Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12266/03
Secção:Contencioso Administrativo- 2.ª Subsecção
Data do Acordão:04/28/2003
Relator:António de Almeida Coelho da Cunha
Descritores:INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO
INCUMPRIMENTO DA DECISÃO
MEDIDAS COMPULSÓRIAS
RESPONSABILIDADE CRIMINAL
Sumário:I- O mecanismo compulsório inerente ao incumprimento da decisão judicial de intimação para um comportamento (astreinte) não exclui a eventual responsabilidade (civil ou criminal), conforme disposto no artº 88 nº 3 da L.P.T.A.
II- O incumprimento da intimação sujeita desde logo o faltoso à sanção pecuniária compulsória prevista na lei, a qual, todavia, pode ser fixada na decisão de intimação ou em despacho posterior.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção (2ª Subsecção) do TCA

1. Relatório.
S..., Lda, requerida nos autos de intimação para um comportamento nº 832 (01), veio recorrer da subsequente decisão de fls. 568 e seguintes, que fixou em 49,88 Euros a quantia a pagar pela requerida por cada dia de atraso no cumprimento da intimação decretada pela sentença proferida nos autos em 5.8.2002, transitada em julgado em 24.10.2002, a pagar desde 25.10.02, inclusive e até que seja efectivamente cumprida a intimação decretada.
Nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:
1ª) A douta sentença recorrida vem agora, em sede executiva, decidir que a aqui recorrente tem que pagar a quantia fixada desde 25.10.02, quando, na douta sentença que decidiu a providência cautelar, não lhe fixou prazo para o cumprimento
2ª) A douta decisão recorrida vem agora, em sede executiva, cominar com responsabilidade criminal, o eventual não cumprimento, por parte do ora requerente, da douta decisão proferida na providência cautelar, quando nesta nada disse;
3ª) Viola, assim, a douta decisão recorrida, o disposto no art. 666º, 45º do Cod. Proc. Civil e artº 88 nº 1 da L.P.T.A.
4ª) Ao fixar em 49,88 Euros a quantia a pagar pela aqui recorrente por cada dia de incumprimento, viola a decisão recorrida o disposto no art. 88º nº 3 da LPTA, e as regras do art. 70 e ss. do C.Penal (aplicáveis por analogia).
A Associação R..., Lda contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
O Digno Magistrado do Mº Pº emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2- Matéria de Facto.
Encontra-se provada a seguinte factualidade relevante:
a) A Associação R..., Lda. requereu no T.A.C. do Porto a intimação da requerida a encerrar imediatamente o seu estabelecimento industrial, abstendo-se de toda e qualquer actividade no local sem que toda a sua actividade esteja devidamente licenciada
b) Por sentença de 5.8.02, o Mmo. Juiz do T.A.C. do Porto intimou a requerida “S,,,, Lda”, a encerrar imediatamente o seu estabelecimento industrial sediado em Fafe, abstendo-se de toda e qualquer actividade no local, até que demonstre ter obtido as licenças exigidas por lei;
c) Tal decisão foi confirmada por este T.C.A., por Acórdão que transitou em julgado;
d) Como a requerida não tivesse encerrado imediatamente o seu estabelecimento, a Associação R... veio requer se fixasse o pagamento de uma quantia por cada dia de atraso (artº 88 nº 3 da LPTA).
e) O Mmo. Juiz do T.A.C. do Porto, por despacho de 17.1.2003 (fls. 568), ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 88º da L.P.T.A. fixou em € 49,88 (quarenta e nove Euros e oito cêntimos a quantia a pagar pela requerida por cada dia de atraso no cumprimento da intimação decretada, devendo as referidas quantias ser pagas nos termos do nº 4 do citado art. 88º da LPTA, com as devidas adaptações, tendo em conta que os dias de atraso devem ser contabilizados desde 25.10.2002, inclusive;
f) Na mesma decisão, o Sr. Juiz do TAC do Porto solicitou à autoridade policial competente a notificação pessoal da decisão aos legais representantes da requerida, com a expressa cominação de que o não cumprimento da decisão de intimação para o imediato encerramento do estabelecimento industrial da requerida os faz incorrer em responsabilidade criminal.
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3. Direito Aplicável.
A recorrente S..., Lda, imputa à decisão recorrida a violação do disposto nos arts. 666º e 45º do Cod. Proc. Civil 88º nº 1 da L.P.T.A., com o argumento central de que na decisão da providência cautelar não se fixou qualquer prazo para o cumprimento, nem cominou com responsabilidade criminal o eventual não cumprimento.
A recorrida Associação R..., Lda contra-alega, por força do disposto no art. 391º do Cód. Civil, está em causa um crime de desobediência qualificada; por isso, quando o art. 85º nº 3 da L.P.T.A. evidencia um outra responsabilidade que possa caber, está a referir-se à responsabilidade criminal, sem que haja necessidade de cominação expressa, já que se trata de um caso de “cominação legal” e não funcional.
Quanto à quantia fixada, alega a recorrida que, no caso concreto (apesar de ser o máximo legal, a mesma é simbólica, além de que o proposto (10 Euros diários) é tentar mais uma vez brincar com a justiça.
Na verdade, parece que a conduta do recorrente ultrapassa os limites do admissível.
Como refere o Digno Magistrado do Ministério Público, “resulta claramente expresso da sentença de intimação que esta operava imediatamente, impendendo, em consequência, sobre a requerida a obrigação de encerrar o seu estabelecimento industrial e de se abster de toda e qualquer actividade no local, a partir da data do respectivo trânsito em julgado, verificado no dia 24.10.02, nos termos do disposto no artº 671º nº 1 do Cod. Proc. Civil”.
Verificado, como decorre dos autos, o não cumprimento da intimação, entram em acção as medidas compulsórias previstas no nº 3 do art. 88º da LPTA (“astreintes”), destinadas a assegurar o efectivo cumprimento da obrigação.
Como escreve Ricardo Leite Pinto, em caso de incumprimento da decisão judicial (...) “a L.P.T.A foi mais longe do que outros meios processuais do contencioso administrativo, provavelmente porque esta medida cautelar tem como destinatários particulares e concessionários e não a Administração.”
“As dificuldades que a doutrina assinala em sede de execução das sentenças administrativas parecem em parte resolvidas na intimação para um comportamento, com o mecanismo compulsório a doutrina chama-lhe astreinte, por similitude com o direito francês regulado no art. 88º nos. 3 e 4 da L.P.T.A: o não cumprimento sujeito pessoalmente o responsável ao pagamento de uma quantia em dinheiro entre 1.000$00 e 10.000$00 por cada dia de atraso e por cada responsável, quantia essa fixada pelo juiz” (cf. “Intimação para um comportamento”, Ed. Cosmos, 1995, pág. 29 Freitas do Amaral, “Direito Administrativo, 1988, vol IV, pág. 333)”.
Esta obrigação existe “sem prejuízo da responsabilidade que possa caber” (artº 88 nº 3 da LPTA), responsabilidade essa que, naturalmente respeita ao foro criminal ou civil.
No caso presente, atento o disposto nos arts. 391º do Cod. Proc. Civil, tipifica-se o crime de desobediência qualificada, sendo certo que o mesmo resulta da própria cominação legal, não se tornando necessária notificação expressa.
Como refere o Digno Magistrado do MºPº, “a decisão recorrida, limitando-se a concretizar a sanção pecuniária compulsória da intimação anteriormente decretada, transitada em julgado, e a determinar a sua adequada notificação pessoal aos legais representantes da requerida, não enferma da alegada violação ao disposto nos arts. 666º e 45º do Cod. Proc. Civil e 88º nº 1 da LPTA”.
Por outro lado, a sanção cominada (mínimo legal) é benigna: a fixação do quantitativo da sanção pecuniária compulsória não poderá deixar de considerar-se adequada, tendo em consideração os motivos subjacentes invocados na decisão recorrida e a natureza manifestamente simbólica daquele valor actual, carecendo de total fundamento a alegada violação dos arts. 88º nº 3 a LPTA e 70º e seguintes do C.Penal.
Improcedem, assim, na íntegra, as conclusões da alegação da recorrente.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela requerente, fixando a taxa de justiça em 200 Euros e a procuradoria em 100 Euros.
Lisboa, 28.4.04
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo
João Beato Oliveira de Sousa