir entre a existência de uma obrigação na forma de mera pretensão fiscal e uma obrigação que atingiu a fase da exigibilidade: o que só acontece depois de se ter verificado o momento do vencimento dessa mesma obrigação, que ocorre aquando da liquidação do imposto pela administração e respectiva notificação. (Cfr. Saldanha Sanches in Manual de Direito Fiscal, 1998, pág. 114 e 115).
O facto tributário não só se verificou como resulta do relatório da fiscalização como foi feita a liquidação, tornando-se exigível ao contribuinte.
E isso sem ferir o princípio da capacidade contributiva.
Na verdade e como se viu, nos termos do artigo 76°., n°.2 do Código de Processo Tributário, o apuramento da matéria tributável é feito com base nas declarações dos contribuintes, desde que as mesmas estejam apresentadas nos termos previstos na lei e sejam fornecidos à Administração Fiscal os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária. E claro que quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostra organizada segundo a lei comercial ou fiscal, se presume a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte (vide o artigo 78°. do mesmo Código — hoje o artigo 75°. da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-lei n°.398/98, de 17 de Dezembro).
Em nosso entender a interpretação expressa na sentença não privilegia a justiça formal, sobre a justiça material, aproximando-se do princípio da tributação do lucro real.
A justiça material não é, por força do princípio da legalidade fiscal, a justiça no exclusivo interesse de qualquer das partes mas a justiça distributiva, que é a visada pelo direito fiscal.
Com efeito, a justiça tributária alcança-se pela tributação de cada um, de acordo com a sua capacidade contributiva. ( art°103-l da CR, versão actual, anterior art°106-l).
É claro, que o conceito de justiça, tal como o conceito de capacidade contributiva, por serem a transposição jurídica de axiomas éticos, não têm uma definição exacta e precisa, antes surgindo, como princípios orientadores do ordenamento jurídico tributário.
No caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional ( cfr. n°2 do art°104º da CR, anterior n°2 do art°107º).
A não declaração de todos os custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, é que constitui não só violação do princípio da especialização de exercícios, como também viola o princípio da tributação do lucro real, porque se não forem declarados, pelo contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis, o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercido, e é em relação a esse período de tempo, que o lucro real, para efeitos de tributação, deve ser aferido, como vimos. Assim como também não podemos falar de lucro real de um determinado exercício, se nele se considerarem custos ou proveitos de outros anteriores. E isto é assim, independentemente de quem ficar prejudicado - o contribuinte ou o Fisco -com o cumprimento da lei.
Ora, sendo a matéria colectável, em regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do seu controlo pela AF, o desrespeito, nessa declaração, das regras apontadas pelo Fisco para justificar a aplicação do método indiciário, impõe ao contribuinte o dever de comprovar que se encontra numa situação em que não era permitido o uso de tal método.
Cabia, pois, à recorrente o ónus dessa alegação e prova, nos termos do art°342-l do CC, sendo certo que, como já vimos, no domínio da Cind. cabia ao contribuinte a prática integral dos actos tributários, desde o apuramento dos factos e respectiva qualificação e valoração segundo os tipos legais de incidência em ordem ao apuramento da matéria tributável, até ao cálculo e entrega do imposto nos cofres do Estado.
Por falta de preceito legal a AF no caso concreto não podia estabelecer presunções quer no sentido de que os recorrentes exerceram a actividade de «vendedores», quer no sentido de que obtiveram lucros.
Improcedem, portanto, as Conclusões do recurso.
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3.- DECISÃO

Termos em que acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, negando provimento ao recurso, manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UCs.
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Lisboa, 26 /11/02

(Gomes Correia)
(Casimiro Gonçalves)
(Cristina Santos)