Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:4670/00
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/05/2002
Relator:António de Almeida Coelho da Cunha
Descritores:AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
DUPLICAÇÃO DA DILIGÊNCIA
ARTº 171º DO C.P.A.
PROCEDIMENTOS DE 2º GRAU
Sumário:I - Nos termos do artº 19º do Dec. Lei 498/88, de 30 de Novembro, os requerimentos de admissão a concurso deverão ser acompanhados da documentação exigida, não competindo ao juri suprir as deficiências.
II - A audiência dos interessados no procedimento administrativo é, em princípio de efectuar uma só vez, após conclusão da instrução, ressalvadas as hipóteses de realização de diligências complementares ou aparecimento de elementos novos.
III - O artº 171º do C.P.A. é apenas aplicável aos procedimentos de 2º grau ou grau secundário.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam na 1ª Secção (2ª Subsecção) do T.C.A. -

1. Relatório. –
M...., funcionária pública, veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, que negou provimento ao recurso hierarquico da homologação da lista de classificação final do concurso interno condicionado para preenchimento de quinze vagas na categoria de 2º Oficial do Quadro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, aberto por Ordem de Serviço de 30.4.97
A entidade recorrida respondeu defendendo a improcedência do recurso, posição em que foi secundada pelo recorrido particular António Manuel Arnault Seixas.
Em alegações finais, a recorrente formulou as conclusões seguintes:
1º) O despacho impugnado padece do vício de violação de lei, nomeadamente do Dec. Lei nº 498/88, de 30.12.1988, artº 5º, al. b), e artº 171º do C.P.A., na parte em que a recorrente, enquanto parte contra-interessada, devia ser notificada; –
2º) O mesmo despacho sofre também de vício de violação da acta, nomeadamente do ponto 3.1.4 na parte em que não concede pontuação máxima à recorrente em virtude de possuir mais de três cursos; –
3º) Vício de forma – preterição de formalidades essenciais – na parte em que a recorrente não é notificada da alteração da lista de classificação final, nos termos dos arts. 100º e 101º do C.P.A.; –
4º) Vício de forma - falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente (cfr. artº 124º do CPA), quer do despacho ora impugnado, quer da omissão do Director de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, que passa a integrar o despacho em si, quando não explica de forma coerente o porquê da alteração da lista final, favorecendo o candidato António Manuel Arnault Seixas; -
5º) Erro de facto nos pressupostos, erro grosseiro na apreciação dos elementos para valoração da formação profissional, nomeadamente na parte em que por interpretação deficiente dos documentos, atribui 19 valores quando devia atribuir a pontuação máxima de 20 valores por a requerente possuir quatro cursos; –
6º) Violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, na medida em que à recorrente não foi permitido defender-se condignamente em relação ao candidato António Manuel Arnault Seixas, favorecido em todas as situações do recurso.
A autoridade recorrida e o recorrente particular supra citado contra alegaram, pugnando pela manutenção do acto recorrido.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto.
Emerge dos autos a seguinte factualidade relevante:
a) A ora recorrente candidatou-se ao Concurso Interno Condicionado para preenchimento de quinze vagas na categoria de 2º Oficial do Quadro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, por requerimento endereçado ao Exmo. Senhor Director em 12 de Maio de 1997; -
b) Com o referido requerimento, foram entregues todos os documentos tidos como pertinentes; -
c) A recorrente foi admitida com a classificação de 17,550 valores, correspondente ao 16º lugar;
d) Tal classificação resultou das variáveis AC+EPS, sendo AC Avaliação Curricular e EPS - Entrevista Profissional de Selecção;
e) Na Ficha de Entrevista Profissional de Selecção, a recorrente obteve 16,25 valores; -
f) Na Ficha Individual de Avaliação Curricular a recorrente obteve 18,85, que resultaram da divisão aritmética dos factores de apreciação;
g) O Juri considerou como sendo de três os cursos obtidos pela recorrente; –
h) Com data de 3.03.99, a ora recorrente foi notificada, nos termos dos arts. 100º e 101º do C.P.A., para dizer o que se lhe oferecer sobre o projecto de lista de classificação final; -
i) No Projecto de Lista de Classificação Final dos candidatos aprovados, a recorrente encontrava-se classificada em 16º lugar, estando na mesma lista o candidato António Manuel Arnaut Seixas classificado em 19º lugar;
j) A lista de classificação final foi homologada por despacho do Sr. Director dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras em 6.07.99;
K) Nessa mesma lista, o candidato A....... apareceu classificado em 15º lugar;
l) A recorrente interpôs recurso hierarquico do acto de homologação da lista final pelo Sr. Director dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras;
m) Negado provimento ao recurso hierarquico, interpôs a recorrente o presente recurso contencioso.
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3. Direito Aplicável.
Suscita a recorrente, no presente recurso, as seguintes questões, que analisaremos separadamente:
O juri, ao proceder à avaliação curricular da recorrente, no item formação profissional, atribuiu-lhe 19 valores, correspondentes à frequência de 3 (três) cursos de formação, e não os 20 (vinte) valores que deviam corresponder aos 4 (quatro) cursos que a recorrente sustenta ter frequentado.
A recorrente não foi notificada da alteração da lista de classificação final, nos termos dos arts. 100º e 101º do Cod. Proc. Administrativo;
O acto impugnado padece de vício de forma por falta de fundamentação, quer do despacho impugnado, quer da omissão do Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
O acto impugnado violou os princípios da legalidade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, na medida em que à recorrente não foi permitido defender-se em relação ao candidato A.......
O primeiro dos vícios aludidos configura, na tese da recorrente, erro de facto nos pressupostos, ou erro grosseiro na apreciação dos elementos para valoração profissional, uma vez que, devido a interpretação deficiente dos documentos, o juri atribuiu à recorrente 19 (dezanove) valores, quando devia atribuir a pontuação máxima de 20 valores, em virtude de a requerente possuir quatro cursos.
Não parece que a recorrente tenha razão.
Com efeito, nos termos do artº 19º do Dec. Lei 498/88, de 30 de Novembro, os requerimentos de admissão a concurso deverão ser acompanhados da documentação exigida no respectivo Aviso de Abertura, o que significa que o ónus de apresentação de tais documentos impende sobre a recorrente, não cabendo ao juri qualquer actividade suplementar de averiguação ou investigação.
É visível que no seu requerimento de admissão ao concurso a recorrente declarou ter como habilitações profissionais as seguintes:
Curso de Oficiais Administrativos;
Curso de Dactilografia e Mecanografia;
Curso de Candidatura ao Direito de Asilo e estatuto de refugiados.
No respectivo currículo, a indicação feita é, exactamente, a mesma.
Ou seja, e como refere o Digno Magistrado do Ministério Público, quer do seu requerimento de candidatura ao concurso em causa quer do respectivo “curriculum vitae” (v.g. fls. 181, 182º e ss. e 186º do Tomo 3º do proc. instrutor), consta ter a recorrente declarado, nesta sede, ser titular, tão sómente do “Curso de Dactilografia e Mecanografia”, e não de dois cursos diferenciados das aludidas matérias.
Os diplomas em causa não constam nem do processo individual da recorrente, nem do processo instrutor, sendo certo que a entidade recorrida se baseou apenas na declaração da própria recorrente, não lhe podendo, por isso, ser imputado, qualquer erro de facto na avaliação dos pressupostos.
Improcede, portanto, o primeiro dos vícios alegados.
Vejamos o que sucede no tocante ao vício seguinte (falta de notificação da alteração da lista de classificação final).
A recorrente alega não ter sido notificada de tal alteração, ignorando assim o porquê da lista final que veio a favorecer o candidato António Manuel Arnaut Seixas.
Como sabido, este, após classificação em 19º lugar no projecto de lista, acabou por ser ordenado a final em 15º lugar, enquanto a recorrente acabou em 17º lugar, ou seja, já fora das vagas existentes.
A recorrente M...... que, nesta sede, foi violado o artº 171º do Código de Procedimento Administrativo, norma que dispõe o seguinte: “Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deve notificar aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência para alegarem, no prazo de 15 dias, o que tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus fundamentos”.
Deste modo, e na tese da recorrente, teriam sido, ainda, violadas normas relativas à igualdade de condições e oportunidade para todos os candidatos (arts. 5º, al. b) e 27º, al. b) do Dec-Lei nº 498/99), por preterição de uma audiência que era necessária.
Não parece, no entanto, que assim seja.
Como resulta dos autos, o Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deu integral cumprimento, no momento próprio, ao disposto nos arts. 100º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo.
Ora, a audiência dos interessados constitui um dever geral do procedimento decisório em 1º grau, como afloramento de uma directiva constitucional, “a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe disserem respeito” (CRP, artº 267 nº 4), o que determina para o órgão administrativo competente a obrigação de associar o particular à tarefa de preparar a decisão final, sem que contudo o direito de ser ouvido constitua um direito fundamental (cfr. Pedro Machete, “A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo”, p. 505 e ss).
Situando-se tal audiência, nos termos constantes do artº 100º do Cod. Procedimento Administrativo, entre o final da instrução (concluída a instrução ...) e a decisão final, sendo a sua finalidade contribuir para a elaboração desta, nada na lei permite, todavia, extrair a conclusão de que seja obrigatória qualquer eventual duplicação de tal diligência, sob pena de eternizar ou tornar interminável o processo.
Como nota o Digno Magistrado do Ministério Público e resulta do disposto no artº 100º do Cód. Proc. Administrativo, constitui entendimento jurisprudencial pacífico que a observância desta formalidade se impõe após a conclusão da instrução, podendo, contudo, abranger a notificação de diligências complementares acerca das quais o interessado se deva pronunciar, o que não é o caso dos autos, visto que, após cumprimento do artº 100º do C.P.A., nenhuma outra diligência instrutória foi realizada, nem surgiram elementos novos que justificassem nova audiência.
Havendo, como houve, alteração da lista de classificação final (por reclassificação do recorrido particular A......) esta ocorreu na base dos factos já constantes do processo administrativo, aquando da elaboração do projecto da lista de classificação final e por não ter sido considerado ao recorrido particular o curso de dactilografia referido no seu requerimento de candidatura.
Deste modo pode concluir-se que, não tendo a recorrente emitido qualquer pronúncia após a 1ª notificação e não havendo nos autos quaisquer elementos novos, não estava o órgão recorrido obrigado a duplicar a diligência a que alude o artº 100º do C.P.A.
Pode, por outro lado, dizer-se que a interessada não ficou privada do direito ao recurso após a decisão de 1º grau, ali discutindo a questão que considera omitida e, finalmente, que o artº 171º é apenas aplicável ao procedimento secundário ou de 2º grau, não sendo de considerar a hipótese da sua violação.
Analisemos, por último, o alegado vício de forma por falta de fundamentação.
Não nos parece que tal vício se verifique, uma vez que o acto recorrido enuncia de forma clara, congruente e suficiente, por remissão expressa para o parecer que o antecedeu e motivou, as razões de facto e de direito subjacentes, evidenciando o iter cognoscitivo e valorativo prosseguido, mormente no tocante à improcedência das questões concretas suscitadas pela recorrente no seu recurso hierárquico (cfr. fls. 105 e ss. do proc. instrutor).
E é fundamental notar não haver a recorrente questionado, no seu recurso hierárquico, as razões que motivaram a reclassificação do recorrido particular A......., circunstância que não pode deixar de indiciar a falta de razão, quer quanto à existência de vício de forma, quer quanto ao alegado erro nos pressupostos de facto.
E, finalmente, é visível que a recorrente não concretizou, por pouco que fosse, a também alegada violação dos princípios da legalidade, igualdade, porcionalidade, justie imparid.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça e a procuradoria, respectivamente, em 200 Euros e 100 Euros.
Lisboa, 5.12.02
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo
João Beato Oliveira de Sousa