Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00288/04
Secção:Contencioso Administrativo- 2.º Juízo
Data do Acordão:10/28/2004
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PROBATÓRIO
PODERES DE SUBSTITUIÇÃO DO TCA
Sumário:1. A não especificação dos fundamentos de facto que suportam o juízo jurídico emitido pelo Tribunal traduzido no comando que configura o direito do caso concreto constitui causa de nulidade de sentença- artº 668 nº 1 b) CPC, ex vi artº 140º CPTA.

2. Incorre neste vício a sentença que se apresenta omissa de probatório e, por isso, insusceptível de fundamentar de facto a decisão jurídica da causa.

3. Nesta circunstância, cabe ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido por impossibilidade de o tribunal ad quem, em substituição, reapreciar o julgamento da matéria de facto provinda da 1ª instância e o ali julgado - artºs. 712º nº 1 a) e nº 4 CPC, ex vi artº 140º CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:J..., com os sinais os autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do processo eleitoral e eleição do Presidente do Instituto Politécnico da Guarda realizada em AG de 18.03.2004, dela vem recorrer, concluindo como segue:

1. O presente processo de contencioso eleitoral foi interposto na sequência da eleicão para o cargo de Presidente do Instituto Politécnico da Guarda, ocorrida em 18 de Março p.p., imputando o requerente um conjunto de ilegalidades ao processo eleitoral e à própria eleição.
2. O aresto em recurso entendeu não conhecer de nenhuma ilegalidade imputada ao acto eleitoral, tendo considerado que só poderia conhecer dessas ilegalidades depois de o resultado eleitoral ter sido homologado pelo ministro que tutela o ensino superior politécnico, pelo que, enquanto tal não sucedesse, não se estava perante um acto lesivo, pressuposto essencial para a instauração de um processo de contencioso eleitoral.
3. Salvo o devido respeito, ao não conhecer do mérito e ao rejeitar o processo de contencioso eleitoral por o acto eleitoral não ter sido homologado pelo Ministro da tutela, o aresto em recurso enferma de um claro erro de Julgamento, violando frontalmente o disposto nos art°s 97º e 98° do CPTA e o direito fundamental à tutela Jurisdicional efectiva, |assegurada pelo n° 4 do art° 268° da Constituição e pelo art° V do CPTA. Senão vejamos
4. Resulta logo do n° l do artº 97º que o âmbito do contencioso eleitoral abrange a impugnação de actos administrativo» em matéria eleitoral, pelo que é desprovido de sentido reduzir o âmbito deste contencioso à impugnação de um só acto administrativo - o acto homologatório do resultado eleitoral -, sobretudo quando a lei fala no plural - actos - e não apenas no singular, como sucederia se o objectivo fosse o de limitar a impugnação ao acto final que homologa o resultado das eleições. Para além disso,
5. Resulta à evidencia do n° 3 do artº 98º do CPTA que pode haver actos anteriores ao próprio acto eleitoral a serem impugnados em processo de contencioso eleitoral e, sobretudo, que o acto eleitoral é o acto que por excelência deve ser objecto de impugnação em sede de contencioso eleitoral, pelo que é por demais manifesto que a tese subjacente ao aresto em recurso não encontra qualquer apoio no texto da lei, da qual resulta suficientemente claro não se condiciona o contencioso eleitoral apenas ao acto que homologue o resultado eleitoral.
6. Sempre a nossa mais autorizada doutrina entendeu que o processo de contencioso eleitoral abrange todos os actos e omissões praticados ou não durante todo o processo eleitoral, integrando a própria eleição e os actos que a antecederam (v. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa. 4a ed., pág. 229 e SANTOS BOTELHO, Contencioso Administrativo 2ª ed., pág. 386), pelo que é manifesto o erro de julgamento em que incorre o aresto em recurso ao julgar improcedente o processo de contencioso eleitoral com o argumento de que o resultado eleitoral ainda não fora homologado.
7. Refira-se, aliás, que também sempre a jurisprudência do Venerando Supremo Tribunal Administrativo partilhou de semelhante entendimento, sempre tendo reconhecido que em parte alguma o contencioso eleitoral é restrito à Impugnação do acto que homologa o resultado eleitoral, pelo que também por esto prisma é notório o desacerto do aresto em recurso (v. o. Acº de 15/6/93, Rec. nº 31838; o Acº de 1/10/98, Proc. n° 44180;. o Acº de 6/7/2000, Proc. n° 46236).
8. Se ainda assim restassem algumas dúvidas em como o contencioso eleitoral não é restrito ao acto homologatório, então teria bastado ao Tribunal a quo ter consultado algumas decisões proferidas sobre a matéria pelo Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente os acórdãos de 27/6/2002 (Proc. nº 922/02), de 21/B/2002 (Proc. nº 583/02), de 14/8/2002 (Proc. nº 1160/02) e de 2/10/2002 (Proc. n° 1372/02), todos eles referentes a processos de contencioso eleitoral para o Instituto Politécnico de Viseu, os quais foram admitidos e julgados apesar de não estarem os resultados eleitorais homologados pelo Ministro da tutela (homologação essa que, como é prática habitual, só veio a ocorrer depois de decididos judicialmente aqueles processos de contencioso eleitoral).
9. Assim sendo, torna-se inquestionável o erro de Julgamento em que incorreu o aresto em recurso ao não conhecer do mérito do contencioso eleitoral interposto com o argumento de que ainda não havia sido praticado o acto homologatório das eleições, tese esta que, aliás, se afigura completamente desajustada no tempo, sobretudo depois da entrada em vigor da reforma do contencioso administrativo, uma vez que nada mais representa do que um "reavivar de forma encapotada” da já há muito abandonada definitividade como pressuposto do recurso à jurisdição administrativa.
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A parte contrária contra-alegou nos termos que se transcrevem:

Foi o presente recurso jurisdicional interposto da douta sentença que julgou improcedente a acção, por entender não haver acto lesivo enquanto o resultado das eleições não fosse homologado pelo
Ministro da tutela.
Pensa-se que, neste recurso jurisdicional, assiste razão ao recorrente.
Na verdade e duma forma muito sumária, a lei, a jurisprudência e a doutrina mostram que os procedimentos eleitorais são caracterizados pelo chamado principio da aquisição progressiva dos actos e que (com certas limitações) a impugnação contenciosa dos mesmos é possível em relação a cada fase.
Como já nos autos se escreveu, ensina JORGE MIRANDA, que "O Direito eleitoral político constante da Constituição e da lei servem de direito subsidiário da regulamentação de quaisquer outras eleições, públicas ou privadas, que decorram no âmbito da ordem jurídica portuguesa" (Estudos de Direito Eleitoral. Lex, Lisboa, 1995, pág. 102).
Por outro lado, recorda M. FREIRE BARROS, citando jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o procedimento eleitoral "(...) é marcado pelo chamado princípio da aquisição progressiva dos actos, de acordo com o qual, os diversos estádios, depois de consumados e não contestados no prazo legalmente conferido para o efeito, não podem ser ulteriormente impugnados" (Conceito e natureza Jurídica do recurso contencioso eleitoral. Almedina, Coimbra, 1998, pág. 98).
No mesmo sentido, pode ver-se o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22/05/2002, no Recurso n°. 0747/02, cujo ponto l do Sumário é do seguinte teor: "O contencioso eleitoral desenvolve-se por fases, de tal modo que os vários actos ou omissões não se projectam na fase subsequente do iter processual, o que significa que os mesmos se consolidam na ordem jurídica, caso não sejam impugnados no prazo previsto no art. 59°, n°.2 da LPTA" (www.dgsi.pt).
A mesma ideia está subjacente ao art. 98°., n°.3 da LPTA, ao apontar para a estabilização da fase dos cadernos das listas eleitorais.
Pensa-se, pois, que o presente recurso jurisdicional merece provimento.

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O EMMP junto deste TCA Sul emitiu parecer no sentido que se transcreve:

J... vem interpor recurso jurisdicional da sentença de 3/6/2004 do Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que julgou improcedente a acção de contencioso eleitoral proposta contra o Instituto Politécnico da Guarda.
Invoca erro de julgamento e violação de lei.
Sufragando os argumentos desenvolvidos, quer pelo recorrente, quer pela entidade recorrida, com os quais concordamos inteiramente, afigura-se-nos que o recurso merece provimento, devendo ser revogada a sentença recorrida e ordenada a baixa dos autos à lª instância, a fim de ser apreciado e decidido o mérito da causa.

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Substituídos os vistos pelas competentes cópias entregues aos Exmos Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36 nºs. 1 e 2 CPTA e 707º 2 CPC ex vi artº 140º CPTA.

DO DIREITO

Vem assacada a sentença de incorrer em violação primária de lei substantiva por erro de julgamento em matéria de interpretação do objecto do contencioso eleitoral, artº 97º nº3 CPTA na medida em que entendeu insusceptível de impugnação contenciosa o acto eleitoral antes da respectiva homologação.
Todavia, o teor da sentença recorrida evidencia a inexistência de probatório, sem dúvida alguma por lapso decorrente da extensão da peça decisória, mas que, só por si e em face da causa de pedir vazada na petição inicial, contribui para a ausência de fundamentação do discurso jurídico e do sentido da decisão da causa.
Dito de outro modo, da sentença não resulta, porque não os especifica, quais os fundamentos de facto que suportam o juízo jurídico emitido pelo Tribunal traduzido no comando que configura o direito do caso concreto (1).
Diz-nos Alberto dos Reis que “uma decisão sem fundamentação equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”, sancionada, nos termos do artº 668º nº 1 b) CPC com a nulidade (2).
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Do que vem dito resulta a insusceptibilidade de dar cumprimento ao disposto no artº 712º nº 1 a) CPC, isto é, reapreciar, em via de substituição, o julgamento da matéria de facto provinda da 1ª Instância e o ali julgado, admissível apenas quando do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e tendo por pressuposto que a decisão recorrido emitiu pronúncia sobre a matéria de facto.
Uma coisa é o tribunal de recurso em 2ª Instância reapreciar o julgamento da matéria de facto e, por substituição do tribunal recorrido e no sentido confirmativo da decisão, alterar o probatório aditando-lhe factos decorrentes dos elementos fornecidos pelo processo.
Outra, completamente distinta, é renovar o probatório de alto abaixo, ainda que com fundamento nos meios de prova constantes dos autos, e integrar a omissão de sentença tanto quanto aos factos essenciais identificadores da situação jurídica invocada pela parte como quanto aos factos complementares, indispensáveis à procedência da causa – artº 264º CPC (3).
Nesta segunda hipótese, trata-se não de ampliar mas de fixar ex novo e na sua totalidade a factualidade que fundamenta a decisão e tal não é adjectivamente possível por se traduzir na supressão de um grau de recurso no domínio da matéria de facto.

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Em suma, considera-se indispensável a explicitação da matéria de facto na medida do teor dos documentos que substanciam a controvérsia vazada petição inicial pelo A, ora Recorrente, no confronto com os facto vazados na resposta do R, ora Recorrido, matéria de facto absolutamente silenciada no registo da prova.
Assim sendo, na medida em que vem alegado erro de julgamento sobre a interpretação de norma adjectiva de contencioso eleitoral – no que ambas as partes, curiosamente, estão de acordo - mas inexiste a matéria de facto objecto da subsunção porque não se mostra discriminada no probatório, essa falta de discriminação impossibilita, nos termos supra referidos, que o Tribunal ad quem julgue em substituição recorrendo ao mecanismo estatuído no artº 712º nº s. 1 e 4, 1ª parte, CPC.


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Pelo que vem dito, impõe-se o recurso oficioso aos meios cassatórios de anulação da sentença proferida, por deficiência da decisão em matéria de facto – cfr. artº 712º nº 4 CPC, ex vi artº 140º CPTA – ordenando a sua baixa à 1ª Instância para preenchimento da lacuna.

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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – 2º Juízo em, ex officio anular a sentença proferida - artº 712º nº 4 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

Sem tributação.

Lisboa, 28.10.2004.

Cristina Santos
Teresa de Sousa
Coelho da Cunha

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(1) Oliveira Ascenção, O direito – introdução e teoria geral, Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª edição, 1980, págs. 186, 488 e 489 – “Tudo o que assenta numa regra, deriva directamente da verificação histórica duma situação ou acontecimento que corresponde à previsão normativa (..)a sentença tem mais alguma coisa que a mera aplicação (..) tem, justamente o comando dirigido às partes, para pautarem a sua conduta neste ou naquele sentido (..) dirige em determinado sentido a valoração genérica da lei (..) Logo, diremos que a sentença não cria o direito no caso singular, mas concretiza-o; nova o título da situação individual; e reforça-o, nos casos normais, com um comando dirigido às partes (..)”.
(2) Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra/1981, pág. 139.
Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex/1997, 2ª edição, pág. 221.
(3) Miguel Teixeira de Sousa, Obra citada em (2), págs, 70 a 75, 350/351, 415 e 446/447.
Miguel Teixeira de Sousa, Obra citada em (2), págs, 70 a 75, 350/351, 415 e 446/447.