Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12211/03
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/27/2003
Relator:João Beato de Sousa
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONUNCIA
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência no TCA:

J....e outros, identificados nos autos, vieram interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que indeferiu o pedido de suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Setúbal, de 6-11-02, que decretou o encerramento do Parque de Campismo Municipal “Toca do Pai Lopes”.

Transcrevem-se as conclusões da alegação dos Recorrentes:

a) As medidas cautelares, nomeadamente a suspensão da eficácia do acto, assumem particular importância no contencioso administrativo em virtude do efeito não suspensivo do recurso de anulação.
b) O presente recurso representa a não conformação dos recorrentes com a decisão do Tribunal de Círculo de Lisboa no tocante à não suspensão da eficácia da deliberação camarária de Setúbal de 06/11/02 que ordena o encerramento do parque municipal, por errada aplicação dos pressupostos da providência constantes das alíneas do art. 76° nº1 da LEPTA.
c) Efectivamente, a execução da deliberação causará prejuízo de difícil reparação para os requerentes e para os interesses que defendem no recurso de anulação já interposto.
d) Na verdade, o Parque Municipal de Setúbal não é substituível por outro, são-lhe reconhecidas características ímpares, nomeadamente a privilegiada localização e os profundos laços de amizade que unem grande parte dos seus utentes, acrescendo o facto de o parque ter sido fundado no princípio da Século XX, constituindo um inegável marco da cidade de Setúbal.
f) Pelo que os prejuízos não se podem reduzir a uma operação aritmética como pretende a sentença recorrida, isto é, quanto gastam neste e quanto gastariam noutro qualquer.
g) A suspensão da deliberação camarária não determina grave lesão do interesse público.
h) Na verdade, a requerida não se atreveu a afirmar que o Parque Municipal tinha deficiências que punham em causa a segurança dos utentes. O encerramento deve-se apenas, e só, à circunstância de não pretender realizar, como lhe competia, despesa de manutenção com o estabelecimento.
i) Não podia a sentença recorrida fazer tamanha extrapolação, no sentido de o parque constituir um perigo para a segurança dos seus utentes, em face do alegado pela requerida, da documentação junta aos autos e dos factos dado como provados.
j) A invocação de um programa "Polis" e de um “Parque urbano de Albarquel" cujo plano de pormenor, ao que consta, ainda não está aprovado e início de obras é de todos desconhecido, é manifestamente insuficiente para fundamentar grave lesão do interesse público.
I) A sentença recorrida não se pronunciou quanto ao alegado programa e respectivo parque urbano pelo que não pode deixar de estar ferida de nulidade – cfr. art. 668 n° 1 d), ex vi art. 102° da LEPTA.

O Recorrido apresentou a contra-alegação constante de fls. 89/93.

O Ministério Público proferiu o douto parecer de fls. 104/105, desfavorável ao provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Matéria de facto assente:

I - A Câmara Municipal de Setúbal é a entidade que explora o parque de campismo de Setúbal “Toca do Pai Lopes”, situado na área de jurisdição da “Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, AS”.
II - A Direcção do Parque cabe ao vereador do pelouro, coadjuvado pelo chefe de divisão do Turismo da Câmara de Setúbal [Cfr. doc. de fls. 8 e 9 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] .
III - Em 6 de Novembro de 2002, a C. M. Setúbal submeteu a aprovação a proposta DTA/18/02, relativamente ao encerramento do Parque de Campismo Municipal -- "Toca do Pai Lopes" [Cfr. docs. de fls. 10/12 e 28/34 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] .
IV - Na aludida proposta refere-se que o Município teria de efectuar investimento avultado em ordem a cumprir com o relatório de vistoria elaborado em 22-5-2002 pela Companhia de Bombeiros Sapadores de Setúbal, no âmbito da prevenção e segurança contra incêndios. [Idem, e também doc. de fls. 13/15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] .
V - Refere ainda a mesma proposta que, no âmbito do Programa Polis [Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades] foi aprovado o Plano Estratégico de Setúbal, no qual se encontra previsto para o local onde se situa o parque, a edificação de um parque urbano denominado de Parque Urbano de Albarquel [Idem, doc. de fls. 10/12 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido] .
VI - A proposta foi aprovada em minuta, em reunião de 6-11-2002.
VII - Com data de 7 de Novembro de 2003, foi publicado o Edital n° 252/2002, o qual, no seu ponto 6. determina “o encerramento do Parque de Campismo Municipal "Toca do Pai Lopes”, a partir das 17 horas do dia 31-1-2003, a não aceitação de novas admissões a partir de 31 de Outubro, visando a ocupação de alvéolos vagos, ou a vagar a partir dessa data, e ordenar aos utentes a remoção dos seus bens que ali se encontrarem até ao dia do encerramento, considerando-se os mesmos, a partir de então, abandonados, isentando-se o Município da sua guarda." [Cfr. docs. de fls. 16/18 e 46/48 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido].
VIII - Os requerentes são utentes do parque de campismo municipal de Setúbal, denominado “Toca do Pai Lopes", e utilizam-no durante todo o ano, nele se encontrando durante todos os seus tempos livres.
IX - Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos que constituem fls. 19 a 24 dos autos.

O direito:

Enfrenta-se em primeiro lugar a questão da nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, arguida na conclusão l) da alegação dos Recorrentes.
De facto, estes puseram em causa a veracidade da iminência de uma intervenção urbanística no âmbito do Programa Polis, anunciada na deliberação impugnada como justificação para o encerramento do parque de campismo.
Com isto, os Recorrentes visaram persuadir o Tribunal a quo da verificação do requisito do artigo 76º/1/b) da LPTA, ou seja, intentavam demonstrar que a suspensão do acto não seria determinante de grave lesão do interesse público.
Todavia, o Tribunal veio a concluir pela não demonstração desse requisito por outro motivo, com base no relatório de uma vistoria efectuada pelos Bombeiros Sapadores de Setúbal, considerando que seria de recear pela segurança dos frequentadores do parque, se este se mantivesse em funcionamento, atentas as graves deficiências nele detectadas a vários níveis.
Assim, o Tribunal apreciou e resolveu a questão atinente à grave lesão do interesse público que poderia ou não advir da suspensão da execução do acto, tendo-se limitado a desprezar um aspecto da argumentação dos Recorrentes que ficou logicamente prejudicado pela solução adoptada.
Deste modo, não ocorre a arguida nulidade.

Segue-se a apreciação das condições de procedência do pedido, começando pelo requisito previsto no artigo 76º/1/a) da LPTA.
Insurgindo-se contra a decisão do Tribunal a quo que negou a demonstração no caso de tal requisito – a par do requisito da alínea b) - os Recorrentes imputaram-lhe o “equívoco” de “considerar que a contabilização dos prejuízos, para os requerentes, se reduz a uma mera operação aritmética”.
E deixaram claro que os danos invocados “não são contabilizáveis” (subentenda-se, em termos de expressão pecuniária) antes se traduzindo, para os requerentes, na “impossibilidade de continuarem a utilizar o parque de campismo municipal”.
Com efeito, alegam, o referido parque municipal de Setúbal seria para si “insubstituível”, quer pela localização privilegiada quer pelo ambiente de amizade aí criado, fruto de longos anos de convívio.
Esta perspectiva, espelhada nas conclusões d) e f) da alegação de recurso, significa que os “prejuízos de difícil reparação” invocados se circunscrevem à esfera jurídica não patrimonial dos Recorrentes.
Nos termos gerais de direito, com expressão no artigo 496º do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se [apenas] aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Que danos são esses ?
Na síntese formulada pelo Prof. Mário Júlio Almeida Costa (in Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 521) “a lei não os enumera, antes confia ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial se mostra digno de protecção jurídica. Serão irrelevantes, designadamente, os pequenos incómodos ou contrariedades, assim como os sofrimentos ou desgostos que resultam de uma sensibilidade anómala”.
Nesta senda, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 18-1-94, AP-DR de 20-12-96) que “os danos morais só são susceptíveis de relevarem como prejuízos de difícil reparação, para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 76º da LPTA, se os mesmos forem de reputar como graves e, por via disso, mereçam a tutela do direito, não sendo relevantes as susceptibilidades de cariz subjectivo, que escapam a um comportamento comum ou normal”.
Noutro douto acórdão do STA (Ac. de 7-3-96, BMJ 455), decidiu-se que não mereciam a tutela do direito, ao ponto de serem indemnizáveis, os danos morais sofridos pelos membros de determinado culto em resultado da execução da deliberação camarária que determinou o encerramento do local que vinham utilizando para a sua actividade religiosa.
É um facto que as pessoas comuns encaram com alguma nostalgia o encerramento das escolas, das instituições, dos cafés que frequentaram e onde passaram bons momentos de convívio, mas já seria atributo de uma personalidade patologicamente hipersensível sofrer com isso um dano capaz de merecer a tutela judicial.
De modo semelhante, entendem os signatários que os danos invocados pelos Recorrentes, em função do encerramento do parque de campismo que costumavam frequentar, não são indemnizáveis.
Assim, embora com fundamentação parcialmente diversa, é de manter a decisão de 1ª instância no que concerne à não demonstração no caso vertente do requisito previsto no artigo 76º/1/a) da LPTA, e tanto basta para que a suspensão da eficácia do acto não possa ser decretada.

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes, com € 100 de taxa de justiça per capita.

27 de Março de 2003