Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 12107/03 |
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Secção: | Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/03/2003 |
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Relator: | Xavier Forte |
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Descritores: | RECLAMAÇAO APRESENTADA POR UM MEMBRO DO GOVERNO |
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Sumário: | I)- A multa a que se refere o artº 145º , 5 e 6 , do CPC , sanciona a falta de diligência , na prática dos actos processuais , dentro dos respectivos prazos , não se confundindo , nessa medida , com as despesas do processo , a que se refere o artº 2º , do CCJ . II)- As custas consubstanciam o valor pecuniário- ou custo - devido por parte dos sujeitos processuais , pelo funcionamento do sistema judicial . III)- O exercício da actividade processual de um Secretário de Estado não é o essencial dos seus deveres funcionais e não deixa de corporizar um específico interesse , embora público , que , no contexto processual , o coloca na posição de parte . IV)- Nenhum princípio constitucional impõe que o Estado ( o Secretário de Estado , no exercício das suas funções ) deva dispor de prazos processuais superiores aos dos demais sujeitos . V)- Não existindo qualquer fundamento constitucional que imponha , por si , essa solução , nada obsta a uma identidade de tratamento , relativamente aos demais intervenientes processuais ( particulares ) . VI)- O que se disse em nada é afectado pela circunstância de o Estado ser credor e devedor da multa processual . VII)- Em primeiro lugar , e para além da evidente autonomia dos tribunais relativamente ao Governo , na perspectiva da separação de poderes , há uma autonomia orçamental de ambos que afecta , nesse plano , a validade daquele argumento . VIII)- Por outro lado , pode ainda ser considerado como adequado ao princípio do Estado democrático que não se discrimine o Governo relativamente aos particulares , quanto ao exercício atempado dos respectivos ónus processuais . |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | O Secretário de Estado da Saúde , entidade co- requerida , nos autos de medidas provisórias , em que são requerentes H... e H... , veio apresentar reclamação do acto da Secretaria-Geral do TACL que , constatando que a resposta por aquela entidade apresentada , no âmbito das presentes medidas provisórias , havia dado entrada no 2º dia , após o termo do prazo legalmente fixado para o efeito , lhe remeteu as competentes guías para pagamento da multa devida , nos termos do artº 145º , 6 , do CPC , no montante de € 6 ( seis euros ) . Alegou para o efeito que é membro do Governo e , portanto , um orgão do Estado dirigente do Ministério da Saúde – que é um serviço geral do Estado-, daí retirando a conclusão de que estando isento do pagamento de custas , nos termos do disposto no artº 2º , nº 1 , do CCJ , por maioria de razão também está isento do pagamento daquela multa , requerendo por conseguínte a respectiva anulação . O Mmº Juiz « a quo » , a fls. 6 e 7 , dos autos , indefríu a reclamação apresentada , pelo Sr. SES , em 28-11-2002 . Inconformado com a decisão do TACL , de 28-11-2002 , o SES apresentou o competente recurso jurisdicional , apresentando as suas alegações de fls. 14 e ss , com as respectivas conclusões de fls. 16 , que de seguída se juntam por fotocópia extraída dos autos . No seu douto e fundamentado parecer , de fls. 22 , o Sr. Procurador-Geral-Adjunto , junto do TCA , entendeu que o Estado está isento de multa pela prática extemporânea de actos processuais , estabelecida pelo artº 145º , 5 , do CPC , pelo que o presente recurso jurisdicional merece provimento . Cumpre decidir : A multa a que se refere o artº 145º , nº 5 e 6 , do CPC , sanciona a falta de diligência na prática dos actos processuais , dentro dos respectivos prazos ( cfr. entre outos o Ac. do TC nº 723/98 , de 16-12 ) . Nessa medida , não se confunde com as despesas do processo , a que se refere o artº 2º , do CCJ . Com efeito , enquanto as custas consubstaciam o valor pecuniário devido por parte dos sujeitos processuais pelo funcionamento do sistema judicial , ou seja , pela sua utilização , a multa a que se refere o artº 145º , do CPC , traduz-se num meio a de evitar a prática de actos processuais fora do prazo legal , o que pode ter ocorrido por esquecimento ou negligência do interessado . Sublinhe-se que o interessado beneficia , por via desta solução , de uma prorrogação do prazo , prorrogação essa que pode também dar cobertura a situações em que o atraso se encontra justificado , apresentando a prova do justo impedimento particulares dificuldades . ( cfr. o já citado Ac. nº 723/98 ). Assim , a isenção subjectiva a que se refere o artº 2º , do CCJ , não abrange , naturalmente as multas processuais ( cfr. , de novo , o Ac. nº 723/98 , onde o TC concluíu que o benefício de apoio judiciário não abrange o pagamento de multas processuais ) . No item 10 das suas alegações , é indicada vária jurisprudência sobre a natureza da multa e no que ao Mº Pº diz respeito . Porém , concordamos inteiramente com a decisão , do TACL , de 28-11-2002. Aí se diz , designadamente , que a multa a que se refere o artº 145º , nºs 5 e 6, do CPC , sanciona a falta de diligência na prática dos actos processuais , dentro dos respectivos prazos , como acima já se referíu , não se confundindo, nessa medida , com as despesas do processo , a que se refere o artº 2º , do CCJ. Efectivamente , enquanto as custas consubstanciam o valor pecuniário-ou custo – devido por parte dos sujeitos processuais pelo funcionamento do sistema judicial , a multa a que se refere o artº 145º , do CPC traduz-se num meio de evitar a prática de actos processuais fora do prazo legal , o que pode ter ocorrido por esquecimento ou negligência do interessado . Assim , a isenção subjectiva a que se refere o artº 2º , do CCJ , não abrange , naturalmente , as multas processuais . Como se refere , no douto Ac. do T.C. , nº 303/2000 , que seguímos de perto , e no que concerne ao Ministério Público e , mutatis mutandis , ao Governo , começaremos por dizer que o MºPº se encontra , efectivamente , isento de custas ( artº 2º , nº 1 . al. b) , do CCJ ) e , na prática , tem-se entendido que a isenção abrange também as multas processuais ( cfr. , entre outros , os Acs. nºs 59/91 , de 07-03 , DR , II Série , de 01-06-1991 , e 754/96 , de 11-06- inédito ) . Não se questionará , agora , essa prática , a qual , porventura , não será isenta de dúvidas . Porém , não existe , inevitavelmente , analogia absoluta entre o MºPº e o Governo , no exercício das suas funções , no que se refere ao pagamento de multas processuais . Se é verdade que as funções de sujeito processual inerentes ao estatuto do MºPº ( cfr. artº 219º , da CRP ) podem justificar aquela isenção ( cuja conformidade constitucional , de resto , não está agora em apreciação ) , o mesmo não se tem de passar em relação a um Ministro ou Secretário de Estado , no exercício das suas funções administrativas . Na verdade o MºPº, no exercício dos seus poderes estatutários , surge, funcionalmente, como interveniente processual , devendo actuar de acordo com critérios de estrita legalidade e objectividade . O exercício de actividade processual de um Secretário de Estado não é o essencial dos seus deveres funcionais e não deixa de corporizar um específico interesse , embora público , que , no contexto processual , o coloca na posição de parte . Desse modo , não violará o princípio da igualdade não lhe reconhecer o direito a um prazo mais alargado do que o que se reconhece à generalidade dos sujeitos, pela dispensa de pagamento da multa e distingui-lo, nesse ponto, do Ministério Público, a quem compete, funcionalmente, a intervenção processual . Nem há , por conseguínte , uma imposição constitucional de que , independentemente , de lei expressa , decorra a exigência de isenção de sanções processuais dos Ministros , no exercício das suas funções . A circunstância de se tratar de um orgão do Estado em nada colide com o que acaba de se sustentar . Com efeito , nenhum princípio constitucional impõe que o Estado ( o Secretário de Estado da Saúde , no exercício das suas funções ) deva dispor de prazos processuais superiores ao dos demais sujeitos . Não existe, pois, qualquer fundamento constitucional que imponha, por si, essa solução ( as funções de SES não o justificam, pois não decorre do seu exercício normal a necessidade de intervir em processos judiciais – a condução da política da saúde e a direcção da Administração Pública, quanto à saúde, não implicam, tipicamente, a participação em acções judiciais ) . Assim sendo , nada obsta , na ausência de posição do legislador sobre a questão, a uma identidade de tratamento relativamente aos demais intervenientes processuais ( os particulares ) . O que se disse em nada é afectado pela circunstância de o Estado ser credor e devedor da multa processual . Em primeiro lugar, e para além da evidente autonomia dos tribunais relativamente ao Governo, na perspectiva da separação de poderes , há uma autonomia orçamental de ambos que afecta , nesse plano, a validade daquele argumento . Por outro lado , pode ser ainda considerado como adequado ao princípio do Estado de direito democrático que não se discrimine o Governo relativamente aos particulares, quanto ao exercício atempado dos respectivos ónus processuais . De qualquer modo, pelo facto de a lei geral não conceder qualquer privilégio deste tipo ao Governo e não existir uma imposição constitucional nesse sentido, nem sequer na perspectiva da igualdade relativamente ao MºPº, não deverá o TC, acentua-se nesse Acórdão, como interprete da lei na dimensão da sua constitucionalidade, pronunciar-se no sentido de uma tal distinção . Pelo exposto, improcedem as alegações de recurso, mantendo-se o despacho de indeferimento . Sem custas incidentais , atenta a isenção de que , neste particular , goza o reclamante . Lisboa , 03-04-03 |