| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário ( 2ª Secção ) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 08-10-2012, que julgou procedente a pretensão deduzida por A...na presente instância de IMPUGNAÇÃO com referência à deliberação da comissão de avaliação de 10.11.2006 que, em sede de segunda avaliação, fixou em € 95.390 o valor patrimonial tributário da fracção autónoma «R» do prédio sito na Estrada dos Ciprestes, n.º 141, inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria da Graça, concelho de Setúbal, sob o artigo 1155.
Formulou as respectivas alegações ( cfr. fls. 103-108 ) no âmbito das quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
I. O que suporta o aligeirar do dever de fundamentação dos atos de avaliação efetuados em cumprimento do sistema de avaliação consagrado no CIMI é o elevado grau de objetividade que o legislador verteu nesse sistema, bem pomo a reduzidíssima margem de discricionariedade deixada aos peritos avaliadores.16º
II. Qualquer contribuinte pode efetuar uma simulação da avaliação de imóvel no sítio da internet http://www.e-financas.gov.pt/SIGIMI/default.jsp;
III. Sobre questão idêntica, pronunciou-se o STA no acórdão de 14-06-2012 proferido no processo 0327/12, o qual considerou que a anulação de segunda avaliação com por falta de fundamentação com base na não indicação da Portaria constituiria “(…) atropelo do princípio da confiança e da boa fé que devem nortear e vigorar reciprocamente nas relações entre a AT e os contribuintes (cfr. art 59.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, e o art. 6º-A, do CPA”;
IV. Também não existe insuficiente fundamentação no que concerne ao coeficiente de localização o qual é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, conforme disposto nos arts. 42.º e 62.º, n.º, al. a) e n.º 3 ambos do CIMI.
V. Os Coeficientes podem ser consultados em www.portaldasfinancas.gov.pt e também no SIGIMI, em http://www.e-financas.gov.pt/SIGIMI/default.jsp.
VI. Nos presentes autos de impugnação, a avaliação obedeceu a todos os trâmites legais, razão porque o valor patrimonial tributário assentou em critérios objectivos previamente determinados e definidos na lei, inexistindo falta de fundamentação.
VII. Ao assim não entender, douto Tribunal recorrido violou as normas do art. 77.º da LGT, o art. 42.º e 62.º do CIMI.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.”
O recorrido A...não apresentou contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada resume-se, em suma, em apreciar a matéria da fundamentação do acto de avaliação que está na origem da impugnação judicial.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Nesta matéria, consta da decisão recorrida que:
“…
A) Em 27.9.2004 o ora Impugnante apresentou a declaração modelo 1 de IMI, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, e na qual nada foi assinalado quanto à existência de factores majorativos ou minorativos constantes dos quadros 62 a 65 - fls. 11 e 12 do processo administrativo apenso;
B) A declaração referida na alínea anterior foi apresentada em resultado da primeira transmissão na vigência do CIMI da fracção autónoma «R» do prédio sito na Estrada dos Ciprestes, n.º 141, inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria da Graça, concelho de Setúbal, sob o artigo 1155, e destinada a comércio - fls. 11 e 12 do processo administrativo apenso;
C) Em 30.8.2005 o ora Impugnante solicitou a segunda avaliação da referida fracção autónoma, mediante requerimento cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido - fls. 18 a 20 do processo administrativo apenso;
D) Em 10.11.2006 foi efectuada a segunda avaliação, de cujo termo consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 33 a 35 do processo administrativo apenso):
E) Com data de 14.11.2006 foi remetido ao ora Impugnante o ofício n.º 2909180 tendo em vista a notificação do resultado da segunda avaliação, o qual tem o seguinte teor (fls. 9 dos autos):
(IMAGEM)
F) Com data de 2.8.2005 foi remetido ao ora Impugnante o ofício n.º 1265575 tendo em vista a notificação do resultado da avaliação da fracção autónoma «L» do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria da Graça, concelho de Setúbal, sob o artigo 1155, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 7 dos autos):
Afectação: estacionamento coberto;
Coeficiente de localização: 1,48;
G) Com data de 23.11.2006 foi remetido ao ora Impugnante o oficio n.º 2933833 tendo em vista a notificação do resultado da avaliação da fracção autónoma «N» do prédio inscrito na matriz bana da freguesia de Santa Maria da Graça, concelho de Setúbal, sob o artigo 1155, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, nomeadamente, o seguinte (fls. 8 dos autos):
Afectação: estacionamento coberto;
Coeficiente de localização: 1,48;
H) Foi fixado em 2 o coeficiente de localização aplicável, no âmbito da Portaria n.º 982/2004, de 4 de Agosto, a um prédio destinado a comércio sito na Estrada dos Ciprestes, 141, em Setúbal - fls. 64 dos autos.* A convicção do tribunal formou-se com base no teor de documentos que integram o processo administrativo apenso e os autos, os quais se encontram expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.* Não existem factos relevantes para a decisão, em face das possíveis soluções de direito, que importe referir como não provados.”«» 3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da realidade que envolve o presente recurso jurisdicional, impondo-se, desde logo, notar que a decisão recorrida julgou a presente impugnação procedente com referência ao vício de falta de fundamentação, referindo, em síntese, que:
“Vejamos, então, o caso do valor base do prédio, relativamente ao qual o ora Impugnante sabe que resulta dos artigos 38.º e segs. do CIMI. Tomando como pressuposto óbvio que uma referência genérica para determinado artigo e segs. não pode abranger todos os artigos seguintes, também parece evidente que as disposições do CIMI agora relevantes se inserem dentro do conjunto de artigos que, razoavelmente, e dada a proximidade face ao artigo expressamente invocado, podem ser aceites como integrantes dessa referência genérica cumpridora do dever de fundamentação. Ora, pela leitura do artigo 39.º do CIMI o Impugnante pode saber que o valor base dos prédios edificados corresponde ao custo médio de construção por metro quadrado adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele custo. O que lhe suscita, no entanto, e desde logo, a seguinte dúvida: de onde resulta o custo médio de construção que foi considerado no acto de avaliação? Ora, quanto a isso o acto impugnado nada diz. E devia dizê-lo porque, nos termos do já várias vezes invocado artigo 77.º/2 da Lei Geral Tributária, «[a] fundamentação dos actos tributários (…) [deve] sempre conter as disposições legais aplicáveis (...)». Portanto, se foi aplicada — em termos essenciais - a Portaria n.° 982/2004, de 4 de Agosto, devia a mesma ter sido invocada. É certo que o Impugnante, no pedido de segunda avaliação, até havia aceitado o valor de € 600 quanto ao valor base. Mas não demonstrou inequivocamente conhecer a base legal (rectius, regulamentar) da qual resultou tal valor. A concordância, muitas vezes, resulta da ignorância.
Também se poderia dizer, na defesa do cumprimento do dever de fundamentação no caso concreto, que o Impugnante demonstrou conhecer, através da sua petição inicial, o quadro regulamentar aplicável, isto tendo novamente presente a natureza instrumental daquele dever. Mas não. Na verdade, não podemos, de uma banda, dizer que o dever legal de fundamentação deve responder às necessidades de esclarecimento do destinatário, entendido, no caso dos autos, como um destinatário normal, cidadão médio ao qual importa dar a conhecer as razões do acto de modo a possibilitar-lhe a conformação ou inconformação conscientes com a decisão, e depois, por outra, aceitar que esse esclarecimento pode ser comprovado através de um articulado subscrito por quem está na posse dos conhecimentos jurídicos necessários para compreender o que havia sido mal explicado. Isso é tirar com uma mão o que foi dado pela lei com a outra.
Portanto, a falta de referência à portaria que fixou o valor médio de construção e que, por sua vez, vai determinar o valor base do prédio torna insuficiente a fundamentação do acto.
À mesma conclusão nos vai levar a análise do coeficiente de localização. Na verdade, pela leitura do artigo que lhe é dado a conhecer (o artigo 42.º, integrado, como se sabe, na referência aos artigos 38.º e segs.), o Impugnante sabe que o coeficiente de localização varia entre 0,4 e 2, podendo, em situações de habitação dispersa em meio rural, ser reduzido para 0,35 e em zonas de elevado valor de mercado imobiliário ser elevado até 3 (n.º 1 do artigo 42.º). Sabe também que os coeficientes a aplicar em cada zona homogénea do município podem variar conforme se trate de edifícios destinados a habitação, comércio, indústria ou serviços (n.º 2 do mesmo artigo) e que na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as características de acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas, proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio, serviços de transportes públicos e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário (n.º 3). Ora, sendo-lhe dado a conhecer que na avaliação da sua fracção foi considerado o coeficiente de localização 2, não tem qualquer possibilidade, em confronto com o conteúdo do artigo 42.º do CIMI, de entender a razão pela qual o seu coeficiente é 2.
E não entende porque a deliberação impugnada não contém qualquer menção à fonte normativa regulamentar da qual tal coeficiente resulta. Em suma, também por aqui a deliberação se mostra insuficientemente fundamentada, como decorrência do facto de não conter todas as disposições legais (essenciais) aplicáveis, em violação do disposto no artigo 77.º/2 da Lei Geral Tributária (a necessidade de invocação do quadro legal não se limita apenas, obviamente, à indicação dos actos legislativos - identificados no artigo 112.º/1 da Constituição da República Portuguesa -, pois o que está verdadeiramente em causa é a invocação do quadro jurídico, no qual se integram, portanto, as disposições de natureza regulamentar). …”.
Com referência a esta matéria, a Recorrente refere que o que suporta o aligeirar do dever de fundamentação dos atos de avaliação efetuados em cumprimento do sistema de avaliação consagrado no CIMI é o elevado grau de objetividade que o legislador verteu nesse sistema, bem pomo a reduzidíssima margem de discricionariedade deixada aos peritos avaliadores, sendo que qualquer contribuinte pode efetuar uma simulação da avaliação de imóvel no sítio da internet http://www.e-financas.gov.pt/SIGIMI/default.jsp e sobre questão idêntica, pronunciou-se o STA no acórdão de 14-06-2012 proferido no processo 0327/12, o qual considerou que a anulação de segunda avaliação com por falta de fundamentação com base na não indicação da Portaria constituiria “(…) atropelo do princípio da confiança e da boa fé que devem nortear e vigorar reciprocamente nas relações entre a AT e os contribuintes (cfr. art 59.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, e o art. 6º-A, do CPA”, verificando-se que também não existe insuficiente fundamentação no que concerne ao coeficiente de localização o qual é um valor aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, conforme disposto nos arts. 42.º e 62.º, n.º, al. a) e n.º 3 ambos do CIMI e os Coeficientes podem ser consultados em www.portaldasfinancas.gov.pt e também no SIGIMI, em http://www.e-financas.gov.pt/SIGIMI/default.jsp, de modo que, nos presentes autos de impugnação, a avaliação obedeceu a todos os trâmites legais, razão porque o valor patrimonial tributário assentou em critérios objectivos previamente determinados e definidos na lei, inexistindo falta de fundamentação.
Neste domínio, cumpre notar, tal como se refere no Ac. deste Tribunal de 14-02-2012, Proc. nº 04950/11, www.dgsi.pt, que “o Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.15 e seg.).
O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I., com a seguinte expressão (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.45 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.28 e seg.):
Vt = Vc x A x Ca x CL x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
CL = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
A avaliação assenta nestes seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo que se podem agregar em dois conjuntos:
1 - Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL).
2 - Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez (Cv). …”.
A partir daqui, cumpre analisar a questão do vício de falta de fundamentação com referência ao enquadramento da avaliação apontada nos autos.
É sabido que o direito à fundamentação do acto tributário, ou em matéria tributária, constitui uma garantia específica dos contribuintes e, como tal, visa responder às necessidades do seu esclarecimento, procurando-se informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto por forma a permitir-lhe conhecer as razões de facto e de direito que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro.
Diga-se ainda que a questão da fundamentação corresponde ao cumprimento duma directiva constitucional decorrente do actual art. 268º, n.º 3 da C.R.P. no qual se consagra o dever de fundamentação e correspondente direito subjectivo do administrado à fundamentação, sendo que com a consagração de tal dever se visa harmonizar o direito fundamental dos cidadãos a conhecerem os fundamentos factuais e as razões legais que permitem a uma autoridade administrativa conformar-lhes negativamente a esfera jurídica com as exigências que a lei impõe à administração de actuar, na realização do interesse público, com presteza, eficácia e racionalidade ( Acs. do S.T.A. de 17-01-1989, B.M.J. n.º 383, pag. 322 e ss. e de 04-06-1997 - Proc. n.º 30.137). ---
Do cotejo dos normativos citados temos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, acto este que deverá conter expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que, de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório, sendo que na menção ou citação das regras jurídicas aplicáveis não devem aceitar-se como válidas as referências de tal modo genéricas que não habilitem o particular a entender e aperceber-se das razões de direito que terão motivado o acto em questão, pelo que importa e se impõe que a decisão contenha os preceitos legais aplicados e que conduziram a tal decisão.
A fundamentação consiste, portanto, em deduzir de forma expressa a decisão administrativa com as premissas fácticas e jurídicas em que assenta, visando impor à Administração que pondere antes de decidir, contribuindo para uma mais esclarecida formação de vontade por parte de quem tem a responsabilidade da decisão além de permitir ao administrado seguir o processo mental que a ela conduziu ( Prof. Freitas do Amaral, "Direito Administrativo", vol. III, pag. 244 ).
Conforme é jurisprudência uniforme e constante a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal em face do caso concreto ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro.
Com tal dever de fundamentação visa-se "captar com transparência a actividade administrativa", sendo que tal dever, nos casos em que é exigido, é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e constitui um instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de um elemento fulcral na interpretação do acto administrativo.
Para se atingir aquele objectivo basta uma fundamentação sucinta, mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual.
Note-se que a fundamentação do acto administrativo é suficiente se, no contexto em que foi praticado, e atentas as razões de facto e de direito nele expressamente enunciadas, forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão. ---
É contextual a fundamentação quando se integra no próprio acto e dela é contemporânea.
A fundamentação é clara quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o iter cognoscitivo-valorativo da decisão, sendo congruente quando a decisão surge como conclusão lógica e necessária de tais razões.
Quanto à fundamentação de direito, tem sido entendimento do S.T.A. que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado ( neste sentido, os Acs. do S.T.A. de 28-02-02, Rec. nº 48071, de 28-10-99, Rec. nº 44051, de 08-06-98, Rec. nº 42212, de 07-05-98, Rec. nº 32694, e do Pleno de 27-11-96, Rec. nº 30218 ).
Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - Ac. do S.T.A. ( Pleno ) de 25-05-93, Rec. nº 27387, de 27-02-97, Rec. nº 36197.
Esta jurisprudência passa, assim, da suficiência de uma referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, para a suficiência de uma completa ausência explícita de referência normativa, se se puder concluir que o destinatário do acto pôde ou pode perceber o concreto regime legal tido em conta.
Note-se que é efectivamente diversa a situação de inexistência da indicação numerada e específica das normas tidas por aplicáveis, inexistência compensada pela referência expressa aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, de uma outra em que se verifica uma completa ausência de referência normativa.
Ainda que se considere ajustada esta linha jurisprudencial, a apreciação, em cada caso, de um acto como fundamentado de direito, apesar de nenhuma referência legal directa, supõe, em regra, o preenchimento de duas condições:
- A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo acto;
- A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.
A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a.
Se não se sabe qual o quadro jurídico efectivamente tido em conta pelo acto, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado, sendo que o destinatário não se pode substituir nem ao acto nem ao autor do acto e a fundamentação é requisito do acto.
O destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do acto praticá-lo.
Diga-se ainda que a fundamentação dos actos serve fins de inteligibilidade e de esclarecimento, devendo mostrar o «iter» cognoscitivo e valorativo que conduziu à estatuição, sendo que, na perspectiva do visado, o que lhe interessa é conhecer os antecedentes da consequência decisória - mesmo que mal extraída - para, assim esclarecido, seguidamente optar entre acatá-la ou impugná-la.
Pois bem, sobre esta matéria, relacionada com as segundas avaliações, importa convocar o exposto no Ac. do S.T.A. (Pleno) de 02-05-2012, Proc. nº 0307/11, www.dgsi.pt, onde se aponta que:
“…
É inquestionável que os actos de fixação do valor patrimonial, como actos tributários lesivos que são, proferidos no âmbito de procedimentos tributários de avaliação, têm de estar fundamentados por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que os motivaram, tudo em conformidade com o disposto no artigo 77.º n.º 1 da Lei Geral Tributária.
Segundo o n.º 2 desse artigo 77.º, a fundamentação, embora possa ser efectuada de forma sumária, deve sempre conter “as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”; e segundo o n.º 3 do artigo 84.° desse diploma legal “A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicarão dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado.".
Deste modo, o acto de fixação do valor patrimonial tributário do prédio urbano da Impugnante, ora Recorrente, que constitui a forma de determinar a matéria tributável de tributos a que está sujeita, primacialmente em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, deve conter todos os elementos que conduziram a essa fixação, com a indicação dos critérios utilizados e das operações de apuramento da matéria tributável, de modo a que seja possível, tanto a ela como ao Tribunal, extrair qual o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
Daí que, embora o grau de fundamentação tenha de ser o adequado ao tipo concreto do acto e às circunstâncias em que foi praticado, é essencial que proporcione a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo(s) autor(es) da avaliação para a fixação do valor patrimonial tributário do prédio avaliado, de forma a poderem conhecer-se claramente as razões por que se avaliou dessa forma e não de forma diferente, por que se chegou àquele valor patrimonial e não a valor diverso, de modo a que os interessados possam aceitá-lo ou rebatê-lo, bem como possibilitar ao tribunal um efectivo controlo sobre a sua legalidade, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.
E porque, como é consabido, a falta ou insuficiência da notificação ou publicitação de um acto tributário não afecta a validade do acto em si, mas tão só a sua eficácia, o que interessa averiguar é se o acto tributário impugnado padece ou não do vício de falta de fundamentação, independentemente de a sua notificação conter ou não toda a fundamentação no que concerne ao critério de localização eleito.
Como se verifica do teor do termo de segunda avaliação, o valor patrimonial tributário fixado às fracções da Impugnante foi determinado de acordo com a fórmula contida no artigo 38.º do CIMI, que tem a seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, e em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
e dele consta que o Cl utilizado foi o de 0,90.
Aliás, a Impugnante demonstra estar ciente dessa fórmula e de que o Cl utilizado encontra previsão no artigo 42.º do CIMI, que tem o seguinte teor:
Artigo 42.º
Coeficiente de localização
1. O coeficiente de localização (Cl) varia entre 0,4 e 2, podendo, em situações de habitação dispersa em meio rural, ser reduzido para 0,35 e em zonas de elevado valor de mercado imobiliário ser elevado até 3.
2. Os coeficientes a aplicar em cada zona homogénea do município podem variar conforme se trate de edifícios destinados a habitação, comércio, indústria ou serviços.
3. Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
4. O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.
Assim como demonstra conhecer teor da Portaria n.º 982/2004, de 4.08, que no seu n.º1 aprovou os limites mínimos e máximos dos coeficientes de localização a aplicar em cada município e no seu n.º2 aprovou o zonamento e os coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo para os tipos de afectação à habitação, comércio, indústria e serviços, que lhe foram propostos pela CNAPU, nos termos e para os efeitos desse artigo 42.º, nem invoca desconhecer o teor das Portaria subsequentes, n.º 1426/2004, de 25.11 (que aprovou novos coeficientes de localização mínimos e máximos a aplicar em cada município) e n.º 1022/2006, de 20.09 (que aprovou novas alterações ao zonamento).
Isto é, a Impugnante sabe, e não questiona, que o Cl pode variar entre os limites mínimo e máximo definidos no n.º 1 do artigo 42.º do CIMI e aprovados pelas referidas Portarias, e reconhece todo o enquadramento jurídico que leva à fixação de um certo e determinado Cl, sabendo que não é aos peritos que compete fixá-lo no procedimento de avaliação ou no acto tributário de fixação do valor patrimonial tributário dos imóveis.
Com efeito, o coeficiente de localização é aprovado por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU após ponderação de determinadas circunstâncias e características dos prédios, designadamente, as acessibilidades, a proximidade de equipamentos sociais, serviços de transportes públicos e a localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário. E o mesmo se passa com os zonamentos, que são aprovados por Portaria do Ministro das Finanças sob proposta da CNAPU, sendo a determinação do seu valor efectuado em cada município em assembleia camarária e cuja materialização corresponde aos mapas informáticos de valor por zona.
O que significa que no acto de fixação do valor patrimonial tributário não há qualquer hipótese de escolha ou eleição subjectiva do zonamento e do coeficiente de localização a aplicar. Eles resultam da aplicação do CIMI e da referida Portaria, constituindo esta um acto ministerial de natureza regulamentar que os avaliadores são obrigados a aplicar, não sendo obrigados a saber nem tendo de descrever no termo de avaliação quais foram as características do imóvel que conduziram a CNAPU a propor ao Ministro a aprovação do coeficiente de localização em cada zonamento, nem de saber e descrever quais foram as razões que levaram o Ministro a tal aprovação.
Ora, a fundamentação do actos tributários em questão (acto de avaliação e fixação do valor patrimonial tributário do prédio) que a lei exige nos artigos acima citados reporta-se à explicitação dos critérios e factores adoptados pelos próprios avaliadores e às operações de apuramento desse valor patrimonial que estes levam a cabo, e nunca à explicitação das razões que terão conduzido à emissão de um regulamento ministerial com um determinado conteúdo ou, mais, concretamente, das razões que terão levado à aprovação regulamentar pelo Ministro das Finanças de um critério que são obrigados a aplicar.
E porque, tanto a fórmula utilizada como o Cl aplicado, resultam da aplicação directa de normas legais e regulamentares, traduzindo elementos objectivos que não dão qualquer espaço à subjectividade ou discricionariedade dos avaliadores, é óbvio que o acto tributário em questão permite a total reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelos peritos avaliadores para chegaram àqueles concretos valores patrimoniais tributários.
Pode, pois, considera-se suficientemente fundamentado o acto tributário de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização dos prédios avaliados, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores.
Razão por que não pode haver, quanto a estes aspectos, qualquer falta ou insuficiência de fundamentação.
Aliás, a Impugnante nunca afirmou que a fundamentação constante do acto de avaliação não lhe permitia compreender a fórmula e critérios aplicados ou conhecer os coeficientes de localização previstos no CIMI e aprovados nas citadas Portarias. O que ela verdadeiramente defende é que não sabe quais os factores ou fundamentos, de entre os elencados nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 42.º do CIMI, que terão conduzido à aprovação do zonamento e do coeficiente de localização aplicado, por as Portarias se terem limitado a aprová-los sem explicitarem a forma como os mesmos foram determinados.
Porém, essa circunstância não gera a violação do dever de fundamentação previsto no artigo 77.º da LGT e no artigo 124.º do CPA, por se tratarem de preceitos aplicáveis aos actos administrativos e tributários e não aos regulamentos ou actos normativos.
Como se sabe, o regulamento é uma decisão de um órgão da administração pública que, ao abrigo de normas de direito público, visa produzir efeitos jurídicos em situações gerais e abstractas, pelo que se diferencia do acto administrativo, desde logo, por ser geral e abstracto, enquanto que o acto administrativo produz efeitos jurídicos num caso concreto (Sobre a matéria, vide FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo”, III, 1989, pág. 36 e seg., ESTEVES DE OLIVEIRA, in “Direito Administrativo” (Lições), 1979, pág. 144 e seg., MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2ª Edição, pág. 248.).
Ora, as disposições da Portaria n.º 982/2004 e das que se lhe seguiram para aprovação do zonamento e coeficientes de localização correspondentes a cada zona de valor homogéneo para os tipos de afectação à habitação, comércio, indústria e serviços, nos termos e para os efeitos do artigo 42.º do CIMI, têm as características de generalidade e abstracção que caracterizam os actos normativos, já que se dirigem a um número indeterminado e indeterminável de pessoas, estabelecendo coeficientes para cidadãos/munícipes não individualizadas a priori, aplicáveis a todo o território nacional e a todos os que vejam o seu património imobiliário urbano avaliado para efeitos tributários, não se divisando nelas qualquer acto administrativo que, como tal, esteja sujeito ao dever de fundamentação consagrado no artigo 268.º, n.º 3 da CRP e plasmado na LGT e no CPA.
É certo que a delimitação geográfica que aí é feita, por municípios e zonamentos, parece aproximar-se da natureza individual, por interferir mais directamente com a esfera patrimonial dos proprietários, como a Recorrente, que vêem os seus prédios urbanos nela incluídos, mas esse será um aspecto meramente instrumental da ordem normativa que o diploma introduz, a ela adstrito e dela indissociável, sem possibilidade de ser autonomizado como acto administrativo encarado “a se” (Para se saber qual o coeficiente de localização que se aplica numa determinada rua ou local onde se situa o prédio construído ou a construir, e para calcular o respectivo valor patrimonial tributário, basta consultar o SIGIMI - Sistema de Informação Geográfica do Imposto Municipal Sobre Imóveis, que constitui uma aplicação informática online que contém a base de dados dos coeficientes aplicáveis a todos os locais do país, bem como o simulador de avaliação de imóveis da DGCI.).
As citadas Portaria constituem, pois, regulamentos, sujeitos, enquanto forma de actividade administrativa, ao princípio da legalidade, quer na sua dimensão de preferência de lei, quer na sua dimensão de reserva de lei. Da sua sujeição à preferência de lei decorre que, tal como sucede com todas as condutas administrativas que contrariem o bloco de legalidade a que estão sujeitos, possam ser ilegais e, como tal, susceptíveis de impugnação contenciosa nos tribunais administrativos, os quais podem declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral (art.º 204.º da CRP, e arts. 72.º e 76.º do CPTA). E da sujeição à reserva de lei decorre que os regulamentos têm necessariamente de ser habilitados por lei, mas o grau de densidade normativa da lei habilitante pode variar entre a vinculação total do conteúdo regulamentar e o pólo oposto de atribuição de uma quase total liberdade de conformação regulamentar, limitando-se, neste último caso, a identificar a competência, em sentido subjectivo e em sentido objectivo, para a sua emissão (Sobre a matéria, vide, MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO DE MATOS, ob. citada, pág. 251.).
Não estão, porém, sujeitos ao dever de fundamentação ou de explicitação das razões por que se regulamentou dessa forma e não de forma diferente. Ao contrário dos actos administrativos, os actos normativos não têm de facultar aos cidadãos os elementos necessários à percepção da motivação que determinou o conteúdo concreto da norma, nem proporcionar-lhes a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade emissora, bastando-lhe a explicitação expressa da lei que visa regulamentar ou da lei que defina a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (art.º 112.º, n.º 7, da CRP), por forma a que os interessados possam controlar a conformação regulamentar com a lei habilitante.
Os actos regulamentares, praticados no exercício da actividade administrativa genericamente regulada pelos artigos 114.º a 119.º do CPA, e, no caso concreto, em execução do dever imposto à Administração pelo n.º 1 do artigo 13.º do Dec.Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, e dos nºs 1 e 3 do artigo 62.º do CIMI, não estão, pois, sujeitos ao dever de fundamentação nos termos definidos pelo artigo 77.º da LGT e pelo artigo 124.º do CPA, não lhes sendo igualmente aplicável o mecanismo previsto no artigo 37°. do CPPT, de passagem de certidão donde constem esses fundamentos, sem prejuízo do direito de os interessados acederem aos documentos administrativos preparatórios que suportam o acto regulamentar, mais concretamente, do direito de acesso ao teor das propostas formuladas pela CNAPU que foram objecto de aprovação por acto ministerial, em conformidade com a Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, que regula o Acesso aos Documentos Administrativos.
Em conclusão, o vício de falta de fundamentação arguido pela Impugnante, a existir, localiza-se no regulamento e não no acto tributário de avaliação que fixou o valor patrimonial do seu prédio, e não podendo um regulamento padecer deste tipo de vício improcede fatalmente o pedido de que, por via dessa ilegalidade, se anule aquele acto tributário. …”
A partir daqui, e tendo-se formado jurisprudência consolidada no sentido de que “deve considerar-se suficientemente fundamentado o acto de fixação do valor patrimonial tributário quando as fichas e o termo de avaliação contém a individualização do prédio avaliado, a sua identificação geográfica no respectivo concelho e freguesia, a indicação da percentagem e coeficientes legais aplicados, as operações de quantificação e as normas aplicadas, por tal permitir compreender o percurso cognoscitivo e valorativo seguido pelos peritos avaliadores”, não pode acompanhar-se a decisão recorrida na análise vertida sobre esta matéria, dado que, perante o que fica exposto e de acordo com os elementos acima descritos, tem de entender-se como suficientemente fundamentado o acto de avaliação neste domínio.
Por outro lado, tendo em atenção o exposto na petição inicial, é ponto assente que o ora Recorrida coloca em crise os coeficientes relacionados com o valor de construção por m2 e os coeficientes de localização e de qualidade e conforto, sendo que a crítica formulada não integra a falta de fundamentação de direito relativamente a tais matérias.
Aliás, e bem ao contrário, evidencia uma noção clara dos critérios legais em apreço, discutindo os termos em que foi feita a sua aplicação, emergindo a questão da falta de fundamentação de uma leitura muito abrangente da matéria alegada, revelando um perfeito conhecimento do critério legal a observar na determinação do custo médio de construção, discutindo a Portaria a aplicar ao caso concreto.
É certo que na declaração fundamentadora externada relativamente ao acto de fixação do valor patrimonial tributário não encontramos qualquer referência à Portaria n.º 928/2004, matéria que veio a revelar-se decisiva na decisão recorrida. Mas, será que essa omissão justifica que se anule o acto impugnado com base em falta de fundamentação de direito?
Como se aponta no Ac. do S.T.A. de 14-06-2012, Proc. nº 0327/12, www.dgsi.pt, citado pela Recorrente, “a nosso ver, e embora com algumas dúvidas, entendemos que não, sob pena de atropelo do princípio da confiança e da boa fé que devem nortear e vigorar reciprocamente nas relações entre a AT e os contribuintes (cfr. art. 59.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, e o art. 6.º-A, do CPA (Disposição legal aditada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de Janeiro, e que dispõe:
«1 - No exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2 - No cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) A confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) O objectivo a alcançar com a actuação empreendida».).
Na verdade, tendo o Contribuinte intervindo ele próprio na 2.ª avaliação e tendo subscrito, não só o termo de avaliação, em que se afirma que foram tidos em conta os critérios do CIMI, como a “ficha” de avaliação, em que não só se reafirma tal proposição, como também se refere a inexistência de motivos para alterar os valores da 1.ª avaliação, e se indica como Vc o valor de € 600, mal se aceitaria que pudesse agora, fazendo tábua rasa dessa reiterada afirmação de que foram observados os critérios do CIMI e de que não havia motivos para alterar os valores fixados, designadamente os relativos ao Vc, vir invocar a falta de fundamentação de direito no que respeita ao modo como foi apurado o custo médio de construção utilizado na determinação do referido valor base dos prédios edificados.
Não podemos ignorar que o acto ora impugnado não foi praticado pela AT, mas por uma comissão integrada também pelo próprio Contribuinte.
Assim, a menos que os Contribuintes tivessem vindo alegar algum vício relevante na formação da vontade do Contribuinte marido enquanto membro da comissão de avaliação, afigura-se-nos que não poderá ser bem sucedida a invocação do vício de falta de fundamentação de direito. …”.
Naturalmente, na situação em apreço, tem se subscrever-se o que fica agora exposto, impondo-se sublinhar que não se vislumbra que o ora Recorrido tenha questionado a fundamentação de direito do acto impugnado, mas sim o valor considerado, matéria que contende com a aplicação concreta do elemento normativo a considerar, sendo de salientar que o ora Recorrido concluiu pela aplicação da fórmula acima referida nos termos do art. 25º da petição inicial, o que retira qualquer relevância ao exposto na decisão recorrida neste âmbito.
Diga-se ainda que os termos da própria decisão recorrida impunham uma outra solução para esta matéria, na medida em que tendo a sentença recorrida entendido que estavam reunidas as condições para apreciar o invocado erro nos pressupostos quanto ao custo médio de construção e quanto ao coeficiente de localização, afastando a existência de tal vício, em qualquer das vertentes descritas, não se compreende como é que, em relação aos mesmos elementos se pode depois concluir pela falta de fundamentação, pois que a análise do fundo da matéria em apreço depende da existência das condições para o efeito, o que não sucede quando o acto não está fundamentado, de modo que, importa revogar a sentença recorrida, concluindo pela total improcedência da presente impugnação judicial.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida, mantendo-se, em consequência, o valor patrimonial fixado na segunda avaliação impugnada com referência ao imóvel descrito nos autos.
Custas pelo Recorrido apenas em 1.ª Instância.
Notifique-se. D.N..Lisboa, 26 de Fevereiro de 2013
PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO
JOAQUIM CONDESSO |