Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 02484/07 |
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Secção: | Contencioso Administrativo - 2º Juízo |
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Data do Acordão: | 05/10/2007 |
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Relator: | Gonçalves Pereira |
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Descritores: | IMPUGNAÇÃO DE ACTO FINAL CONCURSO |
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Sumário: | 1) O artigo 51º nº 3 do CPTA admite a impugnação do acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento. 2) Exceptua-se, porém, a existência de lei especial, que afasta essa regra geral. 3) É o caso do disposto no artigo 101º nºs 5 e 7 do DL nº 197/99, de 8/6, onde a lei impõe que o Júri do concurso aprecie as reclamações apresentadas, antes de entrar na fase seguinte. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juizes do 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul: 1. T ...(Portugal), Unipessoal, Lda., com os sinais dos autos, veio recorrer da sentença lavrada a fls. 270 e seguintes dos autos no TAF de Sintra, que julgou improcedente a acção administrativa respeitante à formação de contratos, e condenação à prática de acto devido, que propusera contra E ... Turismo, Animação e Jogo, SA, a Inspecção ...e a contra interessada S ..., SA. Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões: a) Não assiste qualquer razão à douta sentença recorrida, no que concerne à improcedência do vício de violação de lei, por violação do art. 1º e do art. 94º do DL nº 197/99, de 8/6, e dos princípios gerais da contratação pública. b) A alteração de critérios de adjudicação ou de quaisquer outros elementos que permitam ou interfiram com a aplicação dos critérios de adjudicação só pode ser realizada até ao prazo que a lei determina. c) A alteração da escala ou fórmula de classificação de cada um dos critérios de adjudicação após o conhecimento das propostas, e mais concretamente no relatório final consubstancia claramente uma alteração ilegal por estar fora do prazo em que ao Júri é permitido fazer alterações. d) A alteração de uma escala de 1 para 5 para uma escala de 4 a 5, sendo 4 os pontos a dar à 2ª melhor proposta e 5 à melhor, consubstancia uma alteração que, quer do ponto de vista temporal, quer do ponto de vista substancial, não pode ser admitida, pois altera a forma como as propostas a concurso serão avaliadas. e) Traduz-se numa inovação a que os concorrentes só tiveram conhecimento no Relatório Final. f) Ainda que sem conceder, é a própria entidade adjudicante que reconhece que o procedimento apontado não foi o mais correcto, o que demonstra bem a evidência da questão e da ilegalidade a ela subjacente. g) Como já determinou a Suprema Instância, a partir do momento em que as alterações introduzidas violam o disposto no art. 94º nº 1 do DL nº 197/99, de 8/6, está consubstanciada a violação dos princípios que regem a contratação pública, designadamente os princípios da transparência, publicidade e estabilidade dos elementos a concurso. h) Não necessitava a douta sentença de qualquer alegação suplementar por parte da ora recorrente para conhecer da violação dos referidos princípios que ademais, e como o Tribunal a quo já determinou, em sentença de um outro processo, consubstanciam parte integrante do direito a um procedimento administrativo regido nos termos e com o respeito dos princípios gerais da contratação pública, objecto de tutela jurisdicional. i) Perante os factos e o direito não podia a douta sentença recorrida considerar que não se verificava o vício de falta de fundamentação do acto recorrido por falta de fundamentação do Relatório Final. j) Não basta elaborar uma grelha de classificação ou mesmo grelhas contendo a especificação dos equipamentos propostos por cada concorrente para que se deva considerar fundamentada a decisão de adjudicação. k) O dever de fundamentação implica a possibilidade do destinatário do acto entender sem reservas a razão pela qual a proposta A é melhor que a proposta B, a razão pela qual a proposta A deve ter melhor pontuação no critério X do que a proposta B nesse mesmo critério. l) O Relatório Final que sustenta o acto de adjudicação é claramente insuficiente no que concerne à sua fundamentação, já que não permite entender a justificação das classificações obtidas em cada um dos critérios. m) Os mapas comparativos dos equipamentos ou dos prazos de garantia dados por cada um dos concorrentes não suprem o dever de fundamentar tal qual ele é legal e constitucionalmente desenhado. n) A falta de conhecimento do pedido de anulação do acto de adjudicação por força da violação do Caderno de Encargos por parte da contra interessada e da consequente obrigatoriedade da exclusão não tem qualquer sustento legal. o) Não se vislumbra a razão e o fundamento pela qual tinha a ora recorrente de impugnar especificadamente, na acção em que pede a anulação do acto de adjudicação, o acto de admissão da proposta da contra interessada. p) Se a ilegalidade invocada afecta o acto de adjudicação, é este que deve ser impugnado por invalidade derivada, não se alcançando a necessidade de impugnar o acto endo-procedimental que origina a invalidade do acto final. q) Ou se impugna autonomamente o acto endo-procedimental em acção própria ou, não sendo esse o caso, basta impugnar especificadamente o acto que o primeiro contamina com a sua ilegalidade: aliás, essa é mesmo a posição sufragada pela jurisprudência. r) É duvidoso até que fosse possível impugnar autonomamente o acto de admissão da proposta da contra interessada. s) De qualquer forma, não se alcança a razão pela qual vem a douta sentença recorrida arguir a falta de impugnação especificada do acto de admissão de proposta da contra interessada. t) A douta sentença recorrida peca, neste aspecto, por falta de fundamentação de direito, o que nos termos do art. 668º nº 1, alínea b), do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, consubstancia causa de nulidade da sentença, nulidade essa que desde já se deixa aqui alegada, já que não invoca uma só norma que sustente a sua conclusão. u) Para além desta questão ou em auxílio desta, invoca a douta sentença recorrida a impossibilidade de apreciar o mérito da questão por extemporaneidade da sua invocação por parte da recorrente. v) A questão só seria válida se, das normas constantes do DL nº 197/99, de 8/6, decorresse expressamente a necessidade de impugnação administrativa ou contenciosa do acto que admite uma proposta a concurso. w) Só perante essa determinação expressa da lei – no caso, nas normas invocadas pela douta sentença – é que seria válido aplicar a excepção contida na norma constante do art. 51º nº 3 do CPTA, a qual determina que, com excepção dos casos em que lei especial o imponha, a não impugnação dos actos procedimentais não impede o interessado de impugnar o acto final do procedimento por ilegalidade derivada. x) Salvo o devido respeito e melhor entendimento, as obras e os autores que a douta sentença invoca em auxílio da sua tese não permitem sustentá-la, já que se limitam a transcrever o disposto no art. 51º nº 3 do CPTA, invocando a existência das excepções constantes da norma e, num dos casos, dando exemplo dessas ditas leis especiais que constituem a excepção das quais não consta o DL nº 197/99, de 8/6. y) Aliás o entendimento geral acerca de tal diploma é o de que as impugnações administrativas ali referenciadas são facultativas. z) De qualquer forma, e mesmo que esse não fosse o entendimento antes da entrada em vigor do CPTA, sê-lo-ia agora necessariamente pelo facto de ser hoje tese assente que, ou existe determinação expressa do carácter necessário dos meios graciosos ou, então, eles são de utilização facultativa. aa) O mesmo entendimento vale para a necessidade de impugnação contenciosa, por força do art. 51º nº 3 do CPTA, já que em lugar algum das normas constantes do DL nº 197/99, de 8/6, se impõe o recurso a tais meios para os actos procedimentais. bb) Não se verificando qualquer extemporaneidade que impeça o conhecimento de questão alegada, devia a douta sentença recorrida ter-se pronunciado e julgado a questão de mérito, sendo que, ao não o fazer, provocou a nulidade da sentença nos termos do art. 668º nº 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do art. 1º do CPTA, a qual desde já se deixa alegada. cc) A questão relativamente à qual devia ter existido pronúncia era de fácil entendimento e resolução, pois as condições de pós-venda não se podem confundir com o futuro eventual contrato de manutenção: a referência ao foro, feita pela contra interessada, dizia respeito aos litígios do período pós-venda, parte integrante do contrato de fornecimento, e nunca ao contrato de manutenção. Contra alegaram as recorridas, pugnando todas pela manutenção do julgado. A Senhora Juíza a quo respondeu à arguição de nulidades da sentença que lavrou. O Exmº Procurador Geral Adjunto neste Tribunal pronuncia-se pelo improvimento do recurso. 2. Os Factos. De harmonia com o disposto no artigo 713º nº 6 do CPC, remete-se para a matéria de facto assente na sentença recorrida (fls. 278 a 286 dos autos), que não foi impugnada necessita de ser alterada. 3. O Direito. Há que conhecer, antes de mais, das imputadas nulidades da sentença por falta de fundamentação de direito e falta de pronúncia, previstas nas alíneas b) e d) do artigo 668º nº 1 do CPC, respectivamente. Quanto à 1ª, a mesma não procede, já que a sentença recorrida se estribou em diversos preceitos do DL nº 197/99, de 8/6 e no artigo 51º nº 3 do CPTA para fundamentar a sua decisão, como se observa de fls. 293 e 294 dos autos. No que respeita à 2ª, está obviamente votada ao fracasso nos seus próprios termos porquanto, tendo optado pela extemporaneidade da impugnação, não podia a Senhora Juíza a quo decidir do seu mérito. Razão porque vai indeferida a arguição das referidas nulidades. 4.A Sociedade Estoril Sol abriu concurso público para o fornecimento e instalação do sistema de vídeo vigilância por circuito interno de televisão para o Casino de Lisboa. Os factores de adjudicação e respectiva ponderação vêm indicados no artigo 4º do Programa de Concurso. De acordo com a Acta nº 4, na reunião do Júri de 24/3/2006, a concorrente Tyco reclamou a exclusão das candidatas Alarmibérica e Prosegur, tendo sido efectivamente excluída a primeira. Em 28/7/2006, foi publicado o Relatório do mesmo Júri onde são excluídos todos concorrentes para além da A. Tyco e da contra interessada S ..., e acabando por propor a adjudicação a esta última, classificada com 5 pontos, quando àquela (Tyco) foram atribuídos 4 pontos. Após pronúncia da Tyco em termos de audiência prévia, foi mantida a proposta em Relatório Final, levando em conta que, em caso de eventual avaria, seriam afectadas apenas 4 câmaras; quando, no caso da Tyco, cuja proposta incluía 3 servidores para 28+32+64 câmaras, implicaria a privação de um elevado número de câmaras em caso de avaria de um servidor. Decidida a adjudicação a favor da contra interessada S ..., a Tyco veio propor a presente acção de impugnação, onde pediu a anulação desse acto de adjudicação e a condenação da entidade competente em praticar o acto devido – qual seja, a pretendida adjudicação a ela A. Como se deixou relatado, a sentença do TAF julgou a acção totalmente improcedente. Inconformada, a Tyco veio dela recorrer, insistindo nos já alegados vícios de violação de lei e de falta de fundamentação. Vejamos se com razão. Começa a recorrente por invocar ter o Júri procedido à alteração dos critérios de adjudicação (que eram de 1 para 5) fora do prazo legal, por ter classificado a A. com 4 pontos e a contra interessada com 5. Considerando que a própria recorrente admite na conclusão d) das suas alegações que os 4 pontos foram concedidos à 2ª melhor proposta, e 5 à melhor, e dando como assente que a pontuação de 5 é superior à de 4, não se vê como essa pretensa alteração possa ter influído na decisão final. Não se pode, pois, considerar ter havido essa ilegalidade, improcedendo as conclusões a) a h). Como também não existiu falta de fundamentação, perante os dados do Relatório Final supra referidos, e os demais que constam dos autos, que a recorrente demonstrou ter percebido inteiramente, como qualquer intérprete normal faria. Para se acusar um acto de falta de fundamentação, necessário se torna demonstrar qual a área do percurso cognitivo que ficou imprecisa, o que manifestamente a recorrente não alegou nem provou. Por outro lado, o pedido de exclusão da contra interessada S ... formulado agora pela A. tem de ser considerado efectivamente extemporâneo, como decidiu a Senhora Juíza a quo. É certo que o artigo 51º nº 3 do CPTA admite a impugnação do acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento. São aí apontadas, contudo, duas excepções: a) O acto em causa ter determinado a exclusão do interessado do procedimento (pois, nesse caso, o interessado pode e deve impugnar imediatamente o acto que o excluiu, se o considera ilegal). b) O disposto em lei especial, hipótese que afasta a regra geral do artigo. Ora, como se explica na sentença, a marcha do procedimento no concurso público vem definida nos artigos 98º e seguintes do DL nº 197/99, de 8/6. Após a admissão dos concorrentes e seus representantes ao acto público, (que podem pedir esclarecimentos, apresentar reclamações, etc.), é elaborada a lista dos concorrentes, e procede-se à sua admissão, definitiva ou condicional (artigos 100º e 101º). Refere o nº 5 deste artigo 101º que, retomado o acto público, o presidente do júri procede à leitura da lista dos concorrentes admitidos, bem como dos admitidos e dos excluídos, indicando nestes dois últimos casos as respectivas razões”. Acrescentando o nº 7 que o júri delibera sobre as eventuais reclamações apresentadas pelos concorrentes relativamente a esta fase do acto público. Ou seja: se a Tyco entendia que a proposta da S ... devia ser excluída por alguma razão, devia ter reclamado logo na altura, para que a sua reclamação fosse decidida nessa fase do concurso, conforme estabelecido nesse preceito legal. Como referem o Prof. Mário Aroso de Almeida e o Cons. Carlos Cadilha quanto a este ponto, no seu Comentário ao CPTA, 2007, pág. 318, “trata-se de uma questão de hermenêutica jurídica, que deve ser avaliada casuisticamente, em função da ratio legis”. E acrescentam: “Se, contudo, a especificação é feita em relação a um acto intermédio que encerra uma fase do procedimento ou um seu incidente, em termos de se dever considerar que as questões aí decididas não devem poder ser retomadas em momento ulterior, afigura-se de entender que a norma não tem um carácter meramente indicativo, mas constitui um desvio à regra do artigo 51º nº 3, enquadrando-se assim na referida ressalva do disposto em lei especial”. Ora, no caso em análise, a formulação do nº 7 do artigo 101º não deixa margem a grandes dúvidas, quando refere expressamente que júri delibera sobre reclamações relativas a esta fase do acto público. E que essa fase do concurso fica assim encerrada mostra-se demonstrado nas epígrafes dos artigos seguintes (102º e 103º), iniciados com a expressão prosseguimento do acto público. Improcedem assim as conclusões i) a bb) do recurso. Como também improcede a conclusão cc), visto que a referência ao foro de Lisboa para a assistência pós-venda não se pode confundir com o foro escolhido para reger o cumprimento do contrato, visado no Caderno de Encargos (foro de Cascais). A decisão recorrida não merece, pois, as críticas que lhe foram dirigidas, pelo que vai confirmada. 5. Pelo exposto, acordam no 2º Juízo, 1ª Secção, do TCA Sul em negar provimento ao recurso interposto por T ...(Portugal), Unipessoal, Lda, confirmando a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente, com procuradoria máxima. Lisboa, 10 de Maio de 2007 |