Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00074/04
Secção:Contencioso Tributário - 2º Juízo
Data do Acordão:06/15/2004
Relator:Casimiro Gonçalves
Descritores:FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
COMPETÊNCIA PARA INSTAURAÇÃO
Sumário:1. A nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos.
2. A atribuição de competência para aplicação de sanções não criminais nem privativas de liberdade por autoridades administrativas não é contitucionalmente censurável desde que fique assegurada a defesa e garantido o acesso aos tribunais
3. Nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do art. 67º do RGIT, a competência para a instauração e instrução do processo de contra-ordenarão fiscal é do Serviço de Finanças da área onde a infracção tiver sido cometida.
4. Não sofre de nulidade (formal) a decisão de aplicação de coima - que, fazendo remissão expressa para o teor do auto de notícia, consigna ainda a identificação do infractor, a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas (al. b) do n° 1 do art. 40° e n° 1 do art. 26°, ambos do CIVA), a indicação da norma punitiva (art. 114° do RGIT), a coima e a indicação dos elementos que contribuiram para a sua fixação, a indicação de que vigora o princípio da proibição da «reformatio in pejus», sem prejuízo da possibilidade de a coima ser agravada se a situação económica e financeira do infractor tiver, entretanto, melhorado de forma sensível e a condenação em custas.
A referência à situação económica não desfavorável da recorrente inclui-se no requisito da al. c) do art. 79° do RGIT, não sendo exigível que tal referência seja especialmente fundamentada.
5. As eventuais dificuldades financeiras da arguida, só por si, não excluem a ilicitude da não entrega do imposto (IVA) retido.
6. A admoestação prevista no art. 51º do DL 433/82 para os casos em que a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente a justifiquem tem como pressupostos, que, em concreto, se verifique uma diminuição da gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente, a aferir em concreto em função dos factos provados, que têm que evidenciar tais pressupostos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.1. Os Bons ...., Lda., com os sinais dos autos, interpõe recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Mmo. Juiz da 1ª secção do 2º Juízo do TT de 1ª instância de Lisboa, de 3/11/2003, que negou provimento ao recurso que a arguida tinha interposto da decisão administrativa que lhe aplicou a coima de 1520 Euros por infracção ao disposto na al. a) do nº 1 do art. 40º e nº 1 do art. 26º, ambos do CIVA, p. e p. pelo art. 114º do RGIT.

1.2. A recorrente alegou o recurso e termina formulando as Conclusões seguintes:
A) A decisão recorrida é nula por falta total de pronúncia sobre a questão de inconstitucionalidade invocada relativamente à possibilidade da entidade Administrativa praticar actos - proferir decisões - que alterem a situação jurídica das pessoas, decisões essas que transitam em julgado.
B) Nessa linha, houve omissão de pronúncia pelo Tribunal a quo, o que é sancionado como nulidade, pelo artigo 668°, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
C) A decisão recorrida é nula por falta de especificação dos pressupostos de facto na parte que julgou improcedente a invocação da adequação da admoestação para a infracção em causa, conforme previsto no artigo 51º do diploma que regula o ilícito de mera ordenação social.
D) Ao não especificar tais fundamentos, o Tribunal a quo, não observou o disposto no artigo 668°, n° 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
E) A decisão da Administração Tributária que aplicou a coima à recorrente, não cumpriu as formalidades exigidas para a tomada de tal decisão, nomeadamente não observou o disposto no artigo 79°, n° 1, alínea c) do RGIT, ou seja, não apresentou qualquer meio de prova para considerar que a gravidade era acidental, a culpa negligente e a situação económica da Recorrente não era desfavorável.
F) Não se aceitando como boa a tese defendida na decisão recorrida, de que o poderia fazer por remissão para outra parte dos autos.
G) Ao não cumprir tal exigência a decisão toma-se nula, por assim o determinar o artigo 63°, n° 1, alínea d) RGIT.
Termina pedindo o provimento do recurso.

1.3. Contra-alegou o MP junto do TT de 1ª Instância, terminando as suas alegações com as Conclusões seguintes:
1 - A decisão impugnada não apreciou nem resolveu a questão que lhe havia sido posta quanto à pretensa inconstitucionalidade do DL 433/82, de 27 de Outubro, a de saber se a administração pode praticar actos - proferir decisões - que alterem a situação jurídica das pessoas, decisões essas que transitam em julgado.
2 - É assim nula, por omissão de pronúncia, conforme dispõe o artigo 668°, n° 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
3 - A verificada nulidade prejudica o conhecimento das restantes questões levantadas pela recorrente e acarreta o desaparecimento da sindicada decisão da ordem jurídica.
4 - Deve, pois, ser anulada, nos termos do artigo 75°, n° 2, alínea b), do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de Outubro, e ordenada a devolução do processo ao tribunal recorrido para que, aqui, em nova decisão, se conheça e emita pronúncia sobre a referida questão suscitada e que, na impugnada decisão, não foi equacionada, afrontada e muito menos decidida.

1.4. O EMMP junto do TCA subscreve a posição do MP junto da 1ª Instância mas entende que a questão da constitucionalidade da aplicação de coimas por parte da AT deve ser conhecida pelo TCA e que, no mais, a sentença deve ser confirmada.

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS

2.1. A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes:
1. Pelo facto de não ter entregue o IVA do mês de Novembro de 2001, o Chefe do Serviço de Finanças de Cascais 2, instaurou à recorrente um processo de contraordenação em consequência do qual, pelo despacho objecto deste recurso, lhe aplicou uma coima de Euros 1910,00.
2. A recorrente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2001, no respectivo serviço de Finanças - Cascais 2 - mas não procedeu ao respectivo pagamento, tendo deixado de ser entregue nos Cofres do Estado a quantia de Euros 7.528,61.
3. Em 24/2/2003 a situação não se encontrava regularizada.
4. A sede da recorrente era, até 10/2/2003, em S. Domingos de Rana, concelho de Cascais (fls. 12).
5. Em 10/2/2003 foi apresentada no Serviço de Finanças 8, de Lisboa, declaração de alteração da sede da recorrente para a Rua José Duro, em Lisboa, (fls. 12 a 14).

2.2. Quanto a factos não provados, a sentença exarou: «Nada mais se provou com relevo para a decisão da causa. Não conseguiu a recorrente fazer prova de que os seus fundos disponíveis diminuíram no período do imposto correspondente a Novembro 2001, quer porque não recebeu integralmente as quantias facturadas aos seus clientes, quer porque teve de realizar os pagamentos a fornecedores sob pena de não poder realizar mais aquisições».

3.1. Com base nesta factualidade e enunciando as questões a decidir como sendo a de saber se o despacho recorrido enferma, ou não, dos arguidos vícios (de incompetência e de forma) geradores de nulidade, ou seja, se é nulo pela verificação de tais vícios; a de saber se a conduta da recorrente se reveste de ilicitude que justifique a aplicação da coima ou se, pelo contrário, exclui a culpabilidade; e a de saber se a medida da coima é excessiva, e se bastava, neste caso, a admoestação prevista no art. 51° do DL 433/82, na redacção que lhe deu o DL 244/95, de 14/9, a sentença concluiu pela não verificação daqueles vícios (de incompetência e de forma), pela não ocorrência de causas de exclusão da ilicitude da conduta da recorrente e pela legalidade em termos de adequação do valor da coima na medida aplicada já que não se está perante um caso dos previstos no
art. 51° do DL 433/82, de 27/10, alterado pelo DL 244/95, de 14/9 em que, havendo reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, a entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação.

3.2. Contra o assim decidido, a recorrente vem agora invocar:
1 - a nulidade da sentença por:
- omissão de pronúncia quanto à questão da alegada inconstitucionalidade invocada relativamente à possibilidade da entidade administrativa praticar actos (proferir decisões) que alterem a situação jurídica das pessoas, decisões essas que transitam em julgado (Conclusões A e B);
- por falta de especificação dos pressupostos de facto na parte que julgou improcedente a invocação da adequação da admoestação para a infracção em causa, conforme previsto no artigo 51º do diploma que regula o ilícito de mera ordenação social (Conclusões C e D);
2 - erro de julgamento quanto à decisão de que a AT cumpriu as formalidades exigidas para a tomada da decisão de aplicação da coima.
E também o MP sustenta, nas suas contra-alegações, que ocorre a alegada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia quanto à questão da constitucionalidade.
Estas são, pois, as questões a decidir no presente recurso.

4. Vejamos.

4.1. Começando pela questão da nulidade por falta de especificação dos pressupostos de facto na parte em que a sentença julgou improcedente a invocação da adequação da admoestação para a infracção em causa, diremos desde já que tal nulidade se não verifica.
Na verdade, no caso, a sentença recorrida, exarando que uma das questões a decidir é a de saber se a medida da coima é excessiva, e se bastava, neste caso, a admoestação prevista no art. 51° do DL 433/82, na redacção que lhe deu o DL 244/95, de 14/9, concluiu pela não ocorrência de causas de exclusão da ilicitude da conduta da recorrente e pela legalidade em termos de adequação do valor da coima na medida aplicada já que não se está perante um caso dos previstos no
art. 51° do DL 433/82, de 27/10, alterado pelo DL 244/95, de 14/9 em que, havendo reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, a entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação.
Ora, é sabido e é jurisprudência assente que a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cfr. arts. 125º do CPPT e 668º, nº 1, al. b) do CPC; cfr., também, entre outros, Ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; Ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131 e Ac. desta secção do TCA, de 20/4/99, Rec. 62.285).
A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.
No presente caso, a sentença, face à factualidade que teve como não provada (relativamente à diminuição dos fundos disponíveis da arguida) decidiu, como acima se disse, pela não ocorrência de causas de exclusão da ilicitude da conduta da recorrente e pela legalidade em termos de adequação do valor da coima na medida aplicada já que não se está perante um caso dos previstos no art. 51° do DL 433/82, de 27/10, alterado pelo DL 244/95, de 14/9 em que, havendo reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, a entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação.
Já se vê, portanto, que, independentemente da bondade ou não bondade de tal decisão (passível de ser sindicada através da eventual alegação de erro de julgamento) não estamos perante falta absoluta de motivação da decisão e que, assim sendo, não ocorre a alegada nulidade da sentença.

4.2. Quanto à nulidade por omissão de pronúncia:
A falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar constitui nulidade de sentença (art. 144º, nº 1 do CPT) e só se verifica quando o tribunal deixa de conhecer de questão que devia ser conhecida e não quando deixa de apreciar qualquer argumento produzido pela parte.
Questões para este efeito são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes (cfr. A. Varela, RLJ, 122º, 112) e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (cfr. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, 143).
O juiz só pode deixar de conhecer das questões suscitadas pelas partes, se a sua decisão ficar prejudicada pela solução dada a outras questões (nº 2 do art. 660º do CPC).
Ora, no caso presente, não é isso que se verifica.
Na verdade, a arguida alegou que, sendo o processo de contra-ordenação instruído e julgado pelas entidades administrativas e transitando em julgado as respectivas decisões (nº 2 do art. 3º do DL 433/82), nesta perspectiva será inconstitucional tal julgamento, por parte da administração, dado que só os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (art. 205º n° 1 da CRP).
Todavia, a sentença não se pronunciou sobre esta questão e, assim sendo, ocorre, portanto, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
A sentença tem, assim, que ser anulada.

4.3. Porém, tal como entende o MP junto do TCA, esta questão da constitucionalidade da aplicação de coimas por parte da AT pode agora ser aqui conhecida (cfr. art. 715º do CPC).
E, fazendo-o, há que reconhecer que não assiste razão à recorrente.
Na verdade, se, por um lado, é certo que, por serem diferentes os princípios juridico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra-ordenações, a distinta e diversa natureza de ambos os ilícitos se reflecte, necessariamente, no regime processual próprio de cada um deles, também, por outro lado, é certo que não existe qualquer impedimento constitucional que iniba o legislador ordinário de atribuir a órgãos da Administração o conhecimento e sancionamento de ilícitos de natureza não criminal. Ou seja, a atribuição de competência para aplicação de sanções não criminais nem privativas de liberdade por autoridades administrativas não é contitucionalmente censurável desde que fique assegurada a defesa e garantido o acesso aos tribunais (cfr. o nº 10 do art. 32º da CRP e o ac. do T. Constitucional, de 21/10/87, Processo nº 85-0124; cfr., ainda, embora relativamente a outro tipo de contra-ordenações, o Ac. de 14/3/89, da 2ª Subsecção do Contencioso Administrativo do STA, no rec. nº 018.919).
Tem, portanto, que concluir-se que não ocorre a alegada inconstitucionalidade do nº 2 do art. 3º do DL 433/82, dado que o próprio regime processual das contra-ordenações prevê e regula quer o direito de defesa do arguido, quer a recorribilidade da decisão da Administração para o Tribunal.

5.1. Apreciada esta questão cuja omissão de conhecimento determinou, como acima se disse, a anulação da sentença recorrida, importa, então, face a tal anulação, conhecer e apreciar as restantes questões inicialmente suscitadas no recurso para a 1ª Instância (a de saber se o despacho recorrido enferma, ou não, dos arguidos vícios - de incompetência e de forma - geradores de nulidade, ou seja, se é nulo pela verificação de tais vícios; a de saber se a conduta da recorrente se reveste de ilicitude que justifique a aplicação da coima ou se, pelo contrário, exclui a culpabilidade; e a de saber se a medida da coima é excessiva, e se bastava, neste caso, a admoestação prevista no art. 51° do DL 433/82, na redacção do DL 244/95, de 14/9).
E, conhecendo de tais questões (note-se, que, nesta apreciação, fica consumida também a apreciação da própria questão do erro de julgamento - invocado no presente recurso - por a sentença ter entendido que a AT cumpriu as formalidades exigidas para a tomada da decisão de aplicação da coima) dir-se-á que importa alterar o Nº 1 do Probatório fixado na sentença recorrida, na parte em que julgou provado que a coima aplicada foi na quantia de 1910 Euros.
Com efeito, conforme se vê da dita decisão de aplicação de coima (fls. 17 e 18) a coima aplicada é de 1.520 Euros.
Assim sendo, reformula-se o Probatório nesta parte, e mantendo-se no mais a factualidade ali especificada como provada e não provada.

5.2. Quanto ao mais, concorda-se na totalidade com a fundamentação, de facto e de direito, constante da sentença recorrida e ora anulada.
Na verdade, quanto à questão da competência, importa atentar no disposto na al. a) do nº 1 do art. 67º do RGIT, norma segundo a qual a competência para a instauração e instrução do processo de contra-ordenarão fiscal é do Serviço de Finanças da área onde a infracção tiver sido cometida. Ora, consistindo a infracção, no caso, numa omissão de entrega do IVA respeitante ao período de Novembro de 2001, e tendo a recorrente comunicado à AF a sua mudança de domicílio da área do Serviço de Finanças de Cascais 2, para a do Serviço de Finanças 8 de Lisboa apenas em 10/2/2003 (fls. 12), competente para a instauração e instrução do processo de contra-ordenação em que foi proferida a decisão aqui em causa era, como resulta das disposições conjugadas do art. 5º e da al. b) do art. 52° do RGIT, o Serviço de Finanças de Cascais 2, onde, nos termos do n° 2 do art. 26° do CIVA, a obrigação em falta devia ter sido cumprida.
Ou seja, o acto recorrido não enferma, assim, do vício de incompetência, tendo, pelo contrário, sido praticado pelo órgão competente, não sendo, portanto nulo com esse fundamento.

5.3. Quanto à alegada omissão dos requisitos do art. 79° do RGIT também a recorrente carece de razão.
Nos termos da alínea d) do n° 1 do art. 63° do RGIT, a omissão na decisão recorrida, dos requisitos do art. 79° do RGIT geraria a nulidade da mesma (nulidade formal). Mas, o que se verifica é que em tal decisão se contém, ainda que de forma sucinta e, quanto a alguns aspectos, por remissão para a Informação em que se baseia e que dela faz parte integrante (fls. 12), todos os requisitos daquele normativo.
Com efeito, como se vê a fls. 17, contém-se no despacho recorrido a identificação do infractor, a descrição sumária dos factos, a indicação das normas violadas (al. b) do n° 1 do art. 40° e n° 1 do art. 26°, ambos do CIVA), a indicação da norma punitiva (art. 114° do RGIT), a coima e a indicação dos elementos que contribuiram para a sua fixação, a indicação de que vigora o princípio da proibição da «reformatio in pejus», sem prejuízo da possibilidade de a coima ser agravada se a situação económica e financeira do infractor tiver, entretanto, melhorado de forma sensível e a condenação em custas.
A referência à situação económica não desfavorável da recorrente inclui-se no requisito da al. c) do art. 79° do RGIT - elementos necessários à fixação da coima -, não sendo exigível, ao contrário do que a recorrente pretende, que tal referência seja especialmente fundamentada. Nestes termos, o despacho que aplicou a coima à recorrente também não enferma do alegado vício de forma, pelo que, também com esse fundamento, não é nulo.

5.4. Quanto à ilicitude da conduta, tal como vem sendo afirmado pela jurisprudência citada na decisão recorrida, as eventuais dificuldades financeiras da arguida, só por si, não excluem a ilicitude da não entrega do imposto retido. Tais dificuldades só poderiam relevar se a quantia exigida pela AT não tivesse sido paga atempadamente à recorrente pelos seus clientes. Mas a prova teria de ser feita relativamente a cada uma das facturas que contribuíram para a soma da quantia em falta e a recorrente, apesar do prazo que lhe foi concedido e prorrogado (fls. 45 e 49), não fez prova de não ter em seu poder a quantia que não entregou ao Estado referente ao IVA de Novembro de 2001.
Por isso é que se tem entendido que «a invocação de dificuldades financeiras do sujeito passivo de IVA não configura causa de exclusão da ilicitude ou da culpa por infracção decorrente da falta de entrega do imposto (IVA) liquidado e recebido de terceiros não entregue no prazo legal», sendo que «Não se pode falar em arbitrariedade grave da Administração Fiscal por considerar transgressão o facto de um contribuinte não poder pagar um imposto por dificuldades financeiras, quando o que se trata é apenas de exigir a entrega de uma quantia que com esse fim foi recebida de outrem, não se podendo falar em pagamento pois de nenhum pagamento se trata. A quantia que a Administração Fiscal exige à recorrente foi por esta arrecadada mas não entrou na sua disponibilidade, servindo ela apenas de intermediária até à sua entrega nos cofres do Estado» (cfr. os acs. citados na sentença recorrida).
Conclui-se, portanto, que, no caso presente, não se prova a invocada exclusão da ilicitude da conduta da recorrente.

5.5. E quanto à medida da coima, importa referir que, sendo a recorrente uma pessoa colectiva, o valor da coima nunca podia ser inferior ao fixado, que corresponde a 20% do imposto não entregue (arts., 114°, n° 2 e 26°, n° 4 do RGIT) e que, contrariamente, ao que a recorrente pretende, a prova produzida nos autos não permite a conclusão de que se está perante um caso dos previstos no art. 51° do DL 433/82, de 27/10, na redacção do DL 244/95, de 14/9, em que, havendo reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, a entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação. Na verdade, esta admoestação está prevista no citado art. 51º para os casos em que a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente a justifiquem. A medida tem, assim, como pressupostos, que, em concreto, se verifique uma diminuição da gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente, a aferir por referência a um padrão médio de gravidade da contra-ordenação e da culpa desse agente, de tal modo que, no caso concreto, essa gravidade e culpa se apresentem sensivelmente inferiores ao que é comum. Ora essa reduzida gravidade da contra-ordenação e da culpa do agente têm que ser aferidas em concreto em função dos factos provados, que têm que evidenciar tais pressupostos.
Mas, no caso, a recorrente não logrou provar a respectiva factualidade (aliás, nem sequer fez prova de que os seus fundos disponíveis diminuíram no período do imposto correspondente a Novembro 2001, quer porque não recebeu integralmente as quantias facturadas aos seus clientes, quer porque teve de realizar os pagamentos a fornecedores sob pena de não poder realizar mais aquisições).
DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juizes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, dando provimento ao recurso, anular, por omissão de pronúncia quanto à questão da constitucionalidade do nº 2 do art. 3º do DL 433/82, a sentença recorrida e, conhecendo agora de tal questão, julgar o recurso improcedente quer quanto a este fundamento, quer quanto aos restantes também invocados.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 2 (duas) UC.
Lisboa, 15 de Junho de 2004