Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 08345/11 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 02/20/2014 |
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Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
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Descritores: | TELEVISÃO – NOTÍCIA – RIGOR INFORMATIVO |
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Sumário: | i.São actos administrativos os actos praticados pela ERC no domínio das suas atribuições e competências relativas ao controle do rigor informativo e de protecção dos direitos, liberdades e garantias pessoais no âmbito da comunicação social. ii.Os actos que, nessa matéria, exprimem um juízo de censura sobre condutas jornalísticas e ou politicas editoriais não são actos meramente opinativos mas verdadeiros actos sancionatórios, ainda que não apliquem sanções materialmente administrativas ou contra-ordenacionais. iii.O procedimento destinado a apurar se existiu ou não violação do rigor informativo de uma notícia tem natureza administrativa e está subordinado aos princípios da participação procedimental e da audiência prévia. iv.Um jornalista visado numa queixa por violação do princípio do rigor informativo tem o direito a participar no respectivo procedimento. v.A audiência prévia visa a prossecução do interesse público, na medida em que a sua concretização pode evitar a prática de actos ilegais, a satisfação dos interesses dos particulares, que com os seus argumentos e provas podem influenciar o sentido da decisão, a diminuição do risco de erro associado às decisões administrativas, que assim obtêm um maior grau de consensualidade, e a efectivação do princípio democrático da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito. vi.O contencioso administrativo emergente da reforma de 2004 impõe que o juiz conheça de todos os vícios alegados e ainda daqueles que, mesmo não tendo sido alegados, lhe seja lícito conhecer. vii.Em matéria de rigor informativo a ERC tem competência para apreciar as questões que nesse âmbito se suscitem, assim como tem poderes para assegurar o cumprimento dos “critérios de exigência e rigor jornalísticos” por parte dos órgãos de comunicação social. viii.Uma notícia não é produto de uma qualquer ciência exacta mas, outrossim, emanação da expressão psicológica do jornalista, da sua formação, das sua ideologia, do contexto sócio-cultural e profissional que o rodeia, da sua visão das coisas e da posição que ocupa perante a realidade que retrata. ix.No ordenamento jurídico português a difusão noticiosa obedece a padrões prévia e legalmente estabelecidos, entre os quais avulta o rigor e a isenção. x.O rigor significa exactidão ou precisão na descrição da realidade, garantindo que esta não é comunicada de forma vaga, falseada ou distorcida. Por seu turno a exactidão significa informar com correcção e justeza, em estrita observância a deveres de fidelidade. xi.O rigor informativo pressupõe a impermeabilidade do jornalista a emoções ou convicções próprias. E da isenção são inseparáveis atributos pessoais como a imparcialidade e a independência. xii.Não padece de falta de rigor informativo a notícia que se limita a recolher declarações de um parte em confronto com outra cuja audição não é objectivamente possível, se esta audição provocar uma demora na notícia que lhe retira toda a actualidade. xiii.O ónus de prova dos factos que justificam um juízo de censura do Conselho Regulador da ERC por violação do princípio do rigor informativo recai sobre este. xiv.A pretexto do rigor informativo não é possível agredir valores constitucionais fundamentais, designadamente os direitos ao bom nome e reputação. xv.O direito ao bom nome e reputação não é encarado actualmente como um direito subjectivo absoluto que prevaleça sobre o direito da liberdade de expressão e de informação, devendo a eventual colisão entre ambos ser resolvida pela intermediação do princípio da proporcionalidade. xvi.As referências à perda de prestigio, de influência, de imagem, etc., são frequentes e inevitáveis em função da dinâmica da vida em sociedade e não representam um juízo necessariamente negativo nem muito menos uma imputação ofensiva do bom nome e reputação de quem quer que seja. xvii.As opiniões recolhidas e difundidas na notícia e que contendam com bom nome e reputação do visado apenas responsabilizam o seu autor, não legitimando um juízo de ilicitude ou de censura jurídica sobre a pessoa do jornalista. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO JUÍZO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório a) - As partes e o objecto do recurso ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, inconformada com a sentença proferida pelo TAF de Sintra que julgou procedente acção administrativa especial que contra si foi intentada por Lisboa TV - Informação e Multimédia SA, e em consequência anulou a deliberação 7/CONT-TV/2008 do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, adoptada em 14 de Maio de 2008, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações concluiu como segue: 1.ª Os documentos juntos aos autos são bem explícitos quanto ao que verdadeiramente estava em causa no procedimento desencadeado pela queixa do Director da Companhia de Dança de Lisboa contra a SIC Notícias e que era do perfeito conhecimento da Recorrida; 2.ª O ofício referido na alínea o) dos factos assentes, dirigido ao Director da SIC Notícias, é explícito ao referir que a queixa recebida nos serviços da entidade reguladora, tendo por objecto a peça noticiosa relativa ao despejo da Companhia de Dança de Lisboa, emitida no Jornal da Tarde, em 29 de Novembro de 2007, foi apresentada por "alegada falta de rigor informativo"; 3.ª São três as ilações que se podem retirar da leitura deste ofício: (1) a aqui Recorrida é notificada do teor da queixa contra si apresentada; (2) o objecto da queixa é a alegada falta de rigor informativo da reportagem transmitida pela SIC Noticias sobre o despejo da CDL das suas instalações; (3) a Recorrida tem dez dias para contestar a queixa apresentada; 4.ª O próprio cabeçalho da queixa que deu entrada a 13 de Fevereiro de 2008 já era bem explícito quanto ao seu objecto ao referir que a mesma versava sobre: "Dignidade de Pessoas, Rigor Informativo, Sensacionalismo"; 5.ª Na oposição que deduziu a essa queixa a Recorrida não teve dúvidas sobre o que estava em jogo ao dizer que "a reportagem da SIC Notícias é inatacável em lermos de rigor informativo "; 6.ª Frase esta que foi subscrita peio director do serviço de programas SIC Notícias, Dr. António …………., reputado jornalista, que bem compreende o alcance e conteúdo da expressão "rigor informativo"; 7.ª A Recorrida sabia bem que a queixa apresentada dizia respeito, não apenas ao invocado, mas não exercido, direito de resposta, mas igualmente à alegada falta de rigor informativo que inquinava a peça noticiosa em causa por não ter sido ouvido qualquer representante da Companhia de Dança de Lisboa, objecto da reportagem televisiva; 8.ª Como, aliás, decorre do por si admitido em diversos artigos da petição inicial (art.s 14°, 19°e20°); 9.ª Encontra-se, assim, amplamente documentado nos autos o facto de que o procedimento visava, não só o pretendido exercício do direito de resposta do queixoso, mas igualmente a invocada falta de rigor informativo da reportagem transmitida pela SIC Notícias sobre o despejo da Companhia de Dança de Lisboa; 10.ª Incorre, pois, a sentença recorrida em erro sobre a apreciação da matéria de facto quando afirma: "Ora, só pode considerar-se efectiva a participação e defesa dos interessados no procedimento se lhe foi dado inequívoco conhecimento do seu objecto, o que não se verificou no presente caso"; 11.ª O rigor informativo é indissociável da audição de todas as partes com interesses atendíveis ou, como também se usa dizer, da observância do contraditório, e ficou claro, na queixa apresentada, que a mesma foi motivada por não ter sido ouvido, na reportagem, nenhum elemento da Companhia de Dança de Lisboa; 12.ª A própria jornalista que efectuou a reportagem reconheceu não ter sido possível ouvir o visado "como é boa prática do jornalismo"; 13.ª O que reportou por mail ao director do serviço de programas da Recorrida, ainda antes de este se ter pronunciado, afirmando que "...a repor/agem da SIC Notícias é inatacável em termos de rigor informativo "; 14.ª A invocação, na deliberação impugnada, do princípio do inquisitório, constante do art. 56° do CPA, mais não é do que um argumento cautelar que não teve como objectivo, ou consequência, a alteração do objecto do procedimento em curso, como pretende o tribunal a quo; 15.ª Forçoso é concluir, ao contrário do que fez a sentença recorrida, que o procedimento que decorreu da queixa apresentada pelo director da Companhia de Dança de Lisboa tinha também por objecto apreciar o "rigor informativo" subjacente à reportagem e que tal questão foi devidamente apreendida pelos representantes da Recorrida; 16.ª Assim sendo, a sentença recorrida está inquinada por erro na apreciação da matéria de facto, já que não houve qualquer alteração subsequente do objecto do procedimento, o qual, desde o início, incidia sobre os requisitos de exercício do direito de resposta e sobre a invocada falta de rigor informativo da reportagem em causa; 17.ª Por esse motivo, e contrariamente ao que consta da sentença, a Recorrente não estava obrigada, em cumprimento do art. 55° do CPA, a notificar os interessados da alteração do objecto do procedimento já que esta não ocorreu; 18.ª O tribunal a quo - no despacho saneador e na sentença - veio considerar, subscrevendo a tese da Recorrida, que a deliberação impugnada tem natureza sancionatória, entendimento este que não tem qualquer sustentação legal; 19.ª Tal deliberação foi adoptada no quadro das competências legais do Conselho Regulador da ERC, designadamente a prevista no art. 24°, n° 3, al. a) dos seus Estatutos; 20.ª A Recorrente limitou-se a emitir um juízo opinativo com a finalidade de providenciar pela isenção e rigor informativos, jamais podendo tal juízo configurar uma qualquer forma de censura, atentatória da liberdade de imprensa, ou ser equivalente à sanção administrativa de admoestação; 21.ª Acresce que a atribuição de natureza sancionatória a um mero juízo opinativo, emitido pela entidade reguladora no quadro das suas atribuições, viola o disposto no art. 39°, n° 1, al.s a) e e) da CRP, pondo em causa as funções de regulação que àquela estão confiadas; 22.ª No caso dos autos, não chegou sequer a ser emitida uma "recomendação concreta dirigida a um meio de comunicação social individualizada" (art. 63°, n° 2 dos Estatutos da ERC), a qual, ainda que não tendo carácter vinculativo (n° 3 do mesmo artigo), teria de ser obrigatória e gratuitamente divulgada no órgão de comunicação social a que dissesse respeito (art. 65°, n° 2 dos Estatutos da ERC); 23.ª Não se vê, pois, como é que esta intervenção do Conselho Regulador da ERC, que não tem carácter impositivo ou sancionatório, possa ser susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos da aqui Recorrida ou, sequer, de produzir quaisquer efeitos externos; 24.ª A não verificação dos requisitos fixados no art. 51°, n° 1 do CPTA determina a inimpugnabilidade do acto administrativo e acarreta a absolvição da instância, o que deveria ter sido já reconhecido no despacho saneador; 25.ª A deliberação impugnada está bem fundamentada pelo que ficaram claras as razões que levaram o Conselho Regulador a concluir pela não observância de determinadas regras ético-jurídicas, ainda que não possa deixar de ser salientado que se trata do exercício de poderes de regulação, por natureza discricionários, o que significa que o próprio conteúdo da deliberação é insindicável; 26.ª O entendimento de que o exercício pela Recorrente das funções de regulação que lhe estão atribuídas consubstancia um processo sancionatório, para efeitos da aplicação do disposto no art. 32°, n° 10 da CRP, põe em causa a natureza e atribuições da entidade reguladora, tal como resultam do art. 39° da mesma lei fundamental; 27.ª A sentença recorrida enferma de erro sobre a matéria de Direito, quer por atribuir natureza sancionatória a um procedimento que manifestamente a não tem, quer por considerar violado o direito de defesa e audiência, previsto no art. 32°, n° 10 da CRP, esquecendo ainda que a Recorrida teve oportunidade de deduzir a sua defesa conforme entendeu conveniente; 28.ª Como mero acto opinativo, a deliberação impugnada não está sujeita às regras do procedimento administrativo e, consequentemente, não tem de ser previamente comunicada ao interessado para efeitos de audiência prévia, ao abrigo do art. 100° do CPA, como erroneamente concluiu a sentença recorrida que declarou a sua nulidade; 29.ª Qualquer outra interpretação que conduza à instituição de um procedimento administrativo destinado à emissão de um juízo opinativo por parte da entidade reguladora, com a inerente audiência prévia dos destinatários do mesmo, traduzir-se-á na aniquilação dos poderes de regulação que àquela foram conferidos, impedíndo-a de cumprir a sua missão e de levar a cabo as atribuições e objectivos, consagrados na CRP e nos seus Estatutos; 30.ª Tal interpretação seria necessariamente inconstitucional ao pôr em causa a existência de uma entidade administrativa independente com as atribuições previstas no art. 39° da CRP. 31.ª Para além disso, não consubstanciado a deliberação impugnada um acto administrativo, nos termos do preceituado no art. 120° do Código do Procedimento Administrativo, mas antes um juízo opinativo, ao abrigo do disposto dos n°s 2 e 3 do art. 63° dos Estatutos da ERC, e na ausência de disposição legal determinando a aplicação, neste domínio, do artigo 100° do Código do Procedimento Administrativo, não era este último preceito aplicável in casu - pelo que, também por essa via, não era juridicamente exigível a realização de qualquer audiência dos interessados; 32.ª Por força do disposto na conclusão anterior a sentença recorrida violou o art. 100° do Código do Procedimento Administrativo e o disposto nos n°s 2 e 3 do art, 63° dos Estatutos da ERC, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que mantenha a deliberação impugnada; 33.ª A entidade reguladora, na deliberação impugnada, não se pronunciou sobre o comportamento da jornalista (em processo sancionatório), nem a mesma era visada no procedimento administrativo iniciado com a queixa apresentada pelo director da Companhia de Dança de Lisboa; 34.ª É o órgão de comunicação social o responsável pelos conteúdos difundidos e sobre o seu proprietário recai a responsabilidade contra-ordenacional pelos ilícitos cometidos, bem como a responsabilidade civil pelos danos causados, ainda que a peça noticiosa seja elaborada por jornalistas que integrem a redacção; 35.ª Assim sendo, não estando em causa a actuação concreta da jornalista mas apenas o Incumprimento de regras ético-jurídicas exigíveis em sede de rigor informativo que indiciavam o desrespeito do dever resultante do art. 34°, n° 2, ai. b) da Lei da Televisão, só o órgão de comunicação social era visado no procedimento que, como ficou demonstrado, não tinha natureza sancionatória; 36.ª Não sendo visada no procedimento, também não lhe assistia o direito de nele participar, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 100° do CPA; 37.ª O operador televisivo é o responsável directo pela transmissão de uma reportagem que não respeita o rigor informativo, pois é dele que a lei exige a certeza da divulgação "de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção" (art. 34°, n° 2, alínea b) da Lei da Televisão). A recorrida contra-alegou concluindo deste modo: 1.ª A questão central da acção de impugnação e também do presente recurso reside em saber se o acto de censura do Conselho Regulador da ERC é ou não impugnável, e em caso afirmativo, se se reveste de natureza sancionatória; 2.ª Do exame dos factos dados como provados pode concluir-se com segurança que estamos perante um acto que aprecia uma situação concreta e é regulador desta, na medida em que os seus efeitos se repercutem directamente na esfera jurídica dos seus destinatários, a LTV — IM e a Jornalista autora da reportagem, Cristina Neves; 3.ª Na realidade, os efeitos do acto repercutem-se negativamente no "cadastro" da LTV IM e na Carteira Profissional da Jornalista, tendo, a não serem anulados ou declarados nulos, consequências negativas futuras em concursos em que a operadora de televisão venha a participar ou na apreciação do mérito profissional da Jornalista; 4.ª A verificação de que existem efeitos jurídicos porque actuam sobre a esfera jurídica do acto impugnado e porque esses efeitos, por essa via, têm consequências jurídicas futuras ao terem de ser tomados em consideração em futuros concursos da operadora de televisão ou na actividade profissional futura da Jornalista, essa verificação, dizíamos, permite inferir que estamos perante um acto administrativo impugnável e simultaneamente um acto administrativo sancionador; o acto administrativo sancionador resultou de um procedimento destinado a averiguar da existência de infracções e dai retirar consequências, isto é, de um procedimento sancionatório. 5.ª O procedimento sancionatório referido, por sua vez, resulta da convolação de um procedimento de averiguação do eventual incumprimento por parte da LTV — IM do seu dever de cumprir a exigência do direito de resposta formulada a propósito da reportagem do despejo administrativo de que foi alvo, pelo Director da Companhia de Dança de Lisboa; 6.ª 6.Registou-se assim uma alteração ou convolação do procedimento administrativo organizado pela ERC que da averiguação da queixa de uma eventual violação de um direito de resposta passou para um procedimento de averiguação de eventuais infracções éticas e jurídicas aos deveres do estatuto de operadora de televisão LTV — IM e do comportamento profissional da Jornalista Cristina ………., as quais não foram previamente ouvidas, antes da decisão tomada, como requer o art.° 100 do CPA; 7.ª Essa violação do preceito do CPA sobre audiência prévia tem como consequência a nulidade do acto praticado; 8.ª Mas, mais grave ainda, o acto administrativo praticado pelo Conselho Regulador da ERC, objecto da impugnação neste processo, reveste natureza sancionatória, bem como o procedimento que o antecede, e por isso, a não audição dos seus destinatários directos viola frontalmente o disposto no art.° 32, ri.° 10, da Constituição da República, que assegura aos arguidos os direitos de audiência e de defesa; 9.ª Em consequência da não audição prévia da LTV — IM e da Jornalista Cristina Neves e da não notificação das mesmas da existência de um procedimento destinado a averiguar eventuais infracções profissionais cometidas na realização da reportagem e a aplicação de uma sanção de censura, deve o referido acto impugnado ser considerado nulo e de nenhum efeito, por violação do art.° 100, n.° 1 do CPA do art.° 32, n.° 10, da Constituição. Trata-se, com efeito, de uma formalidade essencial para defesa dos destinatários do acto. * b) - Questões a decidir ¾ Saber se a sentença o acto sindicado violou os princípios da participação procedimental e da audiência prévia, ¾ Se padece do vício de violação de lei * 2 – Fundamentação a) - De facto 1) No dia 29 de Novembro de 2007, a Companhia de Dança de Lisboa, foi objecto de um despejo administrativo do Palácio dos Marqueses de Tancos, em Lisboa, por parte da Polícia Municipal do respectivo Município, espaço que o Director da Companhia, José …………….., ocupava como local de trabalho e de residência conjuntamente com alguns bailarinos estrangeiros - Documento n.° 1 junto à petição inicial e admitido por acordo; 2) O despejo da Companhia de Dança de Lisboa, cujas diligências se iniciaram cerca das oito horas da manhã do dia 29 de Novembro de 2007, foi executado em obediência à deliberação nesse sentido adoptada pela Câmara Municipal de Lisboa - Documento n.° 1 junto à petição inicial e admitido por acordo; 3) Quando a jornalista da SIC Notícias, Cristina ……….., chegou ao local o queixoso tinha sido detido por alegada ofensa à integridade física de um agente da Polícia Municipal e, por consequência, se não encontrava já no local - Documento n.° 1 junto à petição inicial e admitido por acordo; 4) A peça sobre o evento foi transmitida no Jornal da Noite do dia 29 de Novembro de 2007 - Documento n.° 1 junto à petição inicial e admitido por acordo; 5) Em 9 de Dezembro de 2007, o Director da Companhia de Dança de Lisboa enviou à SIC Notícias uma mensagem de correio electrónico tendo por assunto "A CDL caluniada pela SIC Notícias - Direito de Resposta" com o seguinte teor: "Na sequência de inúmeros contactos telefónicos, vimos por este meio solicitar que seja concedido o direito de resposta e seja retirado da SIC online o vídeo do Jornal da Tarde de 27.11.07. Em anexo reportagem no Jornal da Tarde da SIC Notícias de 29.11.2007 (em bold, texto SIC, em normal, nossa posição e anexos)" - Documento a fls 18 a 44 do processo administrativo apenso aos autos; 6) Em anexo à mensagem referida na alínea anterior foram juntos diversos depoimentos de companhias de dança e organizadores de eventos, portugueses e estrangeiros, todos elogiando a CDL e os seus espectáculos, bem como um requerimento dirigido ao Vice-Presidente da CML argumentando contra o pretendido despejo - Documento a fls 18 a 44 do processo administrativo apenso aos autos; 7) Não foi dada resposta à mensagem referida na alínea g) - Admitido por acordo; 8) Em 13 de Fevereiro de 2008, foi registada com o n.° 835, a entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de uma "Reclamação" com o seguinte teor: "[…] Reclamação feita por: Dados Pessoais Nome Próprio: José ………. Apelido: ……………. Género: masc Idade: 57 [...] Profissão/Actividade Profissional: Técnico Superior Principal do M. da Cultura Identificação do Órgão de Comunicação Social [...] Televisão/Canal: SIC Notícias [...] Descrição da Queixa Data da Publicação ou emissão: 29.11.07 Título do Programa: Jornal da Tarde Valor em causa: Dignidade_de_Pessoas, Rigor_informativo, Sensacionalismo. Queixa: Na qualidade de Director da Companhia de Dança de Lisboa (CDL), informo o seguinte: Na data acima referida foi a CDL, alvo de um \assalto\ da DM de Cultura da CML que apoiados em argumentos falaciosos despejaram a CDL dos Andares Nobres do PMT, espaço cuja degradação travou e durante 20 anos foi seu espaço de trabalho e Residência para os seus bailarinos estrangeiros e seu Director. Protocolo válido até, pelo menos, 2013. Neste espaço, vivia desde há 30 anos um ocupante ilegal, lixeiro de actividade que a CDL procurava, desde há vinte anos, desalojar tendo proposta para esse fim à CML que o mesmo fosse para um lar de idosos. Tal nunca se veria a concretizar, pese embora a CDL continuasse a alertar os Serviços Camarários para esta preocupante presença. Entretanto, afastado do local o Director da CDL, o representante da CML, dirige a equipe da SIC Notícias e outros órgãos da CS para a residência do idoso, informando tratar-se da Residência da CDL, entretanto um Jornalista de nome Jorge ………., conhecedor da realidade, interpela o referido funcionário da CML e dá a conhecer que esse espaço nada tem a ver com a Companhia. De imediato é o mesmo afastado do local com recurso à PM e convidado a voltar sozinho, no final da visita. A SIC Notícias e O Público, dão espaço a esta tentativa de assassinato de imagem da CDL e do seu Director prestam-se a confundir a opinião pública. De imediato denunciamos esta situação de O Público recebemos convite da sua Direcção para escrevermos um artigo de opinião que foi integralmente publicado a 29.12.07, em anexo. Da SIC Notícias, até hoje, nada obtivemos a não sermos atirados, como bola de ping pong, entre a repórter Cristina ………… e a Direcção. Sem que tivesse havido a mínima preocupação de se dar lugar à reposição da verdade." - Documento a fls 1 e 2 do processo administrativo apenso aos autos; 9) Em 6 de Março de 2008, foi registada com o n.° 1364, a entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de uma mensagem de correio electrónico, do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 5 de Março de 2008, às 12.15, na qual pode ler-se o seguinte: [...] Assunto: Para um melhor esclarecimento do Processo que levou ao despejo e consequente intenção de extinguir a Companhia de Dança de Lisboa Direito de Resposta recusado pela SIC Notícias Exmo. Senhor, Vimos por este meio solicitar a V.Exa. a melhor atenção para a reclamação, sobre o assunto em epígrafe que dirigimos à ERC, utilizando a via do site da ERC, e de que não obtivemos, até ao momento, qualquer resposta. Em anexo artigo de opinião que a Direcção de O Público nos solicitou e publicado em 29.12.07 [...] - Documento a fls. 3 do processo administrativo apenso aos autos; 10) Em 5 de Março de 2008, às 16.33, foi enviada de uma mensagem de correio electrónico do Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Nuno …………….., dirigida ao Director da Companhia de Dança de Lisboa, na qual pode ler-se o seguinte: Exmo. Senhor José ………………., Acuso a recepção do email de V. Exa., na qualidade de Director da Companhia de Dança de Lisboa, relativo à denegação do direito de resposta pela SIC Notícias. Contudo, da reclamação original não constava referência directa de que se tratava de um recurso em sede de direito de resposta. Nem vinha acompanhado de quaisquer anexos. Assim, e para apreciação do seu recurso, dos elementos que V. Exa. remeteu à ERC, por correio electrónico, em 12/02/2008 e em 05/03/2008, constata-se que não constam: a) Cópia do texto de resposta enviado por V. Exa. à SIC Notícias; b) (...) c) (...) [...]- Documento a fls. 14 do processo administrativo apenso aos autos; 11) Em 6 de Março de 2008, foi registada com o n.° 1365, a entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de uma mensagem de correio electrónico, do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 6 de Março de 2008, às 4.29, na qual pode ler-se o seguinte: "[...] Assunto: Para um melhor esclarecimento do Processo que levou ao despejo e consequente intenção de extinguir a Companhia de Dança de Lisboa Direito de Resposta recusado pela SIC Notícias Exmo. Senhor, Em separado reenvio e-mail enviado em 11 de Dezembro de 2007 Director da SIC Notícias. O mesmo não obteve qualquer resposta. Seguiram-se até inícios de Fevereiro sem qualquer resultado, quase diariamente, contactos com a SIC [...]" - Documento a fls. 16 do processo administrativo apenso aos autos; 12) Sobre a reclamação referida na alínea h), foi exarado despacho em 6 de Março de 2008, cujo subscritor não se encontra identificado, como o seguinte teor: "Iniciar processo como direito de resposta depois de, a 5.03.2008, terem sido prestados os esclarecimentos solicitados ao requerente." - Documento a fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos; 13) Pelo ofício n.° 1117/ERC/2008, datado de 11 de Março de 2008, subscrito pelo Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Nuno ………….., enviado por mensagem de correio electrónico, foi solicitado ao Director da Companhia de Dança de Lisboa, o seguinte: Assunto: Reclamação apresentada à ERC em 12 de Fevereiro 2008 Na sequência do reencaminhamento, por V. Exa. da mensagem de correio electrónica que enviou à SIC (datada de 2007), constata-se que, entre os quinze ficheiros em anexo, nenhum parece revestir a natureza de um texto de resposta, nos termos do n.° 3 do artigo 67.° da Lei da Televisão (Lei n.° 27/2007, de 30 de Junho). Solicito a V. Exa. que informe, com a maior brevidade possível, se o texto que pretendeu ver transmitido corresponde a algum dos referidos anexos e, em caso afirmativo, que indique qual. Caso tenha enviado à SIC um texto de resposta e este não corresponda a qualquer dos referidos anexos, solicito a V. Exa. o respectivo envio. [...]" - Documento a fls. 45 e 46 do processo administrativo apenso aos autos; 14) Em 13 de Março de 2008, foi registada com o n.° 1535, a entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, de uma mensagem de correio electrónico, do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 12 de Março de 2008, às 17.31, na qual pode ler-se o seguinte: [...] Assunto: A CDL caluniada pela SIC Notícias - Direito de Resposta Exmo Senhor, Em anexo esboço de vídeo e texto que pretendemos seja exibido com o mesmo tempo da reportagem do jornal da tarde da SIC Notícias de 29.11.2007 e na SIC Online. [...]" - Documento a fls. 47 e 48 do processo administrativo apenso aos autos; 15) Pelo ofício n.° 1403/ERC/2008, datado de 2 de Abril de 2008, subscrito pelo Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Nuno ……………., o Director da SIC Notícias, Dr. António ……………, foi notificado do seguinte: “[…] Assunto: Queixa do Director da Companhia da Dança de Lisboa contra a SIC Notícias Deu entrada na ERC a queixa em anexo, apresentada pelo Director da Companhia de Dança de Lisboa, por alegada falta de rigor informativo (por referência à peça noticiosa relativa ao despejo da Companhia de Dança de Lisboa, emitida no "Jornal da Tarde", em 29 de Novembro de 2008). Ao abrigo do disposto no artigo 56.° dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.° 63/2005, de 8 de Novembro, fica V. Ex.ª notificado do teor da queixa em apreço, assistindo-lhe o direito de apresentar oposição à mesma, no prazo de 10 dias a contar da presente notificação. Nos termos do disposto no artigo n.° 1 do artigo 10.° do referido diploma e no n.° 2 do artigo 71.° do Código do Procedimento Administrativo, solicita-se a V. Exas. o envio de registo audiovisual da peça noticiosa alusiva ao despejo da Companhia de Dança de Lisboa, emitida no "Jornal da Tarde", em 29 de Novembro de 2008. [...]" - Documento a fls 49 a 51 do processo administrativo apenso aos autos; 16) Em anexo ao ofício referido na alínea anterior foi enviado: " - Fotocópia da Queixa do Director da Companhia de Dança de Lisboa, que deu entrada em 13 de Fevereiro de 2008; - Mensagem de correio electrónico do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 5 de Março de 2008, às 12:15; - Mensagem de correio electrónico do Director Executivo da ERC, dirigida ao Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 5 de Março de 2008, às 16:33; - Mensagem de correio electrónico do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 6 de Março de 2008, às 4:29; - Mensagem de correio electrónico do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 6 de Março de 2008, às 4:30; -Fotocópia do Ofício n.° 1117/ERC/2008, de 11 de Março de 2008, enviada por correio electrónico ao Director da Companhia de Dança de Lisboa; - Mensagem de correio electrónico do Director da Companhia de Dança de Lisboa, enviada a 12 de Março de 2008, às 17:31" - Documento a fls 49 a 51 do processo administrativo apenso aos autos; 17) Por ofício datado de 9 de Abril de 2008, dirigido ao Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Nuno ……………, o Director da SIC Notícias, Dr. António ………………, apresentou a seguinte resposta ao ofício referido na alínea anterior: […] Assunto: Queixa do Director da Companhia de Dança de Lisboa contra a SIC Notícias V/ofício 1403/ERC/2008 de 2 de Abril - v/ref. ERC/FEV/08/CONT-TV-1 Exmos. Senhores, Acusamos a recepção do vosso ofício acima mencionado, ao qual passamos a responder. Sobre o assunto, junto remetemos um DVD contendo a reportagem emitida. Sobre a queixa, não nos é possível fazer qualquer comentário minimamente fundamentado, uma vez que a mesma é, praticamente, ininteligível, parecendo apenas decorrer que a questão se passa entre o Director da Companhia de Dança de Lisboa e a Câmara Municipal de Lisboa. De resto, como se pode concluir do visionamento do DVD junto, a reportagem da SIC Notícias é inatacável em termos de rigor informativo. Colocamo-nos, desde já, à disposição para o que V. Exas. entenderem por conveniente e apresentamos os melhores cumprimentos, [...]" - Documento a fls. 52 do processo administrativo apenso aos autos; 18) Pelo ofício n.° 1791/ERC/2008, datado de 21 de Abril de 2008, subscrito pelo Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Nuno …………….., o Director da SIC Notícias, Dr. António ……………, foi convocado, ao "abrigo do artigo 57.° dos Estatutos da ERC, aprovados pela Lei n.° 53/2005, de 8 de Novembro" para "a audiência de conciliação relativa" à "[q]ueixa do Director da Companhia de Dança de Lisboa contra a SIC Notícias - Documento a fls. 60 do processo administrativo apenso aos autos; 19) Em 14 de Maio de 2008, o Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social adoptou a deliberação n.° 7/CONT-TV/2008 com o seguinte teor: Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social Deliberação 7/CONT-TV/2008 Assunto: Queixa do Director da Companhia de Dança de Lisboa contra a SIC Notícias I. Identificação das partes José …………., Director da Companhia de Dança de Lisboa, como Queixoso, e a SIC Notícias, na qualidade de Denunciada. II. Objecto da queixa A queixa tem por objecto o alegado incumprimento de deveres éticos e jurídicos que regem a actividade dos jornalistas, por parte da Denunciada, bem como a alegada denegação, por esta, do direito de resposta do Queixoso. III. Factos apurados 1. No dia 29 de Novembro de 2007, a Companhia de Dança de Lisboa (doravante, CDL) foi objecto de despejo, por parte da Polícia Municipal, do Palácio dos Marqueses de Tancos, sito em Lisboa, espaço que ocupava como local de trabalho e de residência dos bailarinos estrangeiros e do Director. O despejo, cujas diligências se iniciaram às oito da manhã, foi executado por determinação da Câmara Municipal de Lisboa. 2. Diversos órgãos de comunicação social acorreram ao local, entre os quais a SIC Notícias, através da jornalista autora da peça contestada pelo Queixoso. 3. Quando a jornalista chegou ao Palácio dos Marqueses de Tancos, o Queixoso encontrava-se arredado do local, uma vez que havia sido detido por alegada ofensa à integridade física de uma agente da Polícia Municipal. Não foi, assim, possível recolher o seu depoimento. 4. Os jornalistas presentes foram conduzidos por funcionários da autarquia numa "visita guiada" pelo interior do Palácio dos Marqueses de Tancos, durante a qual a SIC Notícias recolheu imagens do imóvel. 5. No próprio dia, a SIC Notícias transmitiu uma reportagem sobre o incidente, no Jornal da Tarde. A peça é introduzida pela seguinte referência: "Sobreviveu ao terramoto de 1755, mas não à gestão de uma companhia que apenas mantinha o nome daquela que em tempos foi uma grande referência cultural na área da dança (...)". 6. Uma pessoa não identificada, mas que se supõe ser representante da autarquia, refere que a CDL, alegadamente, procedia ao subarrendamento do espaço a bailarinos. A jornalista relata que os bailarinos residentes no imóvel viviam em condições degradantes, enquanto o Director da Companhia, também residente no Palácio dos Marqueses de Tancos, dispunha de um quarto com boas condições e vista privilegiada sobre Lisboa e o Tejo. A situação mais grave, refere a jornalista, era a de um guarda, de 78 anos, que também habitava no palácio, em instalações em perigo iminente de incêndio e ruína. Entre os perigos encontrados, é destacado o facto de existirem instalações eléctricas precárias a centímetros de distância de botijas de gás, e que "um incêndio poderia reduzir a cinzas, não só o palácio, como grande parte do bairro da Costa do Castelo". Segundo a jornalista, o Director da CDL nunca permitiu a entrada nas instalações dos funcionários da Câmara Municipal. Segue-se a transmissão de novo excerto da entrevista concedida pelo presumível representante da autarquia, não identificado, o qual refere que o Director da CDL se encontra detido por ter agredido uma agente da Polícia Municipal durante as diligências de despejo. 7. Em 9 de Dezembro de 2007, o Queixoso enviou uma mensagem de correio electrónico, dirigida ao endereço contacto@siconline.pt, tendo por assunto "A CDL caluniada pela SIC Notícias - Direito de Resposta", e com o seguinte teor: "Exmo. Senhor, Na sequência de inúmeros contactos telefónicos, vimos por este meio solicitar que seja concedido direito de resposta e seja retirada da SIC Online o vídeo do Jornal da Tarde de 29.11.07 Em anexo: Reportagem no Jornal da Tarde da SIC Notícias de 29.11.2007 (em bold texto SIC, em normal, nossa posição) e anexos" 8. Em anexo, o Queixoso junta diversos depoimentos de companhias de dança e organizadores de eventos, portugueses e estrangeiros, elogiando a CDL e espectáculos seus, bem como um requerimento dirigido ao Vice-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, argumentando contra o pretendido despejo. Entre os documentos enviados em anexo, nenhum se assemelha, sequer vagamente, a um texto de resposta da autoria do Queixoso. 9. A Denunciada não deu qualquer resposta à solicitação efectuada pelo Queixoso. 10. Após a apresentação da queixa, tendo o Queixoso sido notificado pela ERC da constatada inexistência, entre os documentos submetidos ao processo, de qualquer prova do envio ao operador de televisão de um texto de resposta, não produziu aquele qualquer documento qualificável como texto dessa natureza. IV. Argumentação do Queixoso O Queixoso vem agora sujeitar as alegadas ilegalidades ao escrutínio do Conselho Regulador da ERC, mediante queixa, apresentada nos termos legais, que deu entrada em 13 de Fevereiro de 2008. Alega o seguinte, em súmula: i. O "guarda" referido na reportagem da SIC Notícias, era, na verdade, um ocupante ilegal, sem qualquer ligação à CDL, que se dedicava à recolha de lixo. A CDL procurou, ao longo de 20 anos, que a autarquia lisboeta providenciasse no sentido de ser assegurado outro alojamento ao idoso, eventualmente num lar. O espaço degradado, referido pela jornalista e revelado pelas imagens, corresponde à residência daquela pessoa, pela qual a CDL não tem qualquer responsabilidade; ii. O estado de degradação do Palácio dos Marqueses de Tancos não é imputável à CDL. Esta companhia, aliás, tem sido responsável, ao longo de 20 anos, pela salvação do imóvel, tendo desenvolvido esforços no sentido de travar a sua degradação; iii. A SIC Notícias deu espaço a uma "tentativa de assassinato de imagem da CDL e do seu Director" e confunde a opinião pública; iv. Tendo denunciado a situação junto da SIC Notícias, o Queixoso nada obteve, salvo "ser atirado, como bola de ping pong, entre a repórter Cristina Neves e a Direcção. Sem que tivesse havido a mínima preocupação de se dar lugar à reposição da verdade". V. Oposição da Denunciada Notificado, nos termos legais, para exercer o contraditório, a Denunciada veio dizer o seguinte, em síntese: i. Não é possível fazer qualquer comentário minimamente fundamentado sobre a queixa, uma vez que a mesma é praticamente ininteligível, parecendo tratar-se de uma questão estritamente a resolver entre o Director da Companhia de dança de Lisboa e a Câmara Municipal de Lisboa; ii. A reportagem da SIC Notícias em análise é inatacável do ponto de vista do rigor jornalístico. VI. Normas aplicáveis As normas aplicáveis ao caso vertente são as previstas nos artigos 8.°, n.° 3, 34.°, n.° 2, alínea d), 67.°, n.° 3, 68.°, n.°1, e 93.° da Lei da Televisão (doravante, LTV), aprovada pela Lei n.° 27/2007, de 30 de Julho, no artigo 14.°, n.° 1, alíneas a) e e), do Estatuto do Jornalista (doravante, EstJor), constante da Lei n.° 1/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei n.° 64/2007, de 6 de Novembro, no ponto 1.° do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, aprovado em Assembleia Geral, em 22 de Março de 1993, no artigo 56.° do Código do Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, na versão resultante do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de Janeiro, doravante "CPA"), em conjugação com o disposto nos artigos 8.°, alíneas e) e j), e 24.°, n.° 2, alíneas a) e c), dos Estatutos da ERC (doravante, EstERC), adoptados pela Lei n.° 53/2005, de 8 de Novembro. VII. Análise e fundamentação 1. Dos requisitos procedimentais O Conselho Regulador da ERC é competente, por força do disposto no artigo 93.° da LTV, dos artigos 8.°, alíneas e) e j), e 24.°, n.° 2, alíneas a) e c), dos EstERC. As partes são legítimas. Foram cumpridos os prazos legais. Não há questões prévias a conhecer. 2. Fundamentação 1. Em primeiro lugar, importa verificar que, não obstante as referências, efectuadas na reportagem, claramente susceptíveis de afectar a reputação e bom nome da CDL e do seu Director, decorre dos factos assentes que este último, ora Queixoso, não exerceu o referido direito em termos aptos a vincular, juridicamente, a Denunciada à sua efectivação. Com efeito, o Queixoso não produziu qualquer prova de ter enviado à SIC Notícias um texto de resposta a transmitir pelo serviço de programas, conforme é exigido pelo artigo 67.°, n.° 3, da LTV. 2. Importa recordar que, para um exercício regular e juridicamente eficaz do direito de resposta, não basta a sua invocação expressa, como faz o Queixoso na sua mensagem de correio electrónico datada de 9 de Dezembro de 2007. O texto de resposta cuja difusão se pretende deve ser entregue ao operador de televisão, no prazo de 20 dias a contar da emissão à qual se pretende responder, com assinatura e identificação do seu autor, e através de procedimento que comprove a sua recepção, invocando, expressamente, o direito de resposta ou as competentes disposições legais. 3. A situação presente, de omissão de envio de qualquer texto de resposta, não constitui, sequer, fundamento legítimo de recusa, pelo operador de televisão, de transmissão da resposta, nos termos do artigo 68.°, n.° 1, da LTV. Neste caso, não houve sequer lugar ao exercício do direito, pelo que não se mostra juridicamente censurável o silêncio da Denunciada perante a interpelação do Queixoso. 4. Questão diferente é a do eventual incumprimento, no tocante à reportagem em análise, dos deveres deontológicos que regem a actividade dos jornalistas, em particular das exigências de rigor informativo. Embora o Queixoso não refira, expressamente, a questão, ela surge implícita nos vícios que aponta à peça jornalística em análise. Ademais, mesmo que assim não fosse, o Conselho Regulador da ERC, como órgão administrativo, encontra-se sujeito, na sua actividade instrutória e decisória, ao princípio do inquisitório, resultante do disposto no artigo 56.° do CPA: "Os órgãos administrativos, mesmo que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados, e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse público assim o exigir." 5. No presente caso, há irrefutável interesse público em aferir do respeito, no âmbito da reportagem em crise, pelas exigências do rigor informativo, dada a relevância do valor em causa e tendo em conta a necessidade de providenciar à Denunciada, bem como aos restantes operadores de televisão, parâmetros de actuação dotados de um nível adequado de clareza e operacionalidade. Nos termos do artigo 34.°, n.° 2, alínea d), da LTV, "[c]onstitu[i], nomeadamente, obrigaç[ão] gera[l] de todos os operadores de televisão que explorem serviços de programas televisivos generalistas, de cobertura nacional (...) [a]ssegurar a difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção". O intérprete não deve, por outro lado, ficar preso ao sentido estritamente literal da lei, lá onde esta alude a "operadores de televisão que explorem serviços de programas televisivos generalistas". Com efeito, seria pouco curial considerar que o legislador pretendeu impor tais deveres, em matéria informativa, no tocante a serviços de programas generalistas (definidos nos termos do artigo 8.°, n.° 2, da LTV) e excluir da previsão da norma os serviços de programas temáticos (definidos nos termos do n.° 3 do preceito referido), especializados, justamente, no género informativo, como é o caso da SIC Notícias. A referência a "serviços de programas generalistas" deverá ser objecto de interpretação extensiva: os deveres aplicam-se a estes, bem como aos serviços temáticos, na medida em que tal extensão se revele coerente com a respectiva natureza. No caso dos deveres de pluralismo, rigor e isenção informativa, é manifesto que os mesmos são aplicáveis à SIC Notícias ou a qualquer outro canal temático, caso apresente serviços noticiosos. O cumprimento deste dever pela operadora encontra-se, esse sim, sujeito ao escrutínio do Conselho Regulador da ERC. 6. O título preliminar, importa referir que, em contraste com a notícia, a presença do jornalista no local do acontecimento e o contacto com os protagonistas constituem procedimentos fundamentais na construção da reportagem. Este género jornalístico apresenta uma estrutura organizativa mais flexível e, normalmente, parte de casos concretos para dar a conhecer uma situação ou um fenómeno mais geral. A reportagem televisiva recorre e valoriza, essencialmente, a imagem, componente que de modo mais fácil transmite emoção e afecto. O objectivo é sensibilizar o público e chamar a sua atenção para uma questão ou problema. A reportagem televisiva comporta, assim, duas dimensões: uma empática (a ligação do espectador a um assunto e/ou a um conjunto de personagens); outra de revelação, esclarecimento e contextualização do assunto. Embora a reportagem consubstancie uma abordagem mais personalizada ao objecto, por comparação com a notícia, não deve entender-se, por esse motivo, que se encontram arredadas deste género jornalístico as exigências de rigor informativo. 7. Afigura-se pertinente recordar que o EstJor dispõe, no seu artigo 14.°, n.° 1, alínea a), que constitui dever fundamental do jornalista "[i]nformar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião". No mesmo sentido, estabelece o ponto 1.° do Código Deontológico do Jornalista que "[o] jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público." 8. Ora, como se acha referido supra, do intróito da reportagem consta a seguinte referência: "(...) uma companhia [a CDL] que apenas mantinha o nome daquela que em tempos foi uma grande referência cultural na área da dança (...)". Tal alusão, além de não ter qualquer relação directa com a matéria da reportagem (o despejo da CDL e o estado de degradação do Palácio dos Marqueses de Tancos), não se encontra fundamentada em informação factual que seja transmitida ao longo da peça. Trata-se de uma opinião expressada pela jornalista, que surge "enxertada" no meio de factos, sem a devida demarcação face a estes. Tal promiscuidade entre factos e opinião é, à luz dos princípios jurídicos e deontológicos aplicáveis, claramente reprovável. 9. Em consequência do exposto, entende o Conselho Regulador que a Denunciada deverá distinguir de maneira clara a função informativa e a função opinativa da comunicação social, ambas legítimas, mas que não devem resultar confundidas, como sucede no caso vertente. 10. Além de impor uma separação clara entre factos e opinião, o rigor informativo possui uma relação directa com o equilíbrio e a igualdade de oportunidades, no sentido da adopção, por parte do jornalista, de uma atitude não discriminatória em relação às fontes de informação e aos actores das notícias. Assim, implica, para o jornalista, o dever de audição das partes conflituais e de permitir o contraditório entre as diversas interpretações dos factos, conferindo-lhes igual relevância. Nos termos da alínea e) do n.° 1 do artigo 14.° do EstJor, constitui dever fundamental do jornalista "[p]rocurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem". 11. É certo que, quando a jornalista da SIC Notícias chegou ao local, o queixoso se encontrava ausente do centro dos acontecimentos, dado que havia sido detido pela Polícia Municipal. Contudo, tal não isenta a jornalista do seu dever de procurar diversificar as suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis. Mesmo ignorando o facto, não despiciendo, de ser pouco provável que o Queixoso se mantivesse incontactável durante todo o dia em virtude da detenção (e de o número de telemóvel do Queixoso se encontrar explicitado na página de abertura do website da CDL), a jornalista deveria ter diligenciado no sentido de ouvir o seu representante legal ou outras pessoas ligadas à CDL (designadamente, algum dos bailarinos estrangeiros referidos na reportagem). Na reportagem, não é feita qualquer menção - directa ou indirecta - a tais diligências, exigíveis no quadro de um nível de zelo adequado ao cabal cumprimento das exigências de rigor informativo no caso vertente. Tal como foi difundida, a reportagem peca por fornecer uma perspectiva meramente parcial dos acontecimentos, i.e., aquela que é veiculada pela Câmara Municipal de Lisboa, correspondente à da única pessoa entrevistada, bem como às imagens do interior do imóvel que foram transmitidas, recolhidas tão somente nas alas do palácio que os funcionários camarários entenderam por bem mostrar à comunicação social, no âmbito da "visita guiada" que conduziram. A audição dos interessados revela-se um dever tão mais relevante num caso, como o vertente, em que são efectuadas referências, quer pela jornalista, quer pelo presumível representante da Câmara Municipal de Lisboa, potencialmente lesivas do bom nome e reputação da CDL e do seu Director, independentemente da respectiva veracidade material. 12. Destaca-se, ainda, que a Denunciada não prova, nem tão pouco alega, que tenham sido empreendidos quaisquer esforços no sentido de lograr entrar em contacto com o Queixoso posteriormente à transmissão da reportagem, com o objectivo de colher, ainda que a posteriori, a sua perspectiva dos acontecimentos relatados e das acusações que são dirigidas à sua pessoa e à companhia que dirige. Este nível de diligência ulterior, ainda que não sanasse o desequilíbrio que vicia a reportagem transmitida no "Jornal da Tarde" da SIC Notícias, no dia 29 de Novembro de 2007, teria a virtualidade de atenuar alguns dos danos daí decorrentes para os visados. VIM. Deliberação Tendo apreciado uma queixa do Director da Companhia de Dança de Lisboa contra a SIC Notícias, o Conselho Regulador da ERC delibera, ao abrigo do disposto nos artigos 8.°, alíneas e) e j), e 24.°, n.° 2, alíneas a) e c) dos Estatutos anexos à Lei n.° 53/2005, de 8 de Novembro: 1. Dar por verificado o incumprimento das regras ético-jurídicas exigíveis em sede de rigor informativo e, especificamente, das constantes dos artigos 14°, n.° Io, alínea a), do Estatuto dos Jornalistas, e do ponto 1 do Código Deontológico dos Jornalistas, o que indicia desrespeito, imputável à SIC Notícias, dos deveres resultantes do artigo 34.°, n.° 2, alínea d), da Lei da Televisão; 2. Instar a SIC Notícias a assegurar, doravante, a estrita observância das exigências aplicáveis em sede de rigor informativo. [...]" - Documento n.° 1 junto à petição inicial; t) Pelo ofício n.° 2422/ERC/2008, datado de 23 de Maio de 2008, subscrito pelo Director Executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Dr. Nuno …………, o Director da SIC - Sociedade Independente de Comunicação Social, S.A., Dr. Ricardo ……….., foi notificado da deliberação n.° 7/CONT-TV/2008 do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social - Documento a fls. 73 do processo administrativo apenso aos autos; * b) - De Direito O primeira questão que as conclusões da recorrente suscitam é a de saber se o acto sindicado tem natureza administrativa. A tese da recorrente é de que tal acto é meramente opinativo e produzido no âmbito dos seus poderes de regulação. Os actos administrativos são actos provenientes de um órgão da Administração Pública em sentido orgânico ou subjectivo. De facto, não é concebível a prática de actos administrativos que não sejam provenientes de órgãos da Administração Pública. Questão diferente será a prática de actos materialmente administrativos praticados por entidades privadas que colaboram com a Administração. Não é o caso da recorrente. Os actos administrativos traduzem o exercício do poder administrativo no âmbito de uma actividade administrativa de gestão pública. Distinguem-se, por isso, dos actos políticos, dos actos legislativos e dos actos jurisdicionais, ainda que estes possam ser praticados por órgãos da Administração [cfr. art. 4.º, n.º 1, als. a) e b) ETAF]. Estão nesta última categoria certos actos de entidades reguladoras, que justificam até que às mesmas seja reconhecida competência para o pedido de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia. A ERC é uma pessoa colectiva de direito público, com natureza de entidade administrativa independente, que visa assegurar as funções que lhe foram constitucionalmente atribuídas, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a quaisquer directrizes ou orientações por parte do poder político (art.º 1.º, n.º 2, da Lei n.º 53/2005, de 8 de Novembro). Essa natureza administrativa é reafirmada no art.º 1.º, n.º 1, dos respectivos Estatutos. Compete-lhe assegurar, além do mais, “que a informação fornecida pelos prestadores de serviços de natureza editorial se pauta por critérios de exigência e rigor jornalísticos, efectivando a responsabilidade editorial perante o público em geral dos que se encontram sujeitos à sua jurisdição, caso se mostrem violados os princípios e regras legais aplicáveis” bem assim “assegurar a protecção dos direitos de personalidade individuais sempre que os mesmos estejam em causa no âmbito da prestação de serviços de conteúdos de comunicação social sujeitos à sua regulação” [art.º 7.º. als. d) e f)]. No domínio da comunicação social são, designadamente, atribuições da ERC assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa, garantir o respeito pelos direitos, liberdades e garantias, garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social e assegurar o cumprimento das normas reguladoras das actividades de comunicação social [art.º 8.º, als. a), d), e) e j)]. Ao seu conselho regulador compete, em especial, fazer respeitar os princípios e limites legais aos conteúdos difundidos pelas entidades que prosseguem actividades de comunicação social, designadamente em matéria de rigor informativo e de protecção dos direitos, liberdades e garantias pessoais e apreciar e decidir sobre queixas relativas aos direitos de resposta, de antena e de réplica política [art.º 24.º, n.º 3, als. a) e j)]. Pode dizer-se com toda a segurança que o acto sindicado não é um acto jurisdicional. Não é também um acto político, porque a ERC não tem tal natureza. Muito menos é um acto legislativo e é inconcebível que possa ser visto como um acto de natureza privada. Assim, por exclusão de partes concluiu-se que se trata de um acto administrativo. Em reforço desta conclusão pode dizer-se que ele se enquadra no âmbito das atribuições e competências que a lei confere à ERC e acima indicadas. Por isso, mesmo que se aceite a bondade do argumento de que se trata de um acto opinativo - asserção que apenas se convoca a mero benefício de raciocínio - ainda assim não deixaria de comportar, por força das disposições legais referidas, uma forte componente de censura e de enquadramento da actividade da recorrida. Mas, o seu conteúdo afasta decididamente tal argumento. Com efeito, o que nele se visa é balizar a juridicamente a actividade informativa da recorrida e acima de tudo prescrever-lhe uma orientação em consonância com o quadro jurídico aplicável à parametrização do rigor informativo. Dito por outras palavras, visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (art.º 120.º do CPA). É, pois, um acto administrativo. Resolvida esta questão importa avançar para a segunda, qual seja a do errado enquadramento fáctico dado pela sentença recorrida. Na tese da recorrente o ofício que enviou ao Director da SIC Noticiais é elucidativo quanto à questão essencial em jogo, que se reconduzia à falta de rigor informativo, posto em causa com a queixa do director do CDL. De facto, como salienta a recorrente, o cabeçalho da queixa é expresso em referir “rigor informativo” e foi sob esse prisma que foi enviado o ofício n.° 1403/ERC/2008, de 2 de Abril de 2008, e ao qual, de resto, o Director da SIC Noticias respondeu dizendo que a reportagem era inatacável do ponto de vista do rigor informativo. Portanto, tem razão a recorrente quando diz que a sentença interpretou mal os documentos e a factualidade, o que não quer dizer que tenha fixado erradamente a que seria pertinente; com efeito, ao reproduzir os documentos relevantes a sentença circunscreveu os limites factuais do litígio segundo as perspectivas plausíveis da questão de direito. Não há, por isso, erro de facto mas, eventualmente, um erro de julgamento. Refere a recorrente que “[s]ão três as ilações que se podem retirar da leitura d[o] ofício: (1) a aqui Recorrida é notificada do teor da queixa contra si apresentada; (2) o objecto da queixa é a alegada falta de rigor informativo da reportagem transmitida pela SIC Noticias sobre o despejo da CDL das suas instalações; (3) a Recorrida tem dez dias para contestar a queixa apresentada”. A terceira “ilação” suporta o argumento de que não ocorreu violação do princípio da audiência prévia. Sucede, porém, que este princípio nem sequer se concretiza na mera notificação de uma qualquer queixa apresentada contra o visado e na possibilidade que lhe é dada para a contrariar. Vai mais longe do que isso e impõe que aquele que vai ser objecto de uma decisão se possa pronunciar, quanto a esta, no procedimento. Dito de outro modo, a comunicação de que foi iniciado um procedimento administrativo contra alguém a impulso de um qualquer interessado apenas tem por objectivo conceder ao primeiro a hipótese de se defender perante uma participação, denúncia ou queixa que pode não corresponder à verdade, total ou parcialmente, ou cujos factos podem conduzir a um resultado diferente do perspectivado pelo participante, denunciante ou queixoso. Isto é, tem apenas por finalidade efectivar o direito de participação procedimental. Tal comunicação não esgota por isso o princípio da audiência prévia, que tal como está estruturado na nossa ordem jurídica, visa sobretudo permitir ao administrado influenciar em sentido positivo e a seu favor a decisão final do procedimento (1). Daí que a lei imponha que a notificação para audiência prévia seja acompanhada de um projecto de decisão ou mencionando os aspectos relevantes a ser considerados nesta (cfr. art.º 101.º, n.º 2, do CPA), imposição que se baseia no princípio jurídico audi alteram pars e cujos pressupostos são (i) a prossecução do interesse público, na medida em que a sua concretização pode evitar a prática de actos ilegais, (ii) a satisfação dos interesses dos particulares, que com os seus argumentos e provas podem influenciar o sentido da decisão, (iii) a diminuição do risco de erro associado às decisões administrativas, que assim obtêm um maior grau de consensualidade e (iv) a efectivação do princípio democrático da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito. Por outro lado a notificação do projecto de decisão assegura outras vantagens procedimentais, designadamente a economia e a eficácia, já que é sempre mais difícil obter a revogação ou anulação contenciosa de um acto administrativo ilegal depois de praticado do que impedir a sua prática. Ora, no caso em apreço a recorrente não notificou a recorrida de qualquer projecto de decisão, apenas lhe permitiu que esta se pronunciasse sobre os argumentos do queixoso no início do procedimento. Cumpriu assim o princípio da participação procedimental (art.os 267.º, n.º 4, da CRP e 55.º, n.º 1, do CPA) que lhe era imposto mas não observou o princípio da audiência prévia antes da decisão final, que não é subtraído das suas vinculações por se tratar de uma entidade reguladora independente. A constatação de que não foi observado o princípio da audiência prévia - que de resto se poderia estender e até por maioria de razão à jornalista visada na decisão, a quem nem sequer foi concedido o status activus processualis (2) - possibilita afirmar que a sentença recorrida fez correcto enquadramento jurídico-factual do princípio da audiência prévia no caso concreto e da consequência que daí extraiu: que tratando-se de um direito fundamental o vício resultante da sua inobservância fulminava o acto impugnado de irreparável nulidade. Acrescenta-se ainda que ao contrário do sustentado pela entidade recorrente, à jornalista Cristina ………… não podia deixar de ser assegurada a sua participação no procedimento: sendo-lhe imputada a violação de deveres estatutários e deontológicos, tanto bastava para que o seu direito de defesa perante essa imputação devesse ter sido concretizado com a sua chamada ao procedimento (3). Apenas não se acompanha a sentença numa outra consequência que retirou: de que não se justificava apurar as demais causas de invalidade do acto sindicado. Com efeitos, desde a reforma do contencioso administrativo de 2004 que o juiz não deve quedar o seu poder de investigação sobre as ilegalidades que determinem, segundo um juízo de coerência e conveniência, a ilegalidade do acto. Pelo contrário, deve ir mais além nessa indagação, discutindo as outras causas de invalidade arguidas e mesmo investigando causas de invalidade não alegadas (4). Este poder-dever inquisitório no domínio da legalidade, patente no art.º 95.º, n.º 2, do CPTA, é portanto bem diferente daquele que assistia de forma muito contida ao juiz administrativo no domínio da LPTA, exclusivamente voltada para julgado anulatório e assente numa perspectiva de absoluta separação entre a actividade jurisdicional e administrativa e nos princípios do dispositivo e da substanciação como elementos estruturais do contencioso administrativo. Ora, quanto aos demais vícios alegados na p.i. da recorrida é patente que um dos vícios formais elencados - a violação do direito de participação no procedimento - não se verifica em relação à recorrida. Na verdade, esta foi notificada da existência do procedimento e com o enfoque que veio a ser acolhido na decisão final: a questionada falta de rigor informativo. É claro, porém, que tal vício se verifica em relação à jornalista Cristina ……., a quem não foi dada qualquer oportunidade de defesa ou participação procedimental e que obviamente é afectada pela deliberação. É certo que ela não é parte activa no processo, o que poderia conduzir a um raciocínio de irrelevância desse vício, por ausência de arguição por banda de quem tem legitimidade adjectiva para o invocar. No entanto, tendo presente que a falta de participação procedimental consubstancia a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental constitucionalmente protegido no art.º 32.º, n.º 10, da C.R.P., e densificado no art.º 133.º, n.º 2, al. d), do CPA, geradora de nulidade, sendo a mesma de conhecimento oficioso e podendo ser declarada pelo próprio autor do acto (art.º 135.º, n.º 2, do CPA), a ausência processual da jornalista não impede a constatação desse vício em relação à deliberação impugnada. O outro vício alegado é o de violação de lei por a deliberação ter concluído pela falta de rigor informativo. Domina no ordenamento jurídico português um princípio aplicável a todos os jornalistas e operadores de comunicação social: o da difusão noticiosa ser feita segundo padrões previamente estabelecidos, entre os quais avulta o rigor e a isenção (5). O rigor significa exactidão ou precisão na descrição da realidade, garantindo que esta não é comunicada de forma vaga, falseada ou distorcida. Por seu turno a exactidão significa informar com correcção e justeza, em estrita observância a deveres de fidelidade. O rigor informativo implica um elevado grau de objectividade, isto é, de impermeabilidade do jornalista a emoções ou convicções próprias. E da isenção são inseparáveis atributos pessoais como a imparcialidade e a independência (6). O rigor informativo traduz-se assim numa verdadeira orientação que aponta a actividade jornalística no sentido da objectividade e credibilidade da notícia; já a isenção, requerendo afastamento psicológico dos factos a noticiar, pressupõe integridade pessoal no relato dos acontecimentos. Claro está que ambos os princípios devem procurar ser densificados na procura de variadas fontes de informação, que permitam testar a veracidade da notícia, na audição dos diferentes pontos de vista e numa descrição tendencialmente enxuta de quaisquer considerações ou convicções pessoais do jornalista. Mas serão certamente poucas as situações em que o jornalista, pressionado pelo imediatismo da notícia, pode efectivamente concretizar em simultâneo estes três vectores. Há um limite que todavia não pode ser ultrapassado: a pretexto do rigor informativo não é possível agredir valores constitucionais fundamentais, designadamente os direitos ao bom nome e reputação (7), que o direito civil e penal regulam e protegem (artigos 70.º e 484.º do Código Civil e 180.º a 183.º do Código Penal). Em matéria de rigor informativo a ERC tem, inegavelmente, competência para apreciar questões que nesse âmbito se suscitem (8), assim como tem poderes para assegurar o cumprimento de “critérios de exigência e rigor jornalísticos” [art.º 7.º, al. d), dos Estatutos] por parte dos órgãos de comunicação social. Delimitado o campo jurídico onde nos podemos movimentar, urge voltar a atenção para o caso concreto e responder à seguinte pergunta: padece de falta de rigor informativo a peça jornalística de televisão em causa, por alegadamente ter confundido a função informativa e a função opinativa da comunicação social e ter ignorado umas das partes em conflito? Vejamos. Uma notícia não é produto de uma qualquer ciência exacta mas, outrossim, emanação da expressão psicológica do jornalista, da sua formação, das sua ideologia, do contexto sócio-cultural e profissional que o rodeia, da sua visão das coisas e da posição que ocupa perante a realidade que retrata. Diferentes perspectivas, mesmo de índole espácio-temporal, têm incidências relevantes no modo como a realidade é encarada e descrita. Por isso a notícia é um resultado multifacetado, que congrega contributos de vária ordem que moldam o seu próprio conteúdo. Pierre Bordieu tem por isso razão quando afirma: “Journalists have special "glasses" through which they see certain things and not others, and through which they see the things they see in the special way they see them”(9). A hierarquia de valores que domina a notícia impõe que esta seja actual e imediata, sobretudo em televisão, para que suscite o interesse do público, ao fim e ao cabo o seu destinatário e a sua razão de ser. Mas como nem todos os acontecimento geram noticias ou são susceptíveis de ter utilidade nessa perspectiva, para que um facto se converta em notícia ele deve ser actual e próximo, gerar curiosidade e despertar o conflito e ou comoção, ter protagonistas e ser susceptível de produzir consequências. Nesta ordem de ideias já se vê que a reportagem sobre o despejo da CDL do Palácio dos Marqueses de Tancos não se compadecia com a demora que a audição do seu director, alegadamente detido, iria provocar: quando a notícia fosse difundida seria muito possivelmente uma não notícia, visto que o (reduzido) impacto social que já de si poderia provocar seria muito afectado pela dilação temporal entre a ocorrência do evento e o momento da difusão noticiosa. Note-se que os factos em causa não constituem, seguramente, um assunto de relevante interesse social geral. Considera-se, por isso, que no caso concreto a não audição do Director da CDL se justificou perante as circunstâncias que rodearam o trabalho jornalístico. No entanto sustenta-se na deliberação em apreço que não foi provada qualquer tentativa de o ouvir e que a peça apenas veiculou uma das teses em confronto, não dando expressão às razões da CDL. No que concerne a este último aspecto relembra-se que rigor informativo significa uma descrição exacta ou precisa da realidade. Ao retratar um acontecimento social o jornalista pode limitar-se a descrevê-lo ou simplesmente transmiti-lo tal qual ele se desenrola. Essa transmissão, muito comum em televisão, por vezes prescinde de declarações circunstanciais e outras vezes não. O que não quer dizer que mesmo nos casos em que não há intenção de as colher elas não acabem incorporadas na peça. Exemplo disso são os “no comment” da Euronews, que apesar de não expressarem qualquer posição particular do jornalista ou da Estação ainda assim são susceptíveis de conter opiniões ou ideias avulsas dos intervenientes nos factos transmitidos, que podem traduzir uma perspectiva parcial dos acontecimentos. Deste modo, levada à letra a posição assumida na deliberação, tal significaria que mesmo nestes casos - em que o repórter/jornalista se limita a ser os “olhos do mundo” - teria de ser concretizada a audição das eventuais opiniões opostas, o que nos parece claramente excessivo e situado fora do contexto do rigor informativo. No caso vertente a falta de audição do Director da CDL ou de alguém ligado à mesma e a recolha de declarações de pessoas ligadas à CML não quebra o rigor informativo: a jornalista limitou-se a retratar a realidade que naquele momento lhe era oferecida. Se as opiniões expressas são de molde a por em causa o bom nome da CDL, se não correspondem inteiramente à realidade ou se são falsas, isso é algo que vai para além do crivo do jornalista, certamente incapaz de avaliar o grau de veracidade das declarações que recolhe; podem até justificar um juízo de ilicitude ou de censura jurídico-penal sobre os respectivos autores mas não legitimam que esse mesmo juízo seja projectado para a esfera pessoal do jornalista. É certo que no plano da idealidade a tais declarações deveriam ser contrapostos diferentes pontos de vista. Mas, insiste-se, isso não significa necessariamente que a falta dos mesmos seja equivalente à falta de rigor informativo. Quanto à alegada falta de prova de tentativa para ouvir o Director da CDL, salvo o devido tal afirmação parte de uma inaceitável inversão do ónus de prova para extrair uma ilação factual que é fundamental para a imputação que é feita à recorrida: a de que não tentou ouvir sequer o Director da CDL. E contudo não deixa de ser isso mesmo, isto é, não passa de uma ilação que não prova o facto correspondente que deveria estar apoiado numa recolha sólida de provas nos termos impostos pelo art.º 87.º, n.º 1, do CPA, que permitissem afirmar que a recorrida não tentou ouvir o queixoso, não bastando afirmar que “na reportagem, não é feita qualquer menção - directa ou indirecta - a tais diligências, exigíveis no quadro de um nível de zelo adequado ao cabal cumprimento das exigências de rigor informativo no caso vertente”, porque se confunde a falta de menção a tal diligência com a não realização desta, que não está provado se efectivamente não ocorreu. Como assim, tal imputação não pode deixar de merecer censura jurídica, visto que o procedimento em causa, tendo natureza abstractamente sancionatória, não pode ser alheio aos mesmos princípios que dominam os procedimentos desta natureza, designadamente o princípio de que compete ao órgão instrutor alegar e provar a culpa do infractor (cfr. art.º 32.º, n.º 10, da CRP e 88.º, n.º 1, do CPA). Aliás, a própria deliberação não deixa de reconhecer que as referências feitas pela jornalista e pelo “presumível representante da Câmara Municipal de Lisboa” sendo “potencialmente lesivas do bom nome e reputação da CDL e do seu Director” podem beneficiar de “veracidade material”. Ora, se assim é, ou seja, se podem corresponder à realidade, então é temerário falar em ofensa ao bom nome e reputação já que tal ofensa pressupõe a narração de factos desconformes com a verdade material. De resto, deve hoje considerar-se ultrapassada a concepção que encarava o direito da personalidade ao bom nome e reputação como um direito subjectivo absoluto, prevalecente sobre o direito da liberdade de expressão e de informação. Pelo contrário, é ponto assente que aquele direito - que não é absoluto - deve conviver em harmonia com este em situação de equilíbrio ditado pela aplicação do princípio da proporcionalidade, que se situa entre a relevância da notícia e o uso adequado do meio de modo a afectar, o menos possível, o bom nome e a reputação (10). Não se afigura, pois, que haja falta de rigor informativo na notícia em causa. Eventualmente poder-se-á aceitar que a mesma não é totalmente isenta, como de resto o reconhece a deliberação que refere que “a reportagem peca por fornecer uma perspectiva meramente parcial dos acontecimentos, i.e., aquela que é veiculada pela Câmara Municipal de Lisboa, correspondente à da única pessoa entrevistada, bem como às imagens do interior do imóvel que foram transmitidas, recolhidas tão somente nas alas do palácio que os funcionários camarários entenderam por bem mostrar à comunicação social, no âmbito da "visita guiada" que conduziram”. O que nos leva a observar que uma de duas: ou os órgãos de comunicação social acediam aos locais disponibilizados pela CML e era feita reportagem, como sucedeu, ou não acediam, e não teria havido reportagem ou pelo menos a reportagem ficava amputada das imagens indispensáveis. Quanto à alusão da jornalista de que a CDL “apenas mantinha o nome daquela que em tempos foi uma grande referência cultural na área da dança”, não nos parece também que tenha a carga pejorativa que a deliberação lhe pretende emprestar. A frase, decomposta, apenas permite extrair duas conclusões: que antes existia “uma grande referência cultural na área da dança”. Que a actualmente [à data] a CDL apenas mantinha o nome, ficando a faltar alusão à “grande referência cultural na área da dança”. Mas isso é suficiente para se entender que o bom nome e reputação da CDL foram agredidos? Seguramente que não. Situações idênticas, relacionadas com perdas de prestigio, de influência, de imagem, etc., são frequentes e inevitáveis em função da dinâmica da vida em sociedade. Não representam um juízo necessariamente negativo nem muito menos uma imputação ofensiva do bom nome e reputação de quem quer que seja. Por conseguinte, se é certo que a menção que foi feita pela jornalista era dispensável, também não é menos verdade que não é merecedora da censura que a recorrente emitiu a seu respeito, por não terem sido ultrapassados os limites de uma adequada ponderação dos interesses em causa. Para terminar resta apreciar algumas questões secundárias que a recorrente suscita nas suas conclusões. À afirmação de que o procedimento não tinha natureza sancionatória já se adiantaram argumentos em sentido contrário; acrescentar-se-á apenas que comungando nós da perspectiva da sanção defendida por Oliveira Ascensão (11), basta a possibilidade de ser emitido um juízo de censura para que o procedimento tenha essa natureza, não sendo pois um mero juízo opinativo aquele que o Conselho Regulador da recorrente emitiu. Ao contrário do que argumenta a recorrente esse juízo é lesivo na medida em que veicula uma opinião negativa da recorrida, que pode em abstracto (e é só o que basta) causar danos na sua imagem. Daí também que os efeitos que o procedimento em causa visa produzir (e produziu) não são incompatíveis com o quadro legal que disciplina a natureza e atribuições da entidade recorrente. E é patente que a prévia audiência prévia dos interessados não traduz qualquer “aniquilação dos poderes de regulação que” à recorrente “foram conferidos”, nem a impede “de cumprir a sua missão e de levar a cabo as atribuições e objectivos, consagrados na CRP e nos seus Estatutos”, não sendo, obviamente, inconstitucional. À recorrente não pode deixar de lembrar-se que os princípios da participação e da audiência prévia são, por imposição constitucional, transversais a todo e qualquer procedimento administrativo, sendo indubitável que o procedimento em causa tem essa natureza, ainda que o órgão instrutor pertença a uma entidade reguladora, pois como justamente refere Rui Machete as funções que entidades desta natureza exercem “não podem ser consideradas isoladamente, mas inseridas num sistema jurídico concreto”(12). Donde o acto ser efectivamente impugnável, tendo em atenção, desde logo, o princípio que a lei fundamental consagra no seu art.º 268.º, n.º 4. Não se antolha que relação possa existir entre a boa e cabal fundamentação e a insindicabilidade do acto; mesmo uma fundamentação exaustiva pode merecer a discordância do destinatário e justificar a sua impugnação. A factualidade dada como provada desmente a afirmação de que “a deliberação impugnada, não se pronunciou sobre o comportamento da jornalista (em processo sancionatório), nem a mesma era visada no procedimento administrativo iniciado com a queixa apresentada pelo director da Companhia de Dança de Lisboa”, pelo que efectivamente esteve “em causa a actuação concreta da jornalista”. Sumariando, para concluir: i São actos administrativos os actos praticados pela ERC no domínio das suas atribuições e competências relativas ao controle do rigor informativo e de protecção dos direitos, liberdades e garantias pessoais no âmbito da comunicação social. ii Os actos que, nessa matéria, exprimem um juízo de censura sobre condutas jornalísticas e ou politicas editoriais não são actos meramente opinativos mas verdadeiros actos sancionatórios, ainda que não apliquem sanções materialmente administrativas ou contra-ordenacionais. iii O procedimento destinado a apurar se existiu ou não violação do rigor informativo de uma notícia tem natureza administrativa e está subordinado aos princípios da participação procedimental e da audiência prévia. iv Um jornalista visado numa queixa por violação do princípio do rigor informativo tem o direito a participar no respectivo procedimento. v A audiência prévia visa a prossecução do interesse público, na medida em que a sua concretização pode evitar a prática de actos ilegais, a satisfação dos interesses dos particulares, que com os seus argumentos e provas podem influenciar o sentido da decisão, a diminuição do risco de erro associado às decisões administrativas, que assim obtêm um maior grau de consensualidade, e a efectivação do princípio democrático da participação dos cidadãos nas decisões que lhes digam respeito. vi O contencioso administrativo emergente da reforma de 2004 impõe que o juiz conheça de todos os vícios alegados e ainda daqueles que, mesmo não tendo sido alegados, lhe seja lícito conhecer. vii Em matéria de rigor informativo a ERC tem competência para apreciar as questões que nesse âmbito se suscitem, assim como tem poderes para assegurar o cumprimento dos “critérios de exigência e rigor jornalísticos” por parte dos órgãos de comunicação social. viii Uma notícia não é produto de uma qualquer ciência exacta mas, outrossim, emanação da expressão psicológica do jornalista, da sua formação, das sua ideologia, do contexto sócio-cultural e profissional que o rodeia, da sua visão das coisas e da posição que ocupa perante a realidade que retrata. ix No ordenamento jurídico português a difusão noticiosa obedece a padrões prévia e legalmente estabelecidos, entre os quais avulta o rigor e a isenção. x O rigor significa exactidão ou precisão na descrição da realidade, garantindo que esta não é comunicada de forma vaga, falseada ou distorcida. Por seu turno a exactidão significa informar com correcção e justeza, em estrita observância a deveres de fidelidade. xi O rigor informativo pressupõe a impermeabilidade do jornalista a emoções ou convicções próprias. E da isenção são inseparáveis atributos pessoais como a imparcialidade e a independência. xii Não padece de falta de rigor informativo a notícia que se limita a recolher declarações de um parte em confronto com outra cuja audição não é objectivamente possível, se esta audição provocar uma demora na notícia que lhe retira toda a actualidade. xiii O ónus de prova dos factos que justificam um juízo de censura do Conselho Regulador da ERC por violação do princípio do rigor informativo recai sobre este. xiv A pretexto do rigor informativo não é possível agredir valores constitucionais fundamentais, designadamente os direitos ao bom nome e reputação. xv O direito ao bom nome e reputação não é encarado actualmente como um direito subjectivo absoluto que prevaleça sobre o direito da liberdade de expressão e de informação, devendo a eventual colisão entre ambos ser resolvida pela intermediação do princípio da proporcionalidade. xvi As referências à perda de prestigio, de influência, de imagem, etc., são frequentes e inevitáveis em função da dinâmica da vida em sociedade e não representam um juízo necessariamente negativo nem muito menos uma imputação ofensiva do bom nome e reputação de quem quer que seja. xvii As opiniões recolhidas e difundidas na notícia e que contendam com bom nome e reputação do visado apenas responsabilizam o seu autor, não legitimando um juízo de ilicitude ou de censura jurídica sobre a pessoa do jornalista. Concluindo, é de confirmar a sentença recorrida, com a fundamentação exarada no presente acórdão. * 3 - Dispositivo: Em face de todo o exposto acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida com a presente fundamentação. Custas pela recorrente. D.n. Lisboa, 2014-02-20 ________________________________________ (Benjamim Barbosa) ______________________________________________ (Sofia David) _____________________________________________ (Carlos Araújo) |