Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5039/01
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/28/2002
Relator:Gomes Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
ART 121 CPT
Sumário:I.- Resultando da sentença que nela se especificaram correcta e abundantemente os factos provados e os fundamentos de direito que justificaram a decisão das questões postas na impugnação, não pode, em tal situação, falar-se de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
II).- O ónus de alegação é consequência do regime de ónus de prova a cargo do impugnante o qual é determinado pelo regime substantivo que enforma a relação jurídica tributária controvertida, nos termos gerais do artº 342º nº 1 C. Civil.
III).- A parte que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo e sob pena de correr o risco de ver inferida a pretensão que deduziu em juízo (artº 516º CPC) é a parte que exerce o direito de acção, no caso, de impugnação do acto tributário.
IV).- Feita a prova pela Fazenda Pública da inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis (artº 360º CC) ou da falsidade dos documentos cuja autoria tenha sido reconhecida (artº 376º nº 1 CC), por excepção ao princípio da indivisibilidade da confissão (artº 376º nº 2 CC) é-lhe possível aproveitar os registos contabilísticos na parte que entenda por correcta e rejeitar a parte viciada por inaptidão para evidenciar o lucro real da empresa em ordem ao lançamento da tributação.
V).- O recurso a métodos indiciários para a determinação do imposto é uma faculdade que assiste ao Fisco, com a margem de livre apreciação conferida pelos artºs 51 e segs. do CIRC quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável nas situações que estão que estão expressamente tipificadas no CIRC e que assumem um carácter excepcional.
VI).- Tem por isso a AF de demonstrar, sem margens para dúvidas, a existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade da impugnante, já que a previsão do artº 51º do CIRC aponta para a necessidade de recorrer a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, procedendo à rectificação de declarações ou à correcção oficiosa, de acordo com os artº. 52º do mesmo Código.
VII).- Não é legítima a dúvida alicerçada numa escrita que não merece qualquer credibilidade por falta de elementos minimamente rigorosos pois em conformidade com o artº 121º CPT, se o facto tributário, no que respeita aos pressupostos e quantificação, resulta duvidoso pese embora a prova produzida pela parte a quem compete o ónus subjectivo - o impugnante - cabe resolver contra a parte contrária - a Fazenda Pública - e dar como não existente o facto tributário, anulando a liquidação, princípio inverso do que vigora no direito adjectivo comum, v.g. artºs. 516º CPC e 346º CC, que impõe a decisão da dúvida contra a parte onerada com a prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA 2ª SECÇÃO DO TCA:
1.- Inconformado com a sentença do Mº Juiz do TT 1ª Instância do Porto que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra a liquidação de IVA de 1992, dela recorre, com os sinais identificadores dos autos, C..., concluindo a sustentar que:
1.- Na fundamentação de facto da sentença proferida o senhor Juiz não teve em conta factos alegados e objecto de prova, importantes para a decisão a proferir.
2.- Tais como: que a doença do impugnante surgida no início do ano de 1992 lhe determinou incapacidade total para o exercício da actividade, o obrigou a pedir reforma antecipada e a manter-se sob vigilância médica até finais de 1993; que por essa razão teve de substabelecer nos processos pendentes, sendo certo que noutros já tinha procuração conjunta; que o Conservador não pode advogar fora da área da comarca; que nos processos de inventário e divisão de coisa comum um advogado representa uma quota parte dos interesses, intervindo normalmente vários advogados; que, desde 1984, o volume de serviço das Conservatórias subiu de tal modo que pouco tempo deixava livre aos Conservadores para o exercício da advocacia; que os honorários não são calculados com base no valor das acções.
3. Tais factos se tidos em conta são suficientes para pôr em dúvida o teor do relatório da fiscalização, reproduzido na Fundamentação de Facto, bem como a existência e quantificação do facto tributário da liquidação adicional efectuada ao impugnante, e consequente anulação, nos termos do artigo 121, n°1 do C.P.T.
4. A sentença não considerando todos os factos provados, e não se pronunciando sobre todas as questões colocadas pelo impugnante, incorre na nulidade prevista no art. 144, n° 1 do C.P.T e 668, n° 1-d) do C.P.C..
5. Nos termos expostos, e porque os autos dispõem de todos os elementos, impõe-se a alteração da matéria de facto conforme referido no n° 2 destas conclusões e dessa forma, a procedência da impugnação.
6. Decidindo-se pela anulação do facto tributário impugnado, nos termos do art. 121, n°1 e com os efeitos do artigo 145 do C.P.T.
Nestes termos entende que concedendo-se provimento ao presente recurso será feita Justiça.
Não foram apresentadas contra – alegações.
A Ex.ma Magistrada do M.° P.°, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*
2.- Na sentença recorrida deram-se como provados os factos seguintes que por nossa iniciativa se subordinam a números:
1.- Com base numa fiscalização levada a efeito ao impugnante, foram-lhe efectuadas correcções em matéria de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) referente a 1992, no montante total de 722.568$00 (103.224$00 do 1° trimestre e 206.448$00 de cada um dos restantes trimestres), sobre uma base tributável trimestral de 1.290.301$00.
2.- O impugnante pagou tais importâncias em 14.05.995.
3.- Notificado das correcções, o impugnante reclamou para o chefe da repartição, o qual a deferiu parcialmente, fixando o IVA em 613.625$00.
4.- Não aceitando tal fixação, reclamou para a comissão distrital de revisão, a qual, deferindo parcialmente à reclamação, fixou o IVA em 392.231 $00 (56.033$00 do primeiro trimestre e 112.066$00 por cada um dos restantes trimestres).
5.- É do seguinte teor o relatório de fiscalização subjacente às correcções:
«(...)
1 - Da análise dos números transcritos no quadro V n.° 1, os valores declarados pelo Sujeito Passivo ficam muito aquém do que seria legitimo esperar.
2 - Podemos constatar através do Livro mod. 8 (al. c) do n.° 1 do art. 50° do CIVA) que, neste exercício, apenas procedeu à emissão de 13 recibos mod. 6 (art. 107° do CNRS), que descriminámos:
(...)
3 - Conforme já referido, o Sujeito Passivo dedica-se diariamente à actividade de advocacia, em consultas no seu escritório, exercendo em exclusividade esta actividade a partir de 01.08.92 todavia, apenas emitiu um recibo (...).
4 - Exerceu funções de Conservador do Registo Predial até 31.07.92. o desempenho de tais funções coloca-o em situação de privilégio em relação a outros profissionais de advocacia, na resolução de casos do direito de propriedade, inventários, partilhas extrajudiciais, procuradoria, etc., tendo requerido, para o efeito, várias certidões junto das repartições de finanças, conforme pudemos verificar.
5 - Os recibos descriminados no ponto 2, referem a totalidade dos serviços prestados peto Sujeito Passivo, no valor de 376.960$00, o que é manifestamente inferior aos honorários recebidos pela prestação destes serviços, os quais, se estimam, além do declarado, em 1.500.000$00.
6 - Por averiguações levadas a efeito junto dos Tribunais Judiciais de Amarante, Baião e Marco de Canavezes e Tribunal de Círculo de Penafiel, podemos constatar que embora o Sujeito Passivo intervenha pouco em processos crime, não emitiu qualquer recibo mod. 6 (art. 107° do CIRS) para preparos dos processos, petições, acompanhamento das acções e honorários pelo que, se estimam estes serviços prestados em 500.000$00.
7 - A sua intervenção é fundamentalmente exercida em processos cível, tendo-se verificado através da relação mod. 11 a que se refere o art. 116° do CIRS (junta-se fotocópia) que, no ano em análise, transitaram em julgado 16 acções no valor de 21.074.702$00, não tendo emitido nenhum recibo mod. 6 (art. 107° do CIRS), aos constituintes destas acções.
Podemos ainda constatar que tem várias acções pendentes no Tribunal Judicial de Amarante, Tribunal de Circulo de Penafiel e Tribunal da Relação do Porto, estas últimas, por ter interposto recurso.
Considerando que nas acções de maior vulto, o Sujeito Passivo cobra a percentagem de 10% do valor das acções e que nas acções inferiores a 2.000.000$00, cobra entre 20% a 40% do valor das acções, presumimos honorários de 15% ao valor das acções transitadas em julgado.
(...)».
6.- Em Janeiro de 1992, o impugnante foi acometido de enfarte de miocárdio, tendo o seu médico assistente recomendado 6 meses de convalescença e que não mais exercesse a sua profissão.
7.- Algumas das procurações que lhe haviam sido outorgadas pelos constituintes, foram objecto de substabelecimento por parte do impugnante.
8.- O impugnante não interveio, como mandatário, em qualquer processo de natureza cível ou criminal, durante 1992, no Tribunal Judicial de Marco de Canavezes; da mesma feita, não interveio em processos crime nos Tribunais de Comarca e de Círculo de Penafiel.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos de fls. 6 a 11,16 e 17 e 77 a 89 dos autos, bem como na informação de fls. 14.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem. As demais asserções da douta petição inicial constituem antes meras considerações pessoais do impugnante (justificativas da sua discordância do teor do relatório) e conclusões de facto e/ou direito.
*
3.- O recorrente assaca à sentença recorrida a nulidade nos termos dos arts. 144°/1 do C.P.T. e 668° , n° 1-d) do C.P.C e 660°/2 do C.P.C., estes subsidiariamente aplicáveis, em virtude de não ter considerado todos os factos provados, e não se ter pronunciado sobre todas as questões colocadas pelo impugnante.
Da análise da sentença recorrida vê-se claramente que nela se especificaram correcta e suficientemente os factos provados e os fundamentos de direito que justificaram a decisão.
Não pode, por isso, sustentar-se que a sentença recorrida seja nula já que o Sr. Juiz não deixou de se pronunciar sobre alguma questão que devesse apreciar.
Essa questão, pelo que se vê das alegações, é a falta de pronúncia na douta sentença recorrida sobre a questão de saber se na fundamentação de facto da sentença proferida o senhor Juiz não teve em conta factos alegados e objecto de prova, importantes para a decisão a proferir, tais como: que a doença do impugnante surgida no início do ano de 1992 lhe determinou incapacidade total para o exercício da actividade, o obrigou a pedir reforma antecipada e a manter-se sob vigilância médica até finais de 1993; que por essa razão teve de substabelecer nos processos pendentes, sendo certo que noutros já tinha procuração conjunta; que o Conservador não pode advogar fora da área da comarca; que nos processos de inventário e divisão de coisa comum um advogado representa uma quota parte dos interesses, intervindo normalmente vários advogados; que, desde 1984, o volume de serviço das Conservatórias subiu de tal modo que pouco tempo deixava livre aos Conservadores para o exercício da advocacia; que os honorários não são calculados com base no valor das acções.
Nos termos do nº 1 do artº 144º do CPT e à semelhança do que sucede no processo judicial comum conforme o estatuído na al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC, é causa de nulidade da sentença em processo judicial tributário a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.
Aquela regra comporta a excepção prevista no nº 2 do artº 660º do CPC que estipula que
« O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
E as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir - pedido . A ser assim e de acordo com a opinião do Prof. J.A.Reis, Anotado, Coimbra, 1984, Vol. V, pág. 58, haverá tantas questões a resolver quantas as causas de pedir indicadas pelo recorrente no requerimento e que fundamentam o pedido de anulação do acto impugnado.
Analisando o petitório, vê-se que o recorrente fundamentou a presente impugnação na ilegalidade da liquidação por inverificação dos pressupostos para recurso ao método presuntivo e por errónea quantificação da matéria colectável.
Como se vê do probatório, foi o impugnante objecto de fiscalização por parte dos Serviços de Fiscalização Tributária em cujo relatório foi considerado que os valores declarados pelo Sujeito Passivo ficam muito aquém do que seria legitimo esperar essencialmente porque:
- do Livro mod. 8 (al. c) do n.° 1 do art. 50° do CIVA) resulta que, no exercício de 1992, o recorrente apenas procedeu à emissão de 13 recibos mod. 6 (art. 107° do CNRS);
- o Sujeito Passivo dedica-se diariamente à actividade de advocacia, em consultas no seu escritório, exercendo em exclusividade esta actividade a partir de 01.08.92 todavia, apenas emitiu um recibo;
- Exerceu funções de Conservador do Registo Predial até 31.07.92. o desempenho de tais funções coloca-o em situação de privilégio em relação a outros profissionais de advocacia, na resolução de casos do direito de propriedade, inventários, partilhas extrajudiciais, procuradoria, etc., tendo requerido, para o efeito, várias certidões junto das repartições de finanças, conforme pudemos verificar.
- Os recibos discriminados no ponto 2, referem a totalidade dos serviços prestados peto Sujeito Passivo, no valor de 376.960$00, o que é manifestamente inferior aos honorários recebidos pela prestação destes serviços, os quais, se estimam, além do declarado, em 1.500.000$00.
- Por averiguações levadas a efeito junto dos Tribunais Judiciais de Amarante, Baião e Marco de Canavezes e Tribunal de Círculo de Penafiel, podemos constatar que embora o Sujeito Passivo intervenha pouco em processos crime, não emitiu qualquer recibo mod. 6 (art. 107° do CIRS) para preparos dos processos, petições, acompanhamento das acções e honorários pelo que, se estimam estes serviços prestados em 500.000$00.
- A sua intervenção é fundamentalmente exercida em processos cível, tendo-se verificado através da relação mod. 11 a que se refere o art. 116° do CIRS (junta-se fotocópia) que, no ano em análise, transitaram em julgado 16 acções no valor de 21.074.702$00, não tendo emitido nenhum recibo mod. 6 (art. 107° do CIRS), aos constituintes destas acções.
- constataram ainda os serviços da AF que o recorrente tem várias acções pendentes no Tribunal Judicial de Amarante, Tribunal de Circulo de Penafiel e Tribunal da Relação do Porto, estas últimas, por ter interposto recurso
- os serviços da AF, considerando que nas acções de maior vulto, o Sujeito Passivo cobra a percentagem de 10% do valor das acções e que nas acções inferiores a 2.000.000$00, cobra entre 20% a 40% do valor das acções, presumiram honorários de 15% ao valor das acções transitadas em julgado.
Por seu turno e a partir dos elementos probatórios constantes dos autos, o Mº Juiz « a quo» levou ainda ao probatório que:-
- em Janeiro de 1992, o impugnante foi acometido de enfarte de miocárdio, tendo o seu médico assistente recomendado 6 meses de convalescença e que não mais exercesse a sua profissão.
- algumas das procurações que lhe haviam sido outorgadas pelos constituintes, foram objecto de substabelecimento por parte do impugnante e que
- o impugnante não interveio, como mandatário, em qualquer processo de natureza cível ou criminal, durante 1992, no Tribunal Judicial de Marco de Canavezes; da mesma feita, não interveio em processos crime nos Tribunais de Comarca e de Círculo de Penafiel.
Na fundamentação jurídica da sentença expendeu-se o seguinte (depois de enunciar as questões que aqui importa apreciar como as de saber se era ou não legal o recurso ao método presuntivo e se era ou não errónea a quantificação da matéria colectável):
Quando nos situamos no âmbito de uma acção de fiscalização por exame à escrita, necessário se torna que sejam mencionados e descritos todos os dados de facto encontrados donde se permita concluir, pelo cotejo com as declarações apresentadas pelo contribuinte, que estas se mostravam (ou não), correctas; da mesma forma, é essencial que se demonstre qual o processo mental seguido pela administração para ter optado por determinados valores (presumidos).
É que, as inexactidões ou omissões, podem ser
1.- Constatadas directamente do conteúdo das declarações do contribuinte, do confronto com declarações referentes a períodos anteriores ou com outros elementos de que disponha, designadamente os relativos a IRS ou IRC: art. 82° n.° 2, na redacção do Dec.-lei n.° 195/89, de 12.06; vigente ao tempo.
2.- Constatadas, em visita de fiscalização, através de exame aos elementos da escrita do contribuinte ou da verificação das existências físicas do seu estabelecimento: art. 82° n.° 3.
Trata-se de duas realidades autónomas e diversas e, como tal, conducentes a tratamento e pressupostos diferentes quanto ao apuramento da matéria colectável: no primeiro caso, o apuramento do imposto é efectuado por correcções técnicas enquanto que no segundo' o apuramento é feito pôr recurso a presunções.
Ora, de acordo com o texto legal, a liquidação com base em presunções ou métodos indiciários, por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, basear-se-á nos factos previstos neste Código ou nos artigos 38°, n.° 1, do Código do IRS e 51°. n.° 1. do Código do IRC. consoante os casos: art. 84° n.01 do CIVA (sublinhado nosso).
Daqui se extrai, em primeira linha, que o recurso a presunções ou métodos indiciários só é legitimado quando não existirem elementos que permitam apurar claramente o imposto, sendo patente a preocupação do legislador em objectivar as situações em que a matéria colectável pode ser fixada através dos denominados métodos indiciários: a inexistência de elementos de contabilidade/escrita ou a sua não idoneidade para comprovarem os dados relativos ao imposto em causa.
Na procura dos factos cuja ocorrência legitima o recurso aos métodos indiciários e percorridas as diversas alíneas do art 51° n.° 1 do CIRC, temos que concluir que a situação em causa nos autos apenas é subsumível à ai. d) do art. 51° n.° 1 do CIRC, a existência de:
d) - (...) indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido.
Contudo, há que atentar ainda no n.° 2 do art. 51° que determina que a aplicação de métodos indiciários em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade só poderá verificar-se quando não seis possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da malária colectável de harmonia com as disposições da secção II deste capítulo, (sublinhado nosso).
Ou seja, decorre deste normativo que a constatação de omissões ou inexactidões na contabilidade não conduz, de forma automática, à utilização de métodos indiciários.
E isto bem se compreende se atentarmos, por um lado, em que o objectivo principal é a tributação real e, por outro lado, que a tributação por métodos indiciários constitui sempre uma forma gravosa de determinação do lucro tributável, quer para a empresa quer para o Estado pois o resultado obtido pode sempre (e normalmente será) ser para mais ou para menos, assim prejudicando a empresa (que ira pagar mais do que devia) ou o Estado (que ira receber um imposto menor do que seria devido).
Dizíamos, então, que mesmo perante a hipótese de meros erros e incorrecções, o legislador foi cauteloso, prevenindo a preocupação fundamental de que a tributação seja feita sempre pelo lucro real (ou número real de transacções, no caso do IVA); assim, impõe-se que se procure, em face de todos os elementos existentes, a comprovação e quantificação directa e exacta dos dados indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com os ditames legais.
Reportando-nos ao caso em concreto, temos que a liquidação ora questionada foi efectuada por recurso a presunções, estando o mesmo legitimado.
Na verdade, dos elementos de contabilidade do impugnante constava apenas prestações de serviços no valor de 376.960$00; não obstante, constataram os peritos de fiscalização que o impugnante, designadamente, requereu, várias certidões junto das repartições de finanças; que, pôr averiguações junto dos Tribunais de Amarante, Baião e Marco de Canavezes e Tribunal de Círculo de Penafiel, se apurou que interveio em várias acções e que não emitiu qualquer recibo relativo a preparos dos processos; que, sendo a sua intervenção exercida fundamentalmente em processos cível, verificou-se através da relação mod. 11 a que se refere o art. 116° do CIRS que, no ano em análise, transitaram em julgado 16 acções no valor de 21.074.702$00, não tendo emitido nenhum recibo mod. 6 (art. 107° do CIRS), aos constituintes destas acções.
Na verdade, da conjugação de tais elementos de facto e na ausência de outros elementos contabilísticos que justificassem essas discrepâncias de valores, nem explicação bastante para o efeito, considera-se justificado ter a administração fiscal concluído como o fez: de que havia prestações de serviços omitidas à contabilidade.
Daí que se encontrassem reunidos os pressupostos para o recurso ao método das estimativas e presunções.
A sentença é igualmente inatacável no que tange à quantificação da matéria colectável considerada pela administração, demonstrando de modo convincente que as razões aduzidas pelo recorrente não colhem.
Assim e como refere o Mº Juiz « a quo», visto que se trata de uma liquidação efectuada por recurso a estimativas o valor apurado por presunção comporta sempre a possibilidade de alguma margem de erro, o qual tanto pode reverter a favor ou contra o contribuinte.
Mas, «in casu» , os dados da experiência dos meios forenses legitima que se conclua como o fez o perito de fiscalização: o desempenho das funções de Conservador do Registo Predial colocava o impugnante em situação de privilégio face aos demais advogados, pelo menos na comarca onde as exercia; o substabelecimento em processos não significa que o titular da procuração nada receba; antes pelo contrário, tanto quanto é do nosso conhecimento, é da praxe forense que o novo advogado não aceita o caso enquanto as contas não estiverem saldadas com o anterior, salvo em casos bem contados, dando aplicação, aliás, ao art. 86° n.° 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados; pôr outro lado, ao tempo vigoravam ainda as Tabelas de honorários mínimos da Ordem, as quais apontavam, na realidade para uma média de 10% do valor das acções, de 10% a 15% no caso especifico dos acidentes de viação e, no caso de inventários, com um acréscimo de 6% a fracções de 500.000$00 em inventários que excedessem os 2.000.000$00.
Destarte, não vislumbrou o Mº Juiz recorrido nem este Tribunal, que os parâmetros e coeficientes utilizados pela administração padeçam de falta de razoabilidade ou de exagero, como pretende o impugnante pelo que se impõe a manutenção da liquidação.
Por todo o exposto, vê-se da sentença que nela foram considerados todos os factos provados e sobre todas as questões colocadas pelo impugnante na p.i. inexistindo, pois, a alegada causa de nulidade da sentença .
*
Como decorre da conclusão 3ª, entende o recorrente que tais factos se tidos em conta são suficientes para pôr em dúvida o teor do relatório da fiscalização, reproduzido na Fundamentação de Facto, bem como a existência e quantificação do facto tributário da liquidação adicional efectuada ao impugnante, e consequente anulação, nos termos do artigo 121, n°1 do C.P.T.
Diga-se desde já que, quanto ao non liquet no domínio dos factos não se segue o non liquet jurídico, daí que o ónus de prova incumba, por via de regra, à parte que toma a iniciativa de peticionar a concessão da providência jurisdicional no caso concreto que submete a juízo.
Seguindo Anselmo de Castro, in "Direito Processual Civil Declaratório", Vol-III, Almedina/1982, págs, 352/353, temos que
"[...] o ónus de prova aparece sempre como inerente à própria norma jurídica a aplicar, devidamente interpretada, circunstância que igualmente tem que ser tomada em conta na aplicação, no tempo e no espaço, da lei reguladora do mesmo ónus. Assim, será aplicada em cada caso a lei vigente ao tempo do nascimento da relação jurídica controvertida [...] O que para um direito ou no domínio de uma relação jurídica é facto impeditivo, para outro bem pode ser facto constitutivo. É, pois, à respectiva norma ou normas aplicáveis e só a elas, que há que recorrer."
O ónus de alegação e, portanto, a causa de pedir em sede de impugnação judicial do acto tributário por erro de facto sobre os pressupostos e quantificação do facto tributário é consequência do regime de ónus de prova a cargo do impugnante que, por sua vez, se determina pelo regime substantivo que enforma a relação jurídica controvertida e a que se reporta o pedido de anulação da liquidação de imposto no caso concreto.
Na hipótese, é impugnada a liquidação de IRC e juros compensatórios reportados ao ano de 1992 cuja matéria colectável, m resultado de exame à escrita, valores determinados por recurso aos métodos indiciários.
Rege aqui o princípio geral estatuído no artº 342º nº 1 C. Civil - a parte que invoca o direito é onerada com a prova dos respectivos factos constitutivos - na medida em que a reacção contra o acto tributário para apreciação da sua correspondência com a lei no momento em que foi praticado é da iniciativa de quem exerce o direito de acção, ou seja, do autor da causa.
Consequentemente, a parte que deve exercer a actividade probatória relativamente aos factos que servem de fundamento à acção, de acordo com o princípio do dispositivo e sob pena de correr o risco de ver repelida a pretensão que deduziu em juízo (artº 516º CPC) é, precisamente, a parte que exerce esse direito de acção, no caso, de impugnação do acto tributário.
Assim, corre pelo impugnante o encargo de demonstrar a realidade do facto alegado, melhor dizendo, o encargo de produzir prova de modo a atingir o grau de verosimilhança suficiente para formar a convicção de existência do facto que fundamenta a decisão de direito peticionada em Tribunal.
Ónus subjectivo que não preclude, atento o princípio da aquisição processual e do inquisitório (artº 515º CPC) C), que o impugnante beneficie da actividade probatória alheia, seja da parte contrária, seja do Tribunal.
*
Com os critérios legais da repartição do ónus de prova importa conjugar os critérios legais da eficácia probatória (regras probatórias fixadas em abstracto), na medida em que o ónus de contraprova ou carece de prova principal, a chamada prova do contrário em oposição à prova legal plena nos termos do artº 347º C. Civil, ou de simples contra-prova indirecta, nos termos do artº 346º C. Civil, bastando, neste caso, que a parte não sujeita ao ónus subjectivo lance a dúvida sobre os factos que ao outro incumbe provar.
De acordo com estes princípios, e sendo seguro que o ónus de prova da factualidade alegada na petição em vista da anulação das liquidações incumbe à Recorrente, a força probatória da documentação junta, constituída por fotocópias de facturas/recibos e outra documentação comercial, resultará da conformidade de tais documentos com os critérios legais de escrituração contabilística dos factos a que os mesmos se reportam.
Para efeitos fiscais, a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais fundamenta-se na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. as folhas de caixa, artºs. 31º a 37º C. Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é, não só, o meio descritivo dos factos patrimoniais como, também, o modo formal da respectiva comprovação.
Ou seja, ainda que os registos contabilísticos não tenham carácter constitutivo, não se pode, todavia, passar ao lado do valor probatório atribuído por lei à contabilidade das empresas, enquanto documento particular, com as inerentes consequências.
Do disposto no artº 44º nº 1 C. Comercial, não revogado pelo DL 262/86 de 2.9 que aprovou o Código das Sociedades Comerciais, com os artºs. 376º nº 1 e 2 e 360º C. Civil, e atento o princípio da indivisibilidade da declaração, temos que se a Administração Fiscal aceita parte da contabilidade, não pode esta, em princípio, declarar que não a aceita na totalidade.
E diz-se "em princípio" porque se, relativamente à parte não aceite e apodada de vícios na escrituração ou no suporte documental dos registos, a Administração Fiscal fizer a prova da inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis, conforme exige o artº 360º C. Civil, ou ainda, se nos termos do artº 376º nº 1 CC, fizer a prova da falsidade dos documentos cuja autoria tenha sido reconhecida, já lhe é possível aproveitar da contabilidade a parte que entenda por correcta e rejeitar a parte viciada por inaptidão para evidenciar o lucro real da empresa em ordem ao lançamento da tributação.
Tendo presente todas as regras de direito probatório e em vista da factualidade constante do probatório, a Administração Fiscal logrou provar que a contabilidade do Recorrente não aceite em sede de exame à escrita, não só está em relação de contradição com os documentos base dos respectivos registos contabilísticos, como estes documentos também não se apresentam nos termos formais legalmente tabelados, demonstrando, assim que falha a relação de coincidência necessária entre o lançamento contabilístico evidenciado e a realidade subjacente ao registo.
Em razão desta desconformidade, o conteúdo declaratório dos documentos juntos pelo Recorrente não assume eficácia probatória no contexto instrutório do processo e, por isso, não logrou a Recorrente demonstrar o infundado recurso aos métodos presuntivos em sede de apuramento do IRC em falta respeitante ao exercício em causa.
*
Acresce que os erros, omissões e inexactidões detectados na contabilidade do recorrente, identificados no relatório de exame à escrita, impossibilitaram a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, tornando inevitável o recurso a métodos indiciários nos termos do art.81° CPT . Pelo que, ao acolher os factos significativos para a solução jurídica da causa descritos no relatório de exame à escrita da sociedade a fundamentação de facto da sentença não merece censura.
As informações oficiais prestadas nos autos e cujo conteúdo se deixou especificado estão devidamente fundamentadas pelo que são um meio de prova admitido pelo nº 2 do artº 134º do CPT, devendo entender-se, quanto à respectiva força probatória, que se aquelas comprovarem a «existência e quantificação do facto tributário», deve a dúvida fundada sobre o seu conteúdo resultante doutras diligências de prova, aduzidas pelo impugnante ou realizadas oficiosamente pelo juiz, reverter contra a Administração fiscal nos termos do artº 121º do mesmo código e que se respeitarem a outros factos, caberá ao impugnante, a quem os mesmos não aproveitam, o ónus da contraprova destinada a torná-los duvidosos, permitindo ao juiz a sua livre apreciação.
A força probatória dos documentos, a sua genuidade ou falsidade, o ónus da prova, são conceitos de direito probatório material e, como tal, regulados no Ccivil do qual resulta que a falsidade dos documentos está conexionada com a prova do contrário da verdade demonstrada pela prova legal plena (cfr. artºs. 347º, 370º, nº 2, 371º, nº 1, 372º, nºs. 1 e 2, 375º, nºs. 1 e 2 e 376º, nº 1). É para essa situação que existe o meio adjectivo do incidente de falsidade regulado nos artºs. 360º e segs. do CPC.
As referidas informações foram notificadas ao impugnante que podia não só arguir a sua falsidade ( artºs. 360º e 526º do CPC), como dispunha do prazo de 15 dias para requerer arbitramento ( cfr. artº 135º nº 2 do CPT).
Entendemos no entanto que o impugnante não conseguiu tornar os factos duvidosos, criar uma dúvida fundada sobre o seu conteúdo em termos de esta poder reverter contra a Administração fiscal .
É que, em bom rigor, o impugnante procurou lançar dúvidas sobre a quantificação do volume de negócios, malgrado a minuciosa fundamentação dos Serviços de Fiscalização, servindo-se de valores encontrados como base do cálculo por estes - o que quer dizer que ou não tem próprios ou os ocultou.
E desde já se diga que não é legítima a dúvida alicerçada numa escrita que não merece qualquer credibilidade por falta de elementos minimamente rigorosos, até porque, como se viu, a liquidação se mostra em todos os seus aspectos devidamente fundamentada.
Por isso que, o que acaba por estar em causa é saber da LEGALIDADE OU ILEGALIDADE DO RECURSO AO MÉTODO PRESUNTIVO na fixação do imposto, pois tudo aponta nas conclusões para que a impugnante argui a falta de verificação dos pressupostos da tributação presumida actuada pelo Fisco, para atacar o acto impugnado ou, pelo menos, a dúvida sobre tal verificação.
Como decorre do disposto nos nºs. 1 e 2 do artº 76º do CPT, vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, segundo o qual o mesmo é efectuado com base nos elementos indispensáveis fornecidos pelos contribuintes.
Caso estes tenham contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, como reza o artº 78º do CPT presume-se a veracidade dos dados e apuramentos operados, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.
Contudo, a AF tem o poder de controle e fiscalização das aludidas declarações, para a concretização do qual poderá recorrer as elementos da contabilidade do sujeito passivo ou de outros elementos disponíveis, fazendo a correcção das declarações e/ou efectuando liquidações oficiosas ou adicionais observando os prazo de caducidade, poderes que lhe estão legalmente conferidos pelo artº 77º do CPT
O recurso a métodos presuntivos para a determinação do imposto é uma faculdade que assiste ao Fisco, com a margem de livre apreciação conferida pelos artºs 51 e segs. do CIRC quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável nas situações que estão expressamente tipificadas no CIRC e que assumem um carácter excepcional.
Teria por isso a AF de demonstrar, sem margens para dúvidas, a existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade do impugnante, já que a previsão do artº 51º do CIRC aponta para a necessidade de recorrer a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, procedendo à rectificação de declarações ou à correcção oficiosa, de acordo com os artº. 52º do mesmo Código.
Ora, como veio de provar-se, as alterações aos valores declarados pelo impugnante foram operadas a coberto do artº 51º do CIRC, em virtude de se ter considerado que a escrita daquela não se encontrar devidamente organizada por forma a permitir um conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto. Assim, estaria justificado o recurso ao método presuntivo.
Na verdade, o impugnante estava obrigada a manter a sua contabilidade organizada de acordo com os princípios consagrados no POC .
Ora, foi porque consideraram que tal não sucedia que os serviços competentes da AF efectuaram a liquidação adicional derivada das correcções contabilísticas, como se vê das informações oficiais .
As correcções, como consta dos documentos que formalizaram o acto tributário, foram motivadas pelas irregularidades apontadas e de carácter contabilístico, as quais, face ao que se provou, são idóneas para determinar e tornar eficaz o acto em cuja edição foram, por isso, observadas todas as formalidades legalmente exigidas.
No probatório alicerçado nas informações oficiais prestadas pelos Serviços de Fiscalização Tributária, deu-se como assente que a determinação do imposto em falta foi efectuada no pressuposto de que a escrita do ora impugnante não reflectia a veracidade da sua actividade, ou seja, a liquidação em causa foi operada com recurso ao método presuntivo, actuado em sede de fiscalização à mesma.
As alterações foram operadas com os fundamentos constantes no relatório de exame à escrita e que estão reproduzidos no probatório face aos quais estava perfeitamente justificado o recurso ao método presuntivo pois o mesmo só é actuável no caso de a contabilidade do contribuinte não merecer credibilidade, o que se provou visto que ela não reflecte as situações que na realidade se verificaram e cuja existência de facto aquela não logrou infirmar.
Donde se conclui pela verificação dos pressupostos configurados pela administração fiscal cuja decisão não foi tomada com base em erro manifesto, actuando um critério ostensivamente inadmissível, desacertado e/ou inaceitável como sustenta a recorrente pelo que não conseguiu demonstrar que a AF exorbitasse dos seus poderes ou tenha abertamente saído no campo da discricionariedade técnica para cair pura e simplesmente na ilegalidade.
É que, como se deixou provado, foi o recorrente que violou manifestamente os indicados preceitos do CIRC, não logrando provar os factos que alegou e demonstrar a verificação de qualquer erro ou ilegalidade praticada na quantificação da matéria colectável, apresentando relatórios periciais e/ou solicitando diligências como lho consentia o artº 136º do CPT.
Assim, está devidamente fundamentada a conclusão de falta de declaração de imposto, e de que os elementos da escrita não permitiram apurar claramente o imposto, justificando-se a utilização do critério do apuramento do volume de negócios por estimativas ou presunções no caso concreto.
*
Daí que não seja lícito ao impugnante invocar o regime do artº 121º do CPT.
Dispõe o citado normativo:
"Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado".
O exposto acerca do ónus de prova objectivo vigente em sede de direito processual fiscal constitui o fundamento jurídico de que o preceituado em causa é corolário.
Seguindo Alfredo José de Sousa, José da Silva Paixão, in "CPT - Comentado e Anotado", 3ª edição, anotação 8 ao artº 121º, págs. 267 e 268, temos que "[...] a prova produzida de que há-de resultar a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário há-de ser, não só a prova aduzida pelas partes, como também e sobretudo a prova que ao juiz se impõe diligenciar.
A dúvida que implica a anulação do acto impugnado não pode considerar-se "fundada", se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante.
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do acto tributário.
Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los."
Em conformidade com o disposto no artº 121º CPT, se o facto tributário, no que respeita aos pressupostos e quantificação, resulta duvidoso pese embora a prova produzida pela parte a quem compete o ónus subjectivo - o impugnante - cabe resolver contra a parte contrária - a Fazenda Pública - e dar como não existente o facto tributário, anulando a liquidação, princípio inverso do que vigora no direito adjectivo comum, v.g. artºs. 516º CPC e 346º CC, que impõe a decisão da dúvida contra a parte onerada com a prova.
Simplesmente, o ónus de prova do alegado erro sobre os pressupostos do acto de liquidação onera o Recorrente pelo que, se, em face da contraprova produzida pela Fazenda Pública a respeito dos mesmos factos, o resultado fosse duvidoso, o desiderato teria de se resolver em desfavor do Recorrente, dando-se por assente o facto contrário, isto é, a inexistência de erro sobre os pressupostos e quantificação do facto tributário.
No artº 121º do CPT acolhe-se claramente o princípio da verdade material, vinculante para a própria AF que só deverá praticar o acto tributário quando «formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável» devendo, em caso de subsistência de dúvida « acerca do objecto do processo(..) abster-se de praticar o acto tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum»(Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 150, 158 e 169).
De acordo com A.Sousa e Silva Paixão, CPT anotado, pág. 229, hoje é irrecusável que aquele princípio é estruturante não só do processo contencioso tributário como do processo administrativo tributário, devendo a fundada dúvida sobre a existência do facto tributário implicar que a AF se abstenha quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do tributo. Em suma, é a indubitável consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que vigorou anteriormente à Reforma Fiscal.
A prova para aquele efeito relevante será não apenas a aduzida pelas partes, mas também e especialmente a prova que ao juiz se impõe diligenciar. Nesse sentido se pronunciou o Acórdão do STA-2ª Secção, de 29/11/1995, proferido no Recurso nº 19 247, quando nele se expende, para justificar que o STA não sindica matéria de facto nos termos do artº 21º nº 4 do ETAF, que «A «fundada dúvida» referida no artº 121º do CPT é a que resulta da consideração de todo o apport probatório trazido ao processo pela Administração Fiscal e pelo contribuinte e tendo em conta ainda as diligências ordenadas pelo juiz, nos termos do seu artº 40º nº 1, que não apenas a «imputável» ao Fisco».
Assim sendo, cabia ao juiz da 1ª Instância realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade pois não pode considerar-se fundada a dúvida que implica a anulação do acto impugnado se assentar na ausência ou na inércia probatória das partes, especialmente do impugnante.
É que este não pode limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida «a existência e quantificação do facto tributário», incumbindo-lhe o «ónus probandi» de tais factos sem prejuízo de o juiz, no uso do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também pela sua comprovação só sendo possível concluir-se pelo fundamento da dúvida mediante a prova concludente dos mesmos.
A este enquadramento do regime do artº 121º do CPT há um «prius» que é a conceituação de facto tributário aderindo nós à que dele dá Alberto Xavier em Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 247 e segs segundo a qual naquele existem um elemento subjectivo e um elemento objectivo integrado por um elemento material (acontecimento natural ou fenómeno de natureza económica, acto ou negócio jurídico tipificados na norma de incidência real), um elemento temporal (factos instantâneos ou duradouros) e um elemento quantitativo (factores legais de medição do objecto material do imposto).
É este elemento objectivo nas assinaladas vertentes que releva para efeitos da apreciação do regime estabelecido no artº 121º do CPT de sorte que, no encalço dos dispositivos que nos vários códigos fiscais ao mesmo se referem, a existência do facto tributário será a realidade dos eventos concretos de natureza económica, actos ou negócios jurídicos que revelem a capacidade contributiva do contribuinte e que em abstracto estão descritos nas normas de incidência real de cada um daqueles códigos e a quantificação do facto tributário se aterá à medição daqueles factos materiais actuando as regras estabelecidas em cada um daqueles Códigos para a determinação da matéria colectável proveniente de rendimento, lucro ou valor.
Com esta delimitação, já se viu supra que não é sustentável alguma dúvida fundada sobre a existência e/ou quantificação do facto tributário e se dela foi feita prova concludente.
Acrescente-se que a sentença judicial não pode reduzir-se a um puro silogismo lógico, não pode nem deve representar uma aplicação por assim dizer maquinal da lei geral e abstracta aos factos da causa (vd. Acórdão da RL de 12/10/93, CJ , Ano XVIII, T. IV ), antes devendo o juiz fazer uma apreciação crítica das provas (artº 659º, nº 2, do CPC), o que equivale a dizer que terá necessariamente de valorar e interpretar os factos apurados no julgamento à luz dos interesses e finalidades que o legislador quis defender, presentes nas normas jurídicas aplicáveis a cada hipótese.
Foi eivados desse sentido crítico que procederemos à abordagem das questões suscitas no presente recurso, perspectivando os factos coligidos de forma consonante com a sentença recorrida.
Em nosso entender, da prova carreada para os autos não resulta uma fundada dúvida sobre os pressupostos de aplicação do método presuntivo ou sobre a quantificação do facto tributário na medida em que não é legítima a dúvida alicerçada numa escrita que não merece qualquer credibilidade por falta de elementos minimamente rigorosos até porque, como já se disse, a liquidação se mostra em todos os seus aspectos devidamente fundamentada e a anulação do acto tributário com base no disposto no artigo 121º do CPT, só se justificava caso os factos alegados se mostrassem devidamente provados e tal não se verifica dado que a prova produzida não revela força suficiente para destruir o referido nas informações prestadas devidamente documentadas..
«Prima facie», e como já se aventou, a força probatória dos documentos, a sua genuidade ou falsidade, o ónus da prova, são conceitos de direito probatório material e, como tal, regulados no Ccivil do qual resulta que a falsidade dos documentos está conexionada com a prova do contrário da verdade demonstrada pela prova legal plena (cfr. artºs. 347º, 370º, nº 2, 371º, nº 1, 372º, nºs. 1 e 2, 375º, nºs. 1 e 2 e 376º, nº 1). É para essa situação que existe o meio adjectivo do incidente de falsidade regulado nos artºs. 360º e segs. do CPC.
Como se viu, essa indagação foi feita pelo MºJuiz «a quo» mediante a apreciação crítica da prova, incluindo a testemunhal.
Ora, a partir dela, não pode concluir-se pela dúvida fundada sobre a aplicação do falado método presuntivo, nem sobre a quantificação.
Decorre do supra explanado que se verificavam os pressupostos de aplicação do método presuntivo em termos de se poder afirmar que alguma dúvida que houvesse não seria fundada e funcionaria aqui como legitimadora daquele método não aproveitando à imprecisão nem à própria ilegalidade.
É que, a escolha dos critérios utilizados pela AF, inscrita no exercício de um poder de discricionariedade técnica, e os resultados da sua aplicação na determinação da matéria tributável, não foram relevantemente contrariados com argumentos ou documentos que, suscitando fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários em análise determinassem a anulação do acto tributário de liquidação.
Perante o exposto, dúvidas não sobram de que existe facto tributário e que foi correctamente quantificado pelo que o acto tributário, por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica e por isso não se torna necessário recorrer à regra do artº 121º do CPT pois que resulta do probatório exarado na sentença sob recurso que tanto a escrituração comercial reportada ao ano em causa como a documentação de suporte dos lançamentos contabilísticos do Recorrente, não se apresentam de acordo com os requisitos legalmente tabelados.
*
4.- Termos em que acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's.
*
Lisboa, 28/05/2002
(Gomes Correia)
(Jorge Lino)
(Cristina Santos)