Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06807/02
Secção:1.º JUÍZO LIQUIDATÁRIO
Data do Acordão:07/11/2006
Relator:IVONE MARTINS
Descritores:IVA
AQUISIÇÃO VIATURAS FORA DO PAÍS
Sumário:Só com a entrada em vigor do DL 199/96 de 18/10, que aprovou o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades, visando transpor para o ordenamento jurídico interno a Directiva 94/5/CE, de 14/2/1994, de que faz parte integrante o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, deixaram de estar sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens em segunda mão, desde que satisfeitas as condições fixadas no artigo 14º, n.º 1 do mesmo regime. Mas, ainda que estivesse já em vigor este regime à data da compra dos veículos dos autos, ainda assim o Recorrente teria de pagar o IVA pelas aquisições intracomunitárias porque não provou que pagou o IVA no país de origem dos veículos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juizes da Secção de Contencioso Tributário (2ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:



A. O RELATÓRIO



D..., inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Setúbal que julgou improcedente a impugnação de IVA do ano de 1995, no montante global de 2.418.085$00 (12.061,36 €), dela vem recorrer para este Tribunal, apresentando alegações e formulando 39 conclusões, uma das quais com 15 alíneas. Depois de notificado para sintetizar as conclusões, sob pena de se não conhecer do recurso, formulou, de fls. 165 a 166, as seguintes:

conclusões

1.a – O Recorrente não era sujeito passivo de IVA à data da aquisição dos bens e adquiriu-os na qualidade de consumidor final, tendo suportado todos os encargos fiscais exigidos pela legislação do país onde os adquiriu, ou seja;
2.a – Pagou o IVA no país de origem dos mesmos, pelo que as liquidações efectuadas pela Administração Fiscal consubstanciam um dupla tributação e violam o estipulado nos art.°s 1.°, 2.° n.° 2), alínea a) e 6.°, n.º 2, alíneas a) e b) ambos do RITI, conjugados com a alínea d), do art.º 2.° do CIVA;
3.a – A Administração Fiscal convidou o Recorrente a regularizar a sua situação fiscal, o que ele fez, desconhecendo as consequências legais daí advenientes, reportou o início da sua actividade a 1/10/95 e entregou o IVA devido ao Estado, pelo que as liquidações efectuadas pela Administração Fiscal são ilegais;
3.a - O Recorrente, na data da entrega do IVA ao Estado, acima mencionada, liquidou o IVA pelo regime de bens em 2.a mão, previsto no DL 504/G/85, de 31 de Dezembro, em vigor à data e que era lícito aplicar à situação do Recorrente;
4.a - A Administração Fiscal, apesar do Recorrente ter optado pela liquidação do IVA, pelo regime de bens em 2.a mão, previsto no DL 504/G/85, de 31 de Dezembro, liquidou, novamente, o IVA pelo regime normal, o que originou uma duplicação de colecta, violando, assim, o D.L. 504/G/85, de 31 de Dezembro;
5.a Além da duplicação de colecta referida na conclusão antecedente, a liquidação efectuada pela Administração Fiscal, enferma de erro de cálculo, por não ter respeitado o direito à dedução a que o Recorrente tinha direito, nos termos do art.º 19.° do RITI, conjugado com os artigos 19.° e 22.°, n.° 1, do CIVA, tendo, assim, sido violadas as referidas normas;
6.a- Com o devido respeito, discordamos do entendimento perfilhado na douta sentença que julgou improcedente a impugnação, com o fundamento de que a liquidação impugnada está correcta, uma vez que o Impugnante era comerciante e que todas as suas compras e vendas se presumem comerciais, por força do art. 2.° do Código Comercial e estão sujeitas a IVA, tendo a inscrição do impugnante com efeitos a 1/10/95 o mero efeito de regularização voluntária de uma situação de facto.
7.a – O Recorrente, como foi provado, comprou as viaturas para si próprio e para membros do seu agregado familiar, e, posteriormente, vendeu-as. Salvo melhor opinião, não é por esse facto que pode ser considerado comerciante;
8.a – Não se verifica qualquer dos requisitos exigidos pelo art. 8.° do RITI para a aquisição das viaturas ser considerada uma aquisição intracomunitária de bens, pelo que não se lhe pode aplicar o regime das aquisições intracomunitárias de bens que a Administração Fiscal aplicou, sendo as liquidações impugnadas ilegais;
9.a – A douta sentença recorrida, em nosso entender, fez uma errada aplicação da lei, violando os art.°s 1.°, 2.°, n.º 2, alínea a) e 6.°, n.º 2, alíneas a) e b) e 8.° ambos do RITI, conjugados com a alínea d) do art.º 2.° do CIVA e o art.º 19.° do RITI, conjugado com os art.°s 19.° e 22, n.º 1 do CIVA, devendo ter aplicado as normas do regime de bens em 2.a mão, previsto no DL 504/G/85, de 31 de Dezembro, em vigor à data.
Termos em que deverá o presente Recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, como é, aliás, de inteira
JUSTIÇA


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O recurso foi admitido no efeito meramente devolutivo (fls. 155).
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A ERFP não apresentou contra-alegações.

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Os autos foram com vista ao DPGA junto deste Tribunal, que deu o douto parecer a fls. 159, onde se lê:
“” (...)
Começando pela análise da prova produzida verifica-se que pelo depoimento das testemunhas não se pode concluir que o recorrente tenha adquirido as viaturas para si e para a sua família.
A 1a Testemunha limita-se a dizer que o recorrente comprou as viaturas para si e para a família mas não fundamenta tal afirmação.
A 2° testemunha faz a mesma afirmação e diz que teve conhecimento de tal facto porque o Diamantino lhe havia dito.
Quanto ao alegado facto, do recorrente, não ser comerciante se dirá que foi ele próprio que ao regularizar a sua situação fiscal reportou a sua actividade a 1/10/95.
Mostram os autos que o recorrente utilizou o seu NIF como particular na aquisição das viaturas.
Tendo em conta o número de viaturas adquiridas e o facto de terem sido vendidas dentro de um curto período mostra que foram adquiridas para venda.
As três viaturas foram vendidas a António e Afonso – Comércio de Automóveis Lda. cujos sócios são o recorrente e seu filho.
É de salientar que o recorrente em 19/5/97, entregou as declarações de rendimentos Modelo 2 referentes aos exercícios de 1995 e 1996 onde englobou os rendimentos da categoria C relativos à sua actividade de comércio de automóveis.
Não restam dúvidas, as aquisições intracomunitárias efectuadas pelo recorrente estão sujeitas ao pagamento de IVA, uma vez que ele era sujeito passivo do imposto e as mesmas foram adquiridas para revenda (art. l. l do DL 504-G85 de 30/12 e art. 1º do RITI).
Pelo exposto, somos do parecer, que a decisão ora em crise não merece reparo, devendo ser negado provimento ao recurso. “”

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Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.

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B. FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir consistem em saber se a aquisição pelo Recorrente das três viaturas usadas identificadas nos autos devem ser consideradas como aquisições intracomunitárias; se existe dupla tributação; se existe duplicação de colecta e se existe erro de cálculo do IVA liquidado.

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OS FACTOS

Na sentença recorrida foi feito o seguinte julgamento da matéria de facto:

“” Dos elementos dos autos emerge a seguinte factualidade:

1º - O impugnante deu início à actividade de comércio de automóveis em 2ª mão, enquadrada no CAE 50100 em 12/5/97, reportando-a a 1/10/95.
2º - Em 1995 comprou fora de Portugal mas dentro do espaço comunitário os três veículos automóveis que constam da relação de fls. 26, a saber, um Nissan Terrano I declarado em 19/5/95, um VW Golf declarado em 22/5/95, um Ford RS Cosworth declarado em 25/7/95.
3º - As aquisições foram feitas a sujeitos passivos de IVA de outros Estados Membros.
4º - O Golf foi vendido em 5/2/96, o Nissan foi vendido em 1/2/96, o Ford foi vendido em 29/8/95.
5º - A Adquirente das viaturas em Portugal foi a sociedade António e Afonso, Ld.ª, de que o impugnante é sócio.
6º - O impugnante é gerente da referida sociedade e também sócio-gerente do Externato Rumo ao Bom Sucesso, Ld.ª .
7º - Não existiu reclamação nos termos do artigo 84º do Código de Processo Tributário.
8º - O impugnante deduziu reclamação nos termos do art.º 95 do Código de Processo Tributário.
9º - O impugnante foi notificado para pagar as liquidações de IVA constantes de fls. 17 a 20, nos montantes de esc. 829.266$00, 284.540$00, 1.015.133$00, 289.146$00.

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e o facto referido em 6º no depoimento da testemunha José Lima de Almeida.

Não se provaram outros factos, nomeadamente que desconhecesse as consequências legais de reporte da actividade a 1/10/95, porque nenhuma prova nesse sentido foi feita, que quando o impugnante adquiriu os veículos estes se destinavam ao uso pessoal do impugnante e seus familiares, que posteriormente precisou de dinheiro, pelo que vendeu as referidas viaturas, quer porque nenhuma prova convincente nesse sentido foi feita (as testemunhas inquiridas nem sequer conheciam os veículos), quer porque o facto dos veículos terem sido vendidos a uma sociedade comercial de que o impugnante é sócio, acrescido do facto de uma delas ter sido declarada vendida um mês depois da compra, ter convencido o Tribunal de que as referidas viaturas foram compradas com o intuito de serem revendidas. “”

*****

Nos termos do disposto no artigo 712º, n.º 1 al. a) do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos:

10º - As liquidações impugnadas foram efectuadas com base em inspecção tributária feita ao Recorrente, cujo Relatório, de 1997/08/04, e anexos fazem fls. 100 a 116, dando-se todos por reproduzidos;

11º - O Recorrente utilizou o seu NIF como particular na aquisição das viaturas usadas e indicadas no n.º 2º a 4º - fls. 101;

12º - Em virtude de o Recorrente não se encontrar registado em sede de IVA bem como em virtude de o número de viaturas adquiridas indiciar o exercício de uma actividade comercial, foi convidado a regularizar a sua situação fiscal, a que se dispôs de imediato, reportando o início da actividade à data indicada no n.º 1, 1/10/1995 – fls. 101 a 102 e 112 a 115;

13º - Com base nos dados evidenciados na Declaração de Início de Actividade foi o Recorrente enquadrado no regime especial de isenção do 53º do CIVA. Todavia, devido a ter efectuado aquisições intracomunitárias, foi enquadrado pela AF no regime normal – fls. 102;

14º - O Recorrente entregou em 19/5/1997 as Declarações de Rendimentos Modelo 2 referentes aos anos de 1995 e 1996, tendo englobado os rendimentos da categoria C relativos à sua actividade de comércio de automóveis – fls. 105;

15º - O Recorrente registou as suas operações tributárias nos livros previstos no art. 50º do CIVA, atendendo a que não era obrigado a possuir contabilidade organizada, tal como registou tais operações no Livro dos Bens em 2ª Mão, nos termos do artigo 4º, n.º 2 do CIVA – fls. 102;

16º - No Relatório, a fls. 103, lê-se:
“ Por não possuir facturas de compras, embora o contribuinte tenha informado que as aquisições foram feitas a um sujeito passivo de outro Estado Membro. Considerou como valores de aquisição os referidos na Declaração de Veículo Ligeiro (DVL), conforme Anexo 1 folhas 1, 2 e 3.
O sujeito passivo registou também em compras as despesas administrativas (devidamente documentadas) inerentes à legalização das viaturas, seguidamente decompõe-se o montante total das compras registado:
Custo das viaturas …………………………….. 7 027 312$00
Imposto automóvel ……………………………. 3 424 952$00
Despesas registo ……………………………… 201 553$00
Total das despesas declaradas ………………...10 653 817$00” – fls. 103

17º - Os sócios da sociedade António & Afonso – Comércio de Automóveis, Ld.ª, referida no n.º 5º, a quem o Recorrente vendeu as três viaturas, são o Recorrente e o filho, António Lourenço Antão dos Ramos Afonso – fls. 103;

18º - Os recibos relativos às vendas das viaturas são omissos em relação ao IVA devido pelas respectivas vendas, conforme documentos de fls. 109 a 111;

19º - A Fiscalização verificou que o preço de venda das viaturas à dita sociedade inclui o IVA, tal como verificou que para as 1ª e 3ª viaturas se evidencia uma margem de lucro negativa, o que a levou a “” concluir que o preço de venda não inclui IVA por o mesmo não ser devido, uma vez que pelo disposto no art.º 1º do D.L. 504-G/85 de 30.12, o imposto torna-se devido quando a diferença entre o preço de compra e o preço de venda for positiva. “” – fls. 104 e 109 a 112;

20º - No mesmo Relatório lê-se a fls. 104 que “Face aos elementos apurados, através da análise efectuada no ponto anterior, somos levados a concluir, que relativamente às aquisições intracomunitárias de bens não procedeu à liquidação do IVA, infringindo o disposto na alínea a) do art. 1º do RITI.
Donde resultaram os seguintes montantes: IVA B.T.
2º Trimestre de 1995 829.266$00 4.878.036$00 linha 1 e 2 Anexo 3
Wolkswagen Golf 473.180$00 2 783 414$00
Nissan Terrano 356 086$00 2 094 622$00
3º Trimestre de 1995 947.619$00 5 574 228$00 “
Ford Escort 947.619$00 , fls. 104;

21º - No Relatório da Inspecção lê-se ainda, a fls. 104 a 105: “ Do apresentado no final do ponto 4.2.2. deste relatório e relativamente à 2ª viatura do Anexo 3, é devido imposto no montante de 67.514$00 referente ao 3º Trimestre de 1995, resultante ao n.º 2 do art. 1º do D.L. 504-G/85 de 30.12.”

22º - As liquidações de IVA de 284.540$00 e 289.146$00 respeitam a juros compensatórios, conforme liquidações de fls. 17 a 20;

23º - Em sede de IRS não foram feitas correcções porque os valores corrigidos se mostraram inferiores aos valores declarados pelo Recorrente – fls. 105;

24º Das DVL consta o NIF 136198651, que coincide com o que o Recorrente indicou na Declaração de Início de actividade, conforme confronto das DVL de fls. 107 a 108, 61 e Declaração de Início de actividade de fls. 113 a 115.

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C. O Direito

Nos autos estão em causa quatro liquidações, sendo duas adicionais de IVA, nos montantes de 829.266$00 e 1.015.133$00 e duas de juros compensatórios, nos montantes de 284.540$00 e 289.146$00. A de IVA no montante de 1.015.133$00 inclui o IVA pelas aquisições intracomunitárias das três viaturas, no montante total de 947.619$00 e o IVA devido pela venda do Ford Escort, no montante de 67.514$00, cuja impugnação foi julgada improcedente da seguinte forma:

“” 4.1. Nos termos do art.º 13.1 do Código Comercial, são comerciantes as pessoas que tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão.
Provado que está que o impugnante comprou em 1995 três automóveis no estrangeiro e que revendeu em Portugal, a uma sociedade comercial de que é sócio-gerente, tem de se concluir que assumiu a título pessoal a qualidade de comerciante.
Sendo o impugnante comerciante, todas as suas compras e vendas presumem-se comerciais por força do art.º 2º do Código Comercial.
Sendo as suas compras e vendas comerciais, estão sujeitas a IVA nos termos do art.º 1 do CIVA e art.º 1 e 2 do RITI, tendo a inscrição do impugnante com efeitos a 1/10/95 o mero efeito de regularização voluntária de uma situação de facto. O impugnante era à data sujeito passivo de IVA, não tinha era a sua situação legalizada como tal.
4.2. Diz o art.º 1.1. c) do CIVA: “ Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (...) as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias”.
Diz o art.º 1.a) do RITI: “Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (...) as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n.º 1 do art. 2, agindo como tal, registado para efeitos de IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n.º 2 do art. 9 nem os transmita nas condições previstas nos n.ºs 1 e 2 do art. 11 “”
Ou seja: “ Sempre que um sujeito passivo nacional, designadamente um revendedor, adquirir veículos usados a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado membro da União Europeia, deverá proceder à liquidação do imposto devido pela aquisição intracomunitária efectuada, verificado o facto gerador do imposto e cumpridas as regras da exigibilidade” (Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado Anotado e Comentado, Pinto Fernandes, 4ª Ed., pág. 1017).
A compra e venda de automóveis em segunda mão, em princípio, não está sujeita a IVA. Mas se tiverem sido adquiridos por sujeitos passivos do imposto para revenda, como no caso dos autos, então, está sujeita a IVA por força do artº 1.1. do Dec-lei 504-G/85 de 30/12.
Nesta altura vigoravam em Portugal dois sistemas de liquidação de IVA nos veículos importados em segunda mão para revenda, à escolha do contribuinte que cumprisse com as suas obrigações fiscais: o método normal e o método da margem.
No método normal o contribuinte não paga o IVA no país de origem do veículo mas liquida e deduz o IVA à entrada de Portugal pelo valor total que pagou pelo veículo. Quando vende o veículo, volta a liquidar IVA pelo valor total do veículo, que já não volta a deduzir e que será então o montante a entregar ao Estado (artºs 16.1 ª do RITI).
No método da margem o contribuinte não paga o IVA no país de origem, liquida o IVA à entrada de Portugal pelo valor que comprou o veículo, não deduz IVA nenhum. Quando vende o veículo, volta a liquidar IVA, já não pelo valor total do veículo mas pela sua margem da venda e volta a não deduzir IVA. O montante a entregar é então a soma das duas liquidações (artº 16.1.ª do RITI e Dec-lei 504-G/85 de 30/12).
Ou seja: há sempre IVA a pagar, e, em princípio, o montante deve ser igual nos dois sistemas.
Como o impugnante não liquidou qualquer IVA, o que estava obrigado a fazer, como vimos, então está correcto o procedimento da administração fiscal de fazer a liquidação não havendo o direito a dedução que o impugnante invocou.
Improcede pois a impugnação. (...) “”

Do assim decidido discorda agora o Recorrente que pretende ver revogada a sentença recorrida, pelos motivos indicados nas conclusões acima transcritas.
Vejamos se tem razão, sendo certo que se adianta desde já que nos parece que a sentença será de confirmar, até pelos argumentos que seguem.

Nas conclusões 1.a, 2ª e 8ª o Recorrente conclui que não era sujeito passivo de IVA à data da aquisição dos bens e que os adquiriu na qualidade de consumidor final, tendo suportado todos os encargos fiscais exigidos pela legislação do país onde os adquiriu, ou seja pagou o IVA no país de origem dos mesmos, pelo que as liquidações efectuadas pela Administração Fiscal consubstanciam um dupla tributação e violam o estipulado nos art.°s 1. °, 2.° n.º 2), alínea a) e 6.°, n.º 2, alíneas a) e b) ambos do RITI, conjugados com a alínea d), do art.º 2.° do CIVA e que não se verifica qualquer dos requisitos exigidos pelo art. 8.° do RITI para a aquisição das viaturas ser considerada uma aquisição intracomunitária de bens, pelo que não se lhe pode aplicar o regime das aquisições intracomunitárias de bens que a Administração Fiscal aplicou, sendo as liquidações impugnadas ilegais.

Salvo melhor opinião, o Recorrente não tem razão. A partir de 1993, o regime do IVA aplicável às aquisições noutros Estados membros e às subsequentes transmissões no mercado nacional de viaturas usadas passou a resultar da conjugação das regras constantes do RITI (DL 290/92 de 28/12) conjugadas com o disposto no DL 504-G/85, de 31 de Dezembro, ambas referidas na sentença recorrida.
Por outro lado, só com a entrada em vigor do DL 199/96 de 18/10, que aprovou o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades, visando transpor para o ordenamento jurídico interno a Directiva 94/5/CE, de 14/2/1994, de que faz parte integrante o Regime Especial de Tributação dos Bens em Segunda Mão, deixaram de estar sujeitas a IVA as aquisições intracomunitárias de bens em segunda mão, desde que satisfeitas as condições fixadas no artigo 14º, n.º 1 do mesmo regime. Mas, ainda que estivesse já em vigor este regime à data da compra dos veículos, ainda assim o Recorrente teria de pagar o IVA pelas aquisições intracomunitárias porque não provou que pagou o IVA no país de origem dos veículos.

O Recorrente alegou na petição inicial que na situação dos autos não estão reunidos os requisitos do artigo 8º do RITI. Contudo, também não tem razão, salvo melhor opinião. Com efeito, o Recorrente utilizou o seu número de identificação fiscal, como resulta do confronto das DVL com a declaração de início de actividade, não provou que pagou o IVA no Estado de origem e, além disso, deve considerar-se que é um sujeito de IVA nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 2º, n.º 1, al. a) do CIVA e isto ainda que estivesse apenas em causa a compra e venda do Ford Escort que foi vendido cerca de um mês depois da respectiva compra, pois que esta operação estava conexa com a actividade do comércio de automóveis em 2ª mão, cujos proveitos, aliás, foram declarados em sede de IRS.

É que, “” para efeitos de IVA o conceito de sujeito passivo é bastante amplo e delimita-se em função do exercício de actividades económicas, não se estabelecendo uma ligação com o princípio da capacidade contributiva, dado que o que se procura tributar é o acto de consumo final.
E segundo as regras de incidência subjectiva do artigo 2º do CIVA são, além do mais, sujeitos passivos de IVA as pessoas singulares ou colectivas que exerçam com habitualidade uma actividade económica ou que, de modo independente, pratiquem uma só operação, enquadrável numa das actividades referidas no código, sejam ou não estas exercidas no território nacional, ou, ainda, que realizem importações de bens, sendo que, de acordo com as regras do CIVA, se adquire a qualidade de sujeito passivo do imposto pela prática de uma única importação, ou seja, não é necessário aqui o requisito da habitualidade, o sujeito passivo não tem que se dedicar à actividade económica de importação (cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2005, pags 63 e ss), cit. no Acórdão deste tribunal de 27/06/2006, Proc. 908/03.
Ora o que resulta dos autos é que o Recorrente adquiriu os veículos para revenda, tanto mais que um deles, como se vê dos autos, o vendeu logo no mês seguinte à compra e, como tal, não pode deixar de ser considerado sujeito passivo de IVA.

Por outro lado, quanto à alegada dupla tributação, como se disse acima, o Recorrente não provou o pagamento do IVA aquando da compra dos veículos. É certo que juntou aos autos de impugnação os documentos de fls. 13 a 15, todos em alemão e deveria ter junto traduções certificadas para o Português se pretendia fazer prova com eles. Mas, ainda assim, por um lado, não os tinha na sua contabilidade à data da fiscalização ou, pelo menos, não os quis apresentar e, por outro lado, não resulta, pelo menos dos documentos de fls. 14 e 15, que tenha sido liquidado IVA e, quanto ao de fls. 13, que parece ser um duplicado da factura, está o imposto debitado mas o recorrente não fez prova do seu pagamento. Sendo assim, deveria o recorrente ter procedido à liquidação do IVA quando adquiriu os veículos, isto é, deveria ter liquidado o IVA pelas respectivas aquisições intracomunitárias nos termos prescritos na lei. Não o tendo feito, não podia a AF deixar de liquidar o IVA em causa.

Na conclusão 3.a a 5ª, o Recorrente conclui que a Administração Fiscal convidou o Recorrente a regularizar a sua situação fiscal, o que ele fez, desconhecendo as consequências legais daí advenientes, reportou o início da sua actividade a 1/10/95 e entregou o IVA devido ao Estado, pelo que as liquidações efectuadas pela Administração Fiscal são ilegais; que na data da entrega do IVA ao Estado, acima mencionada, liquidou o IVA pelo regime de bens em 2.a mão, previsto no DL 504/G/85, de 31 de Dezembro, em vigor à data e que era lícito aplicar à situação do Recorrente e que a Administração Fiscal, apesar de o Recorrente ter optado pela liquidação do IVA, pelo regime de bens em 2.a mão, previsto no DL 504/G/85, de 31 de Dezembro, liquidou, novamente, o IVA pelo regime normal, o que originou uma duplicação de colecta, violando, assim, o D.L. 504/G/85, de 31 de Dezembro e ainda que além da duplicação de colecta referida na conclusão antecedente, a liquidação efectuada pela Administração Fiscal, enferma de erro de cálculo, por não ter respeitado o direito à dedução a que o Recorrente tinha direito, nos termos do art.º 19.° do RITI, conjugado com os artigos 19.° e 22.°, n.° 1, do CIVA, tendo, assim, sido violadas as referidas normas.

Ora, a este respeito o que se poderá dizer é que da prova produzida nos autos não resulta minimamente que o Recorrente tenha efectuado qualquer pagamento de IVA, quer pela aquisição dos veículos quer pela venda do Ford Escort, sendo certo que lhe cabia fazer essa prova e, não tendo feito essa prova, não está provada nem dupla tributação, nem duplicação de colecta e nem erro de cálculo, pelo que também improcedem tais conclusões.

Quanto à conclusão 6ª, ao contrário do que defende o Recorrente, concordamos com a sentença recorrida, pelo que se diz acima em relação às primeiras duas conclusões, não sendo necessário acrescentar mais nada.

Quanto à 7.a conclusão, o que se pode dizer, aliás repetir, é que não se provou, ao contrário do que o Recorrente defende, que tenha comprado as viaturas para si próprio e para membros do seu agregado familiar, resultando até o contrário da prova produzida, nomeadamente da venda da primeira viatura cerca de um mês depois da compra e do facto de o Recorrente ser sócio gerente, juntamente com seu filho, da sociedade compradora dos veículos.

Deste modo, bem andou o Mmo. Juiz a quo em julgar a impugnação improcedente, pelo que deve a sentença recorrida ser mantida integralmente na ordem jurídica.

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C. A DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da secção de contencioso tributário em negar provimento ao recurso, assim confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente, fixando-se a TJ em três UC.
Lisboa, 2006-07-11

IVONE MARTINS
LUCAS MARTINS
PEREIRA GAMEIRO
Feito por meios mecanográficos, com versos em branco (art.º 138º do CPC).