Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00658/05
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:04/14/2005
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
DIREITO À INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
Sumário:1. Há excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte - artºs 668º nº 1 d) 2ª parte, 661º nº 1 e 668º nº 1 e) CPC aplicáveis ex vi artº 1º CPTA.

2. O Tribunal incorre em omissão de pronúncia quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso - artº 668º nº 1 d) 1ª parte CPC.

3. No âmbito do direito à informação procedimental a Administração está obrigada a prestar as informações que concorram para a formação, manifestação e execução da decisão administrativa a proferir, ou proferida, no procedimento administrativo relativamente ao qual o direito à informação é convocado - artºs. 268º nº 1 CRP e 61º nºs. 1 e 2 CPA.

4. Entendem-se por documentos normativos os suportes de informação que contêm dados pessoais - artº 4º nº 1 b) da Lei 65/93, 23.08 (LADA)

5. No acesso a documentos nominativos não há que atender ao limite da reserva imposto no artº 8º nº 2, LADA - interesse directo, pessoal e legítimo - referência excludente do estatuído no nº 1 do citado artigo, se o requerente da certidão é a própria pessoa a quem o procedimento diz respeito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Director do Departamento Geral de Administração do Ministérios dos ......, com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, dela vem recorrer concluindo como segue:

I. Nos termos conjuntos do art. 62° CPA. (ou do art. 3° da Lei n.° 65/93, de 26 de Agosto) e dos arts. 104° e segs. CPTA, o processo de intimação para passagem de certidões, enquanto meio de tutela judicial do direito à informação procedimental ou extra-procedimental dos interessados, pressupõe necessariamente a existência inequívoca, nos arquivos sob responsabilidade da autoridade requerida. do(s) documento(s) cujo acesso se requer, não bastando a sua mera detenção pelo requerente.
II. A extensão do dever à informação procedimental ou extra-procedimental da Administração é delimitada (dentro do acervo existente) pela expressão gramatical do(s) pedido(s) dos interessados e/ou por uma correcta identificação/especificação dos documentos cujo acesso se pretende, logo que tal seja possível, a par da manutenção do interesse no acesso [vide, em especial, n.° 3 do 62° CPA {...documentos que constem dos processos a que tenham acesso...) e art. 13° da Lei n.° 65/93 de 26 de Agosto (elementos essenciais à identificação dos documentos) e ainda arts. 6°-A CPA e art. 8° CPTA)].
III. Nos termos conjuntos do n.° 3 do art. 3° e art. 526° CPC e art. 1° e n.° 2 do art. 107° do CPTA, devem ser efectuadas todas as diligências que se demonstrarem necessárias, assim se garantindo uma correcta e ponderada fixação da matéria de facto, essencial à correcta aplicação do Direito (vide, quanto aos princípios gerais de apreciação crítica da prova e de prudência do julgador, n.° 2 do art. 653° e art. 655° CPC).
IV. Ao não conhecer da pronúncia da autoridade requerida no processo principal sobre o requerimento de 18 de Maio de 2004 (e documentos anexos) e ao ignorar certidão de teor emitida em 16 de Junho de 2004, que, em si e nos documentos n.°s l (doc. n.° 1-R-l), 2 (doc. n.° 4-R-l), 3 (doe. n.°2-R-l) e 4 (doc. n.° 11-R-l), consubstancia o processo de acreditação do ora recorrente, objecto do seu pedido, no acervo existente no arquivo documental do serviço central da responsabilidade do Director do Departamento Geral de Administração, a sentença recorrida não se pronuncia sobre questões que devia obrigatoriamente apreciar, a saber a ilegitimidade do ora Recorrente quanto às "notas verbais trocadas entre a Embaixada de Portugal em Berna e p Département Fédéral des Affaires Étrangères" e consequentemente a inutilidade superveniente da lide, face ao interesse manifestado pelo ora Recorrido, no seu requerimento de 17 de Janeiro de 2005 (R-2) circunscrito pela frequência e pela intenção expressa a nº 4 a essas comunicações pelo que se deve considerar nula, nos termos conjuntos da alínea d) do art. 668° CPC e arts. 107° e 149° CPTA.
Mas ainda que assim se não entenda,
V. Sendo notório o erro de apreciação e fixação da matéria de facto em que incorre a sentença recorrida [a fls. 5 e sob III – H) e I)], e requerimentos de 18 de Maio de 2004 e 17 de Janeiro de 2005, a fls. 26 a 29 e 205 e 206 dos autos) quanto à localização de documentos emitidos por ou arquivados em serviço periférico externo do MNE (notas verbais trocadas entre a Embaixada de Portugal em Berna e o Département Fédéral des Affaires Ètrangéres), sempre a mesma deveria ser revogada por erro manifesto nos pressupostos de facto, nos termos expostos supra em I, III e IV, e absolvido da instância quanto aos mesmos documentos o ora Recorrente dirigente de serviço central do MNE, por evidente ilegitimidade [ex vi n.° 2 do art. 493° e alínea e) do art. 494° CPC].
VI. Não se encontrando a Administração obrigada, no âmbito de um pedido de acesso aos processos, individual e de acreditação, do (e só do) ora recorrido, a disponibilizar-lhe documentos respeitantes à acreditação dos funcionários do quadro único de vinculação da Embaixada de Portugal em Berna, sempre a sentença recorrida deveria ser revogada por novo erro de (leitura e de) julgamento, nos termos expostos em II, e absolvido o ora Recorrente do pedido quanto a tais documentos (ex vi n.° 3 do art. 493° CPC).
VII. Porque notória e confessadamente circunscrito o interesse do ora recorrido ao seu processo de acreditação (a n.°s 9 e 10 do seu requerimento R-1 e n.°s 4, 5 e 6 do requerimento R-2) e consequentemente cumprido o dever de acesso ao volumoso processo individual do ora Recorrido (3 dossiers com 91, 180 e 240 folhas respectivamente) por parte da Administração, mormente pela emissão de certidão negativa (o ofício n.° 2606), sempre a sentença recorrida deveria ser considerada nula por excesso de pronúncia [ex vi alínea e) do n.° l do art. 668° CPC] Ou revogada por novo erro de julgamento, nos termos expostos em H, e absolvido ora Recorrente do pedido quanto ao volumoso processo individual do ora Recorrido ex vi n.° 3 do art. 493° CPC)
VIII. Mesmo que, por mero absurdo, tais vícios não viessem a ser considerados procedentes, sempre a sentença recorrida se revelaria, no mínimo, carente de reforma por manifestamente inviável a emissão de certidão de teor integral de todos os documentos contidos nos 3 dossiers do processo individual (com 91, 180 e 240 folhas respectivamente) do ora recorrido, num prazo de 10 dias.

*

O Recorrido contra-alegou, concluindo como segue:

A) A Sentença recorrida não oferece o flanco à crítica, porquanto estribou-se na matéria de facto que, de forma evidente, deverá ser dada como provada, em face dos elementos insertos no processo, tendo sido correctamente aplicado o Direito;
B) O Meritíssimo juiz a quo, com imparcialidade, destreza, objectividade e no estrito cumprimento pelo princípio da legalidade conduziu, de forma irrepreensível os trabalhos no âmbito do processo que lhe foi confiado para decidir nos termos da lei;
C) Entre o mais, soube, com objectividade que se impunha e apurado sentido crítico, aferir o que pretendia o Agravado ao requerer a informação ao Agravante nos termos em que o fez;
D) O Agravante, não só no presente Recurso, mas também no âmbito do processo que lhe deu origem, sempre assumiu uma conduta desconforme com os mais elementares princípios da boa fé processual, recorrendo, sistematicamente, a expedientes dilatórios para se furtar ao cumprimento dos deveres legais que sobre si impendem;
E) Toda a argumentação que foi por si aduzida improcede por não encontrar o mínimo de correspondência na lei e, ainda, por laborar em errados pressupostos de facto, principalmente, advogando, sem conhecimento de causa, a existência de um desinteresse do Agravado em obter as certidões quando tal factualidade não correspondente à realidade, comprovada pelas informações que foi transmitindo ao longo do processo;
F) O Agravante, de forma não inocente, tem procurando arquitectar toda uma fundamentação em sua defesa, notoriamente sem sentido e que apenas visa protelar o cumprimento, na sua plenitude, da legítima pretensão informativa formulada pelo Agravado;
G) A alegação de que não é parte legítima na presente acção e que não possui as informações pretendidas pelo Agravado, improcede, principalmente se aferida a sua conduta, uma vez que no decurso do presente processo foi satisfazendo, ainda que em parte, a pretensão informativa do Agravado, o que demonstra um efectivo e pleno acesso às informações que lhe foram requeridas.

*

O EMMP juntou requerimento do seguinte teor:
“(..)
O magistrado do M.° P.°, notificado nos termos dos art. 146 n.° 2 e 147 do CPTA para, querendo, se pronunciar sobre o mérito do recurso vem sugerir a V.Ex.a que, ao abrigo do art. 744 n.º 5 do CPC ordene a baixa do processo à 1a instancia para serem cumpridos os art. 668 n.4 e 744 n.° l do CPC visto que, como das alegações e conclusões do recurso se alcança, foi assacada ao julgado a nulidade do art. 668 n.° l al. d) do mesmo código e o Mmo Juiz, sem ter dado cumprimento àqueles normativos, mandou subir o processo.
Ora não se mostra esgotado o poder jurisdicional do Mmo. Juiz a quo e tão pouco ouvido o autor do imputada nulidade o que impede o conhecimento do objecto do recurso por este Tribunal e igualmente o M.° P.° de se pronunciar sobre o seu mérito. (..)”.

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Com substituição legal de vistos pelas competentes cópias entregues aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

*

Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A) César Alexandre Matado Lopes Vieira, em 28 de Janeiro de 2004 e em 25 de Março de 2004, dirigiu e apresentou os requerimentos de fls. 8, 9 e 10 dos autos - que aqui se dão por inteiramente reproduzidos - ao Director Geral de Administração do Ministério dos ...... e das Comunidades Portuguesas ( dos°.s n°s. l e 2 de fls. 8 a 10 dos autos e admissão por acordo).
B) Mediante os requerimentos — identificados em "A" - o Requerente apresentou, ao Director Geral de Administração do Ministério dos ...... e das Comunidades Portuguesas, pedido de certidão nos termos e ao abrigo do disposto nos art°s. 12°, n°l, alínea c) e 13°, da Lei n°65/93, de 26.8, na redacção dada pelas Leis n°s. 8/95, de 29.3. e 94/99, de 16.7., nos seguintes termos (dos°.s n°s. l e 2 de fls. 8 a 10 dos autos e admissão por acordo).
i. Certidão de teor integral de todas as comunicações estabelecidas entre o Ministério dos ...... e das Comunidades Portuguesas e o Département Fédéral des Affaires Étrangéres - Protocole, relativas à acreditação do Requerente, desde a data da entrada em vigor do Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos ......, aprovado pelo DecJLei n°. 444/99, de 3 de Novembro até à presente data;
ii. Certidão de teor integral de todos os documentos constantes do seu processo individual.
C) Autoridade Requerida dirigiu o ofício n°. 2606, em 04.04.14., ao Requerente, no qual informa-o de que compulsado o processo individual do Requerente não foram encontradas comunicações oficiais estabelecidas com as autoridades suíças relativas à acreditação da pessoa do Requerente ( cfr. doc°. de fls. 20).
D) A Autoridade Requerida dirigiu o ofício n°. 2988, em 04.04.29, ao Requerente, no qual informa-o de que quanto à certidão do teor integral de todos os documentos constantes do seu processo individual, considerando o volume do mesmo, que o processo estará acessível para consulta nos serviços de 5 a 7 de Maio próximo, das 10 às 12 horas (cfr. doc°. de fls. 21).
E) O Requerente no dia 5 de Maio de 2004 deslocou-se à DSRH do Ministério, e nessa data foram-lhe facultados os 3 dossiers, que compõem o seu processo individual, no qual não constava qualquer documento relativo à sua acreditacão ( admissão por acordo).
F) Na data e deslocação referidas em "E" o Requerente foi informado do facto de existir um processo global de acreditações ( admissão por acordo).
G) Em 6 de Maio de 2004 o Requerente deslocou-se, novamente, à DSRH do Ministério, para consulta dos documentos respeitantes ao seu processo de acreditacão (admissão por acordo).
H) Na sequência da consulta identificada em "G", o Requerente solicitou que lhe fosse fornecida fotocópia dos documentos relativos à sua acreditacão, dos quais lhe foram facultadas fotocópias dos documentos a que correspondem os documentos n°s. l a 11 - constantes a fls. 30 a 46 dos autos - apresentados com o requerimento de fls. 26 a 29 dos autos, os quais aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
I) A Autoridade Requerida não emitiu qualquer certidão a favor do Requerente.

Nada mais se logrou provar com relevância para a decisão da causa.

***
DO DIREITO


Vem assacada a sentença de incorrer em:

1. violação primária de lei adjectiva por:
a. omissão de pronúncia ........................................... ítem IV das conclusões de recurso;
b. excesso de pronúncia ........................................... ítem VII das conclusões;

2. violação primária de direito substantivo por:
a. erro na decisão da matéria de facto [H) e I)] ..................... ítens V e VI das conclusões;
b. erro sobre a estatuição (artº 62º CPA) .............................. ítens I, II, III e VI das conclusões.

Adversativamente, pede o alargamento do prazo de execução fixado em 10 dias.

***

0 discurso jurídico fundamentador em sede de sentença da 1ª Instância é o seguinte:

“(..)
IV - Do Direito
O processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos artºs. 104° a 108°, do C.P.T.A., enquanto — hoje — meio processual autónomo visa a resolução urgente e célere de pretensões que se reconduzem a assegurar o direito à informação administrativa procedimental com assento constitucional, atento o disposto nos art°. 35°, n°s. l a 7 e no art°. 268°, n°s. l e 2, ambos os preceitos legais da C.R.P., os quais mereceram concretização ao nível do direito ordinário, conforme resulta do disposto nos 61° a 65°, do C.P.A. — Código do Procedimento Administrativo.
O art° 65° do CPA estabelece o princípio da " administração aberta", o qual rege e domina o direito à informação, na vertente de acesso aos documentos e arquivos administrativos, o qual visa conferir concretização objectiva ao comando constitucional contido no art°. 268°, n°2, da CRP.
À luz do citado preceito legal — art°.650, n° l do CPA — o acesso aos documentos é limitado e excluído só nos casos em que a lei o fixe, como seja o caso de se reportarem a matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.
De ter ainda em conta o regime da LADA - Lei de Acesso dos Documentos da Administração, contido na Lei n°. 65/93, de 26.8., na redacção pelas Leis n°s. 8/95, de 29.3. e 94/99, de 16 de Julho, á luz do qual o Requerente formulou os pedidos de certidão de teor integral.
O princípio da administração interna é reiterado no regime legal da LADA, a qual nesse sentido disciplina o seu art°. 1° ao estabelecer que: "O acesso dos cidadãos aos documentos administrativos é assegurado pela Administração, de acordo com os princípios da publicidade, transparência, da igualdade, da justiça e da imparcialidade".
O Requerente formulou pedido de informação, na modalidade de pedido de emissão de certidão, e não de mera consulta de processo administrativo, ou de prestação de fotocópias de documentos.
O Requerente é claro no modo de formulação do seu pedido de informação procedimental, mediante pedido de emissão de certidões de teor integral dos documentos, por si identificados ou objecto a que respeitam os mesmos, sendo:
a) documentos relativos ao seu processo de acreditação;
b) documentos do seu processo individual, neste caso, a totalidade dos documentos que compõem o mesmo.
O Requerente tem interesse directo e pessoal nos documentos a que respeitam as certidões peticionadas, por os mesmos constituírem documentação que a si diz respeito, isto é, por se tratarem de documentos nominativos ( cfr. art°.8°,nº l da LADA).
E, ainda, à luz da LADA o modo de o Requerente aceder aos documentos nominativos (cfr. art°. 7°, n°s. 2 a 4 da LADA) pode-o ser através de reprodução mecânica dos mesmos, direito a saber da sua existência e conteúdo.
O Requerente à luz do regime decorrente da LADA - Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, identifica a modalidade do exercício do direito que a lei lhe confere, na de emissão de certidões de teor integral.
A questão a saber nos presentes autos é a de saber se em face ao Requerente ter sido facultada a consulta do seu processo individual e de parte da documentação respeitante ao processo de acreditação, e não obstante a Autoridade Requerida não ter emitido as certidões peticionadas — objecto dos presentes autos e pedidos formulados no mesmo — é de considerar que a pretensão do Requerente mostra-se satisfeita ou não?
A Autoridade Requerida corrobora a tese da resposta afirmativa à questão supra referenciada, pois entende que o facto de o Requerente ter tido acesso e consulta do processo individual e de documentação relativa ao processo de acreditação e atento, ainda, o facto de lhe ter sido facultadas fotocópias de parte dos documentos respeitantes ao processo de acreditação e de o Requerente não ter nomeado/indicado os documentos do processo individual de que pretende certidão — em face do volume de tal processo —
permite concluir que a pretensão do Requerente está satisfeita.
Por seu lado, o Requerente perfilha a tese contrária, a de que o seu pedido mostra-se por satisfazer, já que a Autoridade Requerida não emitiu as certidões peticionadas.
Vejamos, então, o resultado do confronto dos factos dados como assentes, pedido peticionado pelo Requerente e lei aplicável.
*
Da matéria de facto assente resulta que o Requerente teve acesso ao seu processo individual e que lhe foram facultadas fotocópias de parte do seu processo de acreditação.
Porém, tal acesso para consulta e fotocópias só pode ter revestido carácter instrumental quanto aos pedidos formulados pelo Requerente, já que este após a verificação de tais factos, não veio aos autos reformular o seu pedido, pelo contrário reiterou o seu pedido de informação procedimental mediante prestação de certidões de teor integral, as quais a Autoridade Requerida não emitiu até à presente data.
A verdade, a Autoridade Requerida na resposta oferecida vem requerer a extinção da instância, por verificação de inutilidade superveniente da lide, por ter prestado a informarão pedida pelo Requerente ( cfr. fls. 18).
É facto que a Autoridade Requerida permitiu ao Requerente a consulta do seu processo individual, mas também é facto que não emitiu a certidão peticionada pelo Requerente, a de teor integral de todos os documentos que compõem o seu processo individual.
Igualmente é certo que é ao Requerente a quem a lei confere o poder de decidir do modo de exercício do acesso à informação procedimental, se por mera consulta ou por emissão de certidão, não dispondo a Autoridade Requerida do poder para interferir na escolha ou opção da modalidade optada pelo Requerente do aludido direito de informação.
Assim, o facto de ter sido facultado ao Requerente a consulta do processo, não tem por efeito a satisfação da pretensão formulada pelo Requerente, por este ter requerido a emissão de certidão de teor integral
O mesmo dir-se-á quanto ao pedido de certidão de teor integral quanto aos documentos que compõem o processo de acreditação do Requerente, porque a Autoridade Requerida quanto aos mesmos também não emitiu a certidão de teor integral peticionada.
De salientar que o processo de intimação, de natureza urgente, regulado nos art°s. 104° a 107° do CPTA, constitui hoje um meio processual autónomo e principal, e não um meio acessório.
O processo urgente de intimação vem dar concretização ao comando constitucional contido no art°. 268°, n°s. l e 2, da C.R.P., na esteira do princípio da tutela jurisdicional efectiva, isto é, de assegurar o acesso célere à informação procedimental.
O Requerente — com referência a documentos nominativos - à luz da LADA pode exercer o seu direito à informação procedimental mediante:
a) pedido de consulta de processo / documentos;
b) pedido de reprodução de documentos (fotocópias);
c) pedido de emissão de certidão;
ou até, pode, se assim o entender, cumular as várias modalidades que a lei lhe confere.
Não assiste à Autoridade Requerida o poder legal de interferir no meio optado pelo Requerente quanto ao modo de exercício do direito à informação procedimental, só lhe sendo possível apresentar razões válidas, por legais, para vedar o acesso aos processos e/ou documentos, por razões tipificadas na lei, nomeadamente atenta a natureza sigilosa ou similar do documento, mas mesmo nesses casos a Autoridade Requerida é obrigada a emitir as certidões expurgadas das partes que não possam ser do conhecimento público.
*
A Autoridade Requerida entende que o pedido do Requerente está satisfeito, o que não procede, por várias ordens de razões, tais como:
a) A Autoridade Requerida não emitiu as certidões peticionárias, nem apresentou justificação válida, por legal, para a sua não emissão;
b) O facto de o processo individual ser constituído por três volumes não constitui
razão válida para recusa da emissão de certidão de teor integral dos documentos
que o compõem, mas sim eventual razão para justificar a sua emissão para além
do prazo legal;
c) Não carece o Requerente de especificar os documentos do processo individual dos quais requer certidão de teor integral, pois ao requerer a certidão com referência a "todos os documentos que o compõem" a identificação está de modo claro expressa, de molde a possibilitar à Autoridade Requerida saber quais os documentos que deve certificar;
d) É ao Requerente que a lei comete a faculdade de opção e de escolha do modo de exercício do seu direito à informação procedimental;
e) À Autoridade Requerida resta-lhe cumprir com o pedido do Requerente, ou em alternativa oferecer e comprovar a existência de razões impeditivas — de natureza legal e decorrentes da lei aplicável - que lhe impeça de dar provimento ao peticionado pelo Requerente;
f) O interesse do Requerente mostra-se justificado atenta a natureza nominativa dos documentos em questão, não podendo o "volume" dos documentos constituir fundamento para não satisfazer o pedido, mas tão-só razão válida para o mesmo não merecer — eventual -- pronta satisfação;
g) Não foram alegadas, pela Autoridade Requerida, outras razões para além das já aqui apreciadas, que constituam razões impeditivas de não satisfazer o peticionado pelo, ora, Requerente.
h) O oferecimento de consulta de documentos não constitui razão válida para recusar a emissão de certidão de teor integral dos documentos que foram objecto de consulta, pois a lei comete ao Requerente os meios e formas de aceder aos documentos, e é a este que lhe assiste o direito de optar o exercício do direito que a lei lhe confere;
i) A Autoridade Requerida está obrigada a um exercício vinculado da lei aplicável (art°. 268º nºs. l e 2 da CRP; art°s. 61° a 65° do CPA e regime da LADA), cujo exercício não lhe faculta a possibilidade de no lugar do Requerente optar pela modalidade de exercer o acesso aos documentos administrativos.
A verdade é que, o Requerente por não ter obtido a satisfação do seu pedido de informação procedimental, socorreu-se do meio processual adequado, para por esse meio obter a efectivação do seu direito à informação, e veio interpor o presente processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, regulado nos art°s. 104° a 108°, do C.P.T.A..
A resposta oferecida pela Autoridade Requerida não teve por efeito a satisfação da pretensão do Requerente — objecto do presente processo de intimação, e improcedem as razões alegadas pela Autoridade Requerida, por carecidas de fundamento legal
Mostra-se, pois, por cumprir, o dever legal - com assento constitucional — pela Autoridade Requerida, de prestar a informação requerida, à luz do disposto nos art°s.268°, n°2, da , CRP; 61° a 65°, do C.PA., na modalidade de emissão de certidões.
***
V - Decisão
Nestes termos, e, com fundamento no supra exposto, concede-se provimento à pretensão deduzida pelo Requerente, e intima-se a Autoridade Requerida, para no prazo de 10 (dez) dias, prestar as certidões peticionadas, nos seguintes termos:
a) Certidão de teor integral de todas as comunicações estabelecidas entre o Ministério dos ...... e das Comunidades Portuguesas e o Département Federal des Affaires Étrangéres — Procole, relativas à acreditação do Requerente, desde a data da entrada em vigor do Estatuto Pessoal dos Serviços do Ministério dos ......, aprovado pelo Dec. Lei n°. 444/99, de 3 de Novembro, até à presente date;
b) Certidão de teor integral de todos os documentos constantes do seu processo individual.(..)”.

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Diga-se, desde já, que o julgado é para confirmar.

1. omissão e excesso de pronúncia


Nos termos do disposto nos artºs 668º nº 1 d) 2ª parte, 661º nº 1 e 668º nº 1 e) CPC aplicáveis ex vi artº 1ºCPTA, diz-se que há excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.
O Tribunal incorre em omissão de pronúncia, artº 668º nº 1 d) 1ª parte CPC, quando não se pronuncia sobre questões que devesse apreciar, aqui incluída a matéria de conhecimento oficioso.
Cumpre ter presente que “(..) não existe omissão de pronúncia mas um error in judicando, se o Tribunal não aprecia um determinado pedido com o argumento de que ele não foi formulado; aquela omissão pressupõe uma abstenção não fundamentada de julgamento e não uma fundamentação errada para não conhecer de certa questão (..)” (1) .
*
No caso presente, tanto numa como noutra das patologias enunciadas não assiste razão ao Recorrente. Do teor da sentença não resultam as assacadas omissão e excesso de pronúncia pelo quer não incorre em nulidade ex vi artº 668º nº 1 alíneas d) e e) CPC.
Quanto à omissão de pronúncia não é este o caso na exacta medida em que a factualidade referida no ítem IV das conclusões mostra-se fixada na alínea H) do probatório – o mencionado requerimento de 18.06.04 é o constante do probatório por referência a fls. 26/29 dos autos - tendo sido aduzida larga argumentação jurídica no sentido do critério jurídico sustentado no Tribunal a quo em função da referida factualidade das alíneas H) e I).
No tocante ao excesso de pronúncia vem este conceito aplicado de forma jurídicamente indevida, como é patente no corpo alegatório ao dizer-se que “(..) sempre a sentença seria nula por excessiva [al. e) do nº 1 do artº 668º CPC] ou, pelo menos, eivada de novo erro na apreciação da matéria de facto (..)”, pois o excesso de pronúncia e erro de julgamento não se colocam em alternativa face à mesma base material porque se trata de tipologias de erro judiciário absolutamente distintas (2).

Pelo exposto improcedem as questões trazidas a recurso nos ítens IV e VII das conclusões.



2. informação procedimental
documentos nominativos; dados pessoais

No âmbito do direito à informação procedimental, a Administração está obrigada a prestar as informações que concorram para a formação, manifestação e execução da decisão administrativa a proferir ou proferida no âmbito do procedimento administrativo relativamente ao qual o direito à informação é convocado – artºs. 268º nº 1 CRP e 61º nºs. 1 e 2 CPA;
O que quer dizer que para efeitos de exercício dos direitos de informação e consulta de documentos em poder da Administração Pública cumpre definir a linha de demarcação entre a transparência e a reserva.
A transparência da acção administrativa “(..)aparece-nos como acesso à acção administrativa (e designadamente conhecimento da tramitação do procedimento administrativo) e como acesso aos actos e documentos administrativos singularmente considerados (..) prende-se com o interesse do público na clareza, compreensibilidade, inequivocidade da Administração Pública (..) compreende o dever de fundamentação dos actos administrativos (..) adquire ainda relevo em face da efectiva tutela jurisdicional, a fim de evitar o ónus de impugnação de um procedimento de duvidosa configuração. Através dum comportamento transparente a Administração Pública vem a realizar, a final, também, a ideia de imparcialidade, de correcção da acção administrativa, beneficiando da possível composição da conflitualidade de interesses entre sujeitos participantes num determinado procedimento administrativo (..)” (3).
A reserva, entendida como negação do acesso à informação procedimental e extra-procedimental, direito fundamental formalmente constitucional fora do catálogo da Parte I da CRP e de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, tem expressão normativa nas disposições de direito substantivo que concretizam os limites próprios dos direitos que podem ser accionados através do processo de intimação previsto nos artºs. 104º a 108º CPTA (4).
Na medida em que o Recorrido pretende o acesso a documentos nominativos – suportes de informação que contêm dados pessoais, artº 4º nº 1 b), Lei 65/93, 23.08 (LADA) - interessa saber se se verifica o limite de reserva imposto no artº 8º nº 2 por referência excludente do estatuído no nº 1, da LADA nos termos da qual:
1. Os documentos nominativos são comunicados, mediante prévio requerimento, à pessoa a quem os dados digam respeito, bem como a terceiros que daquela obtenham autorização escrita.
2. Fora dos casos previstos no número anterior os documentos nominativos são ainda comunicados a terceiros que demonstrem interesse directo, pessoal e legítimo.
Flui, claramente, do normativo citado, que o acesso a documentos nominativos - documentos cujo teor se reporte a dados pessoais - passa pelo crivo do princípio da reserva sempre que seja requerido por quem seja terceiro relativamente ao sujeito a quem os dados dizem respeito, circunstancialismo em que “(..) o legislador operou uma ponderação dos valores em causa. Os documentos só poderão ser acedidos por terceiros, em duas circunstâncias: ou quando obtenham autorização escrita do titular dos dados pessoais ou desde que demonstrem interesse directo, pessoal e legítimo. (..)” (5).

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Vale isto por dizer que no caso dos autos não há que atender ao limite da reserva pela simples razão de que o requerente do acesso por certidão integral do procedimento é a própria pessoa a quem o mencionado procedimento diz respeito, isto é, o titular do processo de acreditação.
E, por isso, tem toda a razão de ser a seguinte passagem da sentença sob recurso, com evidenciação nossa:
“(..) é ao Requerente a quem a lei confere o poder de decidir do modo de exercício do acesso à informação procedimental, se por mera consulta ou por emissão de certidão, não dispondo a Autoridade Requerida do poder para interferir na escolha ou opção da modalidade optada pelo Requerente do aludido direito de informação.
Assim, o facto de ter sido facultado ao Requerente a consulta do processo, não tem por efeito a satisfação da pretensão formulada pelo Requerente, por este ter requerido a emissão de certidão de teor integral
O mesmo dir-se-á quanto ao pedido de certidão de teor integral quanto aos documentos que compõem o processo de acreditação do Requerente, porque a Autoridade Requerida quanto aos mesmos também não emitiu a certidão de teor integral peticionada.(..)”.

Na medida em que não é apresentada nenhuma referência comprovada à existência de documentos classificados ou de outra natureza secreta - cfr. artº 62º nº 1 CPA -, o argumento restritivo que o Recorrente esgrime, de que o procedimento é volumoso, traduzido num dossier de 3 volumes no total de centenas de folhas, não tem fundamento legal que lhe valha.
Seja volumoso ou não seja o procedimento cuja certidão integral é peticionada, o interessado na prestação de informação pela forma de certidões sujeita-se ao que a lei prevê no artº 62º nº 3 CPA, tem de pagar o preço administrativo na quantia que for devida pelas fotocópias ou outro meio técnico, nos termos do artº 12º nº 1 b) e nº 2 da LADA, -“2. A reprodução nos termos da alínea b) do número anterior far-se-á num exemplar, sujeito a pagamento, pela pessoa que a solicitar, do encargo financeiro estritamente correspondente ao custo dos materiais usados e do serviço prestado, a fixar por decreto-lei ou decreto legislativo regional, consoante o caso.”
No tocante ao prazo de 10 (dez) dias determinado na sentença sob recurso para fotocopiar a documentação pedida, pese embora o Recorrente conclua que é “manifestamente inviável a emissão de certidão de teor integral” naquele prazo, todavia, não apresentou nenhum outro, de modo que, pressupondo a existência de um serviço de repografia com funcionários para o efeito, as cerca de 500 folhas a fotocopiar e organizar à média de 40 por dia calcula-se que não seja incomportável para a normal fluidez do trabalho diário, o que resulta na suficiência de um prazo de 15 (quinze) dias úteis.

Pelo que vem dito não têm sustentação jurídica os erro de julgamento alegados nos ítens V e VI (erro na decisão da matéria de facto) e I, II, III, VI e VII (erro sobre a estatuição do artº 62º CPA) das conclusões da matéria de facto.


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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – 2º Juízo em fixar o prazo de 15 (quinze) dias úteis para processar as certidões requerida e, no mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem tributação por isenção objectiva – artº 73º C nº 2 b) CCJ.

Lisboa, 14.ABR.2005,





(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Coelho da Cunha)


(1) Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, págs. 220 a 223.
(2) Miguel Teixeira de Sousa, Obra citada, págs. 222/223 e 408/410.
(3) Fernando Paulo da Silva Suordem, O princípio da separação de poderes e os novos movimentos sociais, Almedina, 1995, págs.134/135.
(4) Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 7ª edição, 2003, pág. 404.
(5) Raquel Carvalho, Lei de Acesso aos documentos da administração, Publicações Universidade Católica – Porto/2000, pág. 40.