Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04651/08
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:01/15/2009
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ACTO ADMINISTRATIVO
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO CAUTELAR - ARTº 123º Nº 1 A) CPTA
IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA INTEMPESTIVA – ARTº 59º Nº 4 CPTA
CADUCIDADE DO EMBARGO DE OBRA – ARTº 104º NºS. 1 E 2 RJUE
CONTAGEM DO PRAZO SUPLETIVO LEGAL DE EMBARGO – 72º Nº 1 B) CPA
Sumário:1. A providência cautelar instaurada já quando decorrido o prazo de propositura da acção principal de que é dependente, configura a caducidade do direito de acção cautelar - artº 123º nº 1 a) CPTA.
2. O prazo contínuo de 3 meses para a impugnação dos actos anuláveis suspende-se durante o período de encerramento dos Tribunais de 1 a 31 de Agosto e 22.12 a 03.01, ou seja, por 31 dias na suspensão de Verão e 13 dias na suspensão de Inverno - artºs 58º nº 2 b) CPTA, 144º nº 4 CPC ex vi 58º nº 3 CPTA.
3. O prazo de impugnação contenciosa suspende-se com a dedução de impugnação graciosa na data de entrada desta nos serviços da Administração e retoma o seu curso “(..) com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.” – artº 59º nº 4 CPTA.
4. A formulação do artº 59º nº 4 CPTA significa que o prazo da impugnação contenciosa retoma o seu curso com o primeiro dos eventos que ocorra; donde, se o decurso do prazo legal de decisão da impugnação graciosa se esgotar antes de a entidade administrativa competente proferir decisão, é aquele evento que determina o efeito preclusivo da suspensão da contagem do prazo de impugnação contenciosa e não a notificação da decisão administrativa.
5. O embargo estatuído no artº 104º nº 1 RJUE configura uma ordem de paralização temporária de operação urbanística em curso, sendo que a caducidade do embargo traduz num efeito relativo à eficácia do acto por evento a si externo, em nada contendendo com a respectiva validade.
6. Na ausência de fixação de prazo específico, o embargo caduca se, até ao termo do prazo supletivo de 6 meses prorrogável uma única vez por igual período, não for proferida decisão que defina a situação jurídica da obra – artº 104º nº 2 RJUE.
7. Dada a natureza procedimental do prazo supletivo de caducidade do embargo, o seu decurso conta-se em dias úteis e atinge o respectivo termo ad quem numa das duas situações legalmente previstas: com a decisão definitiva sobre a situação jurídica da obra, ou na data em que se esgote o prazo supletivo legal de seis meses prorrogável por igual período – artºs. 104º nº 2 RJUE e 72º nº 1 b) CPA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Susana ...e Miguel ..., casados entre si e com os sinais nos autos, inconformados com a sentença proferida pela Mma. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que absolveu o Requerido do pedido cautelar por caducidade do direito de acção, dela vem recorrer concluindo como segue:

1. Em causa está a deliberação da comissão directiva do Parque Natural do Sudoeste Alentejo e Costa Vicentina (PNSACV), de 25.09.2007 que ordenou o embargo de obras de construção legalmente autorizadas, constituindo este o acto administrativo em crise.
2. O artigo 104º do RJEU determina que a ordem de embargo caduca logo que seja proferida uma decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo ou no termo do prazo que tiver sido fixado para o efeito.
3. Sucede que nunca foi proferida qualquer decisão definitiva por parte do PNSACV, nem tão pouco foi fixado prazo para o efeito.
4. Assim, na falta de fixação do prazo de caducidade do acto de embargo e não tendo sido proferida qualquer decisão definitiva no prazo de seis meses, deve entender-se que o mesmo caducou por força do nº 2 do artigo 104º do RJUE.
5. Tratando-se o acto de embargo de um acto nulo a sua impugnação contenciosa não se encontra sujeita a prazo, de acordo com o nº l do artigo 58º do CPTA, podendo os Recorrentes lançar mão dela a todo o tempo.
6. Não obstante, mesmo que o acto em crise padeça do vício de anulabilidade, o prazo de impugnação de três meses previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 58º do CPTA nunca foi ultrapassado;
7. Porquanto, desde a data da notificação do acto impugnado aos ora Recorrentes (25.09.2007) até à interposição do recurso hierárquico (10.10.2007) decorreram apenas quinze dias para efeitos de contagem do prazo de impugnação contenciosa;
8. Em virtude da interposição do referido recurso hierárquico os ora Recorrentes colocaram a Administração sob o dever legal de decidir a impugnação formulada, nos termos do artigo 9.° do CPA.
9. Ora, tratando-se de recurso hierárquico, ainda que facultativo, de um meio de impugnação administrativa tal facto determinou a suspensão do prazo de impugnação contenciosa de acordo com o estabelecido no nº 4 do artigo 59º do CPTA.
10. Desta forma, o prazo de impugnação contenciosa ficou suspenso até à notificação da decisão do recurso hierárquico aos ora Recorrentes, ou seja, até 24.01.2008
11. Além disso, aos Recorrentes aproveita ainda o facto de o prazo de impugnação se ter suspendido no período de férias judiciais (de 16.03.2008 a 24.03.2008) em conformidade com o disposto o nº l do artigo 144.° do CPC, ex vi, nº 3 do artigo 58º do CPTA.
12. Em suma, entre a data da notificação do acto impugnado até à data da sua impugnação contenciosa decorreram apenas 80 dias, ressalvados os períodos de suspensão do prazo previstos na lei.
13. Devendo por isso concluir-se que o acto de embargo cm crise foi impugnado tempestivamente, porquanto o respectivo prazo ficou suspenso em virtude de utilização por pane dos ora Recorrentes de meios de impugnação administrativa e da ocorrência de férias judiciais.
14. Em face de tais fundamentos, tendo a douta sentença decidido pela caducidade do direito de acção incorre em manifesto erro de julgamento.

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O Recorrido Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade IP contra-alegou, concluindo como segue:

1. O prazo previsto no artigo 58° nº 2 alínea b) do CPTA é um prazo de caducidade e não processual.
2. Em 07 de Abril de 2008, já havia caducado o direito da recorrente impugnar o acto administrativo aqui em causa.
3. No foram invocados quaisquer vícios pelos requerentes que confiram ao acto suspendendo nulidade, não tendo os requerentes arguido a nulidade do mesmo.
4. O acto de embargo foi praticado com fundamento no Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, aprovado pelo Dec. Reg. n° 33/95, de 11de Dezembro e alterado pelo Decreto Reg. n° 9/99, de 15 de Junho, Dec Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro - regime jurídico relativo à rede nacional de áreas protegidas - e Dec. Lei n° 380/99, de 22 de Setembro - estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, legislação essa especial face ao Dec. Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro.
5. Sendo que, a lei geral não revoga a ler especial, nos termos do artº 7º nº 3 do Código Civil, prevalecendo esta última, naturalmente, sobre a primeira.
6. Nos termos dos artigos 51° e seguintes do CPTA, o acto administrativo - embargo de 25 de Setembro de 2007era impugnável pela via contenciosa – acção administrativa especial, uma vez que se tratava de um acto com eficácia externa, com conteúdo susceptível de lesar direitos ou interesses, na versão dos requerentes, legalmente protegidos, tendo o requerido Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP actuado com base na lei administrativa.
7. Deste modo, logo se conclui que o recurso hierárquico interposto pelos requerentes era facultativo, sendo que, como recurso hierárquico facultativo, não suspende a eficácia do acto recorrido (cfr. artigo 170° n° 3 do CPA).
8. Pelo que, razão tem a Mma. Juiz a quo em lhe aplicar o disposto no artigo 58º n° l alínea b) do CPTA.
9. Deve ser confirmada a decisão recorrida, pois que ela não violou quaisquer das disposições legais enunciadas nas Alegações dos Recorrentes.

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Com substituição legal de vistos pela entrega das competentes cópias entregues aos Exmos. Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência – artºs. 36º nºs. 1 e 2 CPTA e 707º nº 2 CPC, ex vi artº 140º CPTA.

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Pela Senhora Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A) Os Requerentes vieram propor esta acção, em 2008.04.07, por fax (cfr. fls. l da pi);
B) O acto suspendendo foi notificado pessoalmente à Requerente em 2007.09.25 (cfr doc. n° 3 da pi);
C) Na acção principal in fine, os Requerentes clamam pela "(..) anulação da deliberação da Comissão Directiva do PNSACV que ordenou o embargo das obras de construção n° 91/07 emitido a favor da Requerente mulher e bem assim o Auto de Embargo (..)".


Nos termos do artº 712º nº 1 b) CPC ex vi artº 140º CPTA, com fundamento nos documentos juntos aos autos, adita-se ao probatório a factualidade constante das alíneas D) a J), como segue:

D) O auto de embargo é do teor que se transcreve na íntegra:
(..) Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P.
Departamento de Gestão das Áreas Classificadas do Sul
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina
Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território c do Desenvolvimento Regional
NOTIFICAÇÃO
(Auto de embargo de obras de construção)
1. Aos vinte e cinco dias do mês de Setembro de dois mil e sete, pelas dezasseis horas, no Lote n.° 42 (quarenta e dois) do Loteamento (ou Urbanização) das Esparregueiras, sito na freguesia e concelho de Vila do Bispo, eu, (..) Vigilante da Natureza do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P. (1CN-IP), a desempenhar funções no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV), em cumprimento do Despacho do Sr. Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas - Sul, datado de vinte e quatro de Setembro de dois mil e sete, exarado na Informação número 439/DGAC-Sul/PNSACV/STA/07, de vinte e quatro de Setembro de dois mil e sete - cuja cópia, em anexo, faz parte integrante desta Notificação,
NOTIFICO o(a) Senhora Susana Miranda Rebelo, na qualidade de titular do Alvará de Autorização de Construção/ representante /encarregado do construtor desta obra (riscar o que não interessa), titular do Bilhete de Identidade n° (..), emitido em (..) em (..) de (..) residente em (..) e com o(s) telefone(s) n°(s) (..). de que, a partir deste dia e hora, estão embargados todos os trabalhos de construção (designadamente de uma "moradia unifamiliar, piscina e muro") que estão a ser efectuados neste local, ao abrigo do Alvará de Autorização de Construção n.° 91/2007, emitido pela Câmara Municipal de Vila do Bispo (CMVB) em 08/08/2007, a favor de SUSANA MIRANDA REBELO.
2. Os fundamentos de facto e de direito deste embargo constam da supra referida Informação número 439/DGAC-Sul/PNSACV/STA/07. O Sr. Presidente do ICNB, IP é a autoridade administrativa territorial e materialmente competente para proferir esta ordem de embargo conforme se estabelece no artigo 5° n° l, alíneas b) e h) do Decreto-Lei n°136/2007, de 27 de Abril, conjugado com o disposto no artigo 19º, n° l, da Lei n°50/2006, de 29 de Agosto e nos artigos 102º e 103° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho, tendo delegado tal competência no Sr. Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas Sul, através do Despacho n° 16.711/2007, publicado no Diário da República, 2ª série, de 31 de Julho.
3. Nessa conformidade, e em cumprimento desta ORDEM DE EMBARGO, deverá a ora notificada cessar, e ou fazer cessar, de imediato e por qualquer meio, todos os trabalhos de construção, de qualquer tipo (incluindo terraplanagens, movimentações de terras e arranjos exteriores), que estiverem a ser efectuados no supra identificado prédio/ lote. Mais fica expressamente advertida a notificada de que incorrerá na prática do crime de desobediência (previsto e punido no artigo 100°, n° l, do indicado RJUE e no artigo 348°, nº l, do Código Penal) se, por qualquer forma, prosseguir (e ou deixar prosseguir) os trabalhos ora embargados, ainda que apenas parcial, e ou temporariamente, sendo que também poderão ser apreendidos (e, eventualmente, posteriormente declarados perdidos a favor do Estado) todos os veículos, máquinas, objectos e materiais que estiverem a ser utilizados na § obra em violação desta ordem de embargo, mesmo que não pertençam ao dono da obra e ou o ao seu construtor.
4. Para que possam ser comprovadas futuras alterações à presente situação da obra (designadamente em caso de eventual violação do embargo), regista-se que o estado actual dos trabalhos ora embargados é, neste dia e hora, exactamente o seguinte: Tem laje de primeiro piso e pilares e laje de segundo piso.
5. Mais se informa que o Sr. Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas - Sul, considerando que a presente ordem de embargo se trata de um acto administrativo de natureza urgente, porquanto com ela visa-se acautelar, designadamente e desde já, que as alterações à morfologia do solo e à paisagem no local das obras (que se iniciaram há poucos dias) se tomem irreversíveis e ou impliquem uma maior dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de reposição da situação natural, se for o caso, determinou ainda, ao abrigo do disposto no artigo 103°, n°l, alíneas a) e b) do Código do Procedimento Administrativo (CPA), não haver lugar ao cumprimento da formalidade da audiência prévia dos interessados.
6. Por este meio fica a ora embargada igualmente notificada de que:
a) Esta ordem de embargo é passível de recurso hierárquico para o Sr. Presidente do ICNB, IP, nos termos do disposto no artigo 358°, n° l e n° 2, alínea b) do CPA.,
b) Atendendo a que esta ordem de embargo se deve ao facto de o licenciamento destas obras não ter sido precedido das consultas (legalmente obrigatórias) ao ICNB, IP/PNSACV, poderá o(a) interessado(a) solicitar directamente a estas entidades a autorização e o parecer em falta, ao abrigo e nos termos do disposto, designadamente, no artigo 19°, n° 2 do RJUE.
A Notificada - declaro que recebi um exemplar desta Notificação e do respectivo anexo: (assinatura manuscrita). As Testemunhas: (duas assinaturas manuscritas) (..)” – doc. fls. 85 a 87 dos autos.

E) A Informação número 439/DGAC- Sul/PNSACV/STA/07,datada de 24.09.2007, que fundamenta o auto de embargo é do teor que se transcreve na íntegra:

“(..) ASSUNTO: PROPOSTA DE EMBARGO DAS OBRAS de construção de uma moradia unifamiliar, piscina e muro - Lote nº 42 do Loteamento das Esparregueiras., sito na freguesia de Sagres concelho de Vila do Bispo em área abrangida pelo Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (1)
1. Segundo melhor se extrai da "ficha de campo" em anexo (como Doc. 1) as obras acima identificadas localizam-se numa zona (o denominado Loteamento ou Urbanização das Esparregueiras) situada fora das áreas urbanas existentes definidas no Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (POPNSACV) (2) e fora dos perímetros urbanos delimitados nos planos municipais de ordenamento do território do concelho de Vila do Bispo
2. Tais obras, que estão a ser executadas ao abrigo do Alvará de Autorização de Construção nº 91/2007, emitido em 08/08/2007 pela Câmara Municipal de Vila do Bispo (CMVB), a favor de Susana ... (3), foram licenciadas pela CMVB sem autorização da Comissão Directiva do PNSACV - facto que, manifestamente, viola o disposto no artigo 18º, nº 3, alínea d), do Decreto-Lei nº 19/93, de 23 de Janeiro (4) e no artigo 3.°, nº l, alínea a) do Regulamento do mencionado POPNSACV (5) que, ademais, possui a natureza de plano especial de ordenamento do território, prevalecendo perante os próprios planos municipais e regionais.
3. Aliás, a este respeito salienta-se o seguinte excerto, a pp. 18 e 19 do Relatório do Inquérito ao Município de Vila do Bispo, elaborado em Julho de 2005 pela Inspecção-Geral da Administração do Território (IGAT): “Nos termos do artigo 3º do Regulamento do Plano de Ordenamento do PNSACV, carecem de autorização da comissão directiva do Parque "(...) as obras de construção civil, designadamente novos edifícios (...) fora das áreas urbanas existentes definidas no presente Plano, dos perímetros delimitados nos planos municipais de ordenamento do território legalmente eficazes (...)". Por sua vez, o artigo 16º do regulamento do PDM de Vila do Bispo determina que "na APPSACV, criada pelo Decreto-Lei nº 241/88, de 7 de Julho, cujos limites estão assinalados na planta de condicionantes, os actos e actividades a desenvolver, excluídos os perímetros urbanos, estão condicionados ao parecer dos órgãos previstos no referido diploma (...)" (a APPSACV foi reclassificada como Parque Natural pelo Decreto Regulamentar nº 26/95, de 21/09).
As zonas de ocupação turística ficam situadas fora das zonas urbanas existentes definidas no POPNSACV (cfr. artigo 23º e cartas de zonamento e gestão deste Plano) e fora do perímetro urbano, conforme dispõe o artigo 26º nº l, do Regulamento do PDM. Parece-nos, assim, inquestionável que o licenciamento de operações urbanísticas nestas zonas carece de autorização da Comissão Directiva do PNSACV. Esta imposição regulamentar é essencial para a gestão adequada à salvaguarda dos recursos naturais do Parque, pelo que o seu incumprimento não pode deixar de constituir violação do Plano de Ordenamento do PNSACV e também do PDM. A violação de planos de ordenamento do território è sancionada com a nulidade dos actos de licenciamento, no actua! regime da edificação e urbanização, tal como o era nos diplomas anteriores (cfr. artigos 52º, nº 2, alínea b) do Decreto-Lei nº 445/91, de 20/11, 56º, nº 2, do Decreto-Lei nº 448/91, de 29/11, e 68º, alínea a), do Decreto-Lei nº 555/99, de 16/12).
Entendemos que, mesmo no caso de edificações implantadas em loteamentos, é necessária autorização, não só porque as disposições citadas daqueles Planos não distinguem entre construções inseridas ou não em loteamentos, mas também porque as licenças de loteamento não disciplinam todos os aspectos (especialmente os loteamentos antigos como é o caso dos que analisámos) que à comissão directiva compete apreciar, em defesa dos valores naturais à sua guarda, designadamente, integração ambiental e paisagística (v. g. volumetria das construções e áreas de implantação e impermeabilização). Esta em causa a defesa do direito fundamental ao ambiente, que ao Estado compete assegurar (artigo 66º, nº 1 e 2 da CRP). (6)
Entendemos mesmo que a dispensa da autorização prevista no artigo 3º do Regulamento do POPNSACV violaria, em especial, o artigo 66º, nº 2, alínea c), da CRP uma vez que, sendo uma das incumbências do Estado a criação de parques naturais, não se pode enfraquecer os meios de que estes dispõem para a defesa adequada dos valores naturais que justificaram a sua criação.”
4. Por outro lado, cumpre ainda referir que o local em apreço (não só o Lote nº 42, mas todo o Loteamento das Esparregueiras) encontra-se abrangido, no âmbito da Rede Natura 2000, pela zona especial de conservação (ZEC) denominada Sitio n° 12 - Costa Sudoeste, criada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de Agosto e pela zona de protecção especial (ZPE) da Costa Sudoeste, criada pelo Decreto-Lei nº 384-B/99, de 23 de Setembro.
Prescrevendo, nesta matéria, sobre a Rede Natura 2000, o Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril (alterado pelo Decreto-Lei nº 49/2005, de 24 de Fevereiro), no seu artigo 9º, nº 2 dispõe que: “(..) dependem de parecer favorável do ICN ou da comissão de coordenação e desenvolvimento regional competente: a) A realização de obras de construção civil fora dos perímetros urbanos, com excepção das obras de reconstrução, demolição, conservação de edifícios e ampliação desde que esta não envolva aumento de área de implantação superior a 50% da área inicial e a área total de ampliação seja inferior a 100 m2; b) (..); c) (..); d) As alterações à morfologia do solo, com excepção das decorrentes das normais actividades agrícolas e florestais; (..).” (destaques nossos). (7)
Ora, tal parecer favorável prévio do ICN (actualmente ICNB, IP) também não foi emitido para a obra aqui em apreço … desde logo porque não foi pedido, nem pela CMVB nem sequer pelo interessado/dono da obra.
5. Nessa conformidade,
§ com os fundamentos de facto já aduzidos - maxime no que concerne à ausência de autorização da Comissão Directiva do PNSACV e de parecer do ICNB para as obras em apreço;
§ com os fundamentos de direito constantes do artigo 19º, nº l, da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (8). e no artigo 5º, nº l, alíneas b) e h) do Decreto-Lei nº 136/2007, de 27 de Abril;
§ nos termos e para efeitos do disposto, designadamente, nos artigos 102º (9) e 103º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (alterado e republicado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de Junho);
Propõe-se que o Sr. Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas - Sul (ao abrigo Despacho de delegação de competência n° 16.711/2007, do Sr. Presidente do ICNB, IP, publicado no Diário da República, 2ª série, de 31 de Julho):
(1) Ordene, de imediato, o embargo total das obras de construção de uma moradia unifamiliar, piscina e muro, que estão a ser efectuadas no supra referenciado Lote nº 42 do Loteamento das Esparregueiras;
(2) Declare, ao abrigo do disposto no artigo 103º nº l, alíneas a) e b) do Código do Procedimento Administrativo (CPA) não haver lugar ao cumprimento da formalidade da audiência prévia dos interessados, considerando que a ordem de embargo a proferir se traia de um acto administrativo de natureza urgente, porquanto com ela visa-se acautelar, designadamente e desde já, que as alterações à morfologia do solo e à paisagem no local das obras (que se iniciaram há poucos dias) se tornem irreversíveis e ou impliquem uma maior dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de reposição da situação natural, se for o caso.
(3) Mande proceder às respectivas notificações e comunicações legais, bem como à elaboração do correspondente Auto de Embargo, devendo ainda a dona da obra / titular da licença, aquando da sua notificação, ser informada de que poderá solicitar directamente ao ICNB, IP / PNSACV a autorização e o parecer em falta, ao abrigo e nos termos do disposto, designadamente, no artigo 19º, nº 2 do RJUE.
(4) Mande cópia desta Informação ao Gabinete do Sr. Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (MAOTDR) e ao Sr. Presidente do ICNB, IP, para os efeitos que forem entendidos convenientes.(10)
(5) Mande cópia desta Informação ao Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (para que, se for caso disso, possa ser instaurada acção administrativa especial pedindo a declaração de nulidade da supra referida autorização de construção). (11). À Consideração Superior, Anexo: Doc. l - Cópia da supra indicada "Ficha de Campo" (..)” – doc. fls. 88/91 dos autos.
F) Sobre a Informação transcrita supra recaiu o despacho manuscrito, que se transcreve na íntegra:
“(..) 1.Visto. Concordo com o teor da presente Informação. 2. Assim sendo, com os fundamentos expressos e nos termos propostos determino: 2.1 - O embargo das obras em curso no lote nº 41 do loteamento das “Esparregueiras” na freg. de Sagres, conc. de Vila do Bispo, ao abrigo das competências delegadas; 2.2 – A dispensa de audiência prévia com os fundamentos constantes do item 5.(1); 2.3 – Que seja notificado o interessado nos termos legais; 2.4 – Que sejam remetidas cópias aos gabinetes de Sua Exa. o MAOTDR, ao Sr. Presidente do ICNB e ao Min. Público de Loulé; 2.5 – Deverá ser efectuado o registo na Conservatória do Reg. Predial. 3. Ao signatário, para seguimento. 24.09.07, (assinatura manuscrita) Director do Depto. de Gestão de Áreas Classificadas (..)” - doc. fls. 88 a 91 dos autos.
G) Em 17.10.2007 deu entrada nos serviços de ICNB recurso hierárquico dirigido ao Presidente do ICNB contra o embargo de obras do lote 42, loteamento 1/80 em Esparregueiras, Vila do Bispo, - doc. fls. 93/103 dos autos.
H) Recurso hierárquico indeferido por despacho de 20.12.07 do Presidente do ICNB, exarado sobre a Proposta nº 50/GJ/07 do respectivo Gabinete Jurídico, nos termos que se transcrevem:
“Concordo, pelo que com os fundamentos constantes da presente proposta e do parecer jurídico anexo à mesma, indeferido o presente recurso hierárquico porque o acto administrativo que determinou o embargo é válido, confirmando-se o mesmo nos termos do artigo 174º do CPA. O Presidente do ICNB (assinatura manuscrita) (..)” – doc. fls. 105/116 dos autos.
I) A Recorrente mulher foi notificada em 25.01.2008 do despacho de indeferimento do recurso hierárquico por ofício do ICNB a si endereçado, do seguinte teor:
“(..) Na sequência de interposição do recurso hierárquico interposto por V. Exa. do acto de embargo de obras do lote 42 do loteamento 1/80 em Espargueiras, proferido pelo Diretor de Gestão de áreas Classificadas Sul, o mesmo foi indeferido nos termos do despacho de 20.12.07 do Senhor Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade, IP, exarado na informação 58/Gabinete Jurídico/07 e com fundamento na mesma e em parecer jurídico anexo.
Em anexo remete-se o texto integral do acto administrativo de indeferimento da pretensão de V. Exa. que pode ser impugnada contenciosamente nos termos gerais de direito. A Vice-Presidente do ICNB (rubrica manuscrita) (..)”– acordo, artº 18º do Req. caut. e 35º da oposição; doc. fls. 104 dos autos.
J) O procedimento cautelar e a acção principal de que é dependente deram entrada em juízo na mesma data (07.04.2008)- fls. 1 dos autos.

DO DIREITO

Vem assacada a sentença de incorrer em violação primária de direito adjectivo por erro de julgamento em matéria de caducidade do direito de acção cautelar, questão única suscitada nos itens 1 a 14 das conclusões.

1. efeito suspensivo do prazo de impugnação judicial por impugnação graciosa – artº 59º nºs 4 e 5 CPTA;


Em função da garantia constitucional estatuída no artº 268º nº 4 CRP de impugnabilidade imediata de acto administrativo lesivo, entendido como acto susceptível de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos, deixaram de relevar os requisitos da definitividade horizontal e vertical na veste de pressupostos da impugnabilidade junto dos Tribunais, propósito expressamente assumido pela Reforma do contencioso administrativo nos artºs. 51º nº 1 e 59º nº 5 CPTA, importando ao caso dos autos o segundo dos normativos citados.
Temperando a hipótese da exclusividade de sindicabilidade judicial e em contra-corrente ao regime da natureza meramente facultativa da impugnação graciosa dos actos passíveis de impugnação jurisdicional directa estabelecido nos artºs. 164º e 168º nº 2 CPA, o artº 59º nº 4 CPTA veio estabelecer que a “impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.”.
Logo como primeira consequência temos a revogação tácita operada pelo artº 59º nº 4 CPTA no tocante ao regime estabelecido pelos citados artºs. 164º e 168º nº 2 CPA.
No entanto, a circunstância de o nº 5 do artº 59º CPTA ter eliminado o pressuposto da definitividade vertical ao dispor que a “utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal” não significa, salvo o devido respeito por opinião contrária, a revogação dos regimes especiais que consagrem a impugnação administrativa necessária, seja qual for a tipologia - reclamação, recurso hierárquico ou recurso tutelar necessários.
Deste modo, na hipótese de imposição legal de recurso hierárquico necessário sobre acto praticado no domínio de um específico regime procedimental, tal implica que a notificação do acto, posto que não ponha a correr nenhum prazo de recurso contencioso, todavia,
(i) desencadeia o decurso do prazo geral ou específico de impugnação graciosa,
(ii) constitui a Administração no dever legal de decidir o recurso hierárquico interposto pelo interessado,
(iii) torna operativa a suspensão do prazo para o recurso contencioso, nos termos do citado artº 59º nº 4 CPTA. (12)
Na circunstância de impugnação graciosa facultativa o efeito é o mesmo no tocante à aplicação do regime estatuído no citado artº 59º nº 4 CPTA.
É o caso presente.
Os Recorrentes interpuseram recurso gracioso do embargo ordenado pelo Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas/ Sul junto do Presidente do ICNB, IP.
O Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas/Sul agiu no uso de competência delegada pelo Presidente do ICNB, IP por despacho nº 16711/2007 publicado no DR, 2ª S., de 31.Julho, como consta expressamente da notificação de embargo levada ao probatório na alínea D) com fundamento no doc. n° 3 junto com a petição cautelar, a fls. 87 dos autos.
Face à simultaneidade de hierarquia e delegação entre um e outro dos órgãos em causa, o recurso gracioso interposto para o delegante de acto praticado pelo delegado ao abrigo do disposto no artº 158º nº 2 b) e com os efeitos do artº 167º nº 2 ambos do CPA (recurso delegatório), assume a natureza de recurso hierárquico impróprio e facultativo do embargo ordenado pelo Director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas/Sul.
Uma vez que no domínio contencioso e para efeitos de tutela judicial efectiva, consagrada no artº 268º nº 4 CRP, a tónica reside na eficácia externa dos actos desde que lesiva dos particulares – cfr. artºs. 2º nº 2 e 51º nº 1 CPTA – tal significa, como já referido, que a reforma administrativa de 2004 afastou a relevância jurídica da definitividade vertical, vigente em sede de LPTA; donde, nada impede que a impugnação contenciosa seja dirigida contra o acto de subalterno praticado no uso de competência delegada, como também nada impede que os interessados deduzam recurso hierárquico facultativo junto do órgão delegante.

2. dever legal de decidir;

Ponto é, no tocante à impugnação graciosa, que a Administração esteja constituída no dever legal de decidir, em substância distinto do dever de pronúncia ou de resposta que sempre há-de existir face a qualquer petição, ressalvada a circunstância de esta não ser séria.
Como nos diz a Doutrina, que seguimos de perto, “(..) o dever de decisão procedimental é diferente; ele só existe quando a pretensão é formulada em vista da defesa de interesses próprios do peticionante e tem por objecto o exercício de uma competência jurídico-administrativa (normativa ou concreta) de aplicação da lei à situação jurídica do pretendente (..)
(..)
Os procedimentos de reapreciação dum acto administrativo por iniciativa do interessado exigem decisão da autoridade reclamada ou recorrida.
Eles constituem, pois, uma manifestação distinta do direito fundamental de petição conferido pelo artº 52º da Constituição e do dever de resposta previsto na alínea b) do nº 1 do artº 9º do CPA para todas as “petições, representações, reclamações ou queixas”, que sejam apresentadas aos órgãos administrativos em assunto da sua competência.
Sendo o dever de resposta denominador comum a todas essas manifestações do direito de petição, no caso da reclamação ou recurso de acto administrativo ele aparece reforçado, implicando já um dever de decisão, stricto sensu, da autoridade administrativa (..)” (13)
De modo que a decisão da Administração não se mostra devida em face de toda a reclamação ou recurso gracioso que os particulares interponham, pois “(..) uma impugnação tutelar que não esteja prevista legalmente (artº 177º do CPA) ou uma reclamação apresentada na sequência de indeferimento de recurso hierárquico ou de reclamação anterior (artº 161º/2 do CPA), por exemplo, não suspendem a contagem do prazo para a impugnação contenciosa, porque se trata de meios meramente “graciosos”, sobre que a Administração não tem o dever de decidir (que é diferente do dever de proceder). (..)” (14)


3. caducidade do embargo – artº 104º nºs. 1 e 2 RJUE – prazo legal supletivo; modo de contagem;


Antes de analisar a alegada tempestividade do exercício de direito de acção cautelar cumpre deixar claro que a caducidade do embargo não assaca esta medida, também ela de natureza cautelar, de nenhuma invalidade; em substância, o embargo configura uma ordem de paralização temporária de operação urbanística em curso, não tendo qualquer sustentação considerar que o acto de embargo é nulo em caso de caducidade na medida em que esta se traduz num efeito relativo à eficácia do acto por evento a si externo, no caso, o decurso do tempo, em nada contendendo com a respectiva validade.

*
Do teor do embargo levado ao probatório na alínea D) verifica-se que a entidade embargante não apôs nenhum prazo específico à paralização da obra, de modo que, na situação concreta, opera o prazo supletivo legal “de seis meses prorrogável uma única vez por igual período” fixado para a prolação de “decisão que defina a situação jurídica da obra com carácter definitivo” - cfr. artº 104º nºs 1 e 2 RJUE.
Daqui se retira que na circunstância de operação urbanística embargada sem termo resolutivo específico, a cessação de efeitos verifica-se ipso jure, uma vez esgotado todo o período supletivo legal (os seis meses e a prorrogação) e atingido o dia que configura o termo ad quem; ou seja, a caducidade do embargo opera automaticamente sem necessidade de declaração expressa da Administração nesse sentido, atenta a natureza jurídica do termo configurado como o facto certo a partir de cuja ocorrência se produzem ou cessam os efeitos jurídicos do acto a que respeita – cfr. artº 278º CC.

*
Em virtude da natureza procedimental deste prazo supletivo legal de caducidade do embargo, o início do decurso dá-se de imediato no dia útil seguinte ao da notificação, conta-se em dias úteis e atinge o respectivo termo ad quem numa das duas situações previstas no citado artº 104º RJUE, a saber: com a decisão definitiva sobre a situação jurídica da obra, ou na data em que se esgote o prazo supletivo legal de seis meses prorrogável por igual período – cfr. artºs 72º nºs 1 a) e b) CPA.
Pelo que vem dito, na ausência de prazo específico e de decisão definitiva sobre a obra embargada, o período supletivo legal de caducidade teve início em 26.09.07, dia útil seguinte à notificação, atingiu o termo final do período de 6 meses em 17.06.2008, a prorrogação por igual o período iniciou-se em 18.06.2008 e esgotar-se-á em 04.03.2009.
Donde se conclui que o embargo da operação urbanística a que se referem os presentes autos ainda não caducou, mantendo-se eficaz no que respeita à ordem de paralização da obra.

4. caducidade do direito de acção cautelar – artº 123º nº1 a) e 58º nº 2 b) CPTA;

O regime de caducidade do direito de acção cautelar, da extinção da instância cautelar pendente ou da própria providência que entretanto haja sido decretada, é corolário do princípio da instrumentalidade estrutural das providências cautelares face ao processo principal em que o Requerente deduza pedido cuja utilidade jurídica em sede de sentença favorável pretenda garantir enquanto aguarda a apreciação jurisdicional da relação litigiosa em termos definitivos, isto é, com trânsito em julgado.
No regime da caducidade, a instância cautelar depende “(..) das vicissitudes do processo principal. Por exemplo, na instauração, improcedência, extinção da instância, etc. – v. o artº 123º (..)” (15)
No tocante ao disposto no artº 123º nº 1 a) CPTA diz-nos a Doutrina que “(..) quando o processo cautelar tenha sido desencadeado como preliminar do processo principal, o decurso do prazo para a instauração do processo principal sem que este tenha sido instaurado conduz à extinção do processo cautelar e à caducidade da providência que nele tenha sido decretada. Isto vale, desde logo, para as acções relativas a actos administrativos caducando as providências cautelares que já tenham sido decretadas se estas não forem propostas dentro dos prazos dos artigos 58º e 69º. É a solução que o artº 79º nº 3 LPTA já consagrava, a propósito da suspensão da eficácia de actos administrativos, no pressuposto de que, de outro modo, o beneficiário da suspensão, uma vez obtida esta, já não teria de se dar ao trabalho de impugnar o acto. (..)” (16)
O que significa que o pedido evidenciado no requerimento cautelar “(..) apenas pode ser deduzido, como se depreende do disposto no artº 123º nº 1, alínea a), se o processo principal for ainda tempestivo, isto é, se o requerente se encontrar ainda em prazo para deduzir o meio contencioso adequado à tutela definitiva dos interesses que estão em causa. (..)” (17)
Salvo excepção de lei expressa, v.g. artº 101º CPTA, a impugnação de actos administrativos nulos ou juridicamente inexistentes não está sujeita a prazo, podendo ser deduzida a todo o tempo, cfr. artº 58º nº 1 CPTA, cabendo não perder de vista que, mostrando-se um acto eivado de vícios cuja sanção cominada seja, quanto a uns, a anulabilidade e, quanto a outros, a nulidade, é evidente que o acto apenas pode ser impugnado a todo o tempo no que tange às ilegalidades geradoras de nulidade. (18)
Pelo que vem dito e ressalvado o respeito devido por tese contrária, o direito de acção em sede cautelar apenas na circunstância de actos administrativos inquinados por vícios geradores de anulabilidade se rege pelo disposto no artº 123º nº 1 a) CPTA por reporte ao prazo de 3 meses para impugnação de actos anuláveis ex vi artº 58º nº 2 b) do citado Código, tese já sufragada no acórdão deste TCA Sul de 18.01.2007 in rec, nº 2024/06.
Exactamente porque a impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo – salvo casos excepcionados em lei expressa – não só é aplicável a lei adjectiva em vigor aquando do exercício do direito de acção cautelar como, uma vez decretada a providência deduzida preliminarmente, o artº 123º nº 2 CPTA estabelece o prazo de 3 meses para o interessado dar entrada à acção de que a providência é instrumental, prazo “(..) cujo único objectivo é evitar que uma providência cautelar entretanto adoptada possa perdurar indefinidamente, sem que seja deduzido o correspondente meio contencioso principal. (..)” (19)


5. eventos preclusivos da suspensão do prazo de impugnação judicial - artº 59º nº 4 CPTA;

A ordem de embargo notificada em 25/09/07 à aqui Recorrente, implica que o prazo de 30 dias para recorrer hierárquicamente – na ausência de prazo específico no RJUE para este recurso rege o disposto no artº 168º nº 1 CPA atenta a revogação tácita do nº 2 deste artigo pelo artº 59º nº 4 CPTA, como já foi posto em evidência – começou o seu curso no dia útil seguinte, 4ªfeira 26.09.07, prazo cuja contagem segue o regime do artº 72º nº 1 b) CPA, em dias úteis excluindo sábados, domingos e feriados.
À data de interposição do recurso hierárquico impróprio em 17.10.07, alínea G) do probatório, estavam decorridos 15 (quinze) dias, sendo assim manifesta a tempestividade da impugnação graciosa deduzida pelos ora Recorrentes e a operatividade, em seu favor, do efeito suspensivo estatuído no artº 59º nº 4 CPTA quanto ao prazo de impugnação judicial do embargo da operação urbanística, sendo certo que estamos no domínio da impugnação de actos anuláveis, sujeita a prazo.
No tocante aos actos anuláveis, o prazo de impugnação é de três meses cfr. artº 58º nº 2 b) CPTA, contado de 26.09.07 e que no caso dos autos segue o regime do artº 144º nº 4 CPC ex vi artº 58º nº 3 CPTA, o que significa que se suspende durante os períodos de encerramento dos Tribunais, a saber de 01 a 31.AGO e de 22.DEZ a 03.JAN, isto é, 31 dias na suspensão no Verão e 13 dias na suspensão no Inverno.

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Tendo em conta que temos de conjugar um prazo fixado em meses com outros fixados em dias, o prazo do artº 58º nº 2 b) CPTA de 3 meses – que a priori seria contado de 26.09.07 em continuidade até ao dia correspondente do 3º mês subsequente, ou seja até 26.12.07, cfr. artºs. 144º nº 1 CPC -, o que é facto é que não é assim porque se intrometem dois prazos de suspensão quaisquer deles contados em dias.
O primeiro prazo de suspensão da contagem do prazo de impugnação contenciosa, por decorrência do regime do artº 59º nº 4 CPTA e o segundo decorrente do encerramento dos Tribunais entre 22.DEZ.07 e 03.JAN.08, regime do artº 144º nºs 1 e 4 CPC, ex vi artº 58º nº 3 CPTA.
Quid juris ?
Aderindo ao critério exposto pela Doutrina “(..) como não podem subtrair-se dias a meses (a prazos de meses), isso significa que o prazo de 3 meses tem ou pode ter, afinal, que ser contado em dias, porque também é em dias que se fixam e contam as férias judicias.
Ou seja, nestes casos, a regra geral do prazo de 3 meses (de qualquer prazo de menos de 6 meses) deve ser desaplicada, e valer antes um prazo de 90 dias para a instauração do processo de impugnação. (..) É evidente, por último, que a conversão de meses em dias só vale para contagem daqueles prazos que devam suspender-se por força do início das férias judiciais, não para qualquer outro que corra ininterruptamente (como no caso dos processos urgentes). (..)” (20)

*
Aplicando a Doutrina exposta e convertendo os três meses em 90 (noventa) dias contados segundo a regra da continuidade conforme já referido supra, temos a seguinte calendarização:

a. a notificação da ordem de embargo à ora Recorrente ocorreu em 25/09/07, sendo que o prazo de 90 dias para interposição de recurso contencioso se iniciou em 26.09.07;
b. de 26.09.07 à interposição do recurso hierárquico em 17.10.07 decorreram 15 (quinze) dias de prazo;
c. suspendeu-se de 18.10.07 a 30.11.07 inclusivé, pelos 30 dias úteis de prazo procedimental para decisão do recurso hierárquico impróprio facultativo interposto - cfr. artºs 175º nº 1 e 72º nº 1 a) e b) CPA;
d. retomou em 01.12.07 (dia seguinte àquele em que cessou o prazo para a decisão do recurso hierárquico facultativo) o curso contínuo, até 21.12.07 inclusivé, ou seja, mais 21 (vinte e um) dias de prazo;
e. suspende-se novamente durante o encerramento dos Tribunais entre 22.12.07 e 03.01.08;
f. de 26.09.07 a 17.10.07 e 01.12.07 a 21.12.07 inclusivé, decorreram 36 (trinta e seis/15 + 21) dos 90 dias de prazo para deduzir impugnação contenciosa;
g. retomado em 04.01.08 o curso contínuo e atendendo ao remanescente de 54 (cinquenta e quatro) dias, o termo ad quem do prazo de 90 dias para a impugnação judicial verificou-se em 26.02.08, 3ª feira dia útil.

De notar que ao prazo de impugnação judicial, por se configurar como prazo substantivo de caducidade do direito de acção, não lhe é aplicável a prorrogação prevista no artº 145º CPC, privativa dos prazos adjectivos.
De acordo com a formulação do artº 59º nº 4 CPTA, o prazo de impugnação contenciosa suspende-se com a dedução de impugnação graciosa na data de entrada desta nos serviços da Administração e retoma o seu curso “(..) com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal.”.
O que significa que o prazo da impugnação contenciosa retoma o seu curso com o primeiro dos eventos que ocorra, isto é, se o decurso do prazo legal de decisão da impugnação graciosa – no caso, 30 dias ex vi artº 175º CPA – se esgotar antes de a entidade administrativa competente proferir decisão, é exactamente aquele o evento, e não a notificação da decisão, que faz cessar a suspensão e consequente recomeço do decurso do prazo de impugnação contenciosa.
É esta a situação fáctica que os autos evidenciam, sendo de desconsiderar, por absolutamente irrelevante no plano jurídico, a data de notificação do indeferimento do recurso hierárquico efectivada em 25.01.08, alínea I do probatório, porque o prazo-regra legal para a respectiva decisão se esgotou em 30.11.07; de modo que, sendo-lhe anterior, é esta que constitui o evento preclusivo da suspensão do prazo da contagem do prazo de impugnação contenciosa, nos termos previstos no artº 59º nº 4 CPTA.
Na circunstância dos autos, a interposição da acção principal em 07.04.08 já depois de esgotado o prazo de impugnação contenciosa em 26.02.08 acarreta, por arrastamento, a caducidade do direito de acção cautelar, pese embora o efeito suspensivo por interposição do recurso hierárquico facultativo, uma vez que se mostra ultrapassado o prazo do artº 58º nº 2 b) CPTA, prazo de caducidade de exercício do direito de acção em sede de processo principal, na medida em que o concreto despacho impugnado não vem assacado nem os autos cautelares evidenciam que se mostre inquinado de vício de violação de lei sancionado com a nulidade, pelas razões já supra referidas a propósito da alegada caducidade da ordem de embargo da concreta operação urbanística em curso.
O mesmo é dizer que não se trata de impugnação de acto administrativo nulo ou juridicamente inexistente em ordem a ver declarada pelo Tribunal essa mesma nulidade ou inexistência, só assim sendo passível de ser instaurada a todo o tempo conforme dispõem os artºs. 58º nº 1 CPTA e 134º nº 2 in fine CPA.
Do que vem dito se conclui pela improcedência do recurso no tocante ao imputado erro de julgamento em matéria de caducidade do direito de acção cautelar, questão única suscitada nas respectivas conclusões.

***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e, confirmando a sentença recorrida se bem que por fundamentação distinta, julgar verificada a caducidade do direito de acção cautelar (artº 123º nº 1 a) CPTA)
Custas a cargo dos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) UC’s, reduzida a metade – artºs. 73º- E nº 1 f) do CCJ.



Lisboa, 15.JAN.2009,


(Cristina dos Santos)

(Teresa de Sousa)

(Coelho da Cunha)

(1) O PNSACV é uma área protegida de interesse nacional, criada pelo Decreto-Regulamentar nº 26/95, de 21 de Setembro, que procedeu à “reclassificação” da anterior Área de Paisagem Protegida do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (APPSACV), criada pelo Decreto-Lei nº 241/88, de 7 de Julho.
(2) Aprovado pelo Decreto Regulamentar nº33/95,de 11deDezembro (e alterado pelo Decreto Regulamentar nº 9/99, de 15/06)
(3) Residente na (...)
(4) Trata-se da denominada Lei de Bases das Áreas Protegidas, entretanto alterada pelos Decretos-Leis nºs 151/95, de 24 de Junho, 213/97, de 16 de Agosto, 227/98, de 17 de Julho, 221/2002, de 22 de Outubro, 117/2005, de 18 de Julho e 136/2007, de 27 de Abril.
(5) Preceito que dispõe; “Sem prejuízo dos restantes condicionalismos legais, carecem de autorização da comissão directiva do Parque Natural: (..) O licenciamento de obras de construção civil, designadamente novos edifícios, reconstrução, ampliação, alteração, demolição de edifícios, trabalhos que impliquem alterações da topografia local fora das áreas urbanas existentes definidas no presente Plano, dos perímetros urbanos delimitados nos planos municipais de ordenamento do território legalmente eficazes e das áreas de jurisdição portuária;”.
(6) Sobre a natureza do direito ao ambiente, cfr. Vasco Pereira da Silva, "Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente", Almedina, Coimbra, 2002, pp. 84 e seguintes.
(7) De salientar que já no artigo 8º, do Decreto-Lei nº 226/97, de 27 de Agosto, se dispunha no mesmo sentido; logo, tal parecer favorável do ICN é, pois, obrigatório desde a data de entrada em vigor daquele diploma (que foi posteriormente substituído pelo indicado Decreto-Lei nº 140/99, de 24 de Abril).
(8) Preceito que estabelece: “As autoridades administrativas no exercício dos seus poderes de vigilância, fiscalização ou inspecção podem determinar, dentro da sua área de actuação geográfica, o embargo de quaisquer construções em áreas de ocupação proibida ou condicionada em zonas de protecção estabelecidas por lei ou em contravenção à lei, aos regulamentos ou às condições de licenciamento ou autorização.”
(9) Cujo nº l, alínea c) dispõe; “Sem prejuízo das competências atribuídas por lei a outras entidades, o presidente da câmara municipal é competente para embargar obras de urbanização, de edificação ou de demolição, bem como quaisquer trabalhos de remodelação de terrenos, quando estejam a ser executadas (..) em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis. " (destaque nosso).”
(10) Em cumprimento do disposto no nº 3 do Despacho nº 24 999/2004 (2.a série), de 3 de Dezembro do (então) Sr. Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAOT); tal preceito estabelece: “Doravante, as comissões directivas dos parques nacionais, das reservas naturais e dos parques naturais providenciarão no sentido de que todos os factos geradores de invalidade que ocorram a partir desta data nomeadamente os cominados com a nulidade, nos termos do artigo 103° do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro (com as últimas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 310/2003, de 10 de Dezembro, que o republica em anexo), e do artigo 68° do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (com as últimas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n°177/2001, de 4 de Junho, que o republica em anexo), como são os casos de licenças ou autorizações de órgãos municipais ou outros que violem o plano de ordenamento da área protegida e, bem assim, de execução, no âmbito territorial daquele Plano, de operações urbanísticas e o ou de obras sem licença ou autorização legalmente exigida ou que não estejam em conformidade com licenças, autorizações ou pareceres emitidos nos termos da lei - sejam imediatamente objecto de auto de notícia, com conhecimento ao meu Gabinete e ao presidente do 1CN.”
(11) Em cumprimento do disposto no nº 4 do mencionado Despacho n° 24 999/2004;tal preceito estabelece: “Os factos inválidos referidos no número anterior, abrangidos pelo disposto no artigo 69º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, serão, também, imediatamente participados pelo presidente da comissão directiva da respectiva área protegida ao Ministério Público (MP) para os efeitos previstos naquele preceito legal, igualmente com conhecimento ao meu Gabinete e ao presidente do ICN.”.
(12) Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, págs. 303 a 305; Carlos Cadilha, Dicionário de contencioso administrativo, Almedina/2006, págs.586 a 588; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, págs. 391 a 392; em sentido distinto, Vasco Pereira da Silva, De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso administrativo, CJA nº 47, págs. 21 a 30.
(13) Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo – Comentado, 2ª ed. Almedina, págs. 126 e 747.
(14) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, pág. 392.
(15) Vieira de Andrade, A justiça administrativa (Lições), Almedina, 5ª edição, pág. 318.
(16) Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, pág. 629.
(17) Carlos Cadilha, Dicionário de contencioso administrativo, Almedina/2006, pág.545.
(18) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, pág.378.
(19) Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, Almedina, 2005, pág. 631/632.
(20) Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, págs. 381/382.