Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05207/09
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/24/2013
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:RAN
LOTEAMENTO
ÁREA BRUTA DO TERRENO
TELHEIRO
Sumário:I - Só podem ser objecto de loteamento as áreas urbanas, urbanizáveis ou industriais, não devendo incluir-se nestas operações áreas RAN.

II – As áreas RAN não devem ser contabilizadas para efeitos do cálculo das limitações ou dos índices construtivos máximos, os quais apenas podem considerar as áreas edificáveis.

III – No cálculo da área bruta de terreno, para efeitos do cálculo do índice de construção bruto, não se pode incluir áreas RAN.

IV – Um telheiro não deve ser contabilizado para o cálculo da área total de construção
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: DMMP
Recorrido: Município de Óbidos e outro
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
Vem interposto recurso da sentença do TAF de Leiria, que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade da deliberação de 16.02.1998, da Câmara Municipal de Óbidos (CMO), que deferiu o pedido de loteamento para 15 lotes e despachos de 06.12.1999, 24.01.2000, 09.04.2001, 24.09.2001, 22.05.2002, 31.07.2002, do Presidente da CMO, que deferiram pedidos de licenciamento de construção.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:
« (...)».
Em contra alegações são formuladas as seguintes conclusões pelo Recorrido T... – Sociedade de ............... Lda: «1ª – Na área do imóvel primitivo situada em RAN não foram constituídos quaisquer lotes.
2ª- Para efeitos de cálculo do «índice de construção bruto» não é lícito ao intérprete distinguir entre a área da parte do imóvel que está em RAN e a que está fora da RAN, pelo que, in casu, considerando a totalidade da área do prédio, esse índice é inferior ao permitido por lei.
3ª- A «área total de construção» é constituída exclusivamente pelas áreas brutas dos pavimentos, medidas pelo extradorso das paredes exteriores, pelo que, in casu, a área dos espaços dos lotes a tardoz cobertos por telheiros não integra a área total de construção, a qual é, assim, inferior ao permitido por lei.
4ª- Os actos administrativos impugnados não violam qualquer norma jurídica, designadamente as citadas pelo M.P., pelo que nenhum reparo há a fazer à douta sentença recorrida.
O Recorrido Município de Óbidos apresentou as seguintes conclusões: «O Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, que estabelece o regime jurídico da reserva agrícola nacional (“Lei da RAN”), não classifica ou qualifica o solo;
Também não define índices de ocupação e utilização do território;
Também não proíbe a contabilização das áreas incluídas na RAN para aferição dos índices e parâmetros urbanísticos;
Cabe aos instrumentos de gestão territorial (planos), designadamente aos planos directores municipais a fixação dos critérios a ter em conta para o estabelecimento dos índices urbanísticos, como decorre do regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro;
Tecnicamente a “área total” é igual ao somatório das áreas de terreno afecto às diversas categorias de uso;
O Regulamento do PDM do Município de Óbidos não exclui as áreas de terreno dos prédios integradas na RAN para efeitos de cálculo do índice de construção;
Segundo o Regulamento do PDM de Óbidos a área bruta do terreno (é) a área de terreno (1) da parcela objecto da operação urbanística, (2) do prédio objecto da operação urbanística (alínea 4 do artigo 3.º do RPDM);
Será duma “parcela” se incidir sobre uma área de terreno não resultante de operações de loteamento marginado por via pública e susceptível de construção (alínea 2 do artigo 3.º do RPDM);
Será dum “prédio” se incidir sobre uma área de terreno que, para ser susceptível de construção, tem de ser objecto de uma operação de loteamento e ou de aprovação de obras de urbanização (alínea 3 do artigo 3.º do RPDM);
No caso dos autos, estamos inequivocamente perante um “prédio”;
O intérprete não pode restringir a área do prédio para quantificar a área bruta do terreno e consequentemente definir o índice máximo de construção;
É a área total do prédio, enquanto unidade matricial, que terá de ser tida em conta para efectuar os cálculos da área de construção;
O índice de construção de 0,26 está, pois, bem calculado;
O acto camarário em crise não aprovou a divisão do terreno agrícola em hortas;
As construções a tardoz são telheiros;
Os telheiros não têm paredes, ou deixariam de ser telheiros;
Sem paredes não há possibilidade de efectuar medições “extradorso das paredes” porque estas não existem;
As construções a tardoz são telheiros não contando para a contabilização do índice de construção;
Mesmo que contassem o índice ainda obedeceria à norma da alínea b do n.º 3 do artigo 37.º do Regulamento do PDM;
A decisão de absolvição do Município de Óbidos, mantendo na ordem jurídica a deliberação camarária de 16 de Fevereiro de 1998, que aprovou o loteamento, e todos os actos de aprovação praticados pelo PCMO, subsequentes, àquele acto camarário, deve, pois, ser mantida, como se espera por ser de justiça.».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Os Factos
Na 1º instância foram dados por provados os seguintes factos, que não vêm impugnados:
«(...)»

Nos termos do artigo 712º, ns.º1 e 2 do CPC, acrescenta-se o seguinte facto provado:
P) A fls. 59 a 69 e 391 dos autos consta o aditamento à memória descritiva e justificativa, que indica no quadro 2 – lotes a constituir – que a área de pavimento acima da cota soleira, destinados a habitação, é de 3075,18 m2, valor que volta a indicar no ponto 4, quantificação e índices urbanísticos adoptados (cf. também doc. de fls 514 a 519).
O Direito
Alega o Recorrente, nas várias conclusões do recurso, que a deliberação impugnada permite o loteamento por 15 parcelas, identificadas com as letras A a P, de uma área RAN, que foi entendida como parte sobrante, assim como contabilizou essa área, que não é urbana nem urbanizável, como área bruta de terreno para efeitos de índice de construção bruto, pelo que se violou o artigo 8º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11.
Mais diz o Recorrente, que da área bruta de construção também não foram excluídos os espaços de tardoz, construídos sob a forma de telheiro, com área máxima de 10m2, ou 5% da área do lote, que não estão integrados no artigo 3º, n.º7 do PDM, nem são um espaço de uso público. Por isso, a área total de construção é de 3225,18 e não de 3075,18m2, e o índice de construção bruto é de 0,49, acima dos 0,30 previstos nos artigos 37º, n.º3, alínea b) e 36º, n.º1, alínea c), do PDM.
Considera o Recorrente que ao assim não considerar a decisão recorrida errou e violou os artigos 8º, 9º, do Decreto-Lei n.º 169/89, de 14.06, 8º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, 3º, n.º4, 7, 8, 4º, 8º, 9º, n.ºs 1 e 2, 36º, 1, c) 37º, n.º3, a), b), c), d), 50º, n.ºs 1, 2 3 e 51º, n.ºs 1, 2 do PDM de Óbidos.
O regime jurídico da RAN vem regulado no Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06. Conforme decorre da proclamação feita no seu preâmbulo e no artigo 1º, visa-se, com tal regime, defender e proteger as áreas de maior aptidão agrícola e garantir a sua afectação à agricultura, de forma a contribuir para o pleno desenvolvimento da agricultura portuguesa e para o correcto ordenamento do território (cf. ainda artigos 3º e 7º do indicado diploma).
Assume-se no preâmbulo do diploma, os inconvenientes do fraccionamento dessas áreas e nos artigos 12º e 13º dessa lei estipulam-se mecanismos de defesa desse fraccionamento.
Assim, a defesa das áreas RAN impõe que tais áreas não possam ser sujeitas v.g, a construções, a utilizações que visem expansões urbanas ou ao desenvolvimento urbano (cf. artigos 7º a 10º, 32º e 33º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06).
Daí o artigo 7º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06, estipular que os solos RAN não integram a) Os solos destinados a expansões urbanas, consignados em planos directores municipais, em planos de urbanização, em áreas de desenvolvimento urbano prioritário e em áreas de construção prioritária plenamente eficazes; b) Os solos destinados à construção que se encontrem dentro dos limites ou perímetros dos aglomerados urbanos definidos por planos directores municipais e planos de urbanização plenamente eficazes ou, na sua falta, fixados em diploma legal ou ainda aprovados por despacho fundamentado do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, sob proposta dos respectivos municípios; c) Os solos destinados a loteamentos urbanos de interesse regional ou local, quando integrados em núcleos de construção legalmente autorizados antes da entrada em vigor do presente diploma.
Comina-se naquele diploma, no artigo 34º, para o desrespeito do artigo 9º, n.º 1, a nulidade, a sanção mais severa do direito.
Por seu turno, no RPDM de Óbidos, aprovado pela Resolução do CM n.º 187/96, publicada no DR, 1º série B, n.º 276, de 28.11.1996, determina-se nos artigos 4, n.º1, alínea d), 9º e 50º a 53º, a sujeição à RAN e ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 196/89. Quanto aos espaços urbanos e urbanizáveis, que são os aptos para construção, regula-se as condições da mesma, consoante a classificação dos vários espaços urbanos e urbanizáveis, nos artigos 25º a 48º desse RPDM.
Face ao exposto, há que tirar uma conclusão: os solos RAN, por imposição legal, devem ser exclusivamente afectos à agricultura (com as ressalvas previstas no artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06). Tais solos não integram os destinados a construções, expansões urbanas, a loteamentos ou a outras formas de utilização não agrícola. Os solos integrados em RAN também não devem ser fraccionados. Isto porque, quer a construção ou a utilização com fins exclusivamente não agrícola, quer o fraccionamento dos solos RAN, são acções que diminuem ou destroem as suas potencialidades agrícolas.
O regime jurídico do licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização aplicável ao caso dos autos, é o regulado no Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11.
Os regimes que regulam as operações de loteamento e das obras de urbanização visam, obviamente, regular a ocupação do solo com construções. Visam que tais solos, destinados à construção, por apresentarem essa aptidão construtiva, sejam utilizados de forma correcta e harmoniosa, satisfazendo as necessidades de organização da vida urbana e obedecendo às politicas pré-definidas de urbanismo, de ordenamento territorial ou de defesa do ambiente. Estipulam-se diversas regras, quer procedimentais, quer materiais, relativas à garantia de que as construções obedecem a limitações diversas, por forma a salvaguardar os interesses antes referidos.
Porque não se quer cidades apenas de cimento, pejadas de construções até à exaustão, ou sem espaços de infra-estruturas e bem estar, no âmbito destas regras, definem-se limites máximos de construção, índices construtivos. Igualmente, definem-se para as áreas de aptidão construtiva, a necessidade de manter parcelas destinadas a espaços verdes, a utilização colectiva ou a infra estruturas (cf. artigos 15º a 18º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11 e artigos 3º, 27º a 48º do RPDM de Óbidos).
Nos termos do artigo 3º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, uma operação de loteamento é uma acção que tem por objecto ou por efeito a divisão de lotes, qualquer que seja a sua dimensão de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana.
Conforme o estipulado no artigo 8º desse diploma, as operações de loteamento só podem realizar-se em áreas classificadas pelos planos de ordenamento do território como urbanas, urbanizáveis ou industriais.
No mesmo sentido, define-se no artigo 3º, 1, do RPDM de Óbidos que o terreno destinado à construção, resultante de uma operação de loteamento é um lote urbano.
Nos artigos 25º e 35º desse RPDM, indica-se que os espaços urbanos e urbanizáveis são os que estão cartografados.
Nos artigos 26º e ss. do RPDM, definem-se os tipos e regras de construção para os espaços urbanos e urbanizáveis.
Feito este enquadramento, vejamos, a situação fáctica em apreciação nestes autos.
Em 05.12.1997 a sociedade TGM requereu a aprovação e licenciamento de uma operação de loteamento de um prédio rústico com a área de 11.720m2, em G..........
Em 15.12.1997, a CMO informa o requerente que tal projecto apresenta uma implantação dos lotes que «está para além do perímetro urbano» «entrando por áreas RAN», pelo que tem de ser reformulado.
A sociedade TMG apresentou novo projecto, em que elimina os lotes 7 e 8, que estariam em área RAN, área que passa a ser afecta à totalidade dos lotes, para uma utilização agrícola, ou colectiva ou com a divisão em 15 parcelas individuais, que vem indicadas com as letras A a P, correspondente à divisão a fazer pelos futuros residentes do lote.
Assim, foi apresentado um projecto de loteamento para uma área total de 11.720m2, aqui se incluindo 2927,41m2 de área RAN, indicada como «área sobrante», que apresenta a construção em lotes com uma área total de 5310,65m2.
Este projecto reformulado foi deferido pela deliberação sindicada.
Por conseguinte, verifica-se, que no caso dos autos foi incluído na área do loteamento uma parcela de terreno correspondente a uma área RAN de 2927,41m2.
Como acima se assinalou, em áreas RAN não são admissíveis operações de loteamento, que visam a edificação urbana. As operações de loteamento são só admissíveis em espaços urbanos ou urbanizáveis. A operação de loteamento é a que resulta da divisão de lotes, de um ou vários prédios urbanos, urbanizáveis ou industriais (cf. artigos 7º, 8º, 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06, 4º, n.º1, alínea d), 9º e 50º a 53º do RPDM de Óbidos, 3º, alínea a), 8º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11).
No caso dos autos, o projecto de loteamento apresentado abrangia um prédio rústico de 11.720m2, que incluía uma área de 2927,41m2 de RAN. Estando esta área em RAN, o prédio sujeito a loteamento não poderia ser todo ele considerado urbano ou urbanizável e apto a construir, pois nele se incluía uma área cuja construção urbana estava vedada.
Acresce, que o indicado loteamento ao prever a possibilidade de a parcela em RAN ficar afecta à totalidade dos lotes, para uma utilização agrícola, ou colectiva, ou com a divisão em 15 parcelas individuais, que vem indicadas com as letras A a P, está, na prática, a permitir a divisão daquela parcela RAN, fraccionando-a.
Da mesma forma está, na prática, a criar pequenas hortas, a serem utilizadas pelos futuros proprietários dos lotes, criando um espaço complementar, anexo ou de apoio à construção urbana, como que um espaço verde urbano, numa área RAN, cuja utilização haveria de se manter agrícola, entendida como uma verdadeira actividade produtiva e não como uma actividade de lazer, complementar ou associada a uma área edificada (cf. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06).
E aqui relembramos a definição de operação de loteamento inserta no artigo 3º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, como a acção que tenha por objecto ou por efeito a divisão de lotes, qualquer que seja a sua dimensão de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana.
Ao incluir-se a parcela de terreno RAN no loteamento, que divide o total do prédio onde tal parcela se inclui, em 15 lotes para construção, mantendo a área RAN como afecta à totalidade dos lotes, para uma utilização agrícola, ou colectiva, ou com a divisão em 15 parcelas individuais, está-se, afinal, a criar um 16º lote, correspondente aos 2927,41m2, lote que, por seu turno, poderá ter uma utilização “dividida”, com as características acima indicadas de espaço verde urbano.
Por último, acaba por desvirtuar-se quer a própria protecção que se quer garantir aos terrenos em área RAN, quer as limitações construtivas que se quis impor nas áreas urbanas ou urbanizáveis. Explicando. Ao fazer-se incluir na área de loteamento os 2927,41m2 de RAN e ao considerar-se que esta área serve para o cálculo das limitações ou índices construtivos máximos, está a desvirtuar-se a própria regulamentação aplicável às áreas com aptidão construtiva. Em termos meramente figurativos e exagerados, imagine-se, o caso de se incluir num loteamento uma área RAN ou REN de o dobro da área dos prédios urbanos ou urbanizáveis, abrangidos pelo loteamento. Fazendo depois as contas às limitações e índices construtivos, muito provavelmente, chegar-se-ia à conclusão que nas áreas com aptidão construtiva se poderia construir em coeficientes muito acima daqueles que o legislador estipulou para a construção em áreas urbanas, ou até a totalidade daquela área urbana. Ora, o que acontece nos presentes autos é uma situação semelhante, que só se afasta da antes figurada porque as proporções são diferentes, a área total do prédio é de 11.720m2, mas inclui uma área de 2927,41m2 de RAN.
Ou seja, tem razão o Recorrente quando alega que a deliberação impugnada permite o loteamento por 15 parcelas, identificadas com as letras A a P, de uma área RAN, que foi entendida como parte sobrante, assim como contabilizou essa área, que não é urbana nem urbanizável, como área bruta de terreno para efeitos de índice de construção bruto, pelo que se violou o artigo 8º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11.
E erra a decisão sindicada quando, acolhendo os argumentos dos ora Recorridos, entende que por se ter incluído no loteamento os 2927,41m2 de área de RAN como «parte sobrante» e «área agrícola afecta à totalidade dos lotes», tal área deixa de se poder considerar «destinada à construção» e abrangida pela operação de «loteamento urbano». Aliás, é até contraditório esse raciocínio expendido na decisão sindicada, com o que faz a seguir, ao considerar que a «área do terreno» a ser sujeito à operação urbanística de loteamento são os 11.720m2 e com base neste valor se procede à «operação aritmética» final. Na verdade, não se pode pretender considerar que a área RAN não está «destinada à construção» e como tal abrangida pela operação de «loteamento urbano» e, em simultâneo, considerar que tal área está abrangida por aquela operação para efeito do cálculo dos índices construtivos.
Porque a área do prédio, ou a área bruta de terreno, considerada para efeitos do cálculo do índice de construção bruto, foi a área de 11.720m2, portanto ali se incluindo os terrenos RAN, o referido índice ficou excedido.
Nos termos dos artigos 36º, n.º 1, c), 37º, n.º3 alínea b), do RPDM de Óbidos, nas áreas urbanizáveis de nível I, Gaeiras, o índice de construção bruto máximo é de 0,30.
Conforme definição do artigo 3º, n.º 4, do RPDM de Óbidos, área bruta do terreno é a área de terreno, da parcela ou do prédio objecto da operação urbanística. A operação em apreço nestes autos foi a de loteamento. Como assinalamos, só podem ser objecto de loteamento as áreas urbanas, urbanizáveis ou industriais, não podendo neste incluir-se áreas RAN (cf. artigos 3º, alínea a), 8º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, 7º a 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06, 3º, 1, 4º, n.º1, alínea d), 9º e 50 a 53º do RPDM de Óbidos). No mesmo sentido, veja-se a definição de prédio no n.º 3 do artigo 3º do RPDM de Óbidos, quando remete para a susceptibilidade de construção.
O prédio objecto do presente loteamento, na parte susceptível de construção, a única que permitia criar lotes urbanos (cf. definição no n.º1 do artigo 3º daquele RPDM), tem uma área de 8792,6m2. Logo, só poderia ser objecto do loteamento a área do prédio com aptidão edificativa, ou seja, a área de 8792,6m2. Consequentemente, o cálculo do índice de construção bruto tem de se fazer com relação à área de 8792,6m2 e não à de 11.720m2 – cf. artigo 3º, n.º8, do RPDM de Óbidos (11.720m2-2927,41m2=8792,6m2).
Assim, o índice de construção bruto aferido para os 8792,6m2, mesmo considerando os declarados 3075,18 m2 de área total de construção (cf. facto P., ora aditado), ultrapassa o limite de 0,30 permitido pelos artigos 36º, n.º 1, c), 37º, n.º 3 alínea b), do RPDM de Óbidos, estimando-se em 0,349 (3075,18: 8792,6m2=0,349).
Ou seja, o projecto de loteamento em apreço, ao incluir uma área RAN de 2927,41m2 e ao fazer incluir na aferição do índice de construção bruto essa área, viola os artigos 8º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06, 8º do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, 4º, n.º 1, alínea d), 36º, n.º 1, c), 37º, n.º 3 alínea b), do RPDM de Óbidos.
Consequentemente, nos termos do artigo 56º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, são nulos os actos ora impugnados por violarem as citadas normas do RPDM de Óbidos.
Saliente-se, que nestes autos o DMMP não impugna o parecer que foi concedido pela CRRA nos termos do artigo 9º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14.06, nem invoca que tal parecer haja violado o n.º 2 desse preceito, por não estar em causa nenhuma das situações ali elencadas. Sobre tal pronúncia o DMMP é omisso.
O Recorrente vem ainda dizer que na área bruta de construção também haviam de ser excluídos os espaços de tardoz, construídos sob a forma de telheiro, com área máxima de 10m2, ou 5% da área do lote, que não estão integrados no artigo 3º, n.º 7 do PDM, nem são um espaço de uso público.
Aqui falecem as alegações do Recorrente.
Conforme artigo 3º, n.º 7, do RPDM de Óbidos, a área total de construção é a «soma das áreas brutas de todos os pavimentos, medida pelo extradorso das paredes exteriores, acima e abaixo do solo, com exclusão de instalações técnicas e garagem, localizadas nas caves dos edifícios, varandas, galerias exteriores públicas ou outros espaços livres de uso público cobertos e não encerrados».
Ora, em primeiro lugar, telheiros serão alpendres feitos com telhas, portanto, apesar de puderem ter pavimentos, não terão paredes exteriores, nomeadamente construídas acima do solo (provavelmente se o tivessem seriam varandas ou terraços). Por conseguinte, um telheiro, não ficará abrangido pela 1º parte do n.º 7 do artigo 3º do RPDM.
Mas, mesmo que assim não se entendesse, aquele preceito, na 2º parte, exclui as varandas, galerias exteriores públicas ou outros espaços livres de uso público cobertos e não encerrados. Nessa medida, aqui haveria que incluir-se um telheiro, já que será um espaço, que ainda que possa estar pavimentado, é apenas uma cobertura de telhas, algo com menor construção que uma varanda.
Lembramos, que com aquele índice, «área total de construção», pretende-se medir a área de construção principal ou relevante. Face à definição do preceito, conclui-se, ainda, que dali quis-se arredar todas as construções complementares ou anexos à construção principal.
Neste sentido, refira-se a definição constante do Vocabulário do Ordenamento do Território, nº5, da DGOTDU (2000), que define área bruta de construção como o «Valor expresso em m2, resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e abaixo do solo, medidas pelo extradorso das paredes exteriores com exclusão de: Sotãos não habitáveis; Áreas destinadas a estacionamento; Áreas técnicas (PT, central térmica, compartimentos de recolha de lixo, etc.); Terraços, varandas e alpendres; Galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação; O conceito de área de construção pode ser aplicado exclusivamente a um uso específico, designadamente: Área de construção de comércio; Área de construção de serviços; Área de construção de habitação; Área de construção de indústria ou armazéns.».
Ou seja, um telheiro, que não resulta da matéria alegada e provada nos autos que seja sequer pavimentado, não deverá ser incluído na «área total de construção», face ao artigo 3º, n.º 7, do RPDM de Óbidos.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida;
- julgar procedente a acção e declarar a nulidade da deliberação e despachos impugnados, designadamente da deliberação de 16.02.1998, da CMO, que deferiu o pedido de loteamento e dos despachos de 06.12.1999, 24.01.2000, 09.04.2001, 24.09.2001, 22.05.2002, 31.07.2002, do Presidente da CMO, que deferiram pedidos de licenciamento de construção.
- determinar custas pelos Recorridos, em partes iguais;
- atendendo ao pedido formulado nesta acção e à decisão ora proferida, nos termos dos artigos 3º, n.º1, alínea a), 8º-A, n.º1, alínea b), 8º-A, 3, alínea a) e 53º do CRP, envie a Secretaria do TCA, após transito desta decisão, à Conservatória do Registo Predial de Óbidos, cópia da PI e do presente Acórdão, com indicação da data do respectivo trânsito, para efeitos de promoção do registo.
Lisboa, 24 de Abril de 2013
(Sofia David)
(Carlos Araújo)
(Teresa de Sousa)