Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 03658/08 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 02/23/2012 |
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Relator: | TERESA DE SOUSA |
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Descritores: | ACÇÃO DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DE ACTO DEVIDO NULIDADE DE SENTENÇA PROCESSO DISCIPLINAR DIREITO DE ACOMPANHAMENTO DE ADVOGADO RD/GNR |
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Sumário: | I - Aos presentes autos da acção administrativa especial é aplicável o CPTA, nomeadamente, o disposto nos seus arts. 66º, nºs 1 e 2 e 71º, nº 1 e, subsidiariamente, o CPC (cfr. art. 1º do CPTA), e não o CPP, pelo que à decisão recorrida nunca seria aplicável o disposto no art. 283º, nºs 2 e 3 do CPP, por força do art. 7º do RD/GNR, que dispõe sobre a acusação do Ministério Público; II - Não tinha o acórdão em recurso de dar como provados e não provados factos constitutivos ou não de infracção disciplinar, mas apenas aqueles factos, que resultando do processo disciplinar ou de outros documentos, lhe permitiam apreciar e decidir da pretensão do ora recorrente. Ou seja, se a decisão em processo disciplinar de ser vedado ao recorrente e às testemunhas o direito de se fazerem acompanhar por advogado perante o instrutor era ou não inconstitucional e se perante os elementos existentes no processo era ou não de condenar a entidade demandada a deduzir acusação disciplinar; III - O direito de acompanhamento de advogado em sede de processo disciplinar é integrado na garantia de audiência e defesa do arguido. Tendo o processo disciplinar natureza secreta, e até à dedução da acusação, apenas ao arguido é facultada a possibilidade de constituir advogado, como prevê o art. 74º do RD/GNR. Tal direito não é reconhecido ao queixoso, já que não está em causa a sua defesa; IV - Em processo disciplinar, tal como no sucede no processo penal, a punição tem que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infracção pelo arguido, vigorando em caso contrário o princípio da presunção da inocência do arguido e do princípio “in dúbio pro reo”; V - Mas se o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, o certo é que a administração goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo ao controlo judicial, em matéria probatória, os casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva, conforme é jurisprudência dominante, quer do STA, quer deste TCA. VI - No presente caso, a conjugação dos vários depoimentos existentes no processo disciplinar não são suficientes para legitimar uma convicção suficientemente segura, por parte do titular do poder disciplinar, da prática pelo contra-interessado, ali arguido, dos factos que lhe são imputados pelo ora recorrente. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul Vem interposto recurso do acórdão do TAF de Sintra que julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo. Em alegações são formuladas as seguintes conclusões: = A = Vem o presente recurso interposto do acórdão que julgou a presente acção administrativa especial totalmente improcedente, absolvendo, dessa forma, a entidade demandada do pedido e, consequentemente, o contra-interessado Albano …………, Tenente-Coronel da Guarda Nacional Republicana. = B = O acórdão recorrido não alude, nem mesmo sumariamente, à factualidade dada como indiciada, ou não indiciada, referindo-se, tão só, à conclusão a que chegou da prova que analisou, mas sem dar por assente qualquer facto, nem mesmo por remissão para os autos de processo disciplinar. = C = O acórdão recorrido violou os n.º s 2 e 3, do art.º 283.º, do CPP, aplicável, in casu, por força do art.º 7.º do RD/GNR, o que determina a sua nulidade, cognoscível em sede de recurso, nos termos do estatuído no art.º 283.º, n.º 3, al. b), do CPP. Logo, salvo melhor opinião, e com a vénia que é devida, o acórdão ora posto em crise deve ser anulado e mandado substituir por outro que descreva a matéria fáctica dos autos dada como indiciada, bem assim, toda aquela dada como não indiciada. = D = As decisões judiciais são fundamentadas (art.ºs 374.º, n.º 2, 97.º, n.º 4 do CPP e 202.º da CRP), o que não ocorreu no caso subjudice, não se tendo tido em conta que o elenco dos factos indiciados nos presentes autos encerram uma dinâmica precisa, dispersa por vários acontecimentos que não colidem entre si, antes se compatibilizam, obedecendo a uma inescapável lógica, que deverá vir exposta na fundamentação, a qual será englobante de factos relevantes para a decisão da causa em segmento estruturante da decisão. = E = Da decisão recorrida restam sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o Tribunal a quo se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar. = F = Deste modo, padece o acórdão recorrido de nulidade, por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia quanto a questões de que deveria obrigatoriamente ter tomado conhecimento, o que determina a declaração da sua invalidade e a sua substituição por outro que se pronuncie sobre todas as questões suscitadas, com respeito pelo correlativo dever de fundamentação de que se devem revestir todas as decisões judiciais. = G = No caso do acórdão recorrido, as regras da experiência sofreram atropelo, sendo aquele completamente adverso à prova existente nos autos, violando-se assim o art.º 127.º do CPP. O Tribunal a quo esmaga a prova e a correlação entre os factos e os depoimentos prestados, com vista à absolvição da entidade demandada e, consequentemente, à absolvição de uma alta patente da Guarda Nacional Republicana. = H = O despacho recorrido violou, além dos normativos legais supra-indicados, os princípios da legalidade, da tipicidade, da dignidade da pessoa humana, do estado de direito democrático, da igualdade, da necessidade da pena e da proporcionalidade, sendo, por tal via, inconstitucional, o que, também aqui, se invoca. = I = O direito do cidadão a fazer-se acompanhar por advogado era, e é, assegurado pela aplicação imediata do n.º 2 do art.º 20.º da CRP. Logo, o acórdão recorrido, também nesta parte, viola de forma clara e frontal a Lei Fundamental da República, o que origina uma inconstitucionalidade que, desde já, se argui para todos os efeitos legais. Em contra-alegações são formuladas as seguintes conclusões: A. O Acórdão recorrido fez uma correcta descrição da factualidade com interesse para a decisão da causa; B. Não se verifica a violação dos nºs 2 e 3 do artigo 283º do CPP, que se refere à dedução de acusação pelo Ministério Público, em sede de processo crime, por a descrição da factualidade não estar conforme ao entendimento do ora Recorrente; C. A factualidade descrita no supra referido ponto 3.1. do Acórdão recorrido, encerra a consideração dos factos provados, fazendo referência àqueles que não foram considerados provados, pelo que a fundamentação de facto, como também, a de direito se encontram bem explicitadas no Acórdão recorrido, pelo que este não se encontra ferido de qualquer nulidade; D. Não foi violado o artigo 127º do CPP porquanto o entendimento expresso pelo ora Recorrente na conclusão G) da sua alegação, em nada evidencia que tenha sido violado a regra da livre apreciação da prova; E. O Ora recorrente não evidencia concretamente a violação de qualquer dos princípios que considera violados; F. O direito ao acompanhamento de advogado é integrado, em sede de processo disciplinar, na garantia de audiência e defesa do arguido; G. Ao queixoso não é reconhecido esse direito, pelo RD/GNR, aprovado pela Lei n.º 145/99, de 1 de Setembro desde logo porque não está em causa a sua defesa. A EMMP emitiu parecer a fls. 367 a 374 no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido substituindo por outro que, deferindo o pedido, determine a acusação disciplinar do arguido, contra-interessado, nos termos do art. 98º do RD/GNR, quanto à violação do deveres que são integrados pelas atitudes do mesmo constitutivas dos crimes de injúrias e ofensas corporais simples. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os Factos: O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: A) O Autor é Cabo de Transmissões/ Exploração n° ………/……….., da Formação do Comando - Geral da Guarda Nacional Republicana, a prestar serviço na Chefia de Investigação Criminal, em …………… - ver docs juntos aos autos. B) Em 6.10.2005, o Autor, através de mandatário forense, apresentou queixa contra Albano …………………., Tenente-Coronel e Chefe da Chefia de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana, na qual fez constar o seguinte: «1. O queixoso/ ofendido foi colocado, por Ordem de Serviço, na Chefia de Investigação Criminal atendendo às suas habilitações técnicas, profissionais e qualidades pessoais, tais como: possuir licenciatura em antropologia, pós-graduação em criminologia, experiência profissional no serviço territorial, formação na área das transmissões/ exploração, conhecimentos na área da informática e ser mestrando na área da sociologia do crime, violência e segurança interna. 2°. Desde que o queixoso foi colocado naquela chefia que o denunciado, abusando da posição hierárquica que tem sobre o ofendido, vem assumindo diversos comportamentos lesivos de bens jurídicos fundamentais daquele. 3°. Tais actos repetiram-se ao longo do tempo, não sendo possível precisar a data em que ocorreram. 4°. E traduzem-se, nomeadamente, em insultos diversos pondo em causa a honra e consideração do queixoso. 5°. Assim, por diversas vezes apelidou-o de impropérios como: «olhem que o preto está ali sozinho», e sempre que se dirige ou fala do queixoso refere-se a ele como o «preto», manifestando e incitando a uma atitude xenófoba. 6º. Os diversos comportamentos foram sempre cometidos de forma gratuita, espontânea e na presença de outros camaradas de serviço do queixoso, sem que alguma vez o queixoso praticasse algum acto susceptível de desencadear estas atitudes. 7°. As mesmas revelam-se ofensivas da honra e consideração do queixoso. 8°. Mas, os mesmos comportamentos foram-se tornando mais frequentes e num tom mais ofensivo, à medida que o queixoso foi demonstrando o seu desagrado ao denunciado pelo cometimento dos mesmos. 9°. Do tom ofensivo o denunciado partiu para atitudes ameaçadoras, chegando a referir ao queixoso que tinha que «começar a bater nos militares da chefia», olhando-o firmemente, revelando que se dirigia a ele pessoalmente. 10°. Não obstante, no dia 21.9.2005, cerca das 17h15m, quando o queixoso se encontrava no seu local de trabalho, sentado a uma secretária, numa das salas das instalações da Chefia de Investigação Criminal em …………, o denunciado dirigiu-se-lhe e, aos gritos, ofendeu-o, chamando-lhe incompetente. 11°. De seguida, fechou a porta da referida sala e, sozinho com o queixoso, referiu-lhe em voz alta: «seja o que Deus quiser». 12°. Acto contínuo, agrediu fisicamente o queixoso, agarrando-o com a mão direita na zona do pescoço e empurrando-lhe a cabeça contra o tampo da secretária, num movimento ascendente/ descendente. 13°. O queixoso estava sentado à secretária e não teve tempo de reagir. 14°. Deixando perceber que a sua intenção era precisamente a de agredir o queixoso, e que os actos que praticou se destinavam a executar a sua vontade, o que consumou, só não levando os seus intentos mais além porque os gritos de dor e aflição soltados pelo ofendido alertaram os restantes militares que se encontravam naquelas instalações. 15°. Na sequência destes acontecimentos, e porque ficou psicologicamente debilitado, o queixoso sentiu necessidade de procurar apoio médico. 16°. Nos termos do art 68°, nº 1, al b) do RDGNR, o queixoso informou o denunciado da sua vontade de apresentar queixa contra este, bem assim foi ainda notificado dessa intenção. 17°. A actuação do denunciado, para alem de constituir clara e grave violação dos arts 13°, 25° e 26° da Constituição da República Portuguesa e dos deveres profissionais a que está vinculado, consubstancia, também, a prática dos seguintes crimes: - ofensa à integridade física qualificada, pp pelo art 143º e 146° do Código Penal; - ameaça, pp e pelo art 153° do CP; - injúrias, pp pelo art 181° e 184° do CP; -abuso de poder, pp pelo art 382° do CP» - ver fls 3 e segs do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. C) A queixa, por despacho de 10.10.2005, foi mandada instaurar como processo disciplinar ao Tenente-Coronel Albano ………………., com o n°………./05 - ver fls 3 e 104 do processo administrativo apenso. D) Em 27.10.2005 as testemunhas indicadas pelo queixoso constituíram seu bastante procurador o também mandatário do queixoso, a quem conferiram poderes de assistência na inquirição a que iam ser submetidas como testemunhas - ver fls 56 e segs do processo administrativo apenso. E) Por ofício de 11.11.2005 o mandatário do queixoso foi notificado, pelo instrutor do processo disciplinar, do seguinte: «Considerando que, nos termos do nº 1 do art 73° do RDGNR (publicado a coberto da Lei nº 145/99, de 1.9), o processo disciplinar tem natureza secreta até à notificação da acusação. Considerando que, na fase da instrução, apenas e nos termos do n" 2 daquele art é facultada, ao arguido e seu defensor, a consulta do processo mediante requerimento dirigido ao instrutor. Considerando, por outro lado, que os sujeitos processuais são o queixoso e o arguido e que, as testemunhas, não passam de elementos de prova (testemunhal) não tendo, por isso, direito a estarem representadas por advogado. Considerando que, nos termos do art 74° do mesmo diploma legal, somente ao arguido e seu advogado é permitido, na fase de instrução, assistir aos interrogatórios e a todas as diligências mas, e mesmo assim, somente àquelas em que o arguido intervenha, INDEFIRO, ao queixoso, o pedido formulado e em que requer que lhe seja permitido estar presente nos actos de inquirição das testemunhas apresentadas» - ver fls 69 do processo administrativo apenso. F) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 24.11.2005, o Sargento Ajudante Júlio ………………, que prestou o depoimento inserto a fls 80 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «Que, em data que já não pode precisar, por cerca das 16 ou 17 horas, quando se encontrava na Secretaria da Chefia do Serviço de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana, em ………., ouviu o Sr Tenente-Coronel Albano ……….. a gritar num dos gabinetes. Que, de repente, se apercebeu de uma porta a abrir com alguma violência, pelo barulho que a mesma fez, e de passos apressados e a voz do Cabo Semedo a falar alto, dizendo: «Ele bateu-me! Ele pensa que é o meu pai mas não é! (...). Que, então, resolveu ir ver o que se passava e quando chegou àquele gabinete -que se destina ao pessoal do apoio operativo -já lá se encontravam uns três ou quatro militares à volta do Cabo Semedo a perguntarem-lhe o que é que se tinha passado e, aquele, a dizer: «o Tenente-Coronel bateu-me! (...). Que foi chamado pelo Sr Tenente-Coronel que lhe disse: «O Santos! O Semedo deve estar nervoso. Vai falar com ele. Diz-lhe que vá para casa descansar e que amanhã fique em casa a descansar e que venha depois já mais calmo» (...). Que ouviu e assistiu, por duas ou três vezes, o Sr Tenente-Coronel a expressar-se da seguinte forma: «está ali o negro a trabalhar sozinho!», «ninguém ajuda o preto?». Que não sabe dizer se o Sr Tenente-Coronel se referia daquela forma ao Cabo Semedo para o humilhar ou se era na brincadeira. Que é habito do Sr Tenente-Coronel, durante o serviço e sempre que tem que dizer alguma coisa a alguém, o faz aos gritos. Instado, respondeu que nunca ouvira o Sr Tenente-Coronel dizer que tinha que começar a bater nos militares da Chefia (...)» - ver fls 80 e 81 do processo administrativo apenso. G) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 24.11.2005, o 2° Sargento Luís ………………, que prestou o depoimento inserto a fls 82 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «Que viu o Sr Tenente-Coronel Albano ………. (...) ter fechado a porta do gabinete após um período curto de conversa com o Cabo Semedo, ao que se seguiu um barulho que lhe pareceu ser o de uma secretária a ser arrastada. Que, posteriormente a isso, o Cabo Semedo saiu do gabinete a chorar e proferindo qualquer coisa do género: «Não tenho idade para estar a aturar coisas destas e a levar porrada». (...). Que, segundo o que lhes foi dito pelo Cabo Semedo, o Sr Tenente-Coronel fechou a porta e disse: «Seja o que Deus quiser» agredindo-o de seguida. (...). Que na Chefia havia um sentimento generalizado de que alguma coisa destas pudesse, um dia, vir a acontecer. (...). Que o Sr Tenente-Coronel tem o pessoal a trabalhar muito sobre pressão (...) não violência física mas psicológica. Que, no seu entender, o Sr Tenente-Coronel tem um temperamento bastante exigente, que tem momentos de brincadeira e outros de exaltação. Que se exalta sempre que faz um pedido e os militares não respondem com prontidão, situação que leva a que os militares andem sob pressão. Que o Sr Tenente-Coronel costuma gritar com as pessoas mas e sempre por motivos de serviço. Nunca ouviu o Sr Tenente-Coronel tratar o Cabo Semedo por preto. Que acha que se o tivesse ouvido tratar dessa forma seria por brincadeira. Que quando o Cabo …………. se encontrava no exterior do edifício disse que o Sr Tenente-Coronel lhe tinha batido. Que no seu entender quer acreditar que isso não tenha acontecido. Que, em resultado dos acontecimentos tem conhecimento de que a maioria dos militares se querem ir embora da Chefia» - ver fls 82 do processo administrativo apenso. H) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 24.11.2005, o Furriel Luís ………….., que prestou o depoimento inserto a fls 83 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «(...). Que ouviu uma porta a fechar-se e ouviu, no interior do gabinete pessoas aos gritos e, de seguida, ouviu o Cabo Semedo sair do gabinete (...) muito exaltado e a dizer «você não é meu pai para me estar a bater». I) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 24.11.2005, o Cabo António ………………………., que prestou o depoimento inserto a fls 84 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «(...). Que o Sr Tenente-Coronel estava a dizer (...) num tom de voz exaltado. Que logo a seguir ouviu um abrir de porta e, logo à saída do gabinete, o Cabo Semedo disse: «O senhor não me bate porque o senhor não é meu pai». (...). Que lhe perguntou o que é que tinha acontecido e ele lhe disse «Ele bateu-me». (...) Que acha que o Sr Tenente-Coronel Albano …………. é, por vezes, uma pessoa exaltada e nessas alturas fala bastante alto. Que um dia o ouviu dizer a seguinte frase: «Está ali o preto sozinho e ninguém o vai ajudar!». Que esta foi a única referência que ouviu em relação à cor da pele do Cabo Semedo. Que, em sua opinião, quando se referiu naqueles termos ao Cabo Semedo, talvez não o quisesse ofender». J) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 28.11.2005, o Cabo Sérgio ………………….., que prestou o depoimento inserto a fls 85 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «Que (...) ouviu o Sr Tenente-Coronel muito enervado, referindo-se ao Cabo Semedo, a gritar: «Está ali o preto a trabalhar sozinho!». (...) Que ainda o ouviu dizer o seguinte: «tenho é que vos partir as trombas!». (...). Que o Cabo Semedo (...) lhe respondeu que tinha sido agredido pelo Sr Tenente-Coronel». K) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 28.11.2005, o Cabo Victor …………………….., que prestou o depoimento inserto a fls 86 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «(...). Que reparou que o Cabo Semedo vinha a chorar dizendo: «Ele não é meu pai! Ele não me bate!». (...). Que, antes do que aconteceu, nunca lhe passara pela cabeça que o Sr Tenente-Coronel fosse capaz de agredir alguém. Que agora já põe algumas dúvidas. Isto porque pensa que terá agredido fisicamente o Semedo. Que (...) ouviu um comentário do Sr Tenente-Coronel a referir-se ao Cabo Semedo tratando-o por «preto». Esclarece, no entanto, que não o fez directamente (...)». L) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 30.11.2005, o Soldado Carina Isabel Carvalho dos Reis, que prestou o depoimento inserto a fls 90 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «(...). Ouviu a voz do Sr Tenente-Coronel que falava muito alto com o Cabo Semedo. (...) Que sabe que era com o Cabo Semedo que gritava porque tinha acabado de sair do gabinete onde se encontrava o Cabo Semedo e onde acabara de entrar o Sr Tenente-Coronel que fechou a porta. Que, de seguida, ouviu um barulho que não consegue identificar se era um arrastar de mesa ou qualquer coisa contra uma parede e viu o Cabo Semedo sair disparado pela porta a dizer qualquer coisa deste género: «Você não é meu pai para me bater!». M) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 2.12.2005, o Soldado …………………, que prestou o depoimento inserto a fls 93 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «(...). O Sr Tenente-Coronel referir-se ao Cabo Semedo dizendo: «Só o preto é que trabalha. (...). Que quando o Sr Tenente-Coronel proferiu aquela frase o fez de forma gritada. Que não garante se o Cabo Semedo ouviu ou não a frase proferida. N) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 2.12.2005, o Soldado Carla …………………., que prestou o depoimento inserto a fls 94 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se transcreve o seguinte: «(...) respondeu que não viu nada nem ninguém viu nada. (...). Que ouviu o Cabo Semedo a dizer quando saía: «Você não é meu pai para me bater!» (...) que ele disse-lhes: «Ele quando vocês saíram fechou a porta e disse: «seja o que Deus quiser», depois agarrou-me no pescoço e mandou-me com a cabeça contra a secretária, depois levantei-me e disse-lhe que não me tocava mais porque não era meu pai». O) No procedimento disciplinar, o Autor foi ouvido no dia 30.11.2005, conforme depoimento inserto a fls 91 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido. P) No procedimento disciplinar foi ouvido, no dia 15.12.2005, como arguido, o aqui Contra-interessado Albano ………………….. - ver fls 122 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. Q) No procedimento disciplinar foram ainda ouvidas as testemunhas indicadas pelo arguido - ver fls 156 e segs e 162 e segs do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. R) Em Dezembro de 2005 o ora Autor opôs incidente de suspeição do instrutor do processo disciplinar, o qual foi indeferido, por despacho de 6.12.2005 - ver fls 107 e 114 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. S) A 17.1.2006, o instrutor elaborou o relatório no processo disciplinar em que refere «não se afigurando necessária qualquer outra iniciativa por ter ficado clara a convicção de não haver possibilidade razoável de condenação do ora arguido. Por tal proponho o arquivamento do presente processo disciplinar com os seguintes fundamentos: Relativamente ao mencionado no articulado da queixa formalizada pelo defensor do queixoso: No nº 2, no que concerne ao «abuso da posição hierárquica» do arguido, após ouvidas as testemunhas arroladas no processo, tal não se prova da audição das mesmas, assim como tais actos terem sido repetidos ao longo dos tempos, (...) nenhuma das testemunhas declarou ter presenciado tais abusos. No n° 4, no que concerne a «insultos diversos pondo em causa a honra e consideração do queixoso», por parte do ora arguido, após ouvidas as testemunhas arroladas no processo, tal não se prova da audição destas, já que nenhuma testemunhou comportamentos que o demonstrassem e fossem entendidos como tal. No nº 5, no respeitante a «manifestações e incitamentos a atitudes xenófobas por parte do ora arguido, após ouvidas as testemunhas arroladas no processo, decorre dos seus depoimentos o contrário (...). No nº 6, decorre do anteriormente mencionado, tal não se provou. No nº 7 e 8, no que concerne a manifestações de desagrado por parte do ora ofendido», decorre dos autos que tal não ficou provado (...). No nº 9, no que diz respeito a «atitudes ameaçadoras», decorre dos autos que tal nunca foi presenciado por nenhuma das testemunhas arroladas. No nº 10, ouvidas as testemunhas, tal não se prova. Nos nº 12, 13 e 14, ouvidas as testemunhas arroladas no presente processo, nenhuma destas presenciou qualquer agressão contra o ora ofendido, nem tão pouco foi ouvido por quaisquer destas «gritos de dor e aflição» (...). Não se prova assim qualquer tipo de agressão física já que ninguém presenciou os factos descritos como tal, nem tão pouco, restaram sinais físicos que a pudessem comprovar nem, ainda, qualquer relatório clínico relativo a essas marcas. Decorre do exposto que na fase de instrução do processo não foram apurados indícios suficientes do cometimento de infracções disciplinares. (...)» - ver fls 191 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. T) Em 27.2.2006, o Chefe do Estado-Maior da Guarda Nacional Republicana proferiu o despacho seguinte: «Visto os autos e relatório final. Acolho a matéria de facto apurada nos autos e o relatório final e que aqui se dá por reproduzido. Considerando que os factos imputados ao Tenente-Coronel Albano Pereira (...) não resultaram provados nos autos. Nestes termos e em conformidade (...) determino: 1. o arquivamento do presente processo disciplinar (...) por falta de prova da sua culpabilidade (...)» - ver fls 193 do processo administrativo apenso. U) O ora Autor foi notificado do despacho que antecede e dele recorreu, em 22.3.2006, para o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana - ver fls 199 do processo administrativo apenso. V) Como não foi proferida decisão no recurso hierárquico, o ora Autor interpôs recurso para o Ministro da Administração Interna - por acordo. X) Como também este recurso não obteve decisão, o Autor propôs a presente acção no dia 31.7.2006 - ver petição inicial. Z) Por despacho de 9.10.2006, exarado sobre o parecer n° JG/1824, o Ministro de Estado e da Administração Interna negou provimento ao recurso, com fundamento na falta de legitimidade do participante/ queixoso para interpor recurso do despacho de arquivamento proferido nos autos originados pela sua intervenção inicial — ver doc junto com a contestação do Ministério. AA) Por ofício de 19.10.2006 o ora Autor foi notificado do despacho que antecede - ver doe junto pela Entidade Demandada. BB) Correu termos na 2a secção de processos do Ministério Público de Cascais, sob o n° 1363/06.0TACSC, inquérito contra o aqui Contra-interessado, cuja decisão final, datada de 10.1.2007, foi de arquivamento, por os elementos disponíveis não serem suficientes para alicerçar uma condenação do arguido em julgamento - ver doc n° 1 junto com a contestação do Contra-interessado, que aqui se dá por integralmente reproduzido. O Direito O acórdão recorrido julgou improcedente a acção administrativa especial intentada. Considerou que embora o A. tenha identificado na petição inicial, como estando em litígio “um acto administrativo de indeferimento”, formulando o pedido de “revogação” do despacho impugnado e de substituição por outro que determine a acusação do arguido, aqui contra-interessado, “uma vez que existem indícios suficientes que levam a concluir pela responsabilidade disciplinar do Tenente-Coronel Albano da Conceição Martins Pereira”. Entendeu, e bem, que o que “importa é averiguar do mérito ou do bem fundado da pretensão do Autor e não da ilegalidade do acto da Entidade Demandada (cfr arts 51º, nº 4, 66, nº 1 e nº 2 e 71º, nº 1 do CPTA).”, sendo nessa perspectiva que foram conhecidos os pedidos do Autor. Nas conclusões das suas alegações de recurso, o Recorrente imputa ao acórdão recorrido violação dos arts. 283º, nºs 2 e 3 do CPP, por força do art. 7º do RD/GNR, arts. 374º, nº 2 e 97º, nº 4 do CPP e art. 202º da CRP, art. 127º do CPP, dos princípios da legalidade, tipicidade, dignidade da pessoa humana, do estado de direito democrático, da igualdade, da necessidade de pena e da proporcionalidade, sendo, portanto, inconstitucional e ainda do art. 20º, nº 2 da CRP. Invoca o recorrente a nulidade do acórdão recorrido, por violação do art. 283º, nºs 2 e 3 do CPP, aplicável por força do art. 7º do RD/GNR, argumentando que o acórdão não alude, nem mesmo sumariamente, à factualidade indiciada ou não indiciada, referindo-se apenas à conclusão a que chegou da prova que analisou, mas sem dar por assente qualquer facto, nem mesmo por remissão para os autos de processo disciplinar. Mais alega que o acórdão em recurso padece de nulidade, por ausência de fundamentação e omissão de pronúncia, esta última por ter deixado sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o tribunal a quo se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar. Vejamos. Da nulidade de sentença por violação do art. 283º, nºs 2 e 3 do CPP Aos presentes autos da acção administrativa especial é aplicável o CPTA, nomeadamente, o disposto nos seus arts. 66º, nºs 1 e 2 e 71º, nº 1 e, subsidiariamente, o CPC (cfr. art. 1º do CPTA), e não o CPP. Assim, à decisão recorrida nunca seria aplicável o disposto no art. 283º, nºs 2 e 3 do CPP, por força do art. 7º do RD/GNR, que dispõe sobre a acusação do Ministério Público. De acordo com o art. 659º, nº 2 do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA, na elaboração da sentença os factos a dar como provados devem ser apenas os que sejam pertinentes e com relevo para a decisão da causa. Numa sentença a “aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas de normas processuais, sejam de normas de direito material” (cfr. José Lebre de Freitas e Outros, in Código do Processo Civil Anotado, em anotação ao artigo 659º, pág. 643). No caso em apreço, a decisão da causa é consubstanciada no pedido de condenação à prática de acto devido (dedução de acusação), sendo a causa de pedir a ilegalidade do acto de indeferimento contenciosamente impugnado. Ora, no acórdão recorrido foram dados como provados todos os factos resultantes dos documentos juntos aos autos e do processo disciplinar com relevância para decidir da violação ou não do art. 20º, nº 2 da CRP e do princípio da igualdade do art. 13º da CRP, e da violação dos arts. 3º, 4º, 97º e 98º do RD/GNR, aprovado pela Lei nº 145/99 de 1/9, imputados ao acto impugnado. Efectivamente, ao contrário do que o recorrente parece defender, não tinha o acórdão em recurso de dar como provados e não provados factos constitutivos ou não de infracção disciplinar, mas apenas aqueles factos, que resultando do processo disciplinar ou de outros documentos, lhe permitiam apreciar e decidir da pretensão do ora recorrente. Ou seja, se a decisão em processo disciplinar de ser vedado ao recorrente e às testemunhas o direito de se fazerem acompanhar por advogado perante o instrutor era ou não inconstitucional e se perante os elementos existentes no processo era ou não de condenar a entidade demandada a deduzir acusação disciplinar. Assim, mostrando-se o acórdão em recurso devidamente fundamentado de facto, o mesmo não padeça de qualquer nulidade (que aqui apenas poderia consubstanciar-se na nulidade de sentença prevista na alínea b) do nº 1 do art. 668º do CPC), quer por violação do art. 283º, nºs 2 e 3 do CPP, ex vi do art. 7º do RD/GNR, quer pela ausência de fundamentação de direito a que se reporta o art. 668º, nº 1, al. b) do CPC, e que, manifestamente, também não ocorre. Da nulidade de sentença por omissão de pronúncia A nulidade da sentença, por omissão (ou excesso) de pronúncia, verifica-se quando o juiz “deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC). Tal nulidade da sentença está relacionada com a falta de cumprimento de um dos deveres do juiz, que é o de conhecer e resolver de todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 668º, nº 1, al. d), e 660º, nº 2, do CPC). Ora, o recorrente embora argumentando que foi “deixado sem solução ou resposta questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas, que o tribunal a quo se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar”, não concretiza quais foram essas “questões importantíssimas que foram legal e oportunamente suscitadas” que o acórdão recorrido “deixou sem solução ou resposta” e/ou quais as que “o tribunal a quo se limita a resolver de forma redutora, remetendo para abstracções, sem qualquer apoio nas concretas questões a apreciar”, não resultando das restantes conclusões ou do decurso da alegação a formulação de qualquer questão que tivesse sido submetida a julgamento e não apreciada pelo tribunal recorrido. Assim, tendo o acórdão recorrido apreciado todas as questões que lhe foram submetidas a apreciação não enferma de omissão de pronúncia que implique a sua nulidade, nos termos do art. 668º, nº1, al. d) do CPC. Da violação do art. 20º, nº 2 da CRP O acórdão recorrido não incorreu em violação do referido princípio constitucional. O que o Recorrente questiona é o seu direito de, enquanto queixoso, ser acompanhado por advogado perante o instrutor do processo disciplinar, tal como o das testemunhas. Como bem se refere no acórdão recorrido a propósito daquele preceito, citando os Profs Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República portuguesa anotada”, vol I, 4ª ed., Coimbra editora, pág. 412, “o direito de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade representa a constitucionalização do direito ao advogado”. E a pág. 413,“o direito ao acompanhamento de advogado perante qualquer autoridade (…) fornece abertura para a presença de advogado perante qualquer autoridade em processo crime, em processo de aplicação de medida de segurança, em processo de contra-ordenação, em processos disciplinares e noutros procedimentos administrativos em que esteja em causa a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos.”. O direito de acompanhamento de advogado em sede de processo disciplinar é integrado na garantia de audiência e defesa do arguido. Ora, tendo o processo disciplinar natureza secreta, e até à dedução da acusação, apenas ao arguido é facultada a possibilidade de constituir advogado, como prevê o art. 74º do RD/GNR. Tal direito não é reconhecido ao queixoso, já que não está em causa a sua defesa. Foi o que entendeu o acórdão recorrido, não tendo incorrido na violação do art. 20º, nº 2 e 13º da CRP, nem em inconstitucionalidade. Da violação do art. 127 do CPP, pelo acórdão em recurso Dispõe o art. 127º do CPP, ex vi do art. 7º do RD/GNR que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Como se escreveu no Ac. deste TCAS de 24.05.2007, Rec. 06477/02, citado pelo MºPº, “não existe uma valoração pré-estabelecida dos meios de prova recolhidos em sede do processo disciplinar, valendo aqui, à semelhança do que acontece com a valoração de prova em Processo Penal, os mesmos princípios, ou seja, aqueles são apreciados de acordo com a experiência comum do instrutor do processo, cedendo apenas perante casos em que seja manifesta a existência de erro grosseiro na apreciação da prova recolhida”. Em processo disciplinar, tal como no sucede no processo penal, a punição tem que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infracção pelo arguido, vigorando em caso contrário o princípio da presunção da inocência do arguido e do princípio “in dúbio pro reo”. Mas se o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, o certo é que a administração goza de larga margem de valoração das provas, apenas incumbindo ao controlo judicial, em matéria probatória, os casos de erro manifesto de apreciação e o desvio de poder no âmbito da discricionariedade volitiva, conforme é jurisprudência dominante, quer do STA, quer deste TCA. E, no caso de acusação e punição, se a prova recolhida tem de legitimar uma convicção segura sobre a prática dos factos pelo arguido para além de toda a dúvida razoável, essa convicção e certeza jurídica de que o arguido praticou os factos que fundamentam uma punição a aplicar, nem por isso poderá deixar de ser aferida pela análise conjunta da prova produzida e com base em vários indícios a que o arguido não contrapõe outros suficientes para gerarem a dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe são imputados (neste sentido, entre outros, Ac. STA de 25.11.98, rec. 32232, Acs. TCA de 04.07.2002, proc. 264 e de 17.05.2001, proc. 3056, citados pelo MºPº). E, conforme está assente jurisprudencial e doutrinalmente, a jurisdição criminal é distinta da jurisdição disciplinar sendo o procedimento disciplinar independente do apuramento e punição ou não dos mesmos factos, em processo criminal, já que são diferentes os fundamentos e fins das duas jurisdições. Daí que a autoridade com competência disciplinar não esteja vinculada, nem a suspender o processo disciplinar até decisão final do processo crime, nem a obstar à procedência do procedimento disciplinar com base nos mesmos factos soçobrarem em sede criminal por insuficiência de prova, sendo certo que “Os critérios de apreciação da prova no processo criminal são mais exigentes, na medida em que se trata normalmente de sanções mais graves e em que está em causa a liberdade do cidadão” (Ac. STA 029864 de 09/06/99). No presente caso, entendemos, no entanto, e contrariamente ao defendido pelo recorrente, que a conjugação dos vários depoimentos existentes no processo disciplinar não são suficientes para legitimar uma convicção suficientemente segura, por parte do titular do poder disciplinar, da prática pelo contra-interessado, ali arguido, dos factos que lhe são imputados pelo ora recorrente. Efectivamente, tal como se refere no acórdão recorrido: «No caso em apreço, o Autor quando foi ouvido no processo disciplinar - cfr al O) dos factos provados - reafirmou a factualidade que descreveu na queixa (cfr al B) dos factos provados), como, em suma, consubstanciando: - «insultos diversos («olhem que o preto está ali sozinho»/ «sempre que se dirige ao queixoso refere-se a ele como o «preto»), pondo em causa a honra e consideração do queixoso»; - «atitudes ameaçadoras, chegando a referir ao queixoso que tinha que «começar a bater nos militares da chefia»; - «no dia 21.9.2005, o denunciado dirigiu-se ao queixoso, aos gritos, chamando-lhe incompetente. De seguida, fechou a porta e sozinho com o queixoso referiu-lhe em voz alta: «seja o que Deus quiser», acto contínuo agrediu-o fisicamente, agarrando-o com a mão direita na zona do pescoço e empurrando-lhe a cabeça contra o tampo da secretária, em movimento ascendente/descendente». O ora Contra-interessado quando foi interrogado no processo disciplinar negou a prática dos factos que lhe foram imputados pelo participante/ queixoso (cfr al P) dos factos provados). Perante declarações contraditórias, compulsados os depoimentos prestados no processo disciplinar pelas testemunhas do queixoso e do arguido - cfr als F), G), H), I), J), K), L), M), N) e Q) dos factos provados - ao contrário do que pretende o Autor, nem mesmo as testemunhas por si arroladas declararam: - que a expressão «preto» utilizada pelo arguido visava humilhar o queixoso; - que o arguido disse que tinha de começar a «bater» em determinado militar e que dessa forma resultou nos militares medo. - que o arguido agrediu fisicamente o queixoso. Repare-se, ninguém presenciou as alegadas agressões à integridade física do Autor e que este diz terem-lhe sido desferidas pelo aqui Contra-interessado, em 21.9.2005, cerca das 17h 15m, numa das salas das instalações da Chefia de Investigação Criminal, em ………………. A testemunha que a amiúde é referida como conhecedora «de perto» do ocorrido, no dia 21.9.2005, entre o Autor e o Contra-interessado, Carla Sofia ……………….., começa o seu depoimento, de forma clara, respondendo que não viu nada nem ninguém viu nada» (cfr al N) dos factos provados). O Autor, em resultado das alegadas agressões à integridade física, não foi sujeito a exame médico pericial nem recebeu tratamento clínico. As testemunhas falaram da expressão «preto» dita pelo arguido, mas declararam que não sabiam se era utilizada para humilhar ou por brincadeira. As testemunhas responderam que nunca ouviram o arguido dizer que tinha de começar a bater nos militares e que tal ameaça tivesse provocado medo ou inquietação, nomeadamente, ao queixoso. Resta-nos, portanto, para aferir da eventual prática pelo aqui Contra-interessado na pessoa do aqui Autor, de injúrias, ameaças, ofensa à integridade física, os depoimentos das partes e das testemunhas por ela indicadas. E com estes, o instrutor do processo disciplinar, em 17.1.2006, entendeu, perante as provas produzidas, que não existiam indícios suficientes, traduzidos numa possibilidade razoável de condenação, do cometimento pelo arguido de infracções disciplinares. Sendo que o despacho, de 27.2.2006, do Chefe do Estado-Maior da Guarda Nacional Republicana, que determinou o arquivamento do processo disciplinar instaurado ao Tenente-Coronel Albano …………, acolheu a matéria de facto apurada nos autos de processo disciplinar e o relatório final do mesmo procedimento. A conclusão idêntica chegou, em 10.1.2007, o Ministério Público, em sede de inquérito que correu termos na 2a Secção de processos dos Serviços do Ministério Público de Cascais. O despacho de arquivamento do inquérito conclui: «Estamos perante a existência de indícios, mas que, analisadas conjuntamente e segundo regras de experiência comum, não são suficientes para permitir a condenação do ora arguido em julgamento. Tal não significa que os factos não se tenham passado como o assistente alega. Ou como o arguido refere. Com efeito, no processo penal tentamos, através da recolha de provas, chegar o mais próximo da realidade. Porém, por vezes a «realidade» que apreciamos não corresponde ao que efectivamente sucedeu. Porém, temos que nos cingir à prova que temos nos autos e neste caso, tendo em conta os elementos disponíveis, estes não são suficientes para alicerçar uma condenação do arguido em julgamento. Pelo exposto, determino o arquivamento dos autos, nos termos do art 277º, nº 2 do CPP». Termos em que se decide, tal como o fez o instrutor e o despacho de concordância, que os elementos de prova produzidos no processo disciplinar, relacionados e conexionados entre si, não permitem inferir a culpa do agente e não foram suficientes para deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, à «posteriori», uma pena disciplinar, por infracção do dever de proficiência, do dever de correcção, do dever de aprumo. Por isso, de acordo com o art 97º, nº 1 do RDGNR e, por força do art 7º do RDGNR, com o art 283º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal, foi bem elaborada a proposta de arquivamento do processo disciplinar, que foi acolhida pelo Chefe do Estado-Maior da GNR. Não se alcançando contradição insanável entre o relatório final que propõe o arquivamento, por na fase de instrução do processo disciplinar não terem sido apurados indícios suficientes do cometimento, objectivo e subjectivo, de infracções disciplinares, e o despacho que com ele concordou e que determinou o arquivamento do processo, com fundamento em os factos imputados ao arguido não terem resultado provados e por falta de prova da sua culpabilidade. Tudo visto e ponderado, não se condena a Administração à prática do acto de dedução de acusação contra o Tenente-Coronel Albano ………………., por improcederem, na integra, as ilegalidade invocadas pelo Autor.» Ao assim entender o acórdão recorrido não violou o disposto no art. 127º do CPP, nem os princípios invocados na al. H das conclusões do recorrente, que improcedem, devendo o acórdão manter-se. Pelo exposto, acordam em: a) – negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido; b) – custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça em 6 UC, já com redução a metade (arts. 73º-D, nº 3 e 73º-E, nº 1, al. b) CCJ). Lisboa, 23 de Fevereiro de 2012 Teresa de Sousa António A. Coelho da Cunha Cristina dos Santos |