Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:08979/15
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/22/2015
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:FACTOS PROVADOS/FACTOS NÃO PROVADOS/NULIDADE DA CITAÇÃO/CITAÇÃO EM PESSOA DIVERSA DO CITANDO/FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I – A citação constitui em processo de execução fiscal o acto pelo qual se leva ao conhecimento do destinatário (citando) que contra si foi instaurada uma determinada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr. artigos 219.º do CPC e 35.º n.º 3 e 189.º do Código de Procedimento e de processo Tributário).

II – Tendo ficado provado que a citação dos executados foi realizada no seu domicílio fiscal e pela forma legalmente, destes e pela forma legalmente exigida, não existe razão para que, pelo menos com esse fundamento, essa citação seja julgada inválida.

III – A conclusão extraída em II não é infirmada pelo facto de a citação ser realizada em pessoa diversa do citando, ainda que situação esteja legalmente imposto o dever de a Administração Tributária emitir e enviar ao citando, no prazo de dois dias, uma carta comunicando-lhe a data e o modo por que o acto se considera realizado; o prazo para oferecimento da defesa; o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada (artigo 241.º do Código de Processo Civil).

IV – A contagem do prazo referido em III só pode iniciar-se a partir do momento em que é perceptível que a citação ocorreu em pessoa diversa do citando, o que, no caso de a mesma se realizar por carta registada com aviso de recepção, só ocorrerá com a devolução deste ao emitente.

V – O envio da carta referida em IV constitui mera diligência complementar e cautelar, o meio através do qual o legislador pretendeu afastar ao máximo as consequências processuais decorrentes do eventual incumprimento por terceiros do dever de comunicação ao citando do acto que lhe é destinado (e que não foi realizado na sua pessoa) e, consequentemente, assegurar que o citando, querendo, assuma a sua defesa no processo contra si instaurado.

VI - Não constituindo o envio da carta para além do ora do prazo dos dois dias fundamento de nulidade da citação (artigos 165.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 188.º do Código de Processo Civil) e não tendo o legislador determinado qualquer cominação específica para as situações em que o envio é efectuado fora do prazo de dois dias referido no artigo 233.º do CPC, esse envio fora daquele prazo só assumirá relevância se for alegado e demonstrado que do mesmo, na data em que foi realizado e com o conteúdo transmitido, resultou prejudicada a defesa do citado (artigo 191.º n.º 1 e 4 do Código de Processo Civil e artigo 165.º n.º 1 al. a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

VII – Não tendo os Recorrentes alegado que do envio da carta, cerca de cinco dias após a realização da citação, lhes adveio prejuízo para a sua defesa; tendo admitido que receberam a carta e estando provado que através daquela lhes foram realizadas todas as comunicações enunciadas no artigo 241.º do CPC, com excepção da identidade da pessoa em quem foi realizada a citação, é de julgar irrelevante a nulidade arguida se essa citação por terceiro ocorreu no domicílio fiscal dos executados em data e hora em que a executada (e representante fiscal do executado) se encontrava em casa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I- Relatório

Noélia ………………, por si e na qualidade de representante de António ……………………………., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou totalmente improcedente a reclamação por aqueles deduzida do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos, proferido a 30 de Abril de 2014 do no processo de execução fiscal nº ………………… (e apensos).

Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram os Recorrentes a motivação do mesmo que condensaram nas seguintes conclusões:

«1) A Recorrente apresentou em juízo uma Reclamação de atos de órgão de execução fiscal, que deu causa aos presentes autos;

2) Após realização do respetivo julgamento, foi proferida sentença, que terminou da seguinte forma: "... Termos em que se julga totalmente improcedente a reclamação deduzida, nos termos acima melhor descritos";

3) A Recorrente não concorda com tal decisão, e para tal recorre da mesma;

4) Na sentença de que se reclama foram dados como NÃO provados os seguintes factos: A entrega das citações na R. …………. 37 ……….. Foros …………….; A pessoa que assinou os avisos de recepção não se encontrava no domicílio em 1; E que a carta a que se refere o art.º 241º do CPC (na redação anterior) foi enviada não nos 2 dias seguintes à devolução;

5) Verifica-se que a citação, ou seja o chamamento dos executados à execução Não se verificou;

6) Disse-se, no articulado 11º da p. i.: determina-se no artigo 241º do aludido Código de Processo Civil que sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do nº 2 do artigo 236º do Código de Processo Civil, será enviada pela secretaria, no prazo de 2 dias, carta registada, ao citando, comunicando-lhe: A data e o modo em que o ato se considera realizado; O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações; O destino dado ao duplicado; A identidade da pessoa em que foi realizada;

7) Foi considerado que, por que a lei não determina a consequência, se tratava de mera irregularidade;

8) Entendemos que não, que o facto de a lei estabelecer o prazo de 2 dias (entenda-se 48 horas) o prazo é de caducidade, e não um prazo disciplinar;

9) O Estado é, desde o início, o estabelecimento de uma ordem, em termos de a segurança aparecer como seu principal (ou primeiro) objetivo;

10) O contrato social visa evitar, antes de mais, a predação do homem sobre o homem, a desordem, a opressão dos mais fracos, a injustiça. O que significa que visa a ordem, mas não qualquer ordem, mas sim uma ordem justa;

11) Dispõe o nº 3, do artigo 9º, do Código Civil que o intérprete presumirá na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;

12) Na feitura da redação do nº 2 do artigo 236º do CPC, só poderá ter o significado de que o prazo de 2 dias é de caducidade de ação, ou seja: o procedimento teria de reiniciar-se, sob pena de ilegalidade;

13) Invocou-se que o contribuinte António ………………… reside em Angola, onde exerce a sua atividade profissional, atualizou o seu domicílio fiscal em 2014.02.11, tendo nomeado representante fiscal, e, logo, a citação devia ter sido feita ao representante fiscal, e aqui se verifica uma nova nulidade insanável;

14) Ou seja a citação teria de ser feita, sempre no representante, enquanto representante;

15) É de concluir: que não se pode considerar afastada a relevância da falta por não ter sido alegado e provado que houve prejuízo, pois basta a possibilidade de ele ter ocorrido;

16) E, se o chamamento à execução, para a defesa [para poder deduzir oposição, pedir pagamento em prestações, fixação de garantia ou a sua dispensa], não se verificou, e fica bem claro que os direitos de defesa não foram disponibilizados;

17) Aqui a citação teria de ser pessoal [nº l do artigo 192º do CPPT], e não por mero postal ou por postal registado;

18) Verifica-se, que: O Sr. António …………………., teria de ser citado na pessoa da sua representante fiscal, mas enquanto representante; A Srª Noélia ………….., teria de ser citada na sua própria habitação, que se situa na Rua …………… 39; Que a citação mandada fazer nos termos do artigo 233º do Código de Processo Civil que determina na sua alínea b) que a citação será de fazer com a entrega ao citando de carta registada com aviso de receção; Não o foi porquanto a entrega, agora averiguada pelo mandatário judicial (e o processo de execução fiscal e sempre um processo judicial) foi feita na mesma R. …………., 37 que é a sede das empresas de que os agora executados são sócios, mas não trabalhadores; Que a pessoa que assinou o aviso de receção (verde) não trabalha no lugar do domicílio fiscal da executada, nem no seu local de trabalho; Que a pessoa que assinou (indevidamente) o aviso de receção o colocou na secretária da gerência das empresas (quando necessária a utilização para o exercício das funções de gerência), como se fosse correspondência do interesse das empresas; Que a arguente (Noélia ……………………) não se deslocou, nos últimos 15 dias de Março ao escritório das sociedades sita no nº 37, por motivo de ter sido operada em 2014.02.16, voltou a ser internada em 2014.02.28, tendo regressado a casa em 2014.03.01, mas encontrando-se em regime de convalescença, e Logo não foi citada;

19) Como das nulidades se reclama, assim o fez a agora recorrente mas o despacho, que parece ser de indeferimento, só por que foi notificado para a reclamação (recurso), por que, do despacho não se alcança o seu sentido, contrariamente à posição expressa na decisão;

20) A decisão tomada pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças não foi a de indeferimento, por ofensa ao disposto na alínea e) do artigo 123S do Código de Procedimento Administrativo, que exige: o conteúdo ou sentido da decisão;

21) O objeto do despacho deve estar determinado desde logo 'ab initio' e os seus efeitos devem estar inequivocamente determinados como nos diz o nº 1 do artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo;

22) A decisão do procedimento tributário, sendo um ato definidor da posição da AT perante os particulares, deve obedecer aos requisitos dos atos administrativos elencados no artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo;

23) As menções, por força do nº 2 do artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa de modo a que o particular possa determinar inequivocamente o sentido e alcance do ato e os seus efeitos jurídicos;

24) Trata-se, aliás, e como não podia deixar de ser, da concretização do princípio previsto no nº 3 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual está garantido aos administrados o direito à fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos;

25) Dando corpo a esta preocupação constitucional, a LGT no seu artigo 77º consagra o dever de fundamentação de todas as decisões procedimentais;

26) A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe conhecer as razões de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro;

27) Nestes termos, e conforme acima se veio alegando e demonstrando, deve a sentença recorrida ser revogada.

28) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.

Termos em que, pelos fundamentos acima mencionados e nos melhores de direito, deve a sentença recorrida ser revogada.»

A Fazenda Pública, notificada da admissão do recurso, contra-alegou defendendo, em conclusão, que:

«1. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente a reclamação, por da mesma discordar, alegando errada interpretação da lei - art° 233° do CPC (ex art° 241° do CPC), porquanto, uma vez dados como não provados os factos constantes do item "Factos não provados", não pode ter-se por notificados os reclamantes/recorrentes (no âmbito da execução fiscal …………………. e apensos).

2. No mais alega que a citação devia ter sido feita na pessoa do representante fiscal de António ……………….., o que não ocorreu por se ter verificado causa de caducidade do procedimento da citação, conforme o preceituado no art° 233° do CPC, uma vez que o ofício da citação foi remetido após o prazo de 2 dias úteis consagrado no referido preceito legal.

3. Porém, o Recorrente não demonstrou que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que não lhe foi imputável, como exige o art. 190°, n° 6, do CPPT, limitando-se a afirmar singela e conclusivamente e sem qualquer suporte probatório que se encontrava, nessa altura, a residir em Angola, tendo constituído representante legal em Portugal, e que, neste conspecto, a AT deveria ter procedido à citação do referido representante no seu domicílio fiscal.

4. Na falta desta prova, não se pode falar numa situação de falta de citação e, por isso, está afastada a possibilidade de enquadramento da situação na alínea a) do n.° 1 do art. 165° do CPPT (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, vol. Ill, 6.ª ed., 2011, p. 137, nota 2).

5. A falta de citação é distinta da nulidade de citação, ocorrendo a primeira quando se verificar uma situação enquadrável nas alíneas a) a d) do n° 1 do art. 195° do CPC e, para além disso, o respectivo destinatário alegar e demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que lhe não foi imputável (artigo 190°, n° 6, do CPPT); a nulidade da citação ocorre quando a citação tenha sido realizada, mas não tenham sido observadas as formalidades prescritas na lei (artigo 198°, n° 1, do CPC).

6. Só a falta de citação, e não também a nulidade de citação, é enquadrável na alínea a) do n.° 1 do artigo 165.° do CPPT e, por isso, só aquela pode constituir nulidade insanável do processo de execução fiscal quando possa prejudicar a defesa do interessado, a qual pode ser conhecida oficiosamente ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão final (n.° 4 do mesmo art. 165.° do CPPT).

7. Nos termos do disposto no art. 190°, n° 5, do CPPT, só ocorre falta de citação quando o respectivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto, por motivo que lhe não foi imputável.

8. Depois, preceitua o art. 198°, n° 4, do CPC (o art. 191°, n° 4, do actual CPC) que a arguição da nulidade da citação só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.

9. Ora, no caso vertente, a expedição da carta registada a que se refere o art. 241° do CPC (actualmente o art. 233°), não é considerada pela lei uma formalidade essencial, mas antes uma formalidade necessária que cumpre um dever de informação e garantia, pelo que a sua omissão cabe na previsão do art. 198° do CPC, constituindo uma diligência complementar e cautelar de garantia a citação do executado.

10. Porém, não fez o reclamante nos autos, a demonstração de não ter recebido a citação entregue a terceira pessoa, que não o seu representante fiscal em Portugal.

11. Por outro lado, também não oferece resistência o argumento invocado de que, tendo sido remetida a citação a que alude o art° 233° do CPC após os 2 dias úteis previstos na lei, não pode a mesma ter-se por concretizada.

12. Assim, a nulidade da citação só pode ser conhecida na sequência de arguição do interessado e, em regra, no prazo que tiver sido indicado para a dedução da oposição, sendo que o prazo legal para deduzir oposição é de 30 dias (art. 203.°, n.° 1 do CPPT).

13. Na falta desta prova, não se pode falar numa situação de falta de citação, mas tão só de mera irregularidade.

14. In concreto, nesta esteira, entre outros, os Ac. do TCASul, de 10/7/2014, no âmbito do Rec.07845/14; Ac. do TCANorte, de 29/1/2015, no âmbito do Rec.00321/13.2BECBR; Ac. do TCANorte, de 29/1/2015, no âmbito do Rec.00307/13.7BECBR, todos in www.dgsi.pt.

15. Pelo que, o assim decidido e que constitui o objecto do dissídio, não merece a censura que lhe vem dirigida, tendo interpretado correctamente o disposto no art. 233° do CPC (na redacção à data vigente).

16. Ora, da conjugação dos factos que resultam da matéria provada, conclusões da recorrente e disposições legais aplicáveis, conclui-se que a sentença não pode ser revogada, não havendo censura a fazer-lhe.

17. Donde, necessariamente se terá que manter inalterado o probatório fixado em 1a instância, e, bem assim, o direito aplicado.

Nestes termos deve o presente recurso ser julgado NÃO PROVIDO, e mantida a decisão proferida nos autos, por total ausência de vícios que se lhe apontem.

Com o que, V.Exas. farão a costumada JUSTIÇA!».

Recebidos os autos neste Tribunal Central, foi dada vista ao Ministério Público, tendo o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida.

Com dispensa dos vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos, atenta a natureza do processo, submete-se agora o mesmo para decisão à Conferência.

II - Objecto do Recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639°, n°1, do Código de Processo Civil) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635°, n°2, do Código de Processo Civil), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo artigo 635°). Por conseguinte, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do Recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento todo o exposto, conclui-se que o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- Errou o Tribunal a quo quando, perante os factos vertidos no probatório, especialmente face à factualidade aí vertida como “não provada”, concluiu pela validade da citação dos Recorrentes?

- E ao não ter concluído pela “caducidade do procedimento” por a carta enviada aos Recorrentes o ter sido após o decurso do prazo de 2 dias previsto no artigo 241.º do Código de Processo Civil?

- Errou-se ainda na sentença recorrida quando aí se julgou que o despacho de indeferimento - que constitui objecto desta reclamação - está devidamente fundamentado?

III - Fundamentação de Facto

O julgamento de facto realizado em 1ª instância encontra-se acolhido na sentença recorrida nos termos que infra se transcreve:

«Com interesse para a decisão da causa, com base nos documentos juntos aos autos e ao PEF, no depoimento da testemunha inquirida e na posição assumida pelas Partes, consideramos provados os seguintes factos:

A. António ………………. exerce funções na sociedade ……………, Angola Lda. desde 01.01.2010 – cf. fls. 9 (verso) a 17 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; cf. depoimento da testemunha inquirida;

B. Em 11.02.2014, António ………….. alterou a sua residência fiscal para Angola, tendo nomeado Noélia ………………, com domicílio na Rua …………, n.º 39, ……… Foros ………………, como sua representante fiscal em Portugal – cf. fls. 41 do PEF, que se dá por integralmente reproduzida;

C. Noélia …………….. foi submetida a uma intervenção cirúrgica em Fevereiro de 2014, tendo iniciado no início de Março de 2014 a sua convalescença no seu domicílio, sito na Rua …………., n.º 39, ……… Foros …………. – cf. depoimento da testemunha inquirida;

D. Em 10.03.2014, foi instaurado contra os Reclamantes o PEF n.º …………… e apensos, para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), no valor de € 246.134,35 – cf. fls. 1 a 3 do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;

E. Em 10.03.2014, no âmbito do PEF n.º …………….. e apensos, foi remetido pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos para a rua ……………, n.º 39, ……………. Foros …………., através de carta registada com aviso de receção, ofício de citação em nome de António ………………, o qual foi assinado em 19.03.2014 por pessoa diversa do citando – cf. fls. 4 e 5 do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;

F. Em 10.03.2014, no âmbito do PEF n.º …………………. e apensos, foi remetido pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos para a rua …….., n .º 39, ……….. Foros …….., através de carta registada com aviso de receção, ofício de citação em nome de Noélia ………………., o qual foi assinado em 18.03.2014 por pessoa diversa do citando – cf. fls. 6 e 7 do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;

G. Em 25.03.2014, o Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos remeteu para a rua …………, n.º 39, ………. Foros ………….., através de carta registada, o ofício n.º 1237, emitido em nome de António ……………., no qual, além do mais, consta o seguinte:

“(…)

Fica V. Exa. por este meio notificada nos termos do art. 241.º do Código de Processo Civil (CPC) que se considera citado, para os efeitos consignados nos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conjugados com os artigos 236.º e 238.º do CPC, de que contra V. Exa. corre termos neste Serviço de Finanças, os processos executivos abaixo discriminados:

    N.º PROCESSO
    NATUREZA DA DIVIDA
ANO
    QUANTIA (€)
……………IRS2011
    246.134,35

Podendo, querendo, no prazo de trinta dias a contar desta citação, deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.

Findo aquele prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento da quantia exequenda, juros de mora e custas do processo, ou obtida a suspensão da execução por algum dos meios previstos no art. 169.º do CPPT, a mesma prosseguirá os seus termos legais designadamente para penhora e/ou venda de bens mais diligências previstas no referido Código.

Todos os duplicados das citações se encontram disponíveis neste Serviço de Finanças.

O pagamento poderá ser efectuado em dinheiro, cheque ou multibanco.” – cf. fls. 8 do PEF, que se dá por integralmente reproduzida;

H. Em 25.03.2014, o Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos remeteu para a rua …………, n.º 39, 2120-192 Foros de Salvaterra, através de carta registada, o ofício n.º 1240, emitido em nome de Noélia ……….., no qual, além do mais, consta o seguinte:

“ (…)

Fica V. Exa. por este meio notificada nos termos do art. 241.º do Código de Processo Civil (CPC) que se considera citado, para os efeitos consignados nos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conjuga dos com os artigos 236.º e 238.º do CPC, de que contra V. Exa. corre termos neste Serviço de Finanças, os processos executivos abaixo discriminados:

    N.º PROCESSO
    NATUREZA DA DIVIDA
ANO
    QUANTIA (€)
    ………..
IRS2011
    246.134,35

Podendo, querendo, no prazo de trinta dias a contar desta citação, deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.

Findo aquele prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento da quantia exequenda, juros de mora e custas do processo, ou obtida a suspensão da execução por algum dos meios previstos no art. 169.º do CPPT, a mesma prosseguirá os seus termos legais designadamente para penhora e/ou venda de bens mais diligências previstas no referido Código.

Todos os duplicados das citações se encontram disponíveis neste Serviço de Finanças.

O pagamento poderá ser efectuado em dinheiro, cheque ou multibanco. (…) “ – cf. fls. 9 do PEF, que se dá por integralmente reproduzida;

I. Em 04.04.2014, os Reclamantes apresentaram requerimento junto do Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos, no qual, além do mais, consta o seguinte:

“ (…)

Concluindo,

a) Verifica-se a nulidade insanável nas citações pessoais feitas quer:

I) Ao Sr. António …………………..

II) Quer à srª Noélia ………………….

III) As certidões de dívida não têm o poder de exequibilidade;

b) Sem prescindir do item iii) acima, o processo de execução fiscal deverá ficar suspenso, por terem sido deduzidas reclamações graciosas, que já estão em fase de direito de audição;

(…)”cf. fls. 11 a 40 do PEF, que se dão por integralmente reproduzidas;

J. Em 30.04.2014, foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos relativamente ao requerimento apresentado pelos Reclamantes em 04.04.2014, no qual, além do mais, consta o seguinte:

O executado foi citado de todas as dívidas constantes dos presentes autos, desde 2014-03-19, tendo as mesmas sido realizadas de conformidade e em cumprimento das normas estabelecidas pelo art. 192 do CPPT.

Por sua vez o art. 169º nº 1 do mesmo diploma determina que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195º ou prestada nos termos do art. 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do a crescido.

Prevê ainda o nº 7 do mesmo artigo que, caso não seja apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, proceder-se-á de imediato à penhora.

Quanto à dispensa de garantia depende esta, em conformidade com o estabelecido no art. 52º nºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (LGT) e o art. 169º do CPPT da existência dos seguintes pressupostos:

Que a mesma cause prejuízo irreparável ao executado;

Que a sua prestação seja a causa de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.

Caso se verifique ainda algum destes pressupostos torna-se ainda necessário que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.

Tendo o executado bens próprios para garantia da dívida nos termos supra referidos e uma vez ultrapassados os prazos estabelecidos no art. 169 nº 7 do CPPT, prossigam os autos para penhora de bens suficientes para garantia da dívida, tendo em conta o valor determinado no art. 199º nº7.

Notifique-se.” – cf. fls. 44 do PEF, que se dá por integralmente reproduzida;

K. Em 15.05.2014, a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos – cf. carimbo aposto a fls. 3 dos autos;

Factos não provados

Não ficaram provados os restantes factos alegados nos articulados apresentados, com destaque para os seguintes:

1. A entrega dos ofícios de citação dos Reclamantes para efeitos do PEF n.º ………………. e apensos foi realizada na Rua ……………, n.º 37, ………… Foros …………….. – do depoimento da testemunha inquirida e dos documentos que constam dos autos e do PEF não se pode considerar como provado este facto alegado no subponto iv) do ponto 12.º da petição inicial;

2. A pessoa que assinou o aviso de receção não se encontrava no lugar do domicílio da Reclamante Noélia ………………….. – do depoimento da testemunha inquirida e dos documentos que constam dos autos e do PEF não se pode considerar como provado este facto alegado no subponto v) do ponto 12.º da petição inicial;

3. A pessoa que assinou o aviso de receção colocou o mesmo na secretária da gerência das empresas – do depoimento da testemunha inquirida e dos documentos que constam dos autos e do PEF não se pode considerar como provado este facto alegado no subponto vi) do ponto 12.º da petição inicial.

Motivação da decisão de facto

A decisão da matéria de facto foi realizada com base na análise das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos e do PEF constam, assim como do depoimento da testemunha inquirida, tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos do “probatório”».

IV - Fundamentação de Direito

Como se colhe claramente da petição inicial, a interposição da presente reclamação judicial nasce do inconformismo dos Recorrentes (então Reclamantes), com o despacho de indeferimento do pedido de reconhecimento de nulidade da sua citação.

Em seu entender, e segundo a posição então assumida naquele articulado inicial, o despacho reclamado deveria ser anulado por a citação dos Reclamantes padecer de nulidade, por preterição de formalidades legais, serem inexequíveis as certidões de dívida e o despacho de indeferimento não estar fundamentado.

O Tribunal a quoapós ter apreciado a questão prévia de inexistência de prejuízo irreparável suscitada pela Fazenda Pública e ter julgado verificado, na situação concreta, pelas razões de facto e direito que aí adiantou, aquele prejuízo, assim declarando justificada a subida imediata da reclamação - apreciou de per si cada um dos fundamentos invocados para sustentar a anulação peticionada, tendo, relativamente a todos, concluído pela sua improcedência.

Dissentindo do julgado, vem os Recorrentes neste recurso pedir a revogação do sentido da decisão, começando por alegar, como já deixámos explicitado na delimitação deste recurso efectuada no ponto II supra, que o Tribunal não podia ter declarado a regularidade da citação, antes devia ter julgada verificada a sua nulidade.

Em ordem a sustentar a revogação, nesta parte, do decidido, adiantam os Recorrentes (se bem entendemos o alegado, já que, salvo o devido respeito, não prima pela clareza, nem nesta parte do recurso nem no que se reporta aos demais fundamentos invocados) duas ordens de razões: (i) dos factos não provados resulta que os Recorrentes não foram citados; (ii) dos factos provados resulta que o cumprimento da formalidade prescrita pelo artigo 241.º do Código de Processo Civil foi observado depois de decorrido o prazo ali determinado (2 dias).

Diga-se, desde já, que é manifesto que não lhes assiste razão.

Senão, vejamos.

Os Recorrentes na sua petição inicial sustentaram a nulidade da sua citação por a mesma, alegadamente, ter sido realizada numa morada que não corresponde ao seu domicílio fiscal (no caso do Recorrente António por não ter sido citado no domicílio da sua representante legal) e as exigências impostas pelo artigo 241.º do CPC terem sido cumpridas para além do prazo de dois dias ali prescritos.

Concretizando essa alegação, adiantaram que o domicílio fiscal da Recorrente Noélia - também representante fiscal do Recorrente - era a Rua …………, n.º 39, ……….. Foros ………. e que as citações, bem como a posterior carta enviada com fundamento em aquela ter sido realizada em pessoa diversa do citando, foram realizadas para a Rua ………., n.º 37, ……. Foros ……… que é a sede das empresas em que os então Recorrentes são sócios não trabalhadores.

Quanto às cartas enviadas aos citandos - comunicando-lhes a data e modo como a citação se tinha realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em que a citação tinha sido realizada – que as mesmas só foram enviadas a 26 de Março de 2014, isto é, muito tempo após a assinatura do aviso de recepção da citação que ocorreu a 18-3-2014.

Ora, como se constata dos factos provados, o que o Tribunal a quo apurou foi exactamente o contrário do alegado na petição inicial.

Assim, e quanto ao local de realização da citação, ficou provado que - após ter sido instaurado contra os Recorrentes processo de execução fiscal (n.º ……………. e apensos), para cobrança coerciva de dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), no valor de € 246.134,35, e tendo em consideração a alteração do domicílio fiscal realizada pelo Recorrente António e a nomeação da Recorrente Noélia, com domicílio fiscal na Rua …………….., n.º 39, ……… Foros ……….., como sua representante fiscal em Portugal -, foram remetidos, a 10-3-2014, pelo Serviço de Finanças de Salvaterra de Magos para aquela concreta morada (Rua ………, n.º 39, ……… Foros …………), através de carta registada com aviso de recepção, dois ofícios de citação em nome de cada um dos então executados, recebidos (assinados) a 18-3-2014 e 19-3-2014 (cfr. alíneas do ponto III supra).

Não pode, pois, face a esta materialidade que se teve por provada e que não se encontra posta em causa neste recurso, subsistir qualquer dúvida quanto a ambos os executados terem sido citados, pessoalmente, nos domicílios fiscais em que deveriam ser citados, sendo que, no caso do Recorrente António, na morada da sua representante fiscal.

É, pois, por esta razão, que julgámos infundada a insistência dos Recorrentes quanto ao local em que foram efectivamente citados e irrelevante que o Tribunal a quo tenha dado como “Não provado” que os Recorrentes não foram citados na Rua …………. n.º 39, materialidade fáctica em que os Recorrentes sustentam a sua “não notificação”.

Deixemos mais uma vez expresso o que repetidamente temos afirmado nos nossos acórdãos: o dar-se como não provado um facto não traduz que esse facto se não verificou mas, sim, que o Tribunal não sabe se esse facto se verificou ou não.

Daí que, no caso concreto, era absolutamente irrelevante dar-se como “não provada” a citação na rua …………. n.º 39 já que o Tribunal tinha, sem margem para dúvidas, apurado que essa mesma citação tinha ocorrido na …………. Avelar n.º 37.

Porém, como se vê da fundamentação aduzida pelo Tribunal a quo aquando da apreciação e decisão da questão da nulidade da citação [“Diga-se que não ficou provado nos presentes autos que a entrega dos ofícios de citação dos Reclamantes para efeitos do PEF n.º ……………….. e apensos foi realizada na Rua ……….., n.º 37…….. Foros ……….., que a pessoa que assinou os avisos de receção não se encontrava no domicílio da Reclamante Noélia ……………….. e que colocou os mesmos “na secretária da gerência das empresas” (cf. pontos 1., 2. e 3. dos factos não provados, para cuja fundamentação se remete e aqui se dá por integralmente reproduzida)”], ao dar como “não provado” a citação na Rua ………….. n.º 39 pretendia que disso fosse extraído o entendimento de que se provara que não foram os Recorrentes citados na Rua ……………. n.º 39.

Seja como for, e sem prejuízo do erro da técnica jurídica utilizada, o certo é que está provado, sem que seja admitida discussão, que o local de citação dos Recorrentes corresponde ao seu domicílio fiscal e foi realizada pela forma correcta (carta registada com aviso de recepção, devidamente assinado naquela morada) pelo que, nenhum reparo há, pois, a fazer, nesta parte ao julgado e, consequentemente, sendo de indeferir a pretensão revogatória que com este fundamento foi formulada.

4.2. Tal como nenhuma censura nos merece, contrariamente ao entendimento perfilhado pelos Recorrentes, a leitura dos factos e a aplicação do direito que foi realizada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria a propósito do alegado excessivo prazo de cumprimento das formalidades inscritas no “artigo 241.º do Código de Processo Civil.

Antes, porém, de nos pronunciarmos concretamente sobre os factos e o direito pertinentes na apreciação desta questão recursória, importa chamar a atenção de que, seguramente por lapso, quer os Recorrentes, quer a Fazenda Pública, fazem sempre referência ao artigo 241.º do Código de Processo Civil quando, salvo o devido respeito, considerando as datas de realização das diligências em causa, ser o actual artigo 233.º do mesmo diploma legal que regulamenta a situação, o que, bem, foi implicitamente registado pelo Tribunal a quo que aplicou na decisão os preceitos na sua redacção actual.

Note-se que o Código de Processo Civil, na sua actual redacção, entrou em vigor em Setembro de 2013, data bem anterior a qualquer uma das diligências cuja regularidade ou relevância estamos a verificar, sendo, no entanto, indiscutível que no caso concreto aquele lapso em nada contende nem com os direitos de defesa nem com o decidido por no citado artigo 233.º (e nos preceitos conexionados) ter sido integralmente mantida a disciplina antes constante do artigo 241.º do referido diploma processual.

Feita esta breve correcção, explicitemos, então, porque entendemos ser de manter integralmente a decisão recorrida nesta parte.

Nesse sentido, comecemos por recordar os factos relevantes: a Administração Tributária, devolvidos os avisos de recepção que acompanharam os ofícios de citação, e constatando que os mesmos se encontravam assinados por pessoa com identidade diversa dos citandos, emitiu e enviou a cada um dos Recorrentes, que a receberam (nos termos e com as precisões supra referidas no que concerne ao recorrente António) uma carta com o seguinte teor:

«(…)

Fica V. Exa. por este meio notificada nos termos do art. 241.º do Código de Processo Civil (CPC) que se considera citado, para os efeitos consignados nos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), conjugados com os artigos 236.º e 238.º do CPC, de que contra V. Exa. corre termos neste Serviço de Finanças, os processos executivos abaixo discriminados:
    N.º PROCESSO
    NATUREZA DA DIVIDA
    ANO
    QUANTIA (€)
…………………IRS2011
    246.134,35

Podendo, querendo, no prazo de trinta dias a contar desta citação, deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.

Findo aquele prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento da quantia exequenda, juros de mora e custas do processo, ou obtida a suspensão da execução por algum dos meios previstos no art. 169.º do CPPT, a mesma prosseguirá os seus termos legais designadamente para penhora e/ou venda de bens mais diligências previstas no referido Código.

Todos os duplicados das citações se encontram disponíveis neste Serviço de Finanças.

O pagamento poderá ser efectuado em dinheiro, cheque ou multibanco. (…)” (cf. pontos G. e H. dos factos provados).

Considerando que os ofícios de citação foram recepcionados a 18 e 19 de Março de 20014 e as referidas cartas enviadas a 25 de Março do mesmo ano, concluem, de forma concordante, os Recorrentes e o Tribunal a quo, que o prazo de dois dias mencionado no artigo 233.º do CPC foi ultrapassado, discordando apenas quanto à relevância ou irrelevância dessa “ultrapassagem”.

Diga-se, desde já, que dos elementos constantes dos autos, mormente da factualidade apurada, não pode concluir-se que a carta para cumprimento do preceituado no artigo 233.º do CPC tenha sido enviada “fora de prazo”.

Na verdade, do determinado no artigo 233.º do CPC - para o que ora releva, que “Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe:- tem que concluir-se que o prazo de dois dias aí fixado se deve contar do momento em que foi verificado (ou podia ser verificado) que a citação ocorreu em pessoa diversa do citando.

Ora, essa verificação ou possibilidade de verificação só pode ocorrer a partir do momento em que o aviso de recepção dá de novo entrada nos serviços da entidade emitente o que, num juízo ou critério de normalidade nunca poderá ocorrer no mesmo dia em que a citação se realizou ou, se preferirmos, a partir da data de assinatura do aviso de recepção.

Daí que, um qualquer juízo de “extemporaneidade” do envio da referida carta assente numa contagem do prazo a partir dessas mesmas datas, como pretendido pelos Recorrentes e implicitamente aceite pelo Tribunal a quo estaria sempre votado ao fracasso.

Porém, no caso concreto, face aos demais factos apurados, nem sequer essa contagem rigorosa ou o apuramento da data concreta em que deu entrada o aviso de recepção nos Serviços da Administração Tributária se mostra necessária.

Efectivamente, como a doutrina vem ensinando (à luz de preceitos com redacção em tudo similares e mesmo à luz da actual redacção), e é hoje pacificamente aceite, a diligência ou formalidade prevista no artigo 233.º do CPC é “uma “diligência complementar e cautelar” visa “evitar as consequências processuais da revelia, constituindo uma manifestação evidente da persistente preocupação do legislador em assegurar pelos meios possíveis, o efectivo conhecimento por parte do Réu da existência de um processo contra si interposto, para que este possa assumir, se assim entender, a sua defesa.”. (1)

Em suma, constituindo a citação em processo de execução fiscal o acto pelo qual se leva ao conhecimento do destinatário (citando) que contra si foi instaurada uma determinada acção, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender (cfr. artigos 219.º do CPC e 35.º n.º 3 e 189.º do Código de Procedimento e de processo Tributário), a constatação de que esse importante acto, ainda que cumprido nos termos e para forma legalmente exigida, foi realizado na pessoa de terceiro - que pode, eventualmente, pelas mais diversas razões, não cumprir o dever legal que sobre si impende, e que expressamente assume, de comunicar ao citando o acto praticado na sua pessoadeterminou que o legislador, procurando evitar ao máximo qualquer hipótese de desconhecimento (e defesa) impusesse o envio de uma carta com um conjunto de comunicações alusivas ou explicitadoras da forma e termos porque havia já sido realizada a citação.

Ora, no caso concreto os Recorrentes nunca questionaram que a carta lhes foi remetida. Tudo quanto questionam é a data do envio e o seu conteúdo pretendendo daí extrair a conclusão de nulidade de citação.

Sem razão.

Na realidade, não constituindo a factualidade alegada e provada, em caso algum, qualquer uma das situações em que a lei determina que se deva entender que há falta de citação (artigos 165.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 188.º do Código de Processo Civil) e não tendo igualmente o legislador determinado qualquer cominação específica para as situações em que o envio da carta é efectuado fora do prazo de dois dias referido no artigo 233.º do CPC, a decisão da questão só pode ser tomada à luz do regime geral das nulidades da citação.

Foi, de resto, nesse sentido que avançou o Tribunal a quo quando, chamando à colação o artigo 191.º do CPC que determina que a não observância das formalidades prescritas na lei, na realização da citação, a ferem de nulidade, mas que a respectiva arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado ( cf. n.º1 e 4).

Em sentido paralelo - embora para efeitos da falta de citação - também o legislador processual tributário deixou firme idêntico entendimento ao estabelecer que a falta de citação só constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal quando possa prejudicar a defesa do interessado (artigo 165.º n.º 1 al. a) do CPPT).

Subjacente a este normativo (e aos demais que sob o mesmo espírito e contextos são consagrados em qualquer diploma) está o princípio e a preocupação – que estão sempre presente na construção e interpretação de um ordenamento jurídico num Estado de Direito Democrático -, que tão importante quanto a consagração de meios e direitos de defesa é a consagração de regimes que visem assegurar que esses meios e direitos, estabelecidos com esses concretos objectivos de uma efectiva defesa, não sejam utilizados com finalidades puramente formais ou dilatórias. Em suma, que a forma como se utilizam as exigências legais, sobretudo as não essenciais, não constitua em si um meio de desvirtuar e frustrar os próprios objectivos, valores e princípios que através da sua consagração se visaram alcançar.

Importante, é, pois, no caso concreto, saber se os Recorrentes, então citandos, se viram prejudicados pelo alegado envio “extemporâneo” da carta ou pelo conteúdo (ou omissão de conteúdo) das comunicações realizadas.

A este propósito saliente-se desde já o seguinte: em nenhum artigo da petição inicial os Recorrentes alegaram que desse ultrapassar do prazo de dois dias resultou qualquer prejuízo para a sua defesa.

Não o tendo feito, e como se disse na sentença recorrida, não se vislumbrando também, perante o caso concreto, que o não cumprimento desse concreto formalismo de envio no prazo de dois dias (sobre cuja verificação, como dissemos já, temos dúvidas por em nosso entender os autos não facultarem elementos suficientes) tenha resultado prejudicada a defesa dos Recorrentes (note-se que se provou que a citação de ambos ocorreu no domicílio da Recorrente, estando ela em casa em convalescença de uma gripe) tem de se concluir pela falência da pretensão que neste concreto fundamento se ancorou.

No que respeita às alegadas omissões no conteúdo da comunicação realizada nos termos e em cumprimento do artigo 233.º do CPC, importa começar por salientar que é falsa a alegação de que não foram comunicados aos citandos os as als. a) e b) do artigo 233.º do CPC, pois, como resulta do probatório, mais concretamente das alienas G) e H), foram claramente comunicadas na carta enviada e recebida, além do mais, a data a partir do qual se deveriam considerar citados e o prazo para o oferecimento da defesa (tenha-se, ainda, em atenção que o CPPT não prevê qualquer cominação específica para a falta de apresentação de oposição).

Quanto à alegada “não identificação” da pessoa que recebeu a citação, para além de ser irrelevante, por ser ostensivo face à demais factualidade apurada que em nada prejudicou a sua defesa, não podemos deixar de consignar que esta invocação está no limite do aceitável, mesmo para quem, como nós, defende a maximização dos direitos de defesa das partes.

Na verdade, estando provado que a citação ocorreu no domicílio fiscal e pessoal da Recorrente e que a mesma nessa data se encontrava e casa em convalescença de doença não incapacitante, e nunca tendo os Recorrentes invocado qualquer ocorrência anómala no interior da sua habitação relacionada com este recebimento, tem que presumir-se que a pessoa que assinou o aviso de recepção será conhecida, pelo menos, da Recorrente. Ou, se preferirmos, é forçoso concluir-se que a Recorrente (e representante fiscal do Recorrente) bem sabe a identidade de quem recebeu o ofício de citação e, consequentemente, que essa omissão, que registamos como verdadeira em termos de comunicação, efectivamente lhe não causou, nem podia causar, atentas as circunstâncias definidas, prejuízo para a sua defesa.

São pois, assim, totalmente descabidas as alegadas “caducidade do procedimento de citação” e a exigência de “reabertura de novo procedimento” em que culmina a pretensão dos Recorrentes nesta parte e, consequentemente, deve ser julgado, com os fundamentos expostos, o recurso jurisdicional que nos fundamentos apreciados assentou.

4.3. Enfrentemos, agora, a última das questões colocadas neste recurso e que se prende com a alegada falta de fundamentação do despacho de indeferimento das nulidades arguidas.

Na petição inicial, como se constata da leitura deste articulado, tudo quanto os Recorrentes alegaram foi que:

«30.º

Como das nulidades se reclama, assim o fez a agora recorrente mas o despacho, que parece ser de indeferimento, só porque se foi notificado para a reclamação (recurso) por que, do despacho não se alcança o seu sentido.

31.º

Assim, a decisão tomada pelo Sr. Chefe do Serviço de Finanças não foi a de indeferimento, por ofensa ao disposto na alínea e), do artigo 123º, do Código de Procedimento Administrativo, que exige: o conteúdo ou sentido da decisão.

32º

O objeto do despacho deve estar determinado desde logo 'ab initio' e os seus efeitos devem estar inequivocamente determinados como nos diz o nº 1 do artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo.

33º

A decisão do procedimento tributário, sendo um ato definidor da posição da AT perante os particulares, deve obedecer aos requisitos dos atos administrativos elencados no artigo 123º do Código de Procedimento Administrativo.

34º 8

E, as menções, por força do 2, do artigo 123º, do Código de Procedimento Administrativo devem ser enunciadas de forma clara, precisa e completa de modo a que o particular possa determinar inequivocamente o sentido e alcance do ato e os seus efeitos jurídicos.

35º

Trata-se, aliás, e como não podia deixar de ser, da concretização do princípio previsto no nº 3, do artigo 268º, da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual está garantido aos administrados o direito à fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

36º

Dando corpo a esta preocupação constitucional, a LGT no seu artigo 772, consagra o dever de fundamentação de todas as decisões procedimentais.

37º

A fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe conhecer as razões de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.

Termos em que, pelos fundamentos acima aduzidos, que:
(…) O despacho de que se reclama, não definiu o sentido e alcance da decisão;
(…)
Sem prescindir do item acima, o processo de execução fiscal deverá ficar suspenso, por terem sido deduzidas reclamações graciosas, que já estão em fase de direito de audição»-

Perante esse discurso, e embora confessando a dificuldade do Tribunal, face aos termos em que o mesmo se encontrava redigido para o apreender de forma clara, decidiu o Tribunal (como se mostra implícito na sua pronúncia) apreciar o alegado em todas as vertentes possíveis de interpretação: na perspectiva da suspensão da execução por causa da reclamação graciosa deduzida, fazendo notar que sem a prestação de garantia ou apresentação de um requerimento solicitando asua dispensa, ambos os factos não comprovados nos autos, a pretensão de suspensão do processo de execução fiscal carecia de sentido, apoiando-se juridicamente no disposto no artigo 169.º e 195.º do CPPT e 52.º n.º 4 da LGT; na vertente de falta de fundamentação decidindo que, contrariamente ao alegado, o despacho de indeferimento estava devidamente fundamentado e expressamente se tinha pronunciado quanto ao pedido de suspensão.

Os ora Recorrentes não se conformam com a decisão na parte em que julgou devidamente fundamentado o despacho de indeferimento da sua reclamação.

Mas, mais uma vez, sem razão.

Na realidade, sendo hoje indiscutível, designadamente face ao disposto nos artigos 56.º n.º 1 e 77.º da LGT e 268.º da CRP, que a Administração está obrigada a pronunciar-se de forma fundamentada sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, isto é, está obrigada a responder e/ou decidir os pedidos ou requerimentos que lhe sejam apresentado e ao fazê-lo adiantar as razões de facto e direito, no mínimo decisivas, em que sustenta a sua pronuncia e decisão, não se descortina como podia o Tribunal a quo, face ao que apurou, julgar como não fundamentado o despacho por o mesmo não se ter pronunciado sobre o alegado pedido de suspensão.

Efectivamente, constando do despacho reclamado (designadamente) que “Por sua vez o art. 169º nº 1 do mesmo diploma determina que a execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do art. 195º ou prestada nos termos do art. 199º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido//Prevê ainda o nº 7 do mesmo artigo que, caso não seja apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, proceder-se-á de imediato à penhora.//Quanto à dispensa de garantia depende esta, em conformidade com o estabelecido no art. 52º nºs 1 e 4 da Lei Geral Tributária (LGT) e o art. 169º do CPPT da existência dos seguintes pressupostos://Que a mesma cause prejuízo irreparável ao executado;//Que a sua prestação seja a causa de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.//Caso se verifique ainda algum destes pressupostos torna-se ainda necessário que o executado não seja responsável pela situação de insuficiência ou inexistência de bens.//Tendo o executado bens próprios para garantia da dívida nos termos supra referidos e uma vez ultrapassados os prazos estabelecidos no art. 169 nº 7 do CPPT, prossigam os autos para penhora de bens suficientes para garantia da dívida, tendo em conta o valor determinado no art. 199º nº.” só podemos concluir, como na sentença se concluiu, que nele foram explanadas as principais razões de facto e direito que determinaram o sentido da decisão e que essas e o sentido da decisão foi claramente apreendido pelos Recorrentes como o revela a defesa que esgrimiram nestes autos.

E, sendo assim, improcede, também nesta parte o recurso interposto.

V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar integralmente procedência ao presente recurso jurisdicional.

Custas pela Recorrente.

Notifique e registe.

Lisboa, 22 de Outubro de 2015

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]

(1) Cfr., por ordem de transcrição, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pág. 648 e Abrantes Geraldes, Temas Judiciários: Citações e Notificações em Processo Civil. Custas Judiciais e Multas Cíveis, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1998.