Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 06733/02 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário |
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Data do Acordão: | 11/29/2007 |
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Relator: | Rui Pereira |
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Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR – MÉDICO DENTISTA – FICHAS CLÍNICAS – ATESTADOS DE ROBUSTEZ FÍSICA E PSÍQUICA – MEIOS COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO – MEDIDA DA PENA – PROPORCIONALIDADE – INVIABILIZAÇÃO DA MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO FUNCIONAL |
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Sumário: | I – Estando em causa a conduta de um médico dentista vinculado à Função Pública, não tem aplicação o disposto no artigo 20º do Código Deontológico da OMD, que considera o arquivo propriedade do médico dentista e o acesso à ficha clínica e à divulgação dos seus elementos abrangidos pelo sigilo profissional [cfr. artigo 20º, nºs 2 e 4 do Código Deontológico da OMD], já que quer o arquivo, quer as fichas clínicas existentes nos centros de saúde integrados no SNS, pertencem à Administração, devendo por isso ser considerados documentos administrativos para os termos e efeitos consignados na Lei nº 65/93, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 94/99, de 16/7, mais concretamente documentos nominativos, por conterem dados pessoais [cfr. artigo 4º, nº 1, alínea b) da Lei nº 65/93, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 94/99]. II – Se no decurso do processo disciplinar o respectivo instrutor se apercebeu que o conteúdo das fichas clínicas das utentes supostamente agredidas pelo recorrente se revelava indispensável para o apuramento da responsabilidade disciplinar daquele, a única forma de aceder a tais documentos passava pelo procedimento prévio de autorização à entidade com competência na matéria, “in casu”, a CADA, nos termos prescritos nos artigos 15º, nº 2 e 20º, nº 1, alínea d) da Lei nº 65/93, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 94/99, o que foi cumprido pela entidade sob cuja égide decorria o processo disciplinar. III – Autorizado pela CADA o acesso às fichas clínicas em causa, com as anotações inseridas pelo recorrente, mas com a omissão dos diagnósticos [cfr. fls. 84/87 do II volume do processo instrutor apenso], a respectiva junção aos autos do processo disciplinar e a sua valoração enquanto meio de prova [não exclusivo] das infracções imputadas ao recorrente, não acarreta a nulidade da decisão recorrida. IV – O conteúdo funcional da profissão de médico dentista não pode exorbitar do âmbito do artigo 3º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, anexo à Lei nº 44/2003, de 22/8, ou seja, a actuação do médico dentista é idêntica à de qualquer médico, mas restringe-se à saúde e à higiene orais: as suas principais atribuições consistem no estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas, gozando, no exercício do seu “munus”, do direito de passar receitas e atestados médicos nos termos das disposições legais e regulamentares em vigor [cfr. artigo 13º, alínea p) do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, anexo à Lei nº 44/2003, de 22/8]. V – A competência exclusiva para a passagem do chamado atestado de robustez física e psíquica, exigidos para o exercício de funções públicas ou para o exercício de quaisquer actividades, foi cometida por lei ao médico no exercício da sua profissão [cfr. artigos 1º e 2º do DL nº 319/99, de 11/8]. VI – Embora o médico dentista goze do direito de passar receitas e atestados médicos, esse direito restringe-se ao campo da saúde e higiene orais, visto que as suas principais atribuições consistem no estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas, dado não ser lícito a um médico dentista a emissão de atestados de robustez física e psíquica, a decisão recorrida ajuizou bem a verificação de infracção disciplinar por parte do recorrente. VII – Um médico dentista tem competência para requisitar meios complementares de diagnóstico, sem quaisquer restrições, já que aqueles também se destinam a complementar e a auxiliar o médico dentista no diagnóstico das doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas, pelo que a decisão punitiva recorrida, ao entender o contrário, considerando que a conduta do recorrente era violadora do dever geral de zelo previsto na alínea b) do nº 4 e nº 6 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar, fazendo-o incorrer na infracção disciplinar prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 23º do ED, e punível com a pena prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do mesmo Estatuto, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito. VIII – Em sede disciplinar, o princípio da proporcionalidade impõe a adequação da pena à gravidade dos factos apurados, ou seja, a medida punitiva deverá ser, de entre as idóneas ao fim visado, a que se afigurar menos gravosa para o arguido. IX – Sendo inquestionável que os factos determinantes da aplicação da pena disciplinar ao recorrente afectaram realmente a dignidade e o prestígio da classe dos médicos dentistas, não parece todavia terem tais factos atingido o grau de desvalor capaz de tornar inviável a manutenção da relação funcional, por quebra irreversível da confiança que deve existir entre o serviço e o funcionário, tanto mais que aquele médico era o único dentista em exercício de funções no Centro de Saúde de São Roque do Pico. X – No caso dos autos, a factualidade apurada, mais do que demonstrativa da inviabilização da manutenção da relação funcional, apontava no sentido da incapacidade do recorrente para lidar com crianças, sem que contudo daí se possa concluir que o mesmo não pudesse continuar a prestar funções no Centro de Saúde de São Roque do Pico, nomeadamente na área da prevenção e do tratamento das doenças da boca da população adulta servida por aquele centre de saúde. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 1º JUÍZO LIQUIDATÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO Manuel ..., com os sinais dos autos, veio interpor o presente RECURSO CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO do Despacho da Srª Secretária Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional dos Açores, datado de 22-10-2002, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, assacando-lhe vários vícios de violação de lei e de forma, por falta de fundamentação. A entidade recorrida respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso [cfr. fls. 73/80 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Em alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: “I – Não deveriam ter sido apreciados os factos descritos na nota de culpa nos artigos 1º a 8º e 13º a 14º dado já ter prescrito quanto aos mesmos o direito de instaurar, contra o recorrente, qualquer tipo de procedimento disciplinar aquando da decisão de instauração de processo de averiguações, pelos motivos supra expostos, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 2 do DL nº 24/84, de 16/1, pelo que é anulável, por violação de lei, a decisão ora recorrida [artigo 135º do CPA]; II – A matéria vertida nos pontos 13 e 14 da nota de culpa, dada por provada no relatório e sendo também ela tida em conta na determinação da medida da pena aplicada ao arguido, não podia ser dada como provada nem tida em consideração uma vez que a prova obtida para demonstrar a veracidade do alegado foi carreada ilegalmente para os autos com base em violação de sigilo, uma vez que os documentos em causa são nominativos de teor particular, uma vez que reportam-se à saúde dos seus titulares, e cuja informação neles contida, protegida pelo disposto no artigo 195º do Cód. Penal, na sequência do disposto nas disposições legais e regulamentares supra referidas [Lei nº 110/91, de 29/8, e Reg. Int. da O.M.D. nº 2/99, de 22/6, publicado na II Série do DR], sendo que a Lei nº 65/93, de 26/8, não se aplica ao caso vertente, só podendo tal sigilo ser afastado mediante autorização da referida Ordem dos Médicos Dentistas ou por decisão judicial, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida na medida em que assenta em provas nulas [artigo 133º do CPA]; III – Assim sendo, tais meios probatórios são nulos, uma vez que obtidos ilegalmente, pelo que prova alguma se pode fazer escorada nos mesmos; IV – A interpretação restritiva feita pela Administração em relação ao disposto nos diplomas Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, e DL nº 319/99, de 11 de Agosto, não procede uma vez que o DL nº 319/99, de 11 de Agosto, não impede a emissão de tais atestados a um médico dentista – atente-se que é a própria lei que os chama de médicos dentistas, pelo que a designação legal de médico não os exclui e “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”; V – Em segundo lugar, a Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, no seu artigo 13º, alínea p), permite aos médicos dentistas o passar atestados médicos sem estabelecer as limitações que se procurou erigir no referido processo disciplinar, aliás nesse sentido já se pronunciou a Ordem dos Médicos Dentistas, pelo que viola a lei, pelo que se torna anulável, a decisão ora recorrida na medida em que entende não ter o recorrente tal competência e o sanciona por tal [artigo 135º do CPA]; VI – Em caso extremo que não se aceita mas que por mera hipótese se discute, havendo dúvidas quanto à extensão da previsão do referido artigo, objecto de interpretação restritiva por parte da Administração, teria sempre a mesma de ser valorada a favor do recorrente e não contra ele [artigo 32º, nº 2 da CRP]; VII – No que concerne ao Dr. Almerindo... o mesmo é utente do Centro de Saúde de São Roque do Pico, os dados constantes da relação dos cuidados prestados aos beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça de Janeiro, Fevereiro e Março de 2001 só podem ser processados com base nas inscrições constantes do boletim de consulta preenchido pelo médico [docs. juntos], neste caso pelo recorrente, pelo que o atendimento que o referido utente recebeu no Centro de Saúde não representou, como se alega na nota de culpa e se deu como provado no relatório final, uma violação do dever de isenção por parte daquele; VIII – Mesmo que, por hipótese que não se admite mas que apenas se discute, tivesse havido algum "facilitismo" em termos burocráticos no atendimento, por parte dos funcionários do Centro de Saúde do referido utente, tal ter-se-ia ficado a dever ao facto do mesmo ser conhecido do Centro e ter entrado aflito com o seu estado de saúde indo às pressas buscar atendimento na área de especialidade da sua maleita. O facto do Centro de Saúde ter tido sempre conhecimento de todos os factos e ter acompanhado às claras toda a situação através do litígio relativo à requisição dos meios complementares de diagnóstico não aponta no sentido do referido senhor ser um cliente particular do recorrente e do mesmo o estar a atender ilegalmente, pelo que tal situação foi manifestamente mal apreciada e o recorrente condenado injustamente, o que é também gerador de vício de violação de lei [artigo 266º, nº 2 da CRP e artigos 5º, 6º e 135º do CPA]; IX – No tocante às demais situações, qualificadas pela Administração como infracções, cumpre chamar a atenção para os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo recorrente, ouvidas a fls. 272 e 273 do processo disciplinar, que salientaram o perigo que correm as crianças se durante os tratamentos dentários, com recurso a instrumentos cortantes e perfurantes, não estiverem quietas e não conseguirem suportar um certo grau de dor associado àqueles; X – Entendeu o recorrente, na altura dos factos, ser extremamente necessário, para a saúde oral das crianças, a realização urgente dos tratamentos que efectuou, sendo que ninguém se pronunciou em sentido diverso; XI – Cumpre chamar a atenção para o facto de em todos os casos descritos na nota de culpa as mães encontrarem-se presentes junto das crianças e, em todos eles, terem aquelas sido advertidas da necessidade dos tratamentos médicos a efectuar e da impossibilidade de os realizar uma vez que as crianças não os permitiam. Após o que todas elas, mães, autorizaram o uso da força para o bem das menores, força essa comedida, como a que foi empregue pelo médico; XII – Mesmo que tais autorizações não afastassem a ilicitude da conduta do recorrente o que é certo é que a diminuíram, diminuição essa que não foi tida em conta na determinação da medida da pena aplicada; XIII – Em todo o caso, trataram-se de situações pontuais, perfeitamente circunscritas temporalmente, que não são demonstrativas da personalidade e competência do recorrente que, aliás, ficou sobejamente demonstrada pelos vários depoimentos das testemunhas arroladas pelo mesmo no referido processo, bem como pelos documentos juntos atestando a elevação e qualidade dos bons serviços prestados, e pelas suas classificações de serviço e cursos frequentados; XIV – Não se encontra suficientemente fundamentada a opção pela sanção em concreto aplicável, o porquê a pena de demissão e não outra escapa-nos, veja-se que referência alguma é feita sequer ao disposto no artigo 26º do Estatuto Disciplinar; XV – O artigo 11º do referido estatuto, na sua epígrafe, refere "escala das penas"; ora, de acordo com essa epígrafe que faz parte do texto legal e como tal deve ser tida em conta o julgador deverá aplicar a pena, das previstas, que melhor se coadune com a gravidade da/s infração/ões, devendo, para tal, explicar, suficientemente, o porquê da desaplicação das demais e, portanto, do ser ajustada a escolhida, até porque os motivos invocados para a sua aplicação não constam expressamente do elenco, exemplificativo, do referido artigo 26º; XVI – Assim sendo, essa lacuna na fundamentação, apesar de não acarretar a falta de fundamentação da decisão, mas apenas a sua insuficiente fundamentação, inquina a validade da mesma e aponta claramente no sentido da desproporcionalidade e injustiça vertidas na mesma; XVII – Como demonstrativo dessa desproporção atente-se ao facto de, no processo do recorrente e em todos os seus dados biográficos como funcionário público, não constar qualquer outra sanção disciplinar, sendo, portanto, primário, o que impõe um juízo de ponderação mais cuidadoso da sanção a aplicar-lhe ou invés de saltar logo para a demissão fazendo tábua rasa das demais sanções passíveis de serem aplicadas; XVIII – A aplicação ao recorrente da pena de demissão com base apenas nas supostas agressões, uma vez que as demais "infracções" não podem ser dadas como provadas ou sequer tidas em consideração, é manifestamente desproporcional e injusta, pelos motivos supra referidos, pelo que ilícita [artigos 266º, nº 2 da CRP e 5º e 6º do CPA] e, por conseguinte, anulável [artigo 135º e segs. do CPA].” [cfr. fls. 86/92 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Nas contra-alegações apresentadas, a entidade recorrida concluiu no sentido do recurso não merecer provimento [cfr. fls. 95 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Neste TCA Sul, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, no qual conclui que o recurso merece provimento, por haver manifesta desproporção entre a conduta do recorrente e a pena aplicada, para além de não estar objectivamente demonstrada a inviabilidade da manutenção da relação funcional [cfr. fls. 97/101 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para julgamento. II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com interesse para a apreciação do mérito do presente recurso, consideram-se assentes os seguintes factos: i. O recorrente é médico dentista, do quadro do Centro de Saúde de São Roque do Pico. ii. Por deliberação do Conselho de Administração daquele Centro de Saúde, datada de 21-8-2001, foi determinada a instauração de um processo de averiguações visando apurar factos relativos ao comportamento do recorrente [cfr. fls. 10/11 do I volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. iii. Na sequência das averiguações efectuadas, vieram a apurar-se os seguintes factos, constantes do relatório final do respectivo instrutor, datado de 28-11-2001: “1. Que foram emitidos alguns atestados de aptidão física e psíquica, destinados à obtenção de cartas de mergulho e desportistas náuticos, pelo médico dentista, Dr. Manuel Simas. Os referidos atestados não foram registados no registo de atestados, passados no Centro de Saúde, tendo contudo, o carimbo do mesmo. 2. Que o Presidente do Conselho de Administração chamou a atenção do Dr. Manuel ... para o facto de não ser competente para os emitir, na sequência dum parecer que solicitou à Ordem dos Médicos. 3. Que o Dr. Manuel ... prescreve e analisa exames complementares de diagnóstico [electro-cardiogramas, rx de toráx e análises clínicas], no pressuposto de que o pode fazer, no âmbito da sua actividade de médico dentista. 4. Que o Presidente do Conselho de Administração, na sequência de um parecer que pediu à Ordem dos Médicos, deu instruções verbais aos técnicos de diagnóstico e terapêutica do Centro de Saúde de São Roque para não aceitarem requisições para exames complementares pedidos pelo Dr. Simas, a menos que se trate de ortopantomografias e teleradiografias cranianas de perfil. 5. Que foram requisitados exames complementares de diagnóstico pelo Dr. Manuel ..., em papel timbrado e com o carimbo do Centro de Saúde para pessoas que não estavam marcadas para serem atendidas pelo médico nos dias em que os mesmos foram pedidos. Refira-se que o médico dentista só atende crianças. 6. Que o Dr. Manuel Simas agrediu fisicamente, pelo menos, três crianças que assistiu no Centro de Saúde, facto esse admitido pelo próprio. Segundo, o Dr. S... [que pensa ter agido correctamente], foram situações pontuais na presença e com a autorização dos pais, seus amigos ou conhecidos, depois de esgotadas as hipóteses de diálogo com as crianças. 7. O Presidente do Conselho de Administração tem recebido queixas verbais de pais das crianças que o Dr. Simas assiste, sobre agressões às mesmas e impedimentos das mães de assistirem às consultas dos filhos quando manifestam tal desejo, tendo chamado a atenção do Dr. S... para o caso. 8. Que as poucas reclamações escritas [foram-me fornecidas 3 cópias], embora objecto de investigação, não deram em nada. 9. Que as citadas agressões foram confirmadas pela auxiliar de acção médica Anabela ..., que referiu ainda atitudes incorrectas do Dr. S... para com as mães das crianças, que se traduzem algumas vezes em tentativas de impedi-las de entrar no consultório e outras em insultos verbais. 10. Que o Dr. Simas recusa a afixação da publicação na sala de espera do seu consultório do respectivo horário de trabalho, mas apenas na medida em que este não corresponde ao seu horário das consultas. Segundo ele, o que devia ser afixado, é o horário de consultas e não o horário de trabalho, pois dentro deste faz outras coisas que não apenas dar consultas. 11. Que o Presidente do Conselho de Administração negou a existência de um plano de actividades do Dr. Simas. Porém, apurou-se que afinal tal plano existe, tendo sido apresentado pelo Dr. S... ao Conselho de Administração, o qual tomou conhecimento do mesmo [ver fls. 108 e 109]. 12. Que não existem normas no Centro de Saúde de São Roque sobre os procedimentos a seguir em caso de avaria dos equipamentos postos à disposição do pessoal técnico para o desempenho das suas funções. A maior parte desse pessoal, por sua iniciativa, tenta resolver pequenas avarias que surgem, através de contacto que estabelece directamente com os técnicos responsáveis pela manutenção do equipamento. 13. Que o Dr. Manuel ..., desde que está instalada a situação de conflito com o Conselho de Administração, sempre que se depara com qualquer avaria no equipamento com que trabalha, põe a questão para o Conselho de Administração, embora dantes tentasse, à semelhança do restante pessoal, resolver pequenas avarias que surgissem. 14. Que, segundo declarações do técnico responsável pela manutenção do equipamento dentário do Centro de Saúde de São Roque, a maior parte das anomalias que se verificam no mesmo resultam da má qualidade da água, associada à qualidade da instalação, em ferro, que, segundo ele, já foi abolida há muito tempo, por directiva comunitária. 15. Que o mesmo técnico já alertou a vogal administrativa do Centro de Saúde de São Roque e o Sr. Rui Felton, da firma responsável pela manutenção, para a questão da instalação em ferro. 16. Que o referido técnico confirmou ter sido contactado telefonicamente pela D. T..., em dia que não pode precisar, no sentido de tentar resolver um problema com água que surgiu na cuspideira da cadeira do consultório do Dr. S..., no Centro de Saúde, tendo resolvido o assunto, através de instruções que foi dando ao Sr. O..., canalizador do Centro de Saúde. 17. Que, segundo o mesmo técnico, o referido Sr. O... lhe disse que havia um tubo desligado, que era suposto encontrar-se ligado e que era fácil a quem soubesse manejar o equipamento desligar o tubo. Mais acrescentou, que não pensava possível que o parafuso, que fixa a tampa por onde se acede ao tubo, pudesse ter-se desenroscado por si. 18. Que o referido técnico confirmou o que foi dito pelo Dr. Manuel ... e pela auxiliar de acção médica Anabela ..., no sentido de o equipamento dentário do Centro de Saúde de São Roque se encontrar sempre muito limpo e bem arranjado. 19. Que o Presidente do Conselho de Administração ameaçou no dia 26-07-01 o Dr. Manuel Simas com processo disciplinar e o mandou trabalhar, na presença de utentes do Centro de Saúde, na sequência dos acontecimentos ocorridos no consultório daquele, no referido dia. 20. A questão constante da acta do Conselho de Administração de 21-08-01, relativa à suposta incompatibilidade da licença de paternidade com o exercício de actividade privada, não foi objecto da presente investigação dado que, no entretanto, a Direcção Regional de Organização e Administração Pública deu parecer no sentido da compatibilidade dessa licença com a referida actividade, desde que legalmente autorizada, sendo que o Dr. Manuel ... se encontra autorizado a acumular funções públicas com privadas [ver fls. 57 e 58 dos autos].” [cfr. fls. 135/144 do I volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. iv. A final, a instrutora do processo de averiguações propunha a instauração de processo disciplinar ao recorrente [cfr. fls. 144 do I volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. v. Presente tal relatório ao Conselho de Administração do Centro de Saúde de São Roque do Pico, deliberou este por unanimidade, em 3-1-2002, determinar a instauração de processo disciplinar ao recorrente [cfr. fls. 144 vº do I volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. vi. No decurso das diligências levadas a cabo em sede do processo disciplinar em causa, a Direcção Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores, a pedido da instrutora daquele processo, solicitou ao Centro de Saúde de São Roque do Pico o envio das fichas clínicas de cinco utentes, assistidos pelo recorrente, levando a que aquele Centro solicitasse parecer prévio à CADA antes de permitir o acesso aos referidos dados pessoais [cfr. fls. 79/82 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. vii. A CADA, através do Parecer nº 102/2002, autorizou o Centro de Saúde de São Roque do Pico a enviar à Direcção Regional de Saúde da Região Autónoma dos Açores cópia da ficha clínica das utentes em causa, com as anotações inseridas pelo recorrente, mas com a omissão dos diagnósticos, na medida em que os mesmos se afiguravam irrelevantes para a instrução do processo disciplinar [cfr. fls. 84/87 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. viii. Em 12-6-2002 foi deduzida acusação contra o aqui recorrente, com o seguinte teor: “NOTA DE CULPA Nos termos dos artigos 57º, nº 2 e 59º, nº 4 do Estatuto Disciplinar [ED], aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, na qualidade de instrutora do processo disciplinar mandado instaurar por despacho de 3-1-2002, do Conselho de Administração do Centro de Saúde de São Roque do Pico, deduzo contra o arguido Manuel ..., técnico superior de 2ª classe, da área de medicina dentária, do quadro do referido Centro de Saúde, a presente acusação, nos termos e com os fundamentos seguintes: 1º Entre 12-8-97 e 17-12-2001, o arguido passou, na sua qualidade de médico dentista, quatro atestados de aptidão física e psíquica, destinados à prática de desportos náuticos, tendo dois deles, sido passados em 12-1-99 aos senhores Mário .... e Mário ....2º Os referidos atestados não se encontram registados no registo de atestados do Centro de Saúde de São Roque relativos ao referido mês, tendo, contudo, o carimbo do mesmo.3º Os atestados de aptidão física e psíquica para exercício de actividades privadas apenas podem ser passados por médicos no exercício da sua profissão, conforme resulta do DL nº 319/99, de 11 de Agosto. 4º O arguido requisitou no dia 2-3-2001, em papel timbrado do Centro de Saúde de São Roque do Pico, e com o selo branco do mesmo, vários exames complementares de diagnóstico para o Sr. A..... 5º Na referida data, na consulta de saúde oral, do Centro de Saúde de São Roque, o arguido atendia essencialmente crianças, só atendendo esporadicamente adultos, em situações de urgência, por solicitação dos médicos de clínica geral.6º O nome do Sr. A... não consta do boletim da consulta externa nem da urgência do Centro de Saúde de São Roque relativos ao referido dia, pelo que se pode concluir que era um cliente particular do arguido.7º No dia 31 de Janeiro de 2001, na consulta de saúde oral, do Centro de Saúde de São Roque do Pico, o arguido agrediu fisicamente a utente Joana ...., actualmente com 7 anos, batendo-lhe na cara, por 2 vezes com a mão.8º A agressão ocorreu na presença da mãe da utente [a quem o arguido disse que o assunto só podia ser resolvido a mal e se ela o autorizava a resolver] e da auxiliar de consultório, e foi motivada pelo facto da utente estar nervosa, face à necessidade de ser anestesiada, não deixando que o arguido lhe tocasse e esperneando com medo.9º No dia 26 de Junho de 2001, na consulta de saúde oral, do Centro de Saúde de São Roque do Pico, o arguido agrediu fisicamente a utente Carina ..., actualmente com 11 anos, batendo-lhe na cara com a mão.10º A agressão ocorreu na presença da mãe da utente [a quem o arguido referiu que ia dar uma "chapada" na filha] e da auxiliar de consultório e foi motivada pelo facto da utente ter começado a chorar com medo de ser anestesiada, a fim de lhe serem extraídos alguns dentes. 11º No dia 27 de Julho de 2001, na consulta de saúde oral do Centro de Saúde de São Roque do Pico, o arguido voltou a agredir fisicamente a referida utente Carina ...., batendo-lhe na cara com a mão. 12º A agressão ocorreu na presença da mãe da utente e da auxiliar de consultório e deveu-se ao facto de a utente ter revelado medo da extracção que tinha que fazer. 13º No dia 6-4-2001, na consulta de saúde oral do Centro de Saúde de São Roque do Pico, o arguido escreveu na ficha individual de saúde da utente Andreia ...., o seguinte: «Não colabora. A mãe adoptiva fez "peixeirada". Eu não volto a ver esta menina». 14º No dia e lugar referidos no artigo precedente, durante a consulta de saúde oral da utente Ana Rita da Costa Pedro, o arguido disse à mãe da mesma, de nome Dina ....: "A boca da sua filha está um lixo; a boca dela parece uma retrete, cada cavadela cada minhoca"; e que era mentira que a filha lavasse os dentes de manhã e à noite e durante cerca de cinco a dez minutos, tendo escrito na ficha individual de saúde oral da Ana ..., relativamente ao referido dia, o seguinte: «A mãe fez uma "peixeirada". Não volta a ser vista por mim»; e no dia 31-7-2001, na mesma ficha: «Pensando melhor... A miúda não tem culpa de ter a mãe que tem!».Pelo exposto nos artigos 1º, 2º e 3º da presente nota de culpa, o arguido, ao ter passado atestados de aptidão física e psíquica sem que para tal estivesse habilitado, violou, por quatro vezes, o artigo 2º do DL nº 319/99, de 11 de Agosto, e o nº 1 do artigo 3º, conjugado com a alínea p) do artigo 13º da Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, bem como o dever geral de zelo previsto na alínea b) do nº 4 e no nº 6 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar, o que o faz incorrer na infracção disciplinar prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 23º do ED, e punível com a pena prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do mesmo Estatuto. Pelo exposto nos artigos 4º, 5º e 6º da presente nota de culpa, o arguido, ao ter usado indevidamente papel timbrado do Centro de Saúde para requisitar exames para um cliente particular, violou o dever geral de zelo previsto na alínea b) do nº 4 e nº 6 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar, o que o faz incorrer na infracção disciplinar prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 23º do ED, e punível com a pena prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do mesmo Estatuto. Pelo exposto nos artigos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, e 12º da presente nota de culpa, o arguido, ao ter agredido fisicamente utentes do Centro de Saúde nas instalações do mesmo, violou, por três vezes, o dever geral de correcção, previsto na alínea f) do nº 4 e no nº 10 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar, bem como o dever especial de agir com correcção e delicadeza na prestação de cuidados de saúde oral, previsto no nº 1 do artigo 8º do Código Deontológico dos Médicos Dentistas, publicado no DR nº 143, II Série, de 22-6-99, consubstanciando conduta que inviabiliza a manutenção da relação funcional, nos termos do nº 1 do artigo 26º do ED, e o faz incorrer na infracção disciplinar prevista na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo e punível com as penas previstas nas alíneas e) e f) do nº 1 do artigo 11º do mesmo Estatuto. Pelo exposto nos artigos 13º e 14º da presente nota de culpa, o arguido, ao ter falado como falou com a mãe de uma utente e ter-se referido, por escrito, nos moldes citados às mães de 2 utentes e ter escrito nas fichas clínicas das utentes que não as voltava a ver, violou, por três vezes, o dever geral de correcção e, por duas vezes, o dever geral de zelo, previstos, respectivamente, nas alíneas f) e b) do nº 4 e nºs 10 e 6 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar, bem como o dever especial de assegurar a continuidade de prestação de serviços aos seus pacientes, previsto no artigo 16º do já referido Código Deontológico dos Médicos Dentistas, o que o faz incorrer nas infracções previstas nas alíneas d) e e) do nº 2 do artigo 23º do ED, e puníveis com a pena prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do mesmo Estatuto. Contra o arguido militam as circunstâncias agravantes especiais da produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público [na medida em que a conduta dos funcionários se reflecte na imagem de prestígio e idoneidade do organismo a que pertencem] e ao interesse geral [que se traduz, da parte do Centro de Saúde, em prestar saúde oral a toda a população e da parte desta em ficar privada da saúde oral, a que apenas pode aceder no serviço público], podendo o arguido prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta e da acumulação de infracções, previstas nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 31º do ED. Não se verificam a favor do arguido quaisquer das circunstâncias atenuantes especiais, previstas no artigo 29º do mesmo Estatuto.” [cfr. fls. 102/105 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. ix. O recorrente respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 111/119 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, requerendo diligências e arrolando testemunhas. x. Depois de realizadas as diligências requeridas pelo recorrente e ouvidas as testemunhas por ele arroladas, a instrutora do processo elaborou em 14-10-2002 o seu Relatório Final, no qual concluiu nos seguintes termos: “9 – Conclusões Face ao exposto e apreciado, formulo as seguintes conclusões: 9.1 Considero provada contra o arguido a matéria constante dos artigos 1º, 2º e 3º da nota de culpa; 9.2 Considero provada contra o arguido a matéria constante dos artigos 4º, 5º e 6º da nota de culpa; 9.3 Considero provada contra o arguido a matéria constante dos artigos 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º da nota de culpa; 9.4 Também considero provada a matéria constante dos artigos 13º e 14º da nota de culpa; 9.5 De acordo com o disposto no artigo 28º do Estatuto Disciplinar "na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos 22º a 27º, à natureza do serviço, à categoria do funcionário ou agente, ao grau de culpa e à sua personalidade e a todas as circunstâncias que militem contra ou a favor do arguido"; 9.6 Assim, dos aspectos atrás referidos considera-se provado que: 9.7 O arguido é um técnico superior, licenciado em medicina dentária, sendo funcionário de um serviço público, prestador de cuidados de saúde à população – Centro de Saúde de São Roque do Pico; 9.8 O arguido era o único médico dentista a prestar serviço na rede pública em toda a ilha do Pico, abrangendo os seus serviços a população dos 3 concelhos da ilha [declarações a fls. 21 do processo de averiguações, confirmadas a fls. 44 do processo disciplinar e fls. 108 e 109 do processo de averiguações]; 9.9 Estamos perante um funcionário que demonstra uma atitude perfeitamente identificável com a negação dos valores inerentes à função que desempenha, atitude essa que se manifesta através de confrontos e desafios à hierarquia [fls. 45 do processo disciplinar], em não aceitar reparos à sua actuação, tomando atitudes que se podem considerar "revanchistas" perante reclamações de utentes à mesma [fls. 52, 53, 81 e 94 verso do processo disciplinar] e perante, o que entende ser a não colaboração por parte das crianças [fls. 91 do processo disciplinar], ao não ser paciente nem tolerante com as crianças [fls. 49 e 54 do processo disciplinar] e ao assoberbar a Administração e os funcionários com avalanches de requerimentos [depoimentos a fls. 21, 24 e 27 do processo de averiguações, confirmados no processo disciplinar]; 9.10 A actuação do arguido foi, nuns casos manifestamente negligente, noutros dolosa, não se verificando nenhuma das circunstâncias dirimentes de responsabilidade disciplinar, previstas no artigo 32º do Estatuto Disciplinar; 9.11 Contra o arguido militam as circunstâncias agravantes especiais da produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público [na medida em que a sua actuação se reflecte negativamente na imagem de prestígio e idoneidade do Centro de Saúde] e ao interesse geral [na medida em que a sua atitude amedronta e traumatiza as crianças afastando-as da consulta de saúde oral no Centro de Saúde], podendo o arguido prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta e da acumulação de infracções, previstas nas alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 31º do Estatuto Disciplinar; 9.12 Não se verificam a favor do arguido quaisquer das circunstâncias atenuantes especiais, previstas no artigo 29º do mesmo Estatuto. 10 – Proposta Perante o apreciado e concluído, proponho: 1. Que ao arguido seja aplicada a pena de demissão, prevista na alínea f) do nº 1 do artigo 11º do Estatuto Disciplinar, uma vez que a sua conduta infractória, pela sua gravidade, número, consequências negativas para a imagem pública do Centro de Saúde e comprometimento do serviço público, tomam inviável a manutenção da relação funcional. 2. Que do presente processo seja dado conhecimento à Ordem dos Médicos Dentistas para que pondere sobre a eventual responsabilidade disciplinar do arguido, perante a mesma. 3. Que seja denunciada ao Ministério Público da Comarca de São Roque do Pico a emissão pelo arguido de atestados de robustez física e psíquica, dado que essa actuação configura o tipo legal de crime de usurpação de funções, previsto no artigo 400º do Código Penal.” [cfr. fls. 274/285 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. xi. Sobre essa proposta recaiu em 22-10-2002 o despacho recorrido, da autoria da Srª Secretária Regional dos Assuntos Sociais do Governo Regional dos Açores, com o seguinte teor: “Concordo com o conteúdo e propostas do presente relatório, aplicando com base nos fundamentos invocados, a pena de demissão ao Dr. Manuel .....” [cfr. fls. 285 do II volume do processo instrutor apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]. xii. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor dos documentos de fls. 29, 30, 35/36, 37/42, 54/56, 129/131 do I volume do processo instrutor apenso, e de fls. 201/206 do II volume do processo instrutor apenso. III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Perante a factualidade acima dada como assente, vejamos pois se o despacho punitivo recorrido padece dos vícios que o recorrente lhe assaca. Em primeiro lugar, defende o recorrente que não deveriam ter sido apreciados os factos descritos na nota de culpa nos artigos 1º a 8º e 13º a 14º, dado já ter prescrito quanto aos mesmos o direito de instaurar qualquer tipo de procedimento disciplinar aquando da decisão de instauração de processo de averiguações, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 2 do DL nº 24/84, de 16/1, pelo que a decisão punitiva é anulável, por violação de lei [artigo 135º do CPA]. Vejamos se lhe assiste razão. Dispõe o artigo 4º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo DL nº 24/84, de 16/1, o seguinte: “1 – O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida. 2 – Prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses. 3 – […]. 4 – […]. 5 – Suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável”. Como decorre da fundamentação de facto supra, o processo disciplinar no qual veio a ser aplicada ao recorrente a pena de demissão foi antecedido, para cabal apuramento dos factos, por um processo de averiguações, instaurado em 21-8-2001. Como decorre da própria natureza do processo de averiguações, o mesmo consiste num processo de investigação sumária, tendente a apurar da existência de infracção(ões) disciplinar(es) e a identificação do(s) respectivo(s) autor(es), findo o qual o instrutor poderá propor o arquivamento do processo, se entender que não há lugar a infracção disciplinar [artigo 88º, nº 3, alínea a) do ED], a instauração de processo de inquérito, se verificada a existência de infracção, não estiver ainda identificado o respectivo autor [artigo 88º, nº 3, alínea b) do ED] ou, caso aquele já estiver suficientemente identificado, a instauração de processo disciplinar [artigo 88º, nº 3, alínea c) do ED]. No caso presente, foi apurada a prática de várias infracções com relevância disciplinar e a respectiva autoria logo no decurso do processo de averiguações, a saber: – Ter o recorrente passado quatro atestados de aptidão física e psíquica sem que para tal estivesse habilitado, em datas que a acusação situou entre 12-8-97 e 17-12-2001, sendo dois deles datados de 12-1-99; – Ter o recorrente usado indevidamente papel timbrado do Centro de Saúde para requisitar exames para um cliente particular; – Ter o recorrente agredido fisicamente utentes do Centro de Saúde nas instalações do mesmo; e, – Ter o recorrente falado como falou com a mãe de uma utente e ter-se referido, por escrito, nos moldes citados às mães de duas outras utentes e ter escrito nas fichas clínicas daquelas utentes que não as voltava a ver [cfr. ponto viii. da fundamentação de facto]. Daí que o respectivo instrutor tivesse dado conhecimento desses factos ao dirigente máximo do serviço que no caso dispunha de competência disciplinar – o Conselho de Administração do Centro de Saúde de São Roque do Pico –, elaborando relatório final em 28-11-2001, no qual propunha a instauração de processo disciplinar contra o aqui recorrente [cfr. ponto iv. da matéria de facto dada como assente]. Assim, ao tomar conhecimento quer da prática daquelas infracções disciplinares, quer da pessoa do respectivo autor, dispunha o Conselho de Administração daquele Centro de Saúde do prazo de 3 meses para ordenar a instauração de procedimento disciplinar, sob pena de não o fazendo no aludido prazo, o respectivo direito prescrever. No caso dos autos, a conduta do recorrente mais recuada no tempo [passagem de atestados de aptidão física e psíquica sem que para tal estivesse habilitado], foi situada genericamente pela acusação em 12-8-97, sem concretização da data em que tal ocorreu, que apenas concretizou a data da passagem de dois atestados médicos de aptidão física e psíquica, passados pelo recorrente em 12-1-99. Por conseguinte, tendo presente que a deliberação a determinar a instauração de procedimento disciplinar foi tomada em 3-1-2002, todos os factos com relevância disciplinar imputados ao recorrente e anteriores a 3-1-99 estariam prescritos, não sendo pois possível, quanto a eles, o exercício da acção disciplinar. Quanto às demais condutas com relevância disciplinar imputadas ao recorrente, foram elas situadas pela acusação em datas compreendidas entre 31-1-2001 e 27-7-2001. Assim, considerando que o prazo preclusivo do direito de instaurar procedimento disciplinar contra o recorrente só terminava em 28-2-2002, tendo a instauração do processo disciplinar sido ordenada por deliberação datada de 3-1-2002, o mesmo foi tempestivo, não ocorrendo por isso a invocada prescrição do procedimento disciplinar. Destarte, uma vez que o órgão máximo do serviço determinou a instauração do procedimento disciplinar dentro dos três meses seguintes à data em que teve conhecimento da infracção, o mesmo ainda não se mostrava extinto por prescrição, improcedendo assim a conclusão I) das alegações do recorrente, com a apontada limitação de que todos os factos com relevância disciplinar que lhe foram imputados, anteriores a 3-1-99, estavam irremediavelmente prescritos, não sendo pois possível, quanto a eles, o exercício da acção disciplinar. * * * * * * Nas conclusões II) e III) das alegações do recorrente vem este sustentar que a matéria vertida nos pontos 13 e 14 da nota de culpa, dada por provada no relatório e sendo também ela tida em conta na determinação da medida da pena que lhe foi aplicada, não podia ser dada como provada nem tida em consideração, uma vez que a prova obtida para demonstrar a veracidade do alegado foi carreada ilegalmente para os autos com base em violação de sigilo, uma vez que os documentos em causa são nominativos de teor particular, visto se reportarem à saúde dos seus titulares, e a informação neles contida, protegida pelo disposto no artigo 195º do Cód. Penal, na sequência do disposto nas disposições legais e regulamentares supra referidas [Lei nº 110/91, de 29/8, e Reg. Int. da O.M.D. nº 2/99, de 22/6, publicado na II Série do DR], sendo que a Lei nº 65/93, de 26/8, não se aplica ao caso vertente, só podendo tal sigilo ser afastado mediante autorização da referida Ordem dos Médicos Dentistas ou por decisão judicial, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida na medida em que assenta em provas nulas [artigo 133º do CPA].O que dizer de tal alegação ? Em primeiro lugar, parece-nos que o recorrente confunde o exercício privado da medicina dentária, exclusivamente regulado pelo Código Deontológico da OMD, com o exercício da medicina dentária levado a cabo nos centros de saúde integrados no SNS, por médicos dentistas vinculados à Administração por vínculo de nomeação ou contrato de provimento, ou seja, detendo a qualidade de funcionários públicos ou agentes. Em tais casos, como é óbvio, o citado Código Deontológico só tem aplicação subsidiária, relevando em primeira linha o Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84, de 16/1, que contempla o elenco dos deveres a que estão sujeitos os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local. Daí que não tenha aplicação ao caso o disposto no artigo 20º do Código Deontológico da OMD, que considera o arquivo propriedade do médico dentista e o acesso à ficha clínica e à divulgação dos seus elementos abrangidos pelo sigilo profissional [cfr. artigo 20º, nºs 2 e 4 do Código Deontológico da OMD], já que quer o arquivo, quer as fichas clínicas existentes nos centros de saúde integrados no SNS, pertencem à Administração, devendo por isso ser considerados documentos administrativos para os termos e efeitos consignados na Lei nº 65/93, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 94/99, de 16/7, mais concretamente documentos nominativos, por conterem dados pessoais [cfr. artigo 4º, nº 1, alínea b) da Lei nº 65/93, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 94/99]. Por conseguinte, se no decurso do processo disciplinar o respectivo instrutor se apercebeu que o conteúdo das fichas clínicas das utentes supostamente agredidas pelo recorrente se revelava indispensável para o apuramento da responsabilidade disciplinar daquele, a única forma de aceder a tais documentos passava pelo procedimento prévio de autorização à entidade com competência na matéria, “in casu”, a CADA, nos termos prescritos nos artigos 15º, nº 2 e 20º, nº 1, alínea d) da Lei nº 65/93, de 26/8, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 94/99, o que foi cumprido pela entidade sob cuja égide decorria o processo disciplinar. Autorizado pela CADA o acesso às fichas clínicas em causa, com as anotações inseridas pelo recorrente, mas com a omissão dos diagnósticos [cfr. fls. 84/87 do II volume do processo instrutor apenso], a respectiva junção aos autos do processo disciplinar e a sua valoração enquanto meio de prova [não exclusivo] das infracções imputadas ao recorrente, não acarretou a nulidade da decisão recorrida, como aquele defende. E, por outro lado, como sustenta o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer final, a prova considerada pelo despacho recorrido, envolveu também – e sobretudo, diríamos nós – os depoimentos pessoais das mães das crianças atendidas pelo recorrente, que na circunstância as acompanhavam, para além de documentos, pelo que a apreciação crítica da prova produzida no decurso do processo disciplinar sempre conduziria às mesmas conclusões, quer se atendesse ao conteúdo das aludidas fichas clínicas, quer não. Nestes termos, improcedem as conclusões vertidas nas alíneas II) e III) das alegações do recorrente, não sendo a decisão recorrida nula. * * * * * * Nas conclusões IV) a VI) das suas alegações sustenta o recorrente que a decisão punitiva recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito já que a interpretação restritiva feita pela Administração em relação ao disposto na Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, e no DL nº 319/99, de 11 de Agosto, não procede, uma vez que o DL nº 319/99, de 11 de Agosto, não impede a emissão de tais atestados a um médico dentista e, em segundo lugar, a Lei nº 110/91, de 29 de Agosto, no seu artigo 13º, alínea p), permite aos médicos dentistas o passar atestados médicos sem estabelecer as limitações que se procurou erigir no referido processo disciplinar, nesse sentido já se tendo pronunciado a Ordem dos Médicos Dentistas, pelo que viola a lei a decisão ora recorrida na medida em que entende não ter o recorrente tal competência e o sanciona por tal. Acresce que, havendo dúvidas quanto à extensão da previsão do referido artigo, objecto de interpretação restritiva por parte da Administração, teria sempre a mesma de ser valorada a favor do recorrente e não contra ele, por força do disposto no artigo 32º, nº 2 da CRP. Vejamos se lhe assiste razão neste particular. O enquadramento legal do exercício da medicina dentária consta da Lei nº 110/91, de 29/8, posteriormente objecto de alteração pelas Leis nºs 82/98, de 10/12, e 44/2003, de 22/8. Nos termos do artigo 3º desta última Lei, “define-se por medicina dentária o estudo, a prevenção, o diagnóstico e o tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas”, pelo que o conteúdo funcional da profissão não pode exorbitar do âmbito da aludida disposição, ou seja, a actuação do médico dentista é idêntica à de qualquer médico, mas restringe-se à saúde e à higiene orais: as suas principais atribuições consistem no estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas, gozando, no exercício do seu “munus”, do direito de passar receitas e atestados médicos nos termos das disposições legais e regulamentares em vigor [cfr. artigo 13º, alínea p) do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas, anexo à Lei nº 44/2003, de 22/8]. Por outro lado, a lei cometeu a competência exclusiva para a passagem do chamado atestado de robustez física e psíquica, exigidos para o exercício de funções públicas ou para o exercício de quaisquer actividades, a médico no exercício da sua profissão [cfr. artigos 1º e 2º do DL nº 319/99, de 11/8]. Significa isto, em nosso entender, que muito embora o médico dentista goze do direito de passar receitas e atestados médicos, esse direito restringe-se ao campo da saúde e higiene orais, visto que as suas principais atribuições consistem no estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas, tornando-se abusiva a invocação de que não fazendo a lei qualquer distinção, também não caberá ao intérprete fazê-la. Com efeito, a lei faz efectivamente tal distinção, na medida em que restringiu a intervenção dos médicos dentistas ao campo da saúde e higiene orais, nomeadamente no que respeita ao estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas, pelo que todas as demais actividades no campo da medicina [não dentária, bem entendido], estão reservadas aos médicos na sua acepção mais restrita. É que certamente também não faria sentido que um médico não dentista – e, por maioria de razão, não inscrito na OMD – se arrogasse o direito de exercer competências na área da saúde e higiene orais, e no estudo, prevenção, diagnóstico e tratamento das anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas. Por conseguinte, impõe-se a conclusão de não ser lícito a um médico dentista a emissão de atestado de robustez física e psíquica, tendo a decisão recorrida ajuizado bem a verificação de infracção disciplinar por parte do recorrente. Porém, não podemos deixar de concordar com o recorrente quando aquele admite que, podendo ocorrer dúvidas quanto à extensão da previsão da norma em causa, objecto de interpretação restritiva por parte da Administração, por força da pronúncia emitida pela OMD no Parecer que constitui fls. 201/206 do II volume do processo instrutor apenso, a questão teria sempre de ser valorada a seu favor, nomeadamente para os fins consignados no artigo 28º do ED, ou seja, na fixação da medida e graduação da pena a aplicar. Porém, como veremos mais à frente, tal é questão que se prende com a invocada violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, enunciados no artigo 266º, nº 2 da CRP, e 5º e 6º do CPA, pelo que a ela voltaremos, consignando para já que não procedem, tal como enunciadas, as conclusões vertidas nas alíneas IV) a VI) das alegações do recorrente. * * * * * * * Nas conclusões VII) e VIII) defende o recorrente que quer a acusação, quer a decisão punitiva padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que a requisição dos meios complementares de diagnóstico relativamente a um dado doente não aponta no sentido daquele ser um cliente particular do recorrente e do mesmo o estar a atender ilegalmente, pelo que tal situação foi manifestamente mal apreciada e o recorrente condenado injustamente, o que é também gerador de vício de violação de lei.Vejamos. A acusação concluiu que pelo facto de não haver registos da marcação de consulta por parte de um determinado cidadão para quem o recorrente havia requisitado a realização de meios complementares de diagnóstico – “in casu”, análises clínicas – estava demonstrado estar-se na presença de um cliente particular do recorrente e na indevida utilização de papel timbrado do Centro de Saúde de São Roque do Pico na requisição daqueles exames. Porém, não há qualquer prova no processo disciplinar que suporte a conclusão tirada pela instrutora do processo, já que o doente em causa esclareceu que se tratou duma situação de urgência que tinha directamente a ver com um abcesso, ou seja, com matéria atinente a anomalias e doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas [cfr. fls. 236/237 do II volume do processo instrutor apenso]. Daí que, no caso, se justificasse a requisição de meios complementares de diagnóstico, visando auxiliar o diagnóstico da situação relatada pelo doente, sendo desprovida de senso a conclusão contrária da instrutora do processo, ou seja, a de que um médico dentista não detém competência para requisitar meios complementares de diagnóstico; com efeito, se aqueles são meios complementares, também se destinam a complementar e a auxiliar o médico dentista no diagnóstico das doenças dos dentes, boca, maxilares e estruturas anexas. Por conseguinte, temos por evidente que a decisão punitiva recorrida, ao considerar que a descrita conduta do recorrente era violadora do dever geral de zelo previsto na alínea b) do nº 4 e nº 6 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar, fazendo-o incorrer na infracção disciplinar prevista na alínea e) do nº 2 do artigo 23º do ED, e punível com a pena prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 11º do mesmo Estatuto, incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Daí que procedam as conclusões vertidas nas alíneas VII) e VIII) da alegação do recorrente. * * * * * * Nas conclusões IX) a XIII) das suas alegações, sustenta o recorrente que em todos os casos descritos na nota de culpa em que terá dado palmadas na face das crianças, as respectivas mães encontravam-se presentes junto das mesmas e, em todos eles, terem aquelas sido advertidas da necessidade dos tratamentos médicos a efectuar e da impossibilidade de os realizar uma vez que as crianças não os permitiam, após o que todas elas autorizaram o uso da força para o bem das menores, força essa comedida, como a que foi empregue pelo recorrente, pelo que mesmo que tais autorizações não afastassem a ilicitude da conduta do recorrente o que é certo é que a diminuíram, diminuição essa que não foi tida em conta na determinação da medida da pena aplicada. Acresce que, em todo o caso, trataram-se de situações pontuais, perfeitamente circunscritas temporalmente, que não são demonstrativas da personalidade e competência do recorrente que, aliás, ficou sobejamente demonstrada pelos vários depoimentos das testemunhas arroladas pelo mesmo no referido processo, bem como pelos documentos juntos atestando a elevação e qualidade dos bons serviços prestados, e pelas suas classificações de serviço e cursos frequentados.Por outro lado, nas conclusões XIV) a XVIII), defende o recorrente que ocorreu manifesta desproporção na pena aplicada [demissão], além de não estar devidamente fundamentada a inviabilização da manutenção da relação funcional. No fundo, o que o recorrente questiona é se poderá ter-se por acertada uma decisão da Administração que, considerando a acumulação de infracções e a ausência de especiais atenuantes, salienta a inviabilização da manutenção da relação funcional e, nessa conformidade, lhe aplica a pena de demissão. Cremos, porém, que a resposta terá de ser negativa. Desde logo, porque nenhum dos comportamentos imputados ao recorrente se mostra objectivamente tipificado nos nºs 2 a 4 do artigo 26º do ED [de facto, embora tal haja ocorrido "no local de serviço", não parece que uma bofetada desferida em menor, visando a submissão deste a tratamento médico, se possa razoavelmente catalogar como agressão "grave"; cfr. artigo 26º, nº 2, alínea a) do ED]. E as demais condutas do então arguido igualmente se não mostram ali tipificadas. Na situação vertente, por outro lado, as circunstâncias levam a crer não haverem sido devidamente considerados pela Administração, à luz de critérios de proporcionalidade, os factores eventualmente determinantes da inviabilização da relação funcional. Como é sabido, em sede disciplinar, o princípio da proporcionalidade impõe a adequação da pena à gravidade dos factos apurados, ou seja, a medida punitiva deverá ser, de entre as idóneas ao fim visado, a que se afigurar menos gravosa para o arguido. A tal respeito, salienta-se no acórdão do STA, de 25-3-98, proferido no âmbito do recurso nº 41.316, que o preenchimento do conceito indeterminado correspondente à “inviabilidade da relação funcional” constitui tarefa da Administração, a concretizar mediante juízos de prognose efectuados com grande margem de liberdade administrativa. Acrescenta-se ali, ainda que “esta tarefa não é porém arbitrária, pois deve reger-se pelos princípios de vinculação ao fim, da imparcialidade e da proporcionalidade que são orientadores da actividade decisória, cabendo aos tribunais administrativos a função de verificar se a Administração se moveu dentro dos aludidos parâmetros ao decidir. A proporcionalidade exige uma relação de adequação entre o meio e o fim; a gravidade da pena não deve exceder manifestamente a gravidade da falta cometida, hipótese em que se verificaria a ofensa de valores que à Administração cabe garantir nos termos do nº 2 do artigo 266º da CRP”. Ora, sendo inquestionável que os factos determinantes da aplicação da pena disciplinar ao recorrente afectaram realmente a dignidade e o prestígio da classe dos médicos dentistas, não parece todavia terem tais factos atingido o grau de desvalor capaz de tornar inviável a manutenção da relação funcional, por quebra irreversível da confiança que deve existir entre o serviço e o funcionário, tanto mais que aquele médico era o único dentista em exercício de funções no Centro de Saúde de São Roque do Pico. Efectivamente, como refere o acórdão do STA, de 1-4-2003, proferido no âmbito do recurso nº 1228/02, “A valoração das infracções disciplinares como inviabilizantes da manutenção da relação funcional, tem de assentar não só na gravidade objectiva dos factos cometidos, mas ainda no reflexo dos seus efeitos no desenvolvimento da função exercida e no reconhecimento, através da natureza do acto e das circunstâncias em que foi cometido, de que o seu autor revela uma personalidade inadequada ao exercício dessas funções.” [No mesmo sentido, pode ver-se o acórdão do STA, de 9-5-2002, proferido no âmbito do recurso nº 48.209, citado no douto parecer do Digno Magistrado do Ministério Público]. No caso dos autos, a factualidade apurada, mais do que demonstrativa da inviabilização da manutenção da relação funcional, aponta no sentido da incapacidade do recorrente para lidar com crianças, sem que contudo daí se possa concluir que o mesmo não pudesse continuar a prestar funções no Centro de Saúde de São Roque do Pico, nomeadamente na área da prevenção e do tratamento das doenças da boca da população adulta servida por aquele centre de saúde. Por isso, há que concluir que as infracções cometidas pelo recorrente – excluídas, como vimos supra, as condutas que em nosso entender nem sequer constituíam infracção disciplinar [caso da requisição de meios complementares de diagnóstico] –, mesmo atendendo ao concurso de infracções, não eram enquadráveis no artigo 26º do ED, pelo que o despacho recorrido, ao aplicar ao recorrente a pena de demissão, violou o princípio da justiça e da proporcionalidade, enfermando por isso do vício de violação de lei, por erro nos respectivos pressupostos, não podendo, como tal, manter-se. IV. DECISÃO Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes do 1º Juízo Liquidatário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso contencioso interposto e, em consequência, anular o despacho recorrido, que aplicou ao recorrente a pena disciplinar de demissão. Sem custas, atenta a isenção de que goza a entidade recorrida. Lisboa, 29 de Novembro de 2007 [Rui Belfo Pereira – Relator] [Magda Geraldes] [Mário Gonçalves Pereira] |