Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04988/00
Secção:Contencioso Administrativo- 1.ª subsecção
Data do Acordão:10/25/2001
Relator:José Francisco Fonseca da Paz
Descritores:RECURSO CONTENCIOSO
ACTO QUE REJEITA RECURSO HIERÁRQUICO
QUESTÃO PRÉVIA/QUESTÃO DE MÉRITO
RECURSO TUTELAR
Sumário:I - Quando o acto objecto do recurso contencioso se limitou a rejeitar o recurso hierárquico por razões adjectivas, o âmbito daquele cinge-se à questão concreta da rejeição.
II - Averiguar se o motivo invocado para a rejeição do recurso hierárquico foi ou não correcto constitui a questão de mérito a decidir no recurso contencioso e não uma questão prévia que, por definição, se consubstancia numa questão que obsta ao conhecimento do mérito do recurso.
III - Entre o Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (ULS) de Matosinhos e o Ministro da Saúde não existe uma relação de hierarquia mas de tutela.
IV - Por não estar expressamente previsto na lei, não cabe recurso tutelar para o Ministro da Saúde da deliberação do Conselho de Administração da referida ULS que declara a nulidade de um concurso interno geral de acesso à categoria de enfermeiro-chefe.
V - Tendo sido interposto recurso hierárquico necessário da deliberação referida em IV, deve aquele recurso ser rejeitado, nos termos do art. 173º, al. b), do CPA.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO

1. O Sindicato dos Enfermeiros do Norte, com sede na Rua D. João IV, nº 210, Porto, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho, de 25/2/2000, do Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde, pelo qual foi rejeitado o recurso hierárquico que interpusera da deliberação, de 10/11/99, do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde (ULS) de Matosinhos.
Imputa ao acto recorrido um vício de violação de lei, por infracção dos arts. 18º a 42º, do D.L. nº 437/91, de 8/11, e 40º, do D.L. nº 207/99, de 9/6.
A entidade recorrida respondeu, referindo que a interposição do recurso hierárquico era ilegal, pelo que este foi bem rejeitado, sendo, em consequência, também ilegal a interposição do presente recurso contencioso. Concluiu, assim, pela rejeição do recurso.
Cumprido o disposto no art. 54º da LPTA, tanto o recorrente como o digno Magistrado do M.P. pronunciaram-se pela improcedência da suscitada questão prévia.
O recorrente apresentou alegações, onde enunciou as seguintes conclusões:
“1ª - o recorrente interpôs oportunamente recurso hierárquico necessário da deliberação do Conselho de Administração da ULS de Matosinhos, que declarou nulo e de nenhum efeito o concurso aberto pelo aviso nº 11434/99, publicado no D.R., II Série, nº 164, de 16/7/99;
2ª - esse concurso foi aberto ao abrigo do preceituado no D.L. nº 437/91, de 8/11, admitindo, então, o recurso hierárquico necessário e só depois o recurso contencioso (arts. 18º a 42º);
3ª - ao contrário do que pretende o recorrido, o D.L. nº 207/99, de 9/6, que criou a ULS de Matosinhos, manteve válido o concurso pendente à data da sua entrada em vigor, com respeito pelas regras sob que tinha sido aberto (art. 40º, nº 8);
4ª - e o mesmo artigo, no seu nº 1, estabelece a sucessão nos direitos e obrigações da pessoa colectiva extinta, ou seja, o Conselho de Administração da ULS estava obrigado, como sucessor, a respeitar a situação objectiva e subjectiva anteriormente criada;
5ª - ao contemplar o referido concurso pendente nas “disposições finais e transitórias”, o legislador diz expressa e propositadamente que se mantêm as regras vigentes aquando da abertura do concurso;
6ª - o objecto do presente recurso contencioso é o despacho do recorrido, Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde, de 25/5/2000, “Nos termos e com os fundamentos do presente parecer, rejeito o recurso, ao abrigo do disposto no art. 173º, al. b) do CPA”;
7ª - é, portanto, a susceptibilidade do recurso hierárquico que está em causa;
8ª - ora, se o legislador, ao estabelecer as disposições finais e transitórias, quis estabelecer uma distinção, deve ser respeitada essa distinção: “ubi lex distinguit, distinguire debemus”;
9ª - ao rejeitar o recurso hierárquico necessário interposto pelo ora recorrente, o recorrido incorreu no vício de violação de lei, desrespeitando, designadamente, o regime dos concursos previsto nos arts. 18º a 42º do D.L. 437/91, de 8/11, bem como o regime transitório previsto no art. 40º, “maxime”, nos nºs 1 e 8, do D.L. nº 207/99, de 9/6;
10ª - por desrespeitar esses preceitos legais, o referido despacho do recorrido enferma do vício de violação de lei”.
A entidade recorrida contra-alegou, concluindo que o recurso devia ser rejeitado, “por ilegalidade de interposição ou, quando assim se não entendesse, por manifesta improcedência.
O digno Magistrado do M.P. emitiu parecer, onde se pronunciou pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. Consideramos provados os seguintes factos:
a) O Conselho de Administração do Hospital Pedro Hispano, por deliberação de 28/5/99, abriu Concurso Interno geral de acesso à categoria de enfermeiro-chefe, para provimento de três vagas do quadro de pessoal desse hospital;
b) o aviso de abertura do referido concurso foi publicado no DR, II Série, nº 164, de 16/7/99;
c) o Conselho de Administração da ULS de Matosinhos, por deliberação de 10/11/99, publicada no D.R, II Série, nº 299, de 16/12/99, declarou “nula e de nenhum efeito” a deliberação referida na al. a), bem como o concurso que por esta fora aberto;
d) pelo requerimento constante de fls. 15 a 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o recorrente interpôs, para a Ministra da Saúde, recurso hierárquico da deliberação, de 10/11/99, do Conselho de Administração da ULS Matosinhos;
e) sobre o recurso referido na alínea anterior, foi emitido o parecer jurídico constante de fls. 8 a 14 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e onde se concluía o seguinte:
_ “ o concurso interno geral de acesso à categoria de enfermeiro-chefe para o provimento de 3 vagas no quadro do Hospital Pedro Hispano, foi aberto por despacho, de 28/5/99, do Conselho de Administração daquele Hospital, no uso de competência própria, nos termos do art. 22º do D.L. 437/91, de 8/11;
_ sendo certo que tinha igualmente competência para deliberar no sentido de declarar nulo e de nenhum efeito o mesmo concurso _ com o fundamento de que uma das vogais efectivas e a suplente, que passou a efectiva tendo aquela assumido a presidência do júri, não eram do quadro do estabelecimento, como exige a lei _ o Conselho de Administração da então criada ULS de Matosinhos, que sucedeu e integrou aquele Hospital, pelo D.L. nº 207/99, de 9/6;
_ esta nova ULS é dotada de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira _ art. 1º, nº 1, do citado diploma _ como o ora Hospital, o que significa não estar integrado na hierarquia da Administração, mas tão só sob a sua tutela e superintendência, atribuídas aos Ministros da Saúde e das Finanças _ art. 3º, nº 1, do citado diploma legal;
_ assim, aquela deliberação não é susceptível de recurso hierárquico ou tutelar para a Ministra da Saúde _ este último por não estar especialmente previsto nesta matéria, nos termos do art. 177º do CPA _ antes se enquadrando no âmbito das competências da pessoa colectiva que é a ULS de Matosinhos e representando a última palavra do seu órgão máximo;
_ só poderá ser, pois, susceptível de recurso contencioso directo;
_ o recurso terá, assim, de ser rejeitado nos termos do art. 173º, al. b) do CPA”;
f) sobre o parecer aludido na alínea anterior, o Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde proferiu o seguinte despacho, datado de 25/5/2000:
“Nos termos e com os fundamentos do presente parecer, rejeito o recurso, ao abrigo do disposto no art. 173º, al. b) do CPA”
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2.2.1. Objecto do presente recurso contencioso, é o despacho transcrito na al. f) dos factos provados, pelo qual foi rejeitado o recurso hierárquico, interposto pelo recorrente, da deliberação, de 10/11/99, do Conselho de Administração da ULS de Matosinhos, que declarara nula a sua deliberação de 28/5/99, bem como o concurso interno geral de acesso à categoria de enfermeiro-Chefe que por esta fora aberto.
O fundamento da rejeição do recurso hierárquico foi o de que o acto que dele era objecto era já contenciosamente recorrível e insusceptível de impugnação graciosa, quer hierárquica _ por não existir uma relação de hierarquia, mas de tutela, entre os Conselhos de Administração das ULS e o Ministro da Saúde _, quer tutelar _ por, nos termos do art. 177º, do CPA, não estar previsto o recurso tutelar na matéria em questão.
Na sua resposta, a entidade recorrida invoca, como questão prévia, que, sendo o acto objecto de impugnação hierárquica insusceptível de recurso gracioso, o acto que rejeitou esse recurso não é contenciosamente recorrível, pelo que o recurso contencioso devia ser rejeitado por ilegalidade da sua interposição.
Mas não tem razão.
Vejamos porquê.
Conforme tem entendido o STA, quando o acto do superior contenciosamente impugnado não entrou na apreciação do mérito do acto do subalterno, limitando-se a rejeitar o recurso hierárquico por razões adjectivas, o âmbito do recurso contencioso cinge-se à questão concreta da rejeição, pelo que o mérito deste traduz-se na questão da correcção ou incorrecção do motivo de rejeição do recurso hierárquico concretamente invocado no acto impugnado (cfr., v.g, os Acs. de 14/6/94 in AD 396º-1392, de 15/5/97 _ Rec. nº 40.923, de 7/10/97 _ Rec. nº 39442 e de 28/11/99 _ Rec. nº 38091). Por isso, se o Tribunal concluír pela correcção desse motivo de rejeição deve negar provimento ao recurso contencioso e não rejeitá-lo (cfr. Ac. do STA de 14/5/87 in BMJ 367º-550).
No caso em apreço, o acto recorrido rejeitou o recurso hierárquico, por considerar que a deliberação que dele era objecto era insusceptível de impugnação graciosa.
Averiguar se esse motivo invocado para a rejeição é ou não legal constitui o objecto ou a questão de mérito a decidir no presente recurso contencioso e consoante o Tribunal conclua pela sua correcção ou incorrecção assim deve negar ou conceder provimento ao recurso.
Deste modo, a questão suscitada pela entidade recorrida não se consubstancia numa questão prévia, a qual, por definição, se traduz numa questão que obsta ao conhecimento do mérito do recurso, mas constitui o objecto (único) do conhecimento de mérito.
Improcede, assim, a arguida questão prévia.
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2.2.2. Entende o recorrente que a rejeição do recurso hierárquico com o motivo invocado enferma de vício de violação de lei, dado que, por força do nº 8 do art. 40º do D.L. nº 207/99, de 9/6, o concurso em causa se regia pelo D.L. nº 437/91, de 8/11, diploma que, no seu art. 39º, previa o recurso hierárquico.
Cremos, contudo, que não lhe assiste razão.
Vejamos porquê.
Pelo D.L. nº 207/99 foi criada a ULS de Matosinhos _ que integrava o Hospital de Pedro Hispano e os Centros de Saúde de Matosinhos, de Senhora da Hora, de S. Mamede de Infesta e de Leça da Palmeira _, estabelecimento público dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa, financeira e patrimonial e natureza empresarial (cfr. art. 1º, nº 1).
Nos termos do nº 1 do art. 40º do mesmo diploma legal, seria extinta a pessoa colectiva Hospital de Pedro Hispano, sucedendo a ULS em todos os seus direitos e obrigações.
Porém, de acordo com o nº 8 do mesmo preceito, os concursos que se encontrassem pendentes à data da entrada em vigor desse diploma mantinham-se válidos.
Assim, no caso em apreço, mantinha-se válido o concurso em causa, o qual continuava a reger-se pelo D.L. nº 437/91 que, no seu art. 39º, nº 1, estabelecia que da homologação da lista de classificação final do concurso cabia recurso, com efeito suspensivo, a interpor para o membro do Governo competente.
Mas, conforme resulta claramente da sua previsão, o âmbito de aplicação deste preceito restringe-se aos actos homologatórios da lista de classificação final dos concursos, pelo que não pode ser invocado para qualificar como recurso hierárquico necessário o interposto de um acto que declara a nulidade da deliberação de abertura do concurso.
Aliás, estabelecendo o D.L. nº 207/99 que a ULS de Matosinhos é uma pessoa colectiva pública, dotada de autonomia administrativa e financeira, sob tutela dos Ministros da Saúde e das Finanças (cfr. art. 3º, nº 1), não existe uma relação hierárquica, mas de tutela, entre o Conselho de Administração da referida ULS e o Ministro da Saúde. É que tutela e hierarquia são realidades distintas, porque enquanto que aquela assenta numa relação jurídica entre duas pessoas colectivas diversas, nos termos da qual são conferidos a uma poderes de intervenção na gestão da outra, a hierarquia “concebe-se como modelo de organização dentro de cada pessoa colectiva, importando a estruturação desta em unidades e subunidades, por ordem decrescente de dimensão e competência em razão da matéria e do lugar (cfr. Parecer nº 90/85, da PGR, in BMJ 392º-104).
Enquanto que se existir uma relação de hierarquia todos os actos administrativos podem ser objecto de recurso hierárquico, desde que a lei não exclua essa possibilidade (cfr. art. 166º, do C.P. Administrativo), se a relação for de tutela o recurso só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo (cfr. art. 177º, nº 2, do mesmo diploma).
Ora, porque, no caso em apreço, não está prevista na lei a admissibilidade de recurso tutelar da deliberação do Conselho de Administração da ULS de Matosinhos que declarara a nulidade de concurso, deve concluir-se que ela era verticalmente definitiva, sendo insusceptível de impugnação graciosa.
Assim, o acto recorrido, ao rejeitar o recurso gracioso por a deliberação que dele era objecto ser irrecorrível, não enferma do vício de violação de lei que lhe é imputado.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo o acto recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça e a Procuradoria em, respectivamente 30.000$00 e 15.000$00.
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Lisboa, 25 de Outubro de 2001
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Carlos Manuel Maia Rodrigues
Magda Espinho Geraldes