Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06988/13 |
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Secção: | CT- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 11/27/2014 |
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Relator: | JORGE CORTÊS |
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Descritores: | CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL, ARTIGO 12.º, N.ºS 5 E 6, DO EST. BENEFÍCIOS FISCAIS/EBF; PRINCÍPIO DA JUSTIÇA. |
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Sumário: | 1) Pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, consiste na existência de dívida tributária não liquidada no termo do exercício. 2) O acto que determina a liquidação do imposto em falta na sequência do cancelamento do benefício fiscal corporiza acto contrário ao reconhecimento do benefício fiscal, proferido em aplicação da legalidade estrita. 3) O princípio da justiça impõe à AT a ponderação das circunstâncias do caso concreto, antes de determinar o cancelamento do benefício fiscal em causa. 4) Perante a situação de incapacidade de ganho de 72% da contribuinte, perante o pagamento da dívida em causa, o certo é que os vectores da proporcionalidade, da confiança e da previsibilidade públicas impõem à AT o relevamento da falta da contribuinte e o acatamento dedução específica prevista no artigo 87.º/1 e 4, CIRS. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃOI- Relatório Maria ………………., Lda., m.i. nos autos, interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 69/80, que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2007. Nas alegações de recurso de fls. 166/176, a recorrente formula as conclusões seguintes: I. Em primeiro lugar, a decisão em crise padece de omissão de pronúncia. II. Com efeito, a recorrente sustenta a sua petição de impugnação que a aplicar-se o prazo de um ano para a revogação da decisão de deferimento da reclamação graciosa n.º ………………, o mesmo deve contar-se a partir da notificação do acto em matéria tributária. III. O que impunha que se apurasse a concreta data da notificação à contribuinte, a partir do aviso de recepção, da decisão de deferimento da reclamação graciosa n.º ………………….. IV. Ora a sentença é omissa quanto a tal questão. V. De igual modo, alicerçando-se a impugnação na alegação de que à data da revogação (1 de Junho de 2009) do benefício fiscal não existiam dívidas fiscais da impugnante. VI. Impunha-se também tomar posição quanto a tal questão, isto é, apurar se elas existiam em tal momento. VII. O que não aconteceu. VIII. Pelo que a sentença é, salvo o devido respeito, nula. IX. No que respeita à matéria de facto existem pontos de facto incorrectamente julgados. X. A consideração do despacho junto a fls. 48 e 81 do PAT (revogação do acto), impunha que se desse como provado que a extinção do benefício fiscal em apreço foi notificada à recorrente em 1 de Junho de 2009. XI. No que tange à matéria de direito, o tribunal a quo violou o art.º 12.º, n.º 5 e 6 do EBF (na redacção em vigor à data do facto tributário). XII. Dispõe o n.º 5 e 6 de tal normativo que: «No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema da segurança social e se mantiver a situação de incumprimento (nosso sublinhado). (…)”. e “Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos”. XIII. O que significa que, salvo o devido respeito, a referência normativa “e se mantiver a situação de incumprimento” do art. 12.º, n.º 5 do EBF, respeita à manutenção da situação de incumprimento no momento da extinção dos benefícios fiscais. XIV. E essa só ocorreu em 1 de Junho de 2009, relativamente ao benefício fiscal em causa, respeitante ao exercício de 2007, pelo que, à data da cessação do benefício fiscal não existia qualquer situação de incumprimento. XV. Razão pela qual não se encontram reunidas as condições fixadas no art. 12.º, n.º 6 do EBF para a desconsideração da situação de deficiência. XVI. Não se olvide que mesmo nos benefícios de natureza automática é necessário que se verifiquem as condições do art. 12.º, n.º 5 do EBF, nesse sentido milita a referência textual no art. 12.º, n.º 6 do EBF à “verificação das condições previstas na alínea a) e b) do número anterior”. XVII. Razão pela qual, perante a proximidade de regime jurídico entre os benefícios fiscais sujeitos a reconhecimento e automáticos, o pagamento da dívida fiscal, antes do fim do procedimento administrativo para a extinção do benefício fiscal, legitima a sua manutenção. XVIII. Pelo que, deve, desde logo, com esta interpretação do art. 12.º, n.º 5 e 6 do EBF ser revogada a decisão do Tribunal a quo. XIX. Mais: a interpretação do referido art. 12.º, n.º 5 e 6 do EBF, no sentido que a existência de uma dívida de IMI, em 31 de Dezembro de um exercício fiscal, impõe, de plano, a cessação do benefício fiscal previsto no art. 87.º, n.º 1 e 4 do CIRS (na redacção em vigor em 31/12/2007), é inconstitucional, por violação do art. 266.º, n.º 2 da CRP. XX. Por outro lado, sustenta a decisão recorrida que: “…podem ser revogados os actos que sejam inválidos, com fundamento nessa invalidade e dentro do prazo do recurso contencioso (no caso dos autos), ou seja, dentro do prazo de um ano, uma vez que é este o prazo (mais longo - n.º 2) para o Ministério Público poder impugnar os actos anuláveis. (…).” XXI. Com fundamento normativo no art. 141.º do CPA e do art. 58.º, n.º 2 do CPTA. XXII. Contudo, entende a recorrente que, salvo o devido respeito, também há erro na determinação da norma aplicável. XXIII. O recurso contencioso é a impugnação judicial no domínio tributário, que tem como prazo máximo 90 dias. XXIV. Ou seja, o art. 102.º, n. 1 do CPPT é aplicável ao caso sub judice. XXV. Ora, se a decisão de deferimento da reclamação graciosa é de 27/11/2008 e a revogação de 25/11/2009, forçoso é de concluir que foi largamente ultrapassado o prazo máximo de 90 dias. XXVI. Mais, se existe norma específica no domínio tributário, não é necessário quanto a esta questão aplicar o art. 2.º do CPPT que remete, subsidiariamente, para o CPA. XXVII. Com efeito, o acto é tributário e, por conseguinte, a impugnação contenciosa no Direito dos Impostos denomina-se de impugnação judicial, onde é possível discutir a sua legalidade. XXVIII. Acresce ainda que o tribunal a quo aplica o art. 127.º do CPA, para concluir que a notificação da revogação ao sujeito passivo, não condiciona a data em que o acto produz os seus efeitos, o que, salvo o devido respeito, consubstancia erro na determinação da norma aplicável. XXIX. Porquanto, também aqui entende a recorrente que as normas aplicáveis são as do art. 77.º, n.º 6 da LGT e do art. 36.º, n.º 1 do CPPT, na medida em que estamos perante um acto em matéria tributária. XXX. E relativamente a esses actos as normas aplicáveis são as indicadas no número anterior. XXXI. Sendo certo que, de acordo com o disposto no art. 54.º, n.º 1, alínea d) da LGT, tais actos integram o procedimento tributário e, como tal, encontram-se sujeitos ao seu regime jurídico. XXXII. Daí que, se a ora recorrente apenas foi notificada da decisão de revogação em 10/12/2009 já havia não só decorrido o prazo de 90 dias, como também o de 1 ano, desde da notificação do deferimento da reclamação graciosa, que o Tribunal a quo entende ser aplicável à hipótese sub judice. XXXIII. Pelo que, a revogação da decisão de deferimento é ilegal. XXXIV. Nesta linha de obrigatoriedade de notificação, como condição de eficácia externa dos actos, dimana também do art. 268.º, nº 3 da CRP. XXXV. Deste modo seria inconstitucional a interpretação do art. 127.º do CPA, norma que o tribunal a quo entende ser aplicável, no seguinte sentido: de que a revogação de um acto em matéria tributária tem eficácia em relação aos contribuintes, independentemente da sua notificação. XXXVI. Por violação precisamente do art. 268.º, n.º 3 da CRP. XXXVII. Inconstitucionalidade essa que aqui se invoca para todos os efeitos legais. X Não foram proferidas contra-alegações. X A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls.207/208, dos autos), no qual termina pugnando por que se conceda provimento ao recurso. X II. Fundamentação.2.1. De Facto. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: A) A Impugnante não procedeu ao pagamento dentro do respectivo prazo legal do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) devido relativamente ao ano de 2006 com referência a um imóvel de que era proprietária, tendo o pagamento do IMI sido efectuado em 04.01.2008 - cfr. documento que consta a fls. 36 do PAT relativo ao processo de impugnação judicial. B) Em 25.05.2008, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2007, na qual declarou possuir incapacidade com o grau de 72% - cfr. documento que consta de fls. 37 a 43 do PAT relativo ao processo de impugnação judicial. C) A administração fiscal notificou a Impugnante, em data não determinada, da liquidação adicional de IRS n.º ………………., de 10.10.2008, referente a IRS do ano de 2007, no valor de € 3.061,01, com fundamento no facto de não ter sido apresentado documento comprovativo da invalidez da Impugnante - cfr. documento que consta a fls. 44 do PAT relativo ao processo de impugnação judicial. D) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS indicada no ponto C. que antecede, a qual foi deferida por despacho de 27.11.2008 - cfr. informação que consta de fls. 21 a 81 do PAT relativo à reclamação graciosa e documento que consta a fls. 45 e 46 do PAT relativo ao processo de impugnação judicial. E) No seguimento do deferimento da reclamação graciosa indicado no ponto D. que antecede, a administração fiscal notificou a Impugnante da liquidação adicional de IRS n.º …………….., de 30.05.2009, respeitante ao ano de 2007, com o valor a pagar de € 3.061,01, com fundamento no facto de ter sido detectada a existência de uma dívida de IMI respeitante ao ano de 2006 e por essa razão não poder ser aplicado qualquer benefício fiscal em sede de IRS - cfr. informação que consta de fls. 47 a 55 dos presentes autos. F) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS indicada no ponto E. que antecede, sendo que em 02.12.2009 foi proferido despacho de arquivamento por inutilidade superveniente da lide - cfr. documentos de fls. 15 a 19 do PAT relativo ao recurso hierárquico. G) Em 10.12.2009, foi a Impugnante notificada da revogação da decisão de deferimento da reclamação graciosa indicada no ponto D. supra e da nova decisão de indeferimento proferida em 25.11.2009 pela Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo, tendo em 11.01.2010 sido apresentado recurso hierárquico, o qual foi indeferido por despacho datado de 13.09.2010 - cfr. fls. 15 a 51 do PAT relativo ao recurso hierárquico. H) A Impugnante padece de esclerose múltipla desde 1994, tendo no ano de 2007 sido graduada a invalidez em 72% - cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e documento n.º 1 junto com a petição de recurso hierárquico e que consta a fls. 32 do PAT relativo ao recurso hierárquico, cujo teor se dá por reproduzido. I) Em Dezembro de 2006, Pedro ……………….. vivia no imóvel indicado no ponto A. supra, nele tomando refeições, dormindo e solicitando orçamentos para a realização de pequenas reparações nesse imóvel - cfr. depoimentos das testemunhas Carmina ………. e Pedro ………, cujo depoimento foi claro e coerente relativamente a este facto. Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se o seguinte: «Factos não provados // Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa. // A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise das informações e dos documentos, não impugnados, quer dos autos, quer do PAT, e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do probatório». X Nas conclusões IX) e X)., a recorrente alega erro de julgamento quanto à matéria de facto, pretendendo o aditamento da mesma, nos termos aí referidos.Analisada a alegação em apreço, verifica-se que a mesma encerra matéria conclusiva, pelo que se impõe rejeitar o aditamento em causa. X Ao abrigo do artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:J) A dívida de IMI referida em A) corresponde a €125,64 – fls. 47, do p.a./exposição; fls. 48 do p.a./recurso hierárquico. K) Em 29.10.2007, foi instaurado processo de execução fiscal, contra a impugnante, com base na existência da dívida referida na alínea anterior, o qual foi extinto por pagamento voluntário, em 08.01.2008 – fls. 36 do p.a. X 2.2. De Direito.2.2.1. Vem interposto recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 69/80, que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2007. 2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença recorrida esteou-se, entre o mais, na fundamentação seguinte: «Estabelecia o n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRS, na redacção em vigor em 31,12,2007, que "São dedutíveis à colecta por cada sujeito passivo com deficiência uma importância correspondente a três vezes a retribuição mínima mensal e por cada dependente com deficiência, bem como por cada ascendente com deficiência que esteja nas condições da alínea e) do n.º 1 do artigo 79.º, uma importância igual à retribuição mínima mensal". // Dispunha o n.º 4 deste artigo que: “Considera-se pessoa com deficiência aquela que apresente um grau de incapacidade permanente, devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável, igual ou superiora 60%". // (…) // Já vimos que o direito aos benefícios fiscais deve ser analisado tendo em conta a situação da Impugnante à data da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação (cfr. artigo 11.º do EBF). No caso dos autos, releva, assim, a situação da Impugnante em 31.12.2007. // Foi dado como provado nos presentes autos que a Impugnante padece desde 1994 de esclerose múltipla (cfr. ponto H. dos factos assentes), tendo declarado com referência ao ano de 2007 que o seu grau de invalidez era de 72% (cfr. ponto B. dos factos assentes). // Resulta do ponto A. dos factos assentes que a Impugnante não procedeu ao pagamento dentro do respectivo prazo legal do IMI devido relativamente ao ano de 2006 com referência a um imóvel de que era proprietária, tendo o pagamento do IMI em dívida sido apenas efectuado em 04.01.2008. Ou seja, em 31.12.2007, a Impugnante detinha esta dívida de IMI. // Foi com base na existência desta dívida de IMI que não foi considerado pela administração fiscal no IRS da Impugnante relativo a 2007 o benefício fiscal aplicável a contribuintes com um grau de invalidei superior a 60% (cfr. pontos C., D. e E. dos factos assentes). // Esta dívida de IMI, que prejudicou a aplicação do benefício fiscal, não foi objecto de contestação pela Impugnante. Este facto resulta de forma clara e inequívoca do probatório, não tendo a Impugnante logrado efectuar e provar qualquer alegação em sentido contrário. // Considerando os factos dados como provados e as disposições legais aplicáveis, concluímos que, efectivamente, não pode ser aplicado o benefício fiscal em referência no apuramento do IRS da Impugnante relativo ao ano de 2007, com base na conjugação do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 12.º do EBF na redacção então em vigor. // Também não relevam nesta sede as alegações formuladas na petição inicial no sentido de que o futuro adquirente actuava em Dezembro de 2006 como se fosse proprietário do imóvel, dado que, por um lado, a liquidação do IMI foi realizada em nome da Impugnante e, por outro, de acordo com as regras de incidência subjectiva do IMI que constam do artigo 8.º do respectivo Código, é a Impugnante que é sujeito passivo deste imposto e, consequentemente, é responsável pelo seu pagamento». 2.2.3. Da alegada nulidade por omissão de pronúncia no que respeita à notificação da decisão de deferimento da reclamação graciosa n.º ……………… e no que respeita à asserção segundo a qual à data da revogação do benefício fiscal não existiam dívidas fiscais da impugnante [conclusões I) a VIII)] A recorrente assaca à sentença sob escrutínio omissão de pronúncia no que respeita aos itens em apreço. A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento da nulidade da sentença (artigo 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem» (1). Compulsados os autos, verifica-se que a sentença recorrida apreciou as questões suscitadas na p.i. Recorde-se que a sentença julgou improcedente a impugnação, com base na asserção segundo a qual, «em 31.12.2007, a Impugnante detinha esta dívida de IMI. // Foi com base na existência desta dívida de IMI que não foi considerado pela administração fiscal no IRS da Impugnante relativo a 2007 o benefício fiscal aplicável a contribuintes com um grau de invalidei superior a 60% (cfr. pontos C., D. e E. dos factos assentes)». Mais se considerou que o cancelamento do benefício fiscal foi determinado, de forma tempestiva, de acordo com as regras sobre a revogação dos actos administrativos. Donde decorre que do facto de não terem sido acolhidas pela sentença recorrida certas linhas de argumentação aduzidas pela impugnante não implica que a mesma tenha incorrido em omissão de pronúncia. O que sucedeu no caso em exame, Motivo porque se impõe rejeitar a presente questão. 2.2.4. Do alegado erro de julgamento quanto à correcta interpretação do disposto no artigo 12.º, n.os 5 e 6 do Estatuto dos Benefícios Fiscais/EBF [conclusões XI) a XVIII)] O cerne da presente intenção recursória respeita à rescisão do gravame causado pela interpretação e a aplicação do disposto no artigo 12.º, n.os 5 e 6 do Estatuto dos Benefícios Fiscais/EBF [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, com alterações posteriores], subjacente à liquidação de IRS contestada. Recorde-se que o artigo 87.º/1, [“Dedução relativa às pessoas com deficiência”] do CIRS, estabelecia que: que "São dedutíveis à colecta por cada sujeito passivo com deficiência uma importância correspondente a três vezes a retribuição mínima mensal e por cada dependente com deficiência, bem como por cada ascendente com deficiência que esteja nas condições da alínea e) do n.º 1 do artigo 79.º, uma importância igual à retribuição mínima mensal". Nos termos do n.º 4 do preceito, «[c]onsidera-se pessoa com deficiência aquela que apresente um grau de incapacidade permanente, devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável, igual ou superior a 60%». Dispõe, por seu turno, o artigo 12.º, n.º 5, do EBF, o seguinte: «No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária o acto administrativo que os concedeu suspende os seus efeitos se se verificarem cumulativamente as seguintes condições: // a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema da segurança social e se mantiver a situação de incumprimento; // b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação ou oposição com prestação de garantia idónea, quando exigível (…)». Nos termos do artigo 12.º/6, do EBF, «[v]erificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou a sua suspensão». Nos termos do disposto no artigo 11.º do EBF, «[o] direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (…)». No caso em exame, está em causa a dedução à colecta do IRS do exercício de 2007, por motivo de deficiência. A recorrente tinha direito ao benefício fiscal em apreço dado preencher o pressuposto fáctico, tendente à atribuição do mesmo [esclerose múltipla, grau de invalidez de 72% - alínea H) do probatório]. Sucede, porém, que no exercício em causa ocorreu a condição negativa, cuja verificação determina o não reconhecimento do benefício fiscal, a saber: a existência de dívida de IMI, imputável à recorrente, por liquidar [artigo 12.º/5 e 6, do EBF]. A presente asserção que decorre dos elementos coligidos nos autos não foi impugnada, de forma especificada, pela recorrente [artigo 640.º do CPC; artigo 685.º-B, do CPC, versão anterior]. A invocação de que a dívida em referência terá sido paga em momento próximo do exercício em causa ou a asserção de que na data do cancelamento do benefício a situação de incumprimento havia sido regularizada não se oferecem procedentes, porquanto o facto de que até ao termo do exercício de 2007, existia uma dívida de IMI, imputável à recorrente, não liquidada, o qual constitui pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, mostra-se comprovado nos autos. O que determina, nos termos explicitados na sentença, o cancelamento do benefício, tonando inatacável, neste prisma, a liquidação impugnada. Ao decidir no sentido referido, a sentença recorrida não merece a censura que lhe é deferida, pelo que é de manter na ordem jurídica. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.5. Do alegado erro de julgamento no que respeita à preterição do regime relativo aos limites temporais de revogação dos actos constitutivos de direitos [conclusões XX) a XXXIII)] A recorrente assaca à sentença sob recurso erro de julgamento, porquanto a mesma terá desconsiderado o regime relativo à revogação dos actos administrativos em matéria tributária. É que, afirma, se a recorrente apenas foi notificada da decisão de revogação em 10.12.2009, já havia decorrido o prazo de 90 dias, como também o de um ano, desde a notificação do deferimento da reclamação graciosa. O que consubstancia violação dos limites legais em matéria de revogação de actos favoráveis. Vejamos. A este propósito na sentença recorrida consignou-se o seguinte: «Foi dado como provado que a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS n.º ……………, de 10.10.2008, a qual foi deferida por despacho de 27.11.2008 (cfr. ponto D. dos factos assentes). // Foi também dado como provado que em 10.12.2009 foi a Impugnante notificada da revogação da decisão de deferimento da reclamação graciosa acima referida e da nova decisão de indeferimento proferido em 25.11.2009 pela Chefe do Serviço de Finanças do Cartaxo (cfr. ponto G. dos factos assentes). // Considerando o disposto no artigo 141.º do CPA, concluímos que a administração fiscal pode proceder à revogação da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada com base em invalidade, dado que, como já concluímos acima, nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 12.º do EBF não são aplicáveis benefícios fiscais em sede do IRS à Impugnante com referência ao ano de 2007. Com efeito, a decisão da reclamação graciosa é um acto administrativo praticado no âmbito tributário, e à qual, tal como já referido, é aplicável o regime consignado no CPA. (…) // Quanto ao prazo de um ano para revogar o acto, consideramos que o mesmo não se encontra ultrapassado». No que se refere ao reconhecimento do benefício fiscal com base na incapacidade, a jurisprudência é unânime no sentido de que o mesmo é automático. Assim afirma-se, por exemplo, que «o direito ao benefício fiscal em causa (elevação em 50% das deduções referidas nos arts. 25º e 80º do CIRS e art. 44º do EBF), não depende do seu reconhecimento pela AF, antes resultando automaticamente da lei, comprovado que esteja, pela entidade competente, o grau de incapacidade que a lei considera relevante para efeitos fiscais» [Acórdão do TCAS, de 21.05.2002, P. 6026/01; Acórdão do STA, de 06.03.2013, P. 01295/12]. Do probatório resultam os elementos seguintes: a) Em 25.05.2008, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2007, na qual declarou possuir incapacidade com o grau de 72%. b) A administração fiscal notificou a Impugnante, em data não determinada, da liquidação adicional de IRS n.º …………….., de 10.10.2008, referente a IRS do ano de 2007, no valor de € 3.061,01, com fundamento no facto de não ter sido apresentado documento comprovativo da invalidez da Impugnante. c) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS indicada no ponto b) que antecede, a qual foi deferida por despacho de 27.11.2008. d) No seguimento do deferimento da reclamação graciosa indicado no ponto c) que antecede, a administração fiscal notificou a Impugnante da liquidação adicional de IRS n.º ………….., de 30.05.2009, respeitante ao ano de 2007, com o valor a pagar de € 3.061,01, com fundamento no facto de ter sido detectada a existência de uma dívida de IMI respeitante ao ano de 2006 e por essa razão não poder ser aplicado qualquer benefício fiscal em sede de IRS. e) A Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS indicada no ponto d) que antecede, sendo que em 02.12.2009 foi proferido despacho que rejeitou a mesma. f) Foram ainda proferidos despachos de “cancelamento do benefício fiscal” e de indeferimento do recurso hierárquico, entretanto, interposto. Salvo o devido respeito pela opinião contrária, cumpre referir que o regime de revogação dos actos constitutivos de direitos não tem aplicação ao caso em exame, porquanto, em rigor, não houve a constituição de um direito ao benefício fiscal. É que o acto de liquidação de 30.05.2009, por meio do qual se procedeu à quantificação da matéria colectável e determinação do imposto/IRS em dívida no exercício de 2007, integrando o juízo administrativo de cancelamento do benefício fiscal, para o exercício em causa, em razão da dívida fiscal de IMI por liquidar, corporiza acto contrário (2) ao anterior deferimento da reclamação graciosa. Donde decorre a inexistência de uma expectativa e muito menos de posição jurídica subjectiva encabeçada pela impugnante no sentido do reconhecimento do almejado desagravamento fiscal. É que o referido acto contrário procedeu a uma correcta aplicação do regime de extinção dos benefícios fiscais [artigo 12.º/5 e 6, do EBF]. Por outras palavras, a AT, perante a declaração do contribuinte de que possui incapacidade geradora do benefício fiscal do artigo 87.º/1, do CIRS, devidamente certificada por atestado médico, fez cessar o mesmo no exercício em causa, dada a pendência de dívida fiscal em seu nome por liquidar. A produção de efeitos do acto suspensivo ou destitutivo do benefício fiscal em causa não constitui causa de inconstitucionalidade, porquanto se trata de aplicação do princípio da legalidade tributária ao caso concreto [artigo 8.º da LGT]. Em face do exposto, forçoso se torna concluir que a sentença recorrida, ao decidir no sentido apontado, não enferma do alegado erro de julgamento, devendo ser confirmada, nesta parte, ainda que com a presente fundamentação. Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso. 2.2.6. Do alegado erro de julgamento consistente na asserção de que a interpretação da norma do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, no sentido de que a existência de dívida de IMI, em 31 de Dezembro do exercício, impõe, de plano, a cessação do benefício fiscal, previsto no artigo 87.º/1 e 4, do CIRS, é inconstitucional, por colidir com o disposto no artigo 266.º/2, da CRP. A recorrente invoca a inconstitucionalidade da norma do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, que esteve na base da liquidação impugnada. A questão que se suscita reside em saber se a falta de pagamento de IMI no montante de €125,64 no exercício em causa determina a cessação do benefício fiscal da “Dedução relativa às pessoas com deficiência” do artigo 87.º/1 e 4, CIRS, no caso em exame. Verifica-se que foi instaurado processo de execução fiscal contra a impugnante, tendo em vista a cobrança coerciva da dívida em causa, o qual foi extinto por pagamento voluntário, em 08.01.2008. O carácter diminuto da dívida em causa e a extinção por pagamento voluntário da dívida exequenda, no início do ano imediatamente a seguir ao exercício em apreço, de 2007, a par da incapacidade de ganho resultante da incapacidade da impugnante com grau de 72%, fundamento do benefício fiscal da “Dedução relativa às pessoas com deficiência” do artigo 87.º/1 e 4, CIRS, levam a concluir que a aplicação da sanção civil complementar da perda do benefício fiscal em apreço se oferece excessiva, em face dos interesses em presença. Recorde-se que a AT não está sujeita apenas ao princípio da legalidade, mas também deve obediência ao princípio da justiça (3) (artigo 55.º da LGT). O princípio da justiça obriga a que a AT se norteie por critérios de isenção e imparcialidade no apuramento das situações, ainda que tais diligências sejam contrárias ao interesse financeiro do Estado. «A justiça identifica-se com o conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico e, portanto, em princípio objecto de consagração constitucional, de entre os quais os direitos fundamentais assuem primazia; o juízo de justiça material, absoluta e relativa, comutativa e redistributiva, integram mesmo as ideias de proporcionalidade e de igualdade» (4). No caso em exame, verifica-se que perante a situação de incapacidade de ganho de 72% do contribuinte, perante o pagamento da dívida em causa cuja pendência justificaria a suspensão do benefício fiscal, no exercício em causa, e pese embora a legalidade estrita determinar o cancelamento do mesmo [10.12.2009 – alínea G), do probatório], o certo é que os vectores da proporcionalidade, da confiança e da previsibilidade públicas imporiam outra conduta por parte da AT, que fosse no sentido de relevar a falta da contribuinte e acatar a dedução específica prevista no artigo 87.º/1 e 4, CIRS. Ao não decidir no sentido apontado, a sentença recorrida não se pode manter, pela que a mesma deve ser revogada e substituída por decisão que determine a anulação da liquidação impugnada na medida em que desconsiderou o benefício fiscal da “Dedução relativa às pessoas com deficiência” do artigo 87.º/1 e 4, CIRS. Fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões de recurso. Dispositivo Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e anular o acto tributário impugnado.Custas pela recorrida, em 1.º instância. Registe. Notifique. (Jorge Cortês - Relator) (1) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.(Pedro Marchão Marques -1º. Adjunto) (Anabela Russo -2º. Adjunto) (2) «Acto contrário é um acto administrativo que produz um efeito inverso a um acto administrativo anterior e que, como tal, comporta um efeito desintegrativo da situação jurídica por ele regulada (por exemplo, o acto administrativo de demissão é um acto contrário do acto administrativo de nomeação» [Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2009, p. 198] (3)Acórdão do STA, de 25.06.2008, P. 0291/08 (4)Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2006, p. 225. |