Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03872/08
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:07/10/2008
Relator:António Coelho da Cunha
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO
CONTEÚDO E LIMITES
PEDIDOS RELATIVOS À INTERPRETAÇÃO DE TERMOS TÉCNICO-JURÍDICOS
Sumário:I - A intimação para prestação de informações pode ser efectuada na fase administrativa do processo contra-ordenacional.
II- Não são, porém, admissíveis, pedidos relativos a convicções ou a intenções da autoridade em causa, bem como não são enquadráveis no âmbito do direito à informação pedidos relativos à aclaração ou interpretação de termos jurídicos.
III - O direito à informação diz respeito, tão somente, a factos objectivos do processo.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 2º Juizo do TCA Sul

1. Relatório.
João ... requereu, no TAF de Lisboa, a intimação do Ministério da Economia e da Inovação, para satisfazer o pedido de informação que formulou em 21.09.07, por requerimento dirigido ao Director Regional do Algarve da ASAE, e no pagamento das despesas de patrocínio.
Por sentença de 14.03.2008, o Mmo. Juiz “a quo” julgou as excepções de incompetência material do e de inadequação do meio processual utilizado, e inverificada a inutilidade superveniente da lide, deferindo os pedidos formulados pelo recorrente.
Inconformado, o MEI interpôs recurso jurisdicional para este TCASul, enunciando nas suas alegações as conclusões de fls. 205 e seguintes.
O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
O Digno Magistrado do MºPº emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por não merecer censura a decisão recorrida.
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2 . Matéria de Facto
A matéria de facto é a fixada na decisão de 1ª instância, para cujos termos se remete na íntegra (art. 713º nº 6 do C.P. Civil).
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3. Direito Aplicável
O MEI alega que, no âmbito de um processo contra-ordenacional, os tribunais administrativos carecem de competência para apreciar pedidos de informação, uma vez que o procedimento contra ordenacional não é um procedimento administrativo tendente à prática de um acto administrativo, nem se verifica no caso concreto que exista qualquer relação jurídicoadministrativo.
Trata-se de uma questão que já por diversas vezes foi abordada neste TCASul
Nos recentes recursos 03650/08 e 03803/08, de 29.06.08, reconhece-se que o processo de intimação para prestação de informações pode ser usado na fase administrativa do procedimento contraordenacional, sendo nessa fase aplicável o Cod. Proc. Administrativo.
Este entendimento vem na sequência do Ac. do STA de 5.07.07, Proc. 0223/07, onde inequivocamente se esclarece que o processo de intimação para prestação de informações é o único meio processual próprio (de caracter impositivo, e não de carácter impugnatório) para reagir contra qualquer forma de recusa de informação).
Não pode, portanto, concluir-se, como o faz o recorrente, que o processo contraordenacional seja pleno, autosuficiente e estanque, se estiver em causa o direito à informação. (art. 268º da CRP).
Isto não significa, porém, que no caso concreto exista direito à informação, tal como esta foi formulada.
Com efeito, a leitura da alínea A, 1, 2, 3 do probatório, mostra que, em requerimento dirigido ao Director Regional do Algarve da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, o requerente solicitou a seguinte informação:
«Assim, vem requerer a V. Exa que preste a seguinte informação administrativa:
1 Se V. Exa. imputa a prática reincidente e a total falta de respeito pela ordem legítima da autoridade competente ao signatário ou, caso não seja imputado ao signatário, a quem imputa tal prática e tal falta de respeito;
2 Se V. Exa. usou o termo prática reincidente no seu sentido técnico jurídico existente no Código Penal e aplicável subsidiariamente ao processo de contraordenação
3 Se V. Exa. está a imputar ao signatário uma conduta de desobediência pela ordem legítima da autoridade competente da alegada alegada suspensão imediata do espaço/estabelecimento em causa no dia 1.09.07.
Tratando-se de matéria essencial para o uso do direito de defesa no processo que V. Exa. parece querer iniciar com este mandato (sem número de identificação) requer que seja prestada a informação solicitada no prazo legal de 10 dias previsto na lei.
Sobre tal requerimento recaiu tão somente a informação veiculada no dia 30 de Outubro de 2007, tendo o recorrente sido informado de que os processos estão a ser instruídos nos termos das regras constantes no Regime Geral das ContraOrdenações, aprovado pelo D.L. 433/82 de 27 de Outubro (…) não sendo aplicáveis as normas respeitantes ao procedimento administrativo (cfr. alínea D) da matéria de facto provada).
É esta a questão a apreciar, em face, antes de mais do disposto no artigo 268º da CRP e artigos 61º, 62º nº 3, 64º nº 1 e 2 do CPA e 65º do mesmo diploma.
Como é sabido, o direito à informação pode ser considerado um direito fundamental, face ao teor das normas citadas, mas não é, decerto, um direito absoluto, devendo o seu conteúdo ser relacionado com outros valores constitucionalmente tutelados. São restrições ao direito à informação as matérias relativas à defesa nacional e segurança do Estado, aos segredos comerciais, financeiros e fiscais, ao segredo judiciários, ao procedimento penal e prevenção da criminalidade e a matérias invasivas da intimidade da vida privada (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional de 23.4.92, in D.R. II Série, de 2.09.92).
Como já se disse, no âmbito do processo contraordenacional, admite-se que sejam pedidas informações na fase administrativa do procedimento, sendo nesta fase aplicável o Cod. Proc. Administrativo, mas não já na fase judicial. Ora, no caso concreto, o tipo de “informação” que o requerente pretendia diz respeito a convicções que a autoridade recorrida poderia ou não ter, bem como a interpretações acerca de termos usados no processo, cujo “esclarecimento” técnico jurídico é solicitado.
Por muito amplo que seja o conteúdo do direito à informação (e note-se que a possibilidade de solicitar informações no procedimento contraordenacional, constitui uma excepção, limitada à fase administrativa), não são admissíveis pedidos de “informação” do teor dos solicitados.
Como justamente diz o MEI, o direito à informação procedimental respeita a factos objectivos do processo, e só a esses pode respeitar.
No caso concreto, porém, o que o requerente pretendia saber era qual a intenção do declarante, e qual o sentido da vontade declarada com a expressão prática reincidente, e a quem se referia a autoridade contraordenacional com a expressão falta de respeito pela ordem.
Ou seja, o requerente não solicitou um pedido de informação administrativa, antes fez uma espécie de pedido de aclaração, que a nosso ver não encontra qualquer acolhimento legal.
Ora, é certo que o direito informação respeita a factos objectivos do processo, não sendo viável interpelar a autoridade administrativa acerca das suas intenções ou da interpretação de termos jurídicos.
Apenas se pode dizer que, se o requerente possui cópia do respectivo documento nas suas mãos, tal documento é a única realidade válida e objectiva, não sendo possível perscrutar a subjectividade da autoridade administrativa, em termos que até se nos afiguram deselegantes e inadmissíveis, aproximando-se do abuso de direito.
Em conclusão, é de considerar que não foi solicitada qualquer informação administrativa, susceptível de ser enquadrada no Cod. Procedimento Administrativo, razão pela qual o pedido do requerente teria de improceder.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, indeferindo o pedido formulado pelo ora recorrente.
Sem custas (art. 73º-C, nº 1, al. b) do C.C. Jud.).

Lisboa, 10.07.08

as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Mário Frederico Gonçalves Pereira (em substituição)
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa