Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 04395/00 |
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Secção: | Contencioso Administrativo- 2.ª subsecção |
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Data do Acordão: | 02/08/2001 |
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Relator: | António de Almeida Coelho da Cunha |
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Descritores: | LEGITIMIDADE ACTIVA ART46 RSTA NOÇÃO DE INTERESSE DIRECTO ASMIR |
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Sumário: | I - No âmbito do recurso contencioso, a legitimidade activa pressupõe a existência de um interesse directo, pessoal e legítimo (artº 46º R.S.T.A.). II - O interesse é directo quando o benefício resultante da anulação do acto se repercute, imediatamente, na esfera jurídica do interessado, estando excluídos da legitimidade processual os interesses de conteúdo meramente eventual ou possível. III - A ASMIR- Associação dos Militares na Reserva e Reforma, possui legitimidade activa para a defesa dos interesses colectivos dos seus associados, mas já não dos interesses meramente individuais, salvo no caso de existência de poderes de representação expressa |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção (2ª Subsecção) do T.C.A. - 1. Relatório ASMIR - Associação dos Militares na Reserva e Reforma interpôs no T.A.C. de Coimbra recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento expresso do requerimento dirigido ao Sr. Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações relativo ao cálculo das suas pensões de reforma, fora da efectividade de serviço. - Por decisão de 24.6.99, o Mmo. Juiz do T.A.C. de Coimbra julgou a recorrente parte ilegítima para o recurso, absolvendo da instância o recorrido Presidente do C.A. da Caixa Geral de Aposentações. - É dessa decisão que vem interposto o presente recurso, no qual a ASMIR formula as conclusões seguintes: - 1ª) Ao contrario do que se considera na decisão recorrida, o artº 3º dos Estatutos da ASMIR reconhece a esta poderes de representação junto dos orgãos de soberania, onde se incluem os tribunais (cfr. artº 110º da C.R.P.), conferindo-lhe legitimidade activa para junto destes representar e defender, em nome dos seus associados, os benefícios socio-económicos, culturais e recreativos, bem como os legítimos anseios e expectativas que, por qualquer forma, se encontrem ligados à condição militar; - 2ª) Tem portanto a ora agravante legitimidade activa, interesse directo no provimento do recurso; - 3ª) Os arts. 52º e 53º do C.P.A. atribuem legitimidade para iniciar o procedimento administrativo ou intervir nele aos titulares de direitos ou interesses legalmente protegidos e às associações que tenham por fim a defesa desses interesses, bem como aos titulares de interesses difusos e às associações dedicadas à defesa dos mesmos; - 4ª) Estas normas reconhecem, portanto, que junto da Administração as Associações têm interesse/legitimidade na causa que defendem e representam em nome dos seus associados; - 5ª) As Associações visam a prossecução de fins ou interesses, a que a ordem jurídica atribui susceptibilidade de ser titular de direitos ou obrigações; - 6ª) Aliás, a lei basta-se com a invocação da titularidade do direito ou interesse a reconhecer; 7ª) In caso, à luz do que dispõem o Código Civil (arts. 157º e ss) e o Código de Processo Civil (artº 26º conjugado com o artº 1º da L.P.T.A.), a ASMIR, atento o artº 3º dos Estatutos, tem interesse directo no provimento do recurso (Acordão do Tribunal Constitucional nº. 160/99, de 10 de Março de 1999, e os Acs. do STA de 30.10.86 (Rec. 13.560 - A.D. 314), de 26.5.87 (Rec. 14702 - A.D. 312), de 14.3.89 (Rec 24080), de 4.4.89 (Rec. 26.139), de 28.11.90 (Rec. 24944), de 7.5.91(Rec. 26.568), de 15.1.97 (Rec. 37509) e o Ac. R.P. de 12.12.91, in B.M.J. 412º- 442); - 8ª) Nada na lei determina que as Associações - a quem a Constituição reconhece como tendo legitimidade para promover a defesa dos direitos e interesses dos seus associados - têm de consignar nos seus estatutos a legitimidade para, no contencioso administrativo, poderem garantir eficazmente a realização dos fins estatutários; - 9ª) Esses poderes decorrem das finalidades que a C.R.P. hoje reconhece e garante às Associações, e nenhum dos seus preceitos restringe essa legitimidade ao âmbito do procedimento administrativo; - 10ª) Ao decidir como decidiu, a douta decisão ora recorrida, violou o correcto entendimento do artº 26º do Código de Processo Civil conjugado com o artº 1º da LPTA, e o vertido no artº 3º dos Estatutos da ASMIR. O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. - O Digno Magistrado do Mº Pº emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. 2. Matéria de Facto A factualidade pertinente para a decisão da excepção suscitada é a seguinte: a) A recorrente ASMIR foi constituída por escritura pública de 30 de Junho de 1987, publicada no D.R. nº 177, lll Série, de 4.8.1987; - b) Os sócios da recorrente são “os militares na situação de Reserva e Reforma” (artº 4º dos Estatutos); c) Compete à recorrente “representar os associados junto do poder constituído” (artº 3º dos Estatutos); - d) Em 16.4.1998, a ASMIR apresentou junto do Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, uma exposição - requerimento para que fosse reconhecido o direito dos militares que permaneceram na situação de reserva, fora da efectividade de serviço, com desconto de quotas para a Caixa Geral de Aposentações, a que no cálculo das suas pensões de reforma, fosse contado todo o tempo em que permaneceram naquela situação, até perfazerem 36 anos de serviço; - e) Em 27 de Maio de 1997, mediante o ofício nº 1181, o Sr. Director Coordenador da Caixa Geral de Aposentações informou o Sr. Presidente da Direcção da Asmir de que “em face dos princípios e da interpretação sistemática do Estatuto da Aposentação, designadamente dos artigos 24º, 25º, 26º, 115º e 117º, e por interpretação “a contrario” do nº 3 do artº 125º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, não se vislumbra fundamento que permita contar, para efeitos de reforma, o tempo decorrido na situação de reserva sem prestação de serviço” (cfr. doc. 3, fls. 24, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido); f) Relativamente à referida exposição - requerimento de 16.4.98, o mesmo Director Coordenador, em 5 de Maio de 1998, dirigiu à Exma. mandatária da ASMIR o seguinte ofício: «Reportando-me ao documento em referência, em que V. Exª, como procuradora da ASMIR - Associação dos Militares na Reserva e Reforma, discorre sobre contagem de tempo de militares na situação de reserva, fora da efectividade de serviço, cumpre-me confirmar o entendimento desta Caixa sobre o assunto, já expresso em diversos ofícios endereçados à ASMIR, em resposta a solicitações desta entidade (designadamente o ofício nº 1181 de 27.5.97, de que se junta fotocópia), bem como a vários militares que se nos dirigiram, em sede dos respectivos processos de reforma (como foi o caso do Coronel José Augusto Gonçalves Ramos, de que V. Exª. remeteu fotocópias)”. - Assim, e como é referido no ofício acima mencionado, entende esta Caixa que, no que se refere à contagem do tempo na reserva, fora da efectividade de serviço, “... apenas por via legislativa será possível dar satisfação às pretensões do interessado e da ASMIR”;- g) Em 30 de Junho de 1998, a Caixa Geral de Aposentações emitiu, a pedido da ora recorrente, a certidão de fls. 30, cujo teor aqui se dá por reproduzido. x x 3. Direito Aplicável O Mmo. Juiz do T.A.C. de Coimbra declarou a ASMIR parte ilegítima, absolvendo da instância o recorrido Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações. - Para tanto, e sem fixar qualquer matéria de facto, consignou o seguinte: “Os Estatutos da recorrente referem no seu artº 3º, al. b), como um dos fins da recorrente, “representar os associados junto do poder constituído, veiculando os seus legítimos anseios e expectativas que, por qualquer forma se encontrem ligados à condição militar”. “É certo e seguro que a referida norma não confere à recorrente legitimidade para representar os seus associados”. - E escreveu ainda o seguinte: “Ora, uma coisa é ter legitimidade para o procedimento administrativo, outra é ter legitimidade no âmbito do contencioso administrativo, sendo certo que nenhuma norma torna extensível a este a legitimidade daquele - onde é indiscutível a legitimidade da recorrente nos termos do artº 53º citado” (referindo-se ao artº 53º do C.P.A.). Ou seja: numa análise extremamente sucinta e insuficiente e considerando, essencialmente, a ausência nos respectivos Estatutos de norma que conferisse legitimidade activa à recorrente (ao contrário do que sucede, por exemplo, na Lei nº 83/95 de 31-8 e no Dec-Lei 139/99 de 24.4), o Mmo. Juiz concluiu que “a recorrente não tem pois interesse directo no provimento do presente recurso à luz do que dispõe o artº 26º do C.P.C., em conjugação com o artº 1º da L.P.T.A.”. - Mais seria preciso dizer. - Nas conclusões da sua alegação, a recorrente começa, precisamente, por afirmar que, ao contrário do que se considera na decisão ora recorrida, o artº 3º dos Estatutos da ASMIR reconhece a esta poderes de representação junto dos órgãos de soberania, onde se incluem os tribunais (artº 110º da C.R.P.), conferindo-lhe legitimidade activa para junto destes representar e defender em nome dos seus associados os benefícios socio-economicos, culturais e recreativos, bem como os legítimos anseios e expectativas que, por qualquer forma, se encontrem ligados à condição militar. Tem portanto a ora agravante legitimidade activa, interesse directo no provimento do recurso (conclusões 1ª e 2ª). - Citando jurisprudência do Tribunal Constitucional e do S.T.A., a recorrente ASMIR sustenta o seu interesse directo no provimento do recurso, dizendo que “nada na lei determina que as Associações - a quem a Constituição reconhece como tendo legitimidade para promover a defesa dos direitos e interesses dos seus associados - têm de consignar nos seus estatutos a legitimidade para, no contencioso, poderem garantir eficazmente a realização dos fins estatutários (conclusões 7ª e 8ª ). Deste modo, conclui a recorrente que “Esses poderes decorrem das finalidades que a Constituição hoje reconhece e garante às Associações, e nenhum dos seus preceitos restringe essa legitimidade ao âmbito do procedimento administrativo” (conclusão 9ª). Logo, “ao decidir como decidiu, a douta decisão ora recorrida, violou o correcto entendimento do artº 26º do Código de Processo Civil conjugado com o artº 1º da L.P.T.A., e o vertido no artº 3º dos Estatutos da ASMIR” (conclusão 10ª). - Equacionada a questão, passemos à respectiva análise. Antes do mais, convém recordar que, no processo administrativo, há a distinguir dois conceitos de legitimidade, conforme o meio utilizado no acesso ao tribunal e o objecto do respectivo processo. Como escreve Vieira de Andrade, “para as acções propriamente ditas, a legitimidade é conferida como no processo civil, pela titularidade da relação jurídica (material ou substancial ) controvertida, isto é, pela titularidade do direito ou do interesse legalmente protegido (do lado activo ) e pela do dever correspondente (do lado passivo ). De facto, só é legitima e só tem utilidade uma decisão de fundo do tribunal se estiverem presentes no processo as pessoas ou entidades implicadas na relação jurídico-administrativa a que se refere o litígio, também porque só para elas valerá o caso julgado” (cfr. “A Justiça Administrativa”, Lições, Almedina, 3ª ed. p. 221). Já no que respeita aos meios impugnatórios (recursos contenciosos contra actos ou impugnação de normas), dado que está em causa a validade (a legitimidade jurídica) de um acto ou de uma norma, não se exige necessariamente, para o acesso activo ao tribunal, a titularidade de uma posição jurídica subjectiva substantiva, bastando em regra a existência de um interesse directo, pessoal e legítimo na invalidação do acto ou da norma - dispensando-se até, nas acções populares (local ou associativa ), o interesse pessoal, pela mera pertinência a uma comunidade ou a uma associação, tal como no caso do Ministério Público, relativamente ao qual se pressupõe também o carácter directo e legítimo do interesse (quando muito, exigir-se-á o interesse em agir, na medida em que seja diferente do interesse directo - cfr. Vieira de Andrade, ob. cit. p. 222). É certo, como diz a recorrente, que nada na lei determina que Associações como a ASMIR - a quem a Constituição reconhece como tendo legitimidade para promover a defesa dos direitos e interesses dos seus associados, tenham de consignar nos seus estatutos a legitimidade para, no contencioso administrativo, poderem garantir eficazmente a realização dos fins estatutários. - Na verdade, não é em sede dos estatutos da recorrente - ou sequer no Código de Procedimento Administrativo, que vem definida a regra da legitimidade processual activa em sede de recurso contencioso de anulação. Tal regra consta do artº 26º do Código de Processo Civil, aplicável ao contencioso administrativo por força do artº 1º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos (L.P.T.A.) e do artº 46º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA). O artº 26º do C.P.C. prescreve que “O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar (...)” que se exprime pela “(...) utilidade derivada da procedência da acção (...)”. Por sua vez o artº 46º do R.S.T.A. determina que “os recursos podem ser interpostos pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto administrativo susceptível de recurso directo para a secção (...)”. Na presente situação, interessa-nos sobretudo o conceito de interesse directo: “O interesse diz-se directo quando o benefício resultante da anulação do acto recorrido tiver repercussão imediata no interessado. Ficam, portanto, excluídos da legitimidade processual aqueles que da anulação do acto recorrido viessem a retirar apenas um benefício mediato, eventual, ou meramente possível” (cfr. Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, vol. lV, 1988, p. 171). - Ou, como já escrevia Marcello Caetano: “Directo ou imediato (explica Haurion ...) quer dizer que o interesse não deve ser eventual mas actual e que a anulação do acto deve procurar uma satisfação imediata ao reclamante, e não longínqua” (cfr. “Sobre o Problema da Legitimidade das Partes no Contencioso Administrativo Português”, in “Estudos de Direito Administrativo”, Ed. Atica, 1974, p. 24). Ora, a possibilidade de tal satisfação imediata não é configurável para a recorrente ASMIR, à qual, aliás, e nos termos dos respectivos Estatutos, apenas compete a defesa dos interesses colectivos dos seus associados. Melhor dizendo, a impugnação do despacho recorrido, que apesar de insuficientemente identificado se pode ter como referido aos ofícios de 27.5.97 e de 5.5.98 da C.G.A., dirige-se a um acto meramente informativo e opinativo (o qual se limita a veicular o entendimento da C.G.A. relativo ao cálculo das pensões de reforma de determinado tipo de militares), de conteúdo genérico e apenas susceptível de, em concreto, potenciar o interesse dos militares que possam vir a ser afectados pela aplicação individual desse mesmo entendimento. - Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, as quais se cingem ao pressuposto da legitimidade activa, é apenas sobre tal questão que o Tribunal se pode pronunciar, sendo em tais termos evidente, pelas razões expostas, que a recorrente não possui interesse directo, pessoal e legítimo na demanda, decorrente da utilidade derivada da procedência do recurso. - Isto não obstante se reconhecer que a questão deveria, lógica e prioritariamente, ter sido centrada na provável carência de objecto do recurso por inexistência de acto recorrível (artº 120º do C.P.A. e 57º par. 4º do R.S.T.A.), ante a natureza genérica e opinativa dos ofícios de 2.5.97 ( nº 1181) e de 5.5.98, supra transcritos, que nenhuma situação individual definem. - Questão essa, aliás, suscitada na resposta da autoridade recorrida, mas não apreciada na decisão do Mmo. Juiz “a quo”. - x x 4. Decisão. Em face do exposto, e embora com fundamentação diversa, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, em Esc. 20.000$00 e Esc. 10.000$00. - Lisboa, 8.2.01 as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator) Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo António Ferreira Xavier Forte |