Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11831/02
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/12/2002
Relator:Helena Lopes
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÕES.
CONTAGEM DOS PRAZOS DOS NºS 1 E 2 DO ART.º 82.º DA LPTA
Sumário:1. O prazo de 10 dias estabelecido no n.º 1 do art.º 82.º da LPTA tem natureza procedimental administrativa, aplicando-se à sua contagem o disposto no art.º 72.º do CPA.
2. O prazo de um mês estabelecido no n.º 2 do mesmo preceito tem natureza substantiva de caducidade, contando-se nos termos da alínea c) do art.º 279.º do Código Civil.
3. Tal prazo, como o de interposição de recurso conta-se sem recurso à alínea b) do art.º 279.º do C.C., começando a contar-se a partir do dia em que acaba o prazo estabelecido no n.º 1 e termina no dia correspondente do mês seguinte.
4. O processo relativo à intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões, por ser um processo urgente, corre em férias judiciais (art.º 6.º da LPTA).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo.

1. Relatório.
1.1. S......– Companhia de Segurança, S.A., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, de 23/10/2002/, que indeferiu o pedido de intimação para que o Senhor DELEGADO DO INSTITUTO E INSPECÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO lhe facultasse os documentos a que se refere o documento de fls. 13 e 14, da mesma veio interpor recurso jurisdicional, concluindo como se segue:
“1.º O regime legal previsto no art.º 6.º da LPTA, pressupõe a existência de um procedimento judicial, procedimento judicial esse que se inicia com o pedido de intimação efectivamente deduzido junto do respectivo Tribunal Administrativo. Até esse momento, o da propositura do pedido em Tribunal, não existe procedimento judicial e, nesse âmbito considerado, encontramo-nos perante um procedimento administrativo.
2.º Pelo que até à instauração do respectivo procedimento judicial, aplica-se o regime legal previsto no art.º 72.º do CPA no que se refere à contagem de prazos, e nomeadamente o disposto no n.º 1 alínea c) do mesmo dispositivo legal.
3.º Na perspectiva assim delineada, resulta que na contagem do prazo de 30 dias previsto no art.º 82.º, n.º 2, da LPTA, é de aplicar a regra devidamente estabelecida no art.º 279.º, alínea e), do Código Civil, na medida em que o disposto no art.º 6.º da LPTA só terá aplicabilidade depois de instaurado o procedimento judicial efectivo.
4.º Pelo que a douta sentença proferida de fls. ... dos presentes autos datada de 23-10-2002, salvo o devido respeito, deverá improceder, na íntegra, na medida em que sendo aplicável o disposto no art.º 279.º, alínea e) do Código Civil, o prazo de 30 dias que terminava em férias judiciais, transferiu-se para o primeiro dia útil, ou seja, 16-09-2002, pelo que o direito do ora recorrente não se encontrava, nem se encontra extinto.
5.º Mas caso assim se não entendesse, sempre haveria lugar à aplicabilidade do regime legal quanto à contagem de prazos previsto no art.º 72.º do CPA, na medida em que o disposto no art.º 6.º da LPTA apenas vigora a partir do momento em que é accionado o respectivo processo judicial e não antes, sendo assim aplicável o disposto no artigo 72.º n.º 1 alínea c) do CPA, pelo que o prazo de 30 dias que terminava em férias judiciais, e por isso em dia em que os Tribunais não estavam abertos ao público, transferiu-se para o primeiro dia útil, ou seja, 16-09-2002.
6.º Mas caso ainda assim se não entendesse e de outra vertente apreciada, da conjugação dos artigos 15.º, n.º 1, 17.º, da Lei n.º 65/93, de 26/08, alterada pela Lei n.º 8/95, de 29-03, e pela Lei n.º 94/99, de 16-07, com o disposto no art.º 82.º, n.º 2, da LPTA, salvo melhor entendimento, conclui-se que a contagem do prazo de 30 dias é efectuada nos mesmos termos da contagem do prazo de 10 dias previsto no art.º 15.º, n.º 1, ou seja, observando-se as regras estabelecidas no art.º 72.º do CPA, pelo que na vertente apreciada, é aplicável o disposto no art.º 72.º, n.º 1, alínea c), do CPA, pelo que o prazo de 30 dias que terminava em férias judiciais, e por isso em dia em que os Tribunais não estavam abertos ao público, transferiu-se para o primeiro dia útil, ou seja, 16.09.2002.
7.º Assim e porque viola o disposto no art.º 72.º, n.º 1, alínea c), do CPA, bem como o disposto no art.º 17.º da Lei n.º 65/93, de 26/08, alterada pela Lei n.º 8/95, de 29.03, e pela Lei n.º 94/99, de 16-07, assim como o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, deve a douta sentença proferida de fls. ...dos presentes autos ser revogada e, substituída por outra decisão que não considerando extinto o direito do recorrente à intimação, defira o pedido formulado pela mesma em sede dos presentes autos.”.
1.2. A entidade agravada não apresentou contra-alegações.
1.3. O M.P. pronunciou-se pelo improvimento do recurso e, consequentemente,
pela manutenção da sentença recorrida.
1.4. Foram colhidos os vistos legais.

2. FUNDAMENTAÇÃO.
2.1. Resulta dos autos a seguinte factualidade:
A) Por requerimento da requerente, patrocinada por advogado, expedido em 5 de Julho de 2002, esta solicitou ao requerido o seguinte:
- Ao abrigo do disposto no artigo 61.º e seguintes do CPA a minha cliente
vem por meu intermédio requerer a V. Ex.as se dignem prestar informação quanto à existência de quaisquer documentos escritos (cartas, participações, queixas ou denuncias) nominativas (excluindo os dados de terceiros) ou anónimas, contra a minha cliente e eventual existência de auto de notícia nesse Instituto.
- Quais as resoluções, actos e diligências que esse Instituto fez recair sobre tal
documentação.
- Passagem de certidão do conteúdo da documentação supra referida se
eventualmente existente.
- Ou, caso não existam quaisquer desses documentos, requer-se a passagem de
certidão em como à data da respectiva emissão não existem nesse Instituto quaisquer participações, queixas ou denuncias, emitidas e remetidas por particulares contra a minha cliente.
Tais informações e certidões destinam-se à preparação dos adequados processos judiciais e extrajudiciais, a propor por responsabilidade civil e criminal, adveniente de factos ilícitos praticados por anteriores e actuais colaboradores da minha cliente.”. – vide docs. de fls. 13 e 14 e de fls. 15;
B) O pedido de intimação deu entrada em Juízo em 13 de Setembro de 2002 – vide requerimento inicial;
C) Sobre o referido requerimento não foi emitida qualquer pronúncia.

2.2. SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO.
2.2.1. A sentença recorrida indeferiu o pedido de intimação com base na
seguinte argumentação:
“Nos presentes autos, verifica-se que a requerente é interessada no procedimento ou procedimentos administrativos sobre a matéria em causa, a autoridade administrativa é a competente para prestar as informações e para ordenar a passagem das certidões dos documentos pedidos, tendo decorrido o prazo de 10 dias sem que tivessem sido passadas as reproduções dos documentos.
Porém, como salienta o Ministério Público, a requerente dispunha do prazo de um mês para intentar o presente meio acessório, conforme se estipula no n.º 2 do art.º 82.º da LPTA, acima transcrito, mas tal prazo encontra-se ultrapassado.
Este prazo de um mês tem natureza substantiva, de caducidade, contando-se nos termos da alínea c) do art.º 279.º do Código Civil, iniciando-se a partir do dia em que acaba o prazo de 10 dias de que a entidade administrativa dispõe para responder ao pedido.
Por sua vez, este prazo de 10 dias (previsto quer no art.º 82.º, n.º 1, da LPTA, quer no art.º 15.º, n.º 1, da Lei n.º 65/93, de 26.08), tem natureza procedimental, contando-se nos termos do art.º 72.º do CPA. Sobre a contagem dos prazos, cfr. os Acórdãos do STA (...)”.
Assim, tendo o requerimento da requerente sido expedido no dia 05.07.2002, o prazo de 10 dias iniciou-se em 10.07.2002 e terminou no dia 24.07.2002, começando a contar-se o prazo de 30 dias em 25.07.2002, o qual terminou no dia 25.08.2002.
Não é aplicável a este prazo o disposto na alínea e) do art.º 279.º do Código Civil, uma vez que se trata de processo urgente que corre em férias judiciais, nos termos do art.º 6.º da LPTA.
Nesta conformidade, verifica-se que em 13.09.2002, data da entrada do processo em juízo, já se encontrava extinto o direito da requerente à intimação da entidade requerida, impondo-se, pois, o indeferimento do pedido formulado neste meio acessório.”.

2.2.2.
Dispõe o art.º 82.º da LPTA:
1- A fim de permitir o uso de meios administrativos ou contencioso, devem as autoridades públicas facultar a consulta de documentos ou processos e passar certidões, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, no prazo de 10 dias, salvo em matérias secretas ou confidenciais.
2- Decorrido esse prazo sem que os documentos ou processos sejam facultados ou as certidões passadas, pode o requerente, dentro de um mês, pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade para satisfazer o seu pedido.
O processo de intimação encontra-se inserido na Secção II do Capítulo VII da LPTA sob a rubrica “meios processuais acessórios”.
Na regulamentação deste meio processual levada a efeito pelo citado art.º 82.º da LPTA, há que distinguir a parte que diz respeito à actuação da Administração da que se insere ou decorre já no âmbito dos tribunais administrativos. É que enquanto o n.º 1 do art.º 82.º consubstancia um comando à Administração, regulado pelas normas aplicáveis ao procedimento administrativo, o n.º 2 estabelece o regime a seguir, no caso do silêncio ou omissão da Administração, para o acesso aos tribunais administrativos.
Daí que o prazo de 10 dias estabelecido no art.º 82.º da LPTA seja um prazo procedimental aplicável ao processo administrativo, aplicando-se-lhe o regime da contagem do prazo estabelecido no art.º 72.º do CPA, segundo o qual não se contando o dia em que ocorreu o evento do qual o prazo começa a correr, suspende-se, porém, nos sábados, domingos e feriados (alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 72).
Ao invés, o prazo de um mês a que se refere o n.º 2 do art.º 82.º LPTA, é um prazo substantivo de caducidade e não um prazo de procedimento administrativo, nem judicial ou adjectivo, pelo que se lhe aplicam as normas a que se reportam o art.º 279.º do Código Civil. Tal prazo, como os de interposição de recurso, conta-se sem recurso à alínea b) do art.º 279.º do Código Civil, ou seja, a partir do dia em que acaba o prazo estabelecido no n.º 1 e termina no dia correspondente ao mês seguinte. E sendo o processo relativo à intimação para consulta de documentos ou passagem de certidões um processo urgente (art.º 6.º da LPTA), corre este em férias judiciais, o que equivale a dizer que se o prazo terminar em férias judiciais não é o mesmo susceptível de ser transferido para o primeiro dia útil seguinte a essas férias.
Aplicando-se ao caso concreto os regimes assim definidos, verifica-se que tendo o requerimento da requerente sido expedido no dia 5 de Julho de 2002, o prazo de 10 dias iniciou-se em 10 de Julho de 2002 e terminou no dia 24 de Julho de 2002 (artigos 82.º, n.º 1, da LPTA e 72.º do CPA).
Começando naquela data, 24 de Julho, a contar o prazo de um mês a que se refere o n.º 2 do art.º 82.º da LPTA, para o requerente pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade requerida, este prazo terminou, por aplicação do art.º 279.º, alínea c) e 296 do Código Civil, no dia 24 de Agosto de 2002 (vide, por todos, o Ac. do STA, de 17 de Julho de 1996, in rec. n.º
Tendo o pedido de intimação dado entrada no Tribunal Administrativo do Círculo em 13 de Setembro de 2002, já havia caducado o correspondente direito do recorrente por estar esgotado o prazo para o seu exercício.
Improcede, por isso, as conclusões da agravante.

3. DECISÃO.
Termos em que acordam em, negando provimento ao recurso, manter a sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos supra expostos.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 100 € e a procuradoria em metade.
Registe e notifique.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2002.