Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 00474/04 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 2º Juízo |
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Data do Acordão: | 02/16/2005 |
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Relator: | António Aguiar de Vasconcelos |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR CONCEITO DE UTILIDADE RELEVANTE (ART. 129.º DO CPTA) ÓNUS DE ALEGAÇÃO CONHECIMENTO OFICIOSO |
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Sumário: | 1 - A suspensão de eficácia é de indeferir quando seja evidente a improcedência da pretensão a formular no processo principal por manifesta falta de fundamento da mesma e por estar em causa a adopção de providências conservatórias (art. 120.º n.º1 al. a) do CPTA). 2 - O art. 129.º do CPTA estabelece para o caso de suspensão de eficácia do acto já executado um requisito suplementar o da "utilidade relevante", mantendo no essencial o disposto no art. 81.º da LPTA no que se refere à possibilidade da suspensão de eficácia de actos administrativos já executados. 3 - Incumbe ao requerente da suspensão alegar os factos integradores do conceito de "utilidade relevante". 4 - Ainda que, perante um acto já executado, o requerente não expresse a utilidade relevante que advém da suspensão de eficácia para os interesses que ele defende, pode o tribunal, oficiosamente reconhcer essa utilidade. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: x O Município de Vila Franca de Xira inconformado com a sentença do TAF de Loures, de 7 de Outubro de 2004, que deferiu o requerimento de suspensão da eficácia do acto praticado pelo Vereador Ramiro Matos, de 16 de Dezembro da 2003, pelo qual foi determinado o despejo administrativo da fracção sita no Bairro Municipal da Quinta da Piedade, Lote 1, 2º Dto, Póvoa de Santa Iria, V. Franca de Xira, dela recorreu, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:“a) O arrendamento dos autos, por ser um arrendamento social, estava sujeito a regime especial, em que não se inclui a transmissão para os filhos por morte do locatário; b) Assim, o pedido a formular na acção principal está incontroversa e patentemente destinado a improceder; c) Face a este “fumus malus” a providência não deveria ter sido adoptada, como resulta implicitamente da alínea a) do nº 1 do art 120º do CPTA; d) Ainda que assim não fosse, também por força do disposto no nº 2 do mesmo artigo a providência não deveria ter sido adoptada; e) Uma vez que, adoptando-a, se lesaram interesses da mesma natureza dos que se visaram defender, sendo que os lesados ficam menos assegurados do que actualmente estão os que se quiseram defender; f) Além de que com a adopção da providência também se lesaram interesses públicos, onde avulta o de atribuir casa em arrendamento social com base na ponderação pelo Município das necessidades de cada carenciado e não com base no direito de transmissão a favor de filhos pela morte do pai locatário, direito este inexistente no tipo de arrendamento em causa; g) Entendendo de forma diferente, a douta sentença recorrida violou, além do mais, as normas referidas.” Os recorridos contra-alegaram tendo enunciado as seguintes conclusões: a) Deve improceder todo o alegado na petição do recurso, por falta de fundamento quer de facto e quer de direito; b) O “Tribunal a quo”, ao decidir pelo deferimento da providência ponderou e avaliou todos os interesses em questão, e optando pela “utilidade relevante” no que respeita aos interesses dos menores, a fim de evitar futuramente os efeitos nocivos e, altamente, prejudiciais às crianças, por aplicação do preceituado no art 129º do CPTA; c) Aliás, antes do recorrente invocar os interesses relevantes para os contra- interesses que, entretanto, ocuparam a casa, já antes dessa ocupação e desses interesses, existiam os legítimos interesses dos menores que não foram considerados, nem tidos em conta e nem salvaguardados, como era da obrigação do recorrente; d) É grande o desplante do recorrente vir invocar o interesse particular de pessoa económicamente carenciada quando não respeita os interesses particulares e específicos de duas crianças órfãs e sem quaisquer meios económicos para puderem tomar de arrendamento qualquer outra habitação; e) Acima de tudo devem estar os interesses das crianças que são extremamente carenciadas e, consequentemente, desprotegidas, neste flagrante caso, pelo recorrente que ao fim e ao cabo é uma entidade pública; f) O “Tribunal a quo” respeitou na íntegra as disposições legais aplicáveis ao caso concreto, não merecendo, por isso, qualquer reparo, mas antes a firmeza dos factos perante uma dura realidade que a sociedade pretende esconder e as entidades públicas não conseguem debelar, ficando, assim, sujeita ao veredicto dos Tribunais”. x Nos termos do disposto no art 713º, nº 6 do Cód. Proc. Civil, remete-se a fundamentação de facto para a constante da sentença recorrida. x Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.x Tudo visto, cumpre decidir: Veio o presente recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Loures que deferiu o requerimento de suspensão da eficácia do acto praticado pelo Vereador do Município de Vila Franca de Xira, Ramiro Matos, que ordenou o despejo administrativo da fracção sita no Bairro Municipal da Quinta da Piedade, LOTE 1, 2º Dto, Póvoa de Santa Iria e facultou o uso da mesma a Pedro Miguel Costa, indicado como contra-interessado. Nas conclusões das suas alegações o recorrente imputa à sentença recorrida violação do disposto no art 120º, nº 1 al a) do CPTA por existência de “fumus malus”, de ilegal ponderação dos interesses em presença (art 120º, nº 2 do CPTA) e de omissão do regime previsto no art 129º do CPTA. Analisemos então, de per si, as conclusões das alegações de recurso, as quais contêm necessáriamente o pedido e os fundamentos, de facto e de direito, pelos quais se pretende a alteração do decidido - objecto imediato do recurso jurisdicional. Com efeito, o âmbito do recurso jurisdicional determina-se pelas conclusões formuladas nas alegações, só podendo ser conhecidas as questões nelas referidas. Visando os recursos a revisão da legalidade ou ilegalidade duma decisão judicial, só pode o Tribunal «ad quem» conhecer da decisão recorrida e dos vícios, de forma ou de fundo, que lhe são imputados, nos termos constantes das respectivas alegações e suas conclusões, pertencendo ao recorrente o ónus da correcta identificação e formulação do objecto do recurso. x Nas conclusões a) a c) da sua alegação o recorrente sustenta que “o arrendamento dos autos, por ser um arrendamento social, estava sujeito a regime especial, em que não se inclui a transmissão para os filhos por morte do locatário” (...). “Assim, o pedido a formular na acção principal está incontroversa e patentemente destinado a improceder” (...) “Face a este “fumus malus” a providência não deveria ter sido adoptada, como resulta implicitamente da alínea a) do nº 1 do art 120º do CPTA.” Vejamos a questão. Perante a factualidade apurada nos autos, que não é posta em crise pelo recorrente, a propósito do requisito da “aparência do bom direito, a sentença recorrida refere o seguinte: “(...) Desde logo, deve notar-se que, quanto ao “fumus boni juris”, a exigência é aqui pouco acentuada; basta que não se apresente manifesta a falta de fundamento da pretensão no processo principal. E uma improcedência manifesta há-de ser aquela que, à face da simples leitura dos articulados e do compulsar da prova trazida aos autos, se impõe como necessária, seja porque falta um pressuposto processual insanável, seja porque se interpõe uma qualquer outra questão obstativa do conhecimento do mérito, seja, enfim, porque o pedido formulado esteja incontroversa e patentemente destinado a improceder. Não é essa também, de modo algum, a situação dos autos. Os requerentes logram efectivamente o preenchimento do ónus de alegação e prova indiciária de alguns dos vícios que assacam ao indicado acto. Sirva apenas de exemplo, entre os vícios geradores de ineficácia, a invocação de falta de notificação aos requerentes do acto suspendendo, a qual se apresenta, com efeito, indiciada desde logo no p. a. (...)”. Os vícios imputados ao despacho em causa, como bem refere o recorrente, são vícios de procedimento ou de forma, que apurada a sua existência levariam à renovação do acto se o princípio do aproveitamento dos actos não impedisse a anulação do mesmo. Não é, por conseguinte, relevante para a aparência do bom direito a existência ou não de tais vícios de forma; o que importa é saber se a requerente tinha ou não direito à transmissão do arrendamento dos autos à morte do seu pai. Esta questão é fundamental e cabe decidi-la no processo cautelar para apurar se se verifica o “fumus boni juris”, ou como defende o recorrente o “fumus malus”. Ora, a ora recorrida formulou os seus pedidos apoiada no entendimento que ao arrendamento dos autos se aplicava o disposto na alínea b) do nº 1 do art 85º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) - cfr. arts 51º e ss do requerimento inicial), por força do disposto no art 13º do Dec-Lei nº 507-A/79, de 24-12, embora reconheça (cfr. arts 1º a 3º, 54º e 55º do seu requerimento) que o arrendamento ocorreu no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER) e de acordo com o regime fixado no Dec-Lei nº 163/93, de 7.5. Porém, no caso em apreço, não se trata de arrendamento de prédio do Estado ou das autarquias locais, mas sim de arrendamento sujeito a legislação especial, previsto nas alíneas a) e f), respectivamente, do nº 2 do art 5º do RAU. Com efeito, o arrendamento dos autos tinha por objecto andar ou fracção de prédio adquirido pelo Município para arrendamento habitacional no âmbito do Programa PER com o apoio financeiro do Estado, sujeito, deste modo, a um regime especial (cfr. neste sentido PINTO FURTADO, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, pags 129-131). Aos arrendamentos sujeitos a legislação especial aplica-se o regime geral da locação civil, bem como o do arrendamento urbano, na medida em que a sua índole for compatível com o regime destes arrendamentos (art 6º nº 2 do RAU). Nestes arrendamentos com renda apoiada o locatário é pessoa carenciada de habitação e a falta de meios são apuradas casuisticamente pela Administração Pública (Estado ou Autarquias Locais). E, por isso mesmo, o arrendamento da renda apoiada caduca com a morte do locatário, nos termos da alínea d) do nº 1 do art 1051º do Código Civil, não sendo aplicável o art 85º do RAU, já que tal norma não é compatível com o regime de tais arrendamentos (cfr. a propósito o citado art 6º nº 2 do RAU e a decisão do AC. do RP de 22/01/1987 in CJ, ANO XII, Tomo 1, pags 203 a 205). Isto sem prejuízo de a requerente poder ver apreciada a sua pretensão a que lhe seja atribuida uma casa, pretensão essa a ser ponderada face às carências dos vários solicitantes e às casas disponíveis; mas não por direito de transmissão à morte do pai. Tendo caducado o contrato, o ora recorrente procedeu ao despejo administrativo, nos termos do art 11º do Dec-Lei nº 507-A/79, de 24-12 (cfr. neste sentido o Parecer nº 132, de 12 de Janeiro de 1984, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, in BMJ 336 pag 222). Constata-se assim a existência de um “fumus malus”, ou seja o pedido a formular na acção principal está patentemente destinado a improceder. Ora, “em caso de manifesta falta de fundamento da pretensão principal (...) será sempre recusada qualquer providência, ainda que meramente conservatória (cfr. J. C. VIEIRA DE ANDRADE, “A Justiça Administrativa”, Lições, 4ª edição, pag 300). A suspensão de eficácia é de indeferir, desde logo, porque é evidente a improcedência da pretensão a formular no processo principal, por manifesta falta de fundamento da mesma e por estar em causa a adopção de providências conservatórias (como resulta implicítamente do art 120º nº 1 al a) do CPTA). Pelo exposto, e acompanhando a argumentação expendida pelo recorrente, procedem as conclusões a) a c) da alegação do recorrente. x Em segundo lugar, convém ainda apreciar as conclusões contidas na alegação da recorrente que se prendem com o requisito enunciado no art 120º nº 2 do CPTA (Ponderação dos interesses em causa).A propósito deste requisito decidiu-se na sentença recorrida: “(...) Se a favor da manutenção do acto administrativo (e, portanto, contra o decretamento da providência) deporá, além do interesse associado do contra-interessado mas que não ofereceu oposição o proeminente interesse público associado à gestão equânime dos fogos de habitação social a cargo do requerido, não é menos certo que a favor da concessão da suspensão de eficácia do acto administrativo concorre o relevante interesse de garantia de habitação e protecção dos requerentes, destacando-se a situação da ora requerente, cuja tutela foi atribuída ao tio, Vitor Semedo Cabral, com quem residia na fracção em causa nos autos ao tempo da execução do acto suspendendo (...)”. Ora, além do que a sentença recorrida caracteriza como “o proeminente interesse público associado à gestão equânime dos fogos de habitação social a cargo do requerido”, estão em confronto dois direitos da mesma natureza: o direito à habitação da requerente e o direito de habitação da família entretanto alojada na fracção. Só se a requerente beneficiasse de um “fumus boni juris” é que deveria ser sacrificado o direito da família entretanto lá alojada. E a circunstância de o contra-interessado não ter deduzido oposição não lhe retira a qualidade de pessoa carenciada a quem foi atribuída a casa no âmbito de arrendamento social, já que estamos no domínio de famílias económicamente carenciadas. Ou seja, mesmo sem atentarmos no interesse público em presença (nomeadamente o da atribuição das casas a famílias carenciadas se fazer mediante a ponderação da situação de cada um dos interessados e não com base em inexistente direito de transmissão), perante o confronto de interesses de particulares da mesma natureza, não é justificável desalojar alguém que fica sem alojamento para lá alojar alguém que está mal alojado. Procedem também, pelas razões expostas, as conclusões d) e e) da alegação da recorrente. x Na última conclusão das suas alegações a recorrente aborda a questão da temática do art 129º do CPTA ao alegar que a sentença recorrida não teve em conta o regime constante desse artigo 129º, salientando que na mesma se fez uma referência apenas para a caracterização do fim visado pela providência conservatória.Ora, o art 129º do CPTA estabelece para a caso da suspensão da eficácia do acto já executado um requisito suplementar, o da “utilidade relevante” (cfr. neste sentido MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2003, pag 272). Este artigo do CPTA mantém no essencial o disposto no art 81º, nº 1 da LPTA (na redacção dada pela Lei nº 12/86, de 12-5). E a jurisprudência do STA era no sentido de que incumbia ao requerente a alegação de factos integradores da utilidade relevante (cfr. a propósito AC. de 11/4/1990 in Proc. nº 28224 e AC de 14/1/1993 in Proc. nº 31401), embora se admitisse que o Tribunal pudesse reconhecer essa utilidade relevante (cfr. a propósito AC. de 8/10/1996 in Proc. nº 40924-A). Ponderando então os interesses em confronto, ou seja o interesse da requerente, mas também os do requerido, ora recorrente, e os do interessado particular, pessoa económicamente carenciada que se encontrava em lista de espera e a quem foi atribuída casa depois da execução do despejo, concluímos que com a adopção da providência se lesaram também interesses públicos, onde avulta o de atribuir casa em arrendamento social com base na ponderação pelo Município das necessidades de cada carenciado e não com base no direito de transmissão a favor de filhos pela morte do pai locatário, direito este inexistente no tipo de arrendamento em causa. Procede igualmente, pelas razões aduzidas pelo recorrente, a últi- conclusão das alegações (cfr. alínea f)). Procedendo, por conseguinte, todas as conclusões da alegação do recorrente o recurso merece provimento com a consequente revogação da sentença recorrida. x Acordam, pois, os juizes que compõem a secção de contencioso administrativo, 2º Juízo, deste TCAS, em conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença recorrida.Sem custas em ambas as instâncias. x Magda Espinho GeraldesLisboa, 16 de Fevereiro de 2005 as.) António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos (Relator) Mário Frederico Gonçalves Pereira |