Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 06790/13 |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 11/10/2016 |
| Relator: | JOAQUIM CONDESSO |
| Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”). ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO. ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO. CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO). I.R.S. INCUMPRIMENTO DO DEVER DECLARATIVO DO SUJEITO PASSIVO. ARTº.76, Nº.3, DO C.I.R.S. LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. REFORMA DA LIQUIDAÇÃO OFICIOSA. REGIME DA REFORMA DE ACTOS ADMINISTRATIVOS. |
| Sumário: | 1. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil). 2. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma. 3. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada. 4. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva. 5. A estruturação da liquidação oficiosa ao abrigo do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo, tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, não atendendo ao mínimo de existência consagrado no artº.70, do C.I.R.S., e mais levando em consideração somente as deduções previstas nos artºs.79, nº.1, al.a), e 97, nº.3, do C.I.R.S. 6. Esta liquidação oficiosa de I.R.S. é passível de ser reformada, por força do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., desde que dentro dos prazos e nos termos previstos nos artºs.45 e 46, da L.G.Tributária. 7. Na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO L..., com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.267 a 271 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação oficiosa de I.R.S., relativo ao ano de 2009 e no montante total de € 24.453,40.X RELATÓRIO X X O recorrente termina as alegações (cfr.fls.283 a 292 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:1-Não sendo a declaração anual de rendimentos de modelo n.°3 apresentada até 30 dias após o termo do prazo fixado na lei, cabe à Administração Tributária proceder a uma liquidação ao abrigo e nos termos das alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 76 do CIRS; 2-Dessa liquidação cabe reclamação nos termos do artigo 68° e seg. do CPPT; 3-Quando nessa reclamação é pedida a anulação da liquidação, como foi, não procede a omissão de pronúncia da AT com fundamento numa alegada redacção da reclamação em termos vagos, especialmente se não forem indicados, como não foram, os elementos que estariam em faIta; 4-Donde que a AT deveria ter conhecido da reclamação oportunamente deduzida pelo recorrente contra a liquidação oficiosa, sob pena de violação do princípio da decisão (art. 56 da LGT); 5-Sendo a declaração de modelo n.° 3 apresentada já depois de ter sido notificada a liquidação oficiosa do ano em falta mas antes de caducado o direito de liquidação, deve esta liquidação ser corrigida em face dos elementos constantes daquela declaração e dos que lhe servem de suporte e segundo o regime de tributação do contribuinte, tal como impõe o disposto nos artigos 76.°, n.° 4, do CIRS e 45 e 46 da LGT; 6-Esta revisão do acto tributário sai reforçada quando a própria AT, sujeito público da relação tributária, que, em obediência aos princípios materiais daquela relação, convola aquela declaração em reclamação graciosa e se propõe conhecê-la; de resto, tal como o impõe a boa fé nas reIações jurídicas; 7-Ficando o conhecimento desta reclamação prejudicado com a oposição deduzida em execução fiscal convertida em impugnação judicial contra a liquidação oficiosa e reiterando a AT, na sua contestação, o propósito de rever a liquidação, deve o Tribunal suspender a instância e ordenar à AT que profira decisão sobre a reclamação graciosa, aguardando os autos a resolução da questão prejudicial; 8-Diz-se que a decisão da reclamação pela AT constitui questão prejudicial porquanto devem ser resolvidas no processo de impugnação judicial todas as questões relacionadas com o tributo para o ano fiscal considerado e o sentido da decisão administrativa é susceptível de repercutir-se na utilidade da acção; 9-Assim, tendo sido pedido na acção a revisão da liquidação oficiosa e tendo a AT declarado nos autos que não efectuou essa operação apenas porque teve que juntar o processo administrativo aos autos, o pedido foi confessado: pretensão e contestação equivalem-se; 10-Mesmo que se entendesse não suspender a instância para a AT conhecer da reclamação e prosseguir os autos, à face do disposto no n. 4 do artigo 76 do CIRS outra decisão não caberia no julgamento da causa; 11-A liquidação realizada nos termos das alíneas b) e c) do n.1 do art. 76 do CIRS não é um acto tributário imutável, votado a fixar irreversivelmente a matéria coIectáveI e o tributo relativos a um ano fiscal não declarado; 12-Na falta de apresentação da declaração de modelo n.3, compreende-se razoavelmente que a lei faculte ao Estado um mecanismo para assegurar a arrecadação da receita fiscal em momento mais ou menos contemporâneo daquele em que esta seria devida; 13-Mas a adopção desse mecanismo, no caso o previsto nas alíneas b) e c) do n.1 do art. 76 do CIRS, conduz a resultados provisórios, a menos que o contribuinte nunca venha a apresentar a declaração de rendimentos em falta ou não haja lugar a inspecção tributária; 14-Essa provisoriedade resulta desde logo do critério estabelecido na referida alínea c);estará ínsita nessa previsão (previsão que é falível) a circunstância de a AT dispôr de elementos relativos a rendimentos da categoria B isentos de retenção na fonte e, por consequência, não constantes de declarações de modelo n. 10; 15-Depois, como a Iiquidação oficiosa não extingue a obrigação de entregar a declaração de modelo n. 3, no caso de esta ser entregue antes de caducado o direito de liquidação, o disposto no n.° 4 do artigo 76 do CIRS impõe que a liquidação seja revista à luz dos elementos declarados e dos que Ihes servem de suporte e nos termos próprios do regime de tributação do sujeito passivo; 16-Quando este n. 4 refere que "a liquidação pode ser corrigida", o predicado pode não se refere a um poder discricionário mas sim a um poder vinculado: a AT é autorizada mas obrigatoriamente a rever a liquidação; 17-Como no caso concreto a declaração de modelo n. 3 foi apresentada antes do direito de liquidação ter caducado, a revisão da liquidação oficiosa à luz dos elementos declarados pelo recorrente é um acto devido pela AT; 18-Este acto é devido por força do princípio da verdade declarativa e da preferência legal pela avaliação directa na determinação da matéria colectável, tal como é enfatizado pela própria AT; 19-É também devido pela boa fé que conforma a relação tributária, na medida em que deve prevalecer a materialidade subjacente às situações jurídicas em detrimento das questões de forma; 20-A entrega das declarações de modelo n. 3 não constitui a expressão de uma declaração de vontade nem tem natureza constitutiva da obrigação de imposto uma vez que a sujeição dos rendimentos a IRS nasce com a colocação de remunerações à disposição do sujeito passivo (artigo 2, n.° 10, do CIRS) ou com a exigibilidade de IVA (art.3 n. 6, do mesmo código); 21-Portanto, constituindo a declaração de modelo n. 3 apenas um veículo para a transmissão de informação tributária sem qualquer relevância na constituição da obrigação de imposto, não deverá a falta da sua entrega ter qualquer implicação na determinação da matéria colectável definitiva, desde que verificados os demais pressupostos, tal como acontece nos autos; 22-A liquidação oficiosa, em si mesmo considerada, é susceptível de gerar um enriquecimento sem causa, quer para o Estado, quer para o contribuinte; 23-Esse enriquecimento sem causa verifica-se porque, à face dos princípios e regras jurídicos que vêm sendo enunciados, a medida do tributo é passível de ficar aquém ou exceder a medida do tributo que resulta dos princípios materiais tributários; 24-A liquidação oficiosa é cega à proporcionalidade consagrada no n. 1 do art. 103 e no n.° 1 do artigo 104 da Constituição, pois, não toma em consideração a verdade dos rendimentos nem as circunstâncias pessoais do contribuinte; 25-Por isso, a interpretação do disposto nas alíneas b) e c) do n.1 do art. 76 do CIRS, no sentido de que a liquidação oficiosa não é passível de modificação, por força do n. 4 do mesmo artigo, quando o contribuinte entrega a declaração de modelo n. 3 antes de caducado o direito de liquidação é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade estabelecido naqueles dois preceitos constitucionais; 26-A sentença recorrida não aplicou estes preceitos constitucionais nem o disposto no n. 4 do art. 76 do CIRS; 27-Ao confirmar a liquidação oficiosa, sancionou um enriquecimento sem causa a favor do Estado e que se expressa na circunstância de o requerente acabar por ser condenado a pagar um tributo de montante correspondente a 55,3 % do rendimento efectivamente auferido em 2009 e que está documentado pelos meios próprios; 28-O enriquecimento sem causa (genericamente previsto no artigo 473.° do Código Civil), constituindo um princípio basilar e estruturante da ordem jurídica e um limite ao exercício de qualquer poder, é questão que não cumpre conhecer apenas no caso de a pretensão ser julgada procedente; 29-Na hipótese inversa, como no caso dos autos, não conhecer do enriquecimento sem causa alegado consubstancia uma omissão de pronúncia, tal como consta do artº.668, nº.1, al.d), do C.P.Civil; 30-Esse conhecimento é devido porquanto se repercute na medida da matéria colectável e do imposto devido; 31-Por conseguinte, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, assim como é ilegal por violar a regra da correcção da Iiquidação oficiosa e por gerar um enriquecimento sem causa a favor do Estado. X Não foram produzidas contra-alegações.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do presente recurso (cfr.fls.305 a 309 dos autos).X Corridos os vistos legais (cfr.fls.311 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.X A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.268 e 269 dos autos):FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO X 1-Em 31/01/2011, foi processada a liquidação oficiosa de IRS relativamente ao ano de 2009 e tendo como sujeito passivo o impugnante, L..., com o n.i.f. …, na qual foi efectuado o apuramento do rendimento colectável nos termos do disposto nas alíneas b) e c), do n°1, do art° 76° do CIRS, da categoria A declarado pela entidade devedora e da categoria B, de acordo com a totalidade da matéria tributável do ano de 2007, face a não apresentação da declaração periódica de rendimentos daquele ano, após notificação para o efeito (cfr.demonstração de liquidação junta a fls.140 e 141 dos presentes autos; documentos juntos a fls.144 e 145 dos presentes autos); 2-A liquidação referida no nº.1 teve por base o documento de correcção única, o qual apurou o rendimento líquido da categoria B em conformidade com o regime de contabilidade organizada (cfr.documentos juntos a fls.144 a 152 dos presentes autos; informação exarada a fls.96 a 105 do processo administrativo apenso); 3-Em 13/3/2011, o recorrente remeteu ao 1º. Serviço de Finanças de O... um requerimento pedindo a anulação da liquidação identificada no nº.1, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, mais defendendo que na liquidação do tributo em causa se devem considerar os elementos fornecidos pelo contribuinte (cfr.requerimento junto a fls.39 e documentos de fls.44 a 64 dos presentes autos); 4-Após a instauração de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida de IRS do ano de 2009 liquidada oficiosamente ao impugnante e da apresentação, em 23/05/2011, de uma petição de oposição convolada na presente impugnação judicial, em 14/07/2011 foi apresentada pelo sujeito passivo uma decIaração periódica de rendimentos Modelo 3, de substituição, relativa a IRS do ano de 2009, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, a qual foi convolada em reclamação graciosa (cfr.articulado inicial junto a fls.3 e seg. dos presentes autos; cópia de autos de execução fiscal junta a fls.153 e seg. dos presentes autos; despacho exarado a fls.159 dos presentes autos; informação constante de fls.184 a 194 dos presentes autos; documento junto a fls.243 a 250 dos presentes autos). X A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita…”.X Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.X Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, mais convalidando o acto tributário impugnado (cfr.nº.1 do probatório).ENQUADRAMENTO JURÍDICO X X Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar e em sinopse, que a sentença recorrida não se pronunciou sobre questões que devia apreciar. Concretamente, não conheceu do enriquecimento sem causa alegado o que consubstancia uma omissão de pronúncia, tal como consta do artº.668, nº.1, al.d), do C.P.Civil (cfr.conclusões 3 e 28 a 30 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar, supomos, uma nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida. Examinemos se o presente processo enferma de tal vício. A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito: 1-Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; 2-Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artº.615, do C.P.Civil. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37). No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/5/2011, proc.4629/11). Mais se dirá que a sentença nula é a que está inquinada por vícios de actividade (erros de construção ou formação), os quais devem ser contrapostos aos vícios de julgamento (erros de julgamento de facto ou de direito). A nulidade da sentença em causa reveste a natureza de uma nulidade sanável ou relativa (por contraposição às nulidades insanáveis ou absolutas), sendo que a sanação de tais vícios de actividade se opera, desde logo, com o trânsito em julgado da decisão judicial em causa, quando não for deduzido recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6608/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.122 e seg.). Trata-se, em qualquer caso, nesta nulidade, de falta de pronúncia sobre questões e não de falta de realização de diligências instrutórias ou de falta de avaliação de provas que poderiam ter sido apreciadas. A falta de realização de diligências constituirá uma nulidade processual e não uma nulidade de sentença. A falta de avaliação de provas produzidas, tal como a sua errada avaliação, constituirá um erro de julgamento da matéria de facto. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e referir se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P. Tributário). Ainda, a nulidade de omissão de pronúncia impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Por último, embora o Tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (cfr.artº.608, nº.2, do C.P.Civil), a omissão de tal dever não constituirá nulidade da sentença, mas sim um erro de julgamento. Com efeito, nestes casos, a omissão de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso deve significar que o Tribunal entendeu, implicitamente, que a solução das mesmas não é relevante para a apreciação da causa. Se esta posição for errada, haverá um erro de julgamento. Se o não for, não haverá erro de julgamento, nem se justificaria, naturalmente, que fosse declarada a existência de uma nulidade para o Tribunal ser obrigado a tomar posição explícita sobre uma questão irrelevante para a decisão. Aliás, nem seria razoável que se impusesse ao Tribunal a tarefa inútil de apreciar explicitamente cada uma das questões legalmente qualificadas como de conhecimento oficioso sobre as quais não se suscita controvérsia no caso concreto, o que ressalta, desde logo, da dimensão da lista de excepções dilatórias de conhecimento oficioso (cfr.artºs.577 e 578, do C.P.Civil), e da apreciável quantidade de vícios geradores de nulidade contida no artº.133, nº.2, do C.P.Administrativo (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 28/5/2003, rec.1757/02; ac.T.C.A.Sul-2.ªSecção, 25/8/2008, proc.2569/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2012, proc.3171/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7119/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.365). Revertendo ao caso dos autos, deve, manifestamente, concluir-se que não padece a decisão recorrida de qualquer vício de omissão de pronúncia, desde logo, porque tal questão nem sequer foi identificada como causa de pedir do articulado inicial junto a fls.3 a 5 dos presentes autos. Atento o acabado de mencionar, não se vê que a sentença recorrida tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso. Mais alega o recorrente, em síntese, que a A. Fiscal devia ter conhecido da reclamação oportunamente deduzida pelo recorrente contra a liquidação oficiosa, sob pena de violação do princípio da decisão (artº.56, da L.G.T.). Que sendo a declaração modelo nº.3 apresentada já depois de ter sido notificada a liquidação oficiosa do ano em falta mas antes de caducado o direito de liquidação, deve esta liquidação ser corrigida em face dos elementos constantes daquela declaração e dos que lhe servem de suporte e segundo o regime de tributação do contribuinte, tal como impõe o disposto nos artºs.76, nº.4, do C.I.R.S., e 45 e 46, da L.G.T. (cfr.conclusões 4 a 6 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida. Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09). Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379). Revertendo ao caso dos autos, da matéria de facto retira-se que a A. Fiscal estruturou uma liquidação oficiosa relativa ao ano fiscal de 2009 e da qual surge como sujeito passivo o ora recorrente, ao abrigo do artº.76, nº.3, do C.I.R.S., tudo em virtude do incumprimento do dever declarativo do sujeito passivo (cfr.nºs.1 e 2 do probatório). A estruturação de tal liquidação tem por base os elementos de que a Fazenda Pública disponha, não atendendo ao mínimo de existência consagrado no artº.70, do C.I.R.S., e mais levando em consideração somente as deduções previstas nos artºs.79, nº.1, al.a), e 97, nº.3, do C.I.R.S. (cfr.artº.76, nº.3, C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc. 8818/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14). Contudo, esta liquidação oficiosa de I.R.S. é passível de ser reformada, por força do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., desde que dentro dos prazos e nos termos previstos nos artºs.45 e 46, da L.G.Tributária, contrariamente ao que entendeu o Tribunal "a quo". Todavia, estes dois artigos da L.G.T. apenas se referem a prazos (de caducidade do direito a liquidação e seu modo de contagem), que não aos termos em que a liquidação pode ser corrigida. A correcção de um acto tributário pode ser obtida, nos termos do artº.79, nº.1, da L.G.T., através de revogação, ratificação, reforma, conversão ou rectificação. Igualmente se deve levar em consideração o prazo e condições de revisão do acto tributário previstos no artº.78, da L.G.T. Pelo que, a dita norma constante do artº.76, nº.4, do C.I.R.S., deve ser interpretada no sentido de a liquidação poder ser corrigida, antes de completado o prazo de caducidade, nos termos dos ditos artºs.78 e 79, da L.G.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14). "In casu", situando-se a apresentação da declaração de substituição identificada no nº.4 do probatório, dentro do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (cfr.artº.76, nº.4, do C.I.R.S.), atento tudo o aludido supra, deve o Tribunal ordenar a anulação parcial da liquidação oficiosa identificada no nº.1 da matéria de facto, mais se ordenando a sua reforma tendo por base o conteúdo da citada declaração de substituição. Por último, se dirá que, na sequência de anulação parcial da liquidação, se for efectuada uma nova liquidação, relativa à parte não anulada, ela substituirá a primeira, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al.d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.7660/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.7421/14; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, 2012, pág.727 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, II volume, 2011, pág.344). Prejudicado fica o exame dos restantes fundamentos da apelação. Arrematando, sem necessidade de mais extensas considerações, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, a qual padece do vício de erro de julgamento de direito incidente, além do mais, sobre as normas constantes dos artºs.76, nº.4, do C.I.R.S., e 79, nº.1, da L.G.T. ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão. X Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a impugnação deduzida, anular a liquidação oficiosa identificada no nº.1 do probatório, mais se ordenando a sua reforma tendo por base o conteúdo da declaração de substituição reconhecida no nº.4 da factualidade provada.DISPOSITIVO X X Custas a cargo do recorrido e em ambas as instâncias, sem prejuízo da dispensa do pagamento da taxa de justiça devida no âmbito da instância de recurso, visto não ter contra-alegado. X Registe.Notifique. X Lisboa, 10 de Novembro de 2016 (Joaquim Condesso - Relator) (Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto) (Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto) |