Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05788/09
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:09/15/2011
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:FORMULAÇÃO ILEGAL DE PEDIDO GENÉRICO - SANAÇÃO
Sumário:1. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor. Deve ser expresso, inteligível ou compreensível, preciso ou não ambíguo, compatível com a causa de pedir ou com outros pedidos cumulados, e lícito.
2. O desrespeito pelo art. 471º CPC (a formulação ilegal de pedido genérico) é uma excepção dilatória atípica, sanável ao abrigo dos arts. 265º-2, 288º-3 e 3º-3 ex vi art. 508º1--a) do CPC e que pode ser conhecida/declarada até à sentença.
3. Pelo que há lugar ao despacho pré-saneador, de convite a suprir irregularidade no pedido, nos termos dos arts. 508º-1-a e 265º-2 CPC, sob pena de nulidade processual (arts. 201º, 203º-1, 205º e 206º CPC)
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:S.Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A..., com os sinais dos autos, apresentou A.A.C. contra

ESCOLA SUPERIOR DE TECNOLOGIA E GESTÃO DE PORTALEGRE, com os sinais dos autos,

Pedindo:

deve, por sentença, condenar-se o demandado: a) pagar o valor de 30% sobre o índice 150; b) pagar o valor das diferenças, já vencidas e vincendas; c) juros à taxa legal sobre os valores vencidos e vincendos.

Após os articulados, por despacho saneador (arts. 787º e 510º-1-b CPC) daquele tribunal, foi decidido julgar a p.i. inepta (e não inapta) e absolver a ré da instância.

Inconformado, vem A... recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1. Na petição inicial constam todos os elementos factuais da causa de pedir e do respectivo pedido;

2. Na mesma peça foi requerido que o Tribunal ordenasse à recorrida que juntasse aos autos documentos para com segurança se formarem as diferenças reclamadas;

3. Despacho que não terá sido proferido, o que corresponde a omissão de pronúncia, artigo 668°, 1, d) do C.P.C.

4. Entendendo-se no pré-saneador que existia deficiência, omissão ou irregularidades, devia e podia ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento e não de absolvição da instância em manifesta a violação do artigo 88°, 89°, 1) a do C.P.T.A. e artigos 265°, 265-A do C.P.C.

O recorrido apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, concluindo:

Nos termos das disposições concertadas dos arts. 193°, n? 2,288°, n° 1, b), 471°, n° 1, "a contrario", 493°, nº 2 e 494°, n° 1, b), todos do Código do Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no art. 1°, "in fine" do CPTA, que a douta sentença recorrida respeitou, deve ser mantida nos seus precisos termos.

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA).

*

Colhidos os vistos nos termos legais, importa agora em conferência apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO NA 1ª INSTÂNCIA

O demandante, foi admitido ao serviço da Escola Superior de Tecnologia de Tomar, como se constata na acta do Conselho Científico de 9/11/1989, doc. 1.

O contrato foi renovado com o demandado em 31/08/2007, em renovação do celebrado em 9/11/1989, doc. 2.

Foi-lhe atribuída a categoria de equiparação a assistente do 2º triénio, cfr. Docs. 1 e 2.

Actualmente, aufere a remuneração de2.336,97€1mês, o que corresponde ao 3 ° escalão, índice 150 do estatuto remuneratório do pessoal docente do Ensino Superior Politécnico para a categoria atribuída, cfr. doc. 2.

Foi publicado no D.R.2ª Serie, n° 207, de 26/10, página 31041, na coluna da esquerda, o despacho referente ao contrato, doc. 3.

Entretanto, foi efectuado um Protocolo entre o Instituto Politécnico de Tomar e o Instituto Politécnico de Portalegre, para a colaboração numa perspectiva de cooperação e aproveitamento das sinergias entre ambas as instituições, doc. 4.

Emergente do mencionado Protocolo, o demandante passou a exercer funções docentes em regime de acumulação na Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre do Instituto Politécnico de Portalegre - cfr. doc. 4.

O período de acumulação corresponde a uma percentagem da remuneração mensal, desde o ano lectivo de 1998/1999, o que corresponde a 701,09€/mês (2.336,97€ x 30%).

Porém, o demandado tem pago ao demandante a percentagem de 30% sobre o escalão 1, índice 135.

10º

O demandante tem vindo ao longo do tempo a reclamar ao demandado o pagamento do valor pelo escalão 3, índice 150.

11 °

Neste âmbito, apresentou requerimento ao demandado, requerendo o pagamento pelo índice 150 e as respectivas diferenças, entre outros, docs. 5 c 6.

12º

Nestes documentos, os Serviços do demandado em manuscrito, informa o Presidente do Instituto que deve ser pago ao demandante o valor pelo escalão 3, índice 150 e os respectivos retroactivos.

13°

Informação, da Repartição dos Recursos Humanos, para o Presidente do I.P.P., informa-­se que o demandante tem direito a ser remunerado pelo 3º escalão, índice 150, em termos de percentagem do 30% a que está equiparado - cfr. doc. 6.

13º

Apesar das informações dos Serviços supra mencionados, o Conselho Directivo da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre, não tem decidido e ordenado o pagamento das diferenças entre os dois índices a que tem direito e pelo qual recebe pelo Instituto Politécnico de Tomar.

14º

Mais recentemente, o demandante oficiou, de novo, ao demandado a reclamar o processamento da parte dos 30%, doc. 7.

15°

Ainda, em 1/2/08, requereu certidão do protocolo celebrado entre o Instituto Politécnico de Tomar ao ora demandado, doc. 8.

16°

Documento que foi enviado em 18/02/2008, doc. 9, a que se refer o doc. 4.

DO PEDIDO

17º

O demandante reclama do demandado as diferenças salariais entre o índice 150 e 135 desde Setembro de 1998.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), apenas podendo incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal ad quem com questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) novas ou cobertas por caso julgado – v. arts. 684º-3-4, 716º e 668º-1-d do CPC.

1º)

Omissão de pronúncia

Diz a recorrente que a Sentença Recorrida é nula, porque não ordenou à recorrida que juntasse aos autos documentos para com segurança se formarem as diferenças reclamadas no pedido.

A omissão de pronúncia, causadora da nulidade da sentença, significa a ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias, problemas concretos ou questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal (v. Acs.: do TCA-Sul de 30-6-11, Pr. nº 06515/10; do STA de 13-7-11, Pr. nº 0937/10; do STA de 2-2-11, Pr. nº 016/11).

Se bem compreendemos os articulados e a sentença, apesar de o Português e a organização respectiva não serem os melhores, o tribunal a quo considerou que o pedido feito foi ilegalmente genérico, o que, contra a tese do Ac. do STJ de 16-12-92, in CJ, V, p. 24, o tribunal a quo equiparou à falta ou ininteligibilidade (incompreensibilidade) do pedido (como entendiam em sede de despacho liminar: A. DE CASTRO, PCD, II, p. 250; e MANUEL SALVADOR, in Revis. dos Trib., ano 88º, p. 51, 54, 55 e 61(1)), o que assim consubstanciaria ineptidão da petição inicial geradora de nulidade de todo o processo, que constituiria excepção dilatória e importaria a absolvição da instância da ré (art°s. 193º, nº 2, a), 288, nº 1, b), 494°, nº 1, b) e 493°, n°2, respectivamente, ambos os preceitos do C.P.C., aplicável ex vi art°. 1°, do C.P.T.A).(2)

O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (cfr. art. 498º-3 CPC; ANTÓNIO GERALDES, Temas…, 1997, p. 105 ss; A.VARELA, Manual…, 2ª ed., p. 245). Deve ser expresso, inteligível ou compreensível, preciso ou não ambíguo, compatível com a causa de pedir ou com outros pedidos cumulados, e lícito. Pode ser genérico (sobre este, v. art. 471º CPC(3): carece de liquidação posterior, é indeterminado no seu quantum, mas pode ser determinado por liquidação, inventário, prestação de contas, etc. – v. MANUEL SALVADOR, cit. por ANTÓNIO GERALDES, in Temas…, 1997, p. 149; e A. DOS REIS, Comentário…, III, p. 174).

O desrespeito pelo art. 471º CPC (a formulação ilegal de pedido genérico) é uma excepção dilatória atípica, sanável ao abrigo dos arts. 265º-2, 288º-3 e 3º-3 ex vi art. 508º1--a) do CPC e que pode ser conhecida/declarada até à sentença (assim: ANTÓNIO GERALDES, Temas…, I, 1997, p. 152 a 158, e II, 1997, p. 75).(4)

Mas, a agora invocada omissão de instrução não tem, logicamente, nada a ver com a natureza genérica ou a natureza liquidada do pedido. Tal obtenção de documentos não alteraria, legal, natural e logicamente, o conteúdo expresso do pedido expresso apresentado na p.i.

Improcede, portanto, este ponto das conclusões.

2º)

Falta de despacho de aperfeiçoamento, ou melhor, de despacho para suprimento de excepção dilatória

Quanto a este 2º ponto das conclusões de recurso, o recorrente não questiona a qualificação feita pelo tribunal a quo, de que o seu pedido é alegadamente genérico.

Como dissemos, o desrespeito pelo art. 471º CPC (a formulação ilegal de pedido genérico) é uma excepção dilatória atípica, sanável ao abrigo dos arts. 265º-2(5), 288º-3 e 3º-3 ex vi art. 508º-1-a) do CPC(6) e que pode ser conhecida/declarada até à sentença (assim: ANTÓNIO GERALDES, Temas…, I, 1997, p. 152 a 158, e II, 1997, p. 75). Não é, a nosso ver, equiparável à falta ou incompreensibilidade do pedido, mas acaba por implicar a absolvição da instância.

A tese do tribunal a quo (de que há um pedido genérico e ilegal), aceite pelo recorrente e que por isso estamos impedidos de apreciar in concreto, implica a sanabilidade ao abrigo dos arts. 265º-2, 288º-3 e 3º-3 ex vi art. 508º-1-a) do CPC. Mas e se o juiz não convidar a suprir, como aqui ocorreu?

Esta situação não se enquadra no âmbito do despacho de aperfeiçoamento vinculado, mas sim no do despacho de suprimento de excepções dilatórias (assim: ANTÓNIO GERALDES, Temas…, II, 1997, p. 65 ss e 76 ss; há uma 4ª ed. de 2010). Mas este despacho de suprimento é vinculado no caso de detecção de uma excepção dilatória suprível (ou não grosseira), como resulta do art. 265º-2 CPC ex vi art. 508º-1-a) cit. E um caso como o presente, em que existe um pedido compreensível, mas que se considera (bem ou mal, não nos cabe apreciar) ilegalmente genérico, constitui excepção dilatória atípica sanável, como vimos. Pelo que há aqui lugar ao despacho pré-saneador previsto no art. 508º-1-a e 265º-2 CPC, sob pena de nulidade processual (arts. 201º, 203º-1, 205º e 206º CPC) - assim: Ac. do STJ de 31-5-2005, pr. nº 05A1233, in www.dgsi.pt).

Nestes termos, o tribunal a quo deveria ter convidado o A. a concretizar/quantificar o pedido expresso, inteligível, não ambíguo e compatível com a causa de pedir que consta da p.i. Ao não o fazer, omitiu a prática de um acto a que estava obrigado por ter considerado haver um pedido genérico ilegal.

III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os juizes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar o recurso procedente, revogar o despacho recorrido e determinar que o tribunal a quo convide o A. a quantificar o pedido que o tribunal a quo considera genérico.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 15-9-2011


Paulo Pereira Gouveia

Carlos Araújo

Teresa de Sousa




1- Talvez assim: M. TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objecto…, p. 127.
2- Ainda que se entendesse haver ineptidão, seria sanável neste caso particular – cfr. Assento 12/94; LEBRE DE REITAS, A Acção Decl. Comum…, p. 43; F. FEREEIRA DE ALMEIDA, DPC, I, 2010, p. 529 ss.
3- 1 - É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:
a) Quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu.
2 - Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido é concretizado através de liquidação, nos termos do disposto no artigo 378.º, salvo, no caso da alínea a), quando para o efeito caiba o processo de inventário ou o autor não tenha elementos que permitam a concretização, observando-se então o disposto no n.º 6 do artigo 805.º
4- Para o CPC anterior a 1995, v. as diferentes posições seguintes: CASTRO MENDES, DPC, III, 1980, p. 330; ANSELMO DE CASTRO, PCD, II, p. 250; MANUEL SALVADOR, in Revista dos Trib., ano 88º, p. 5 ss; ALB. DOS REIS, Comentário…, III, p. 186; Ac. do STJ de 8-2-94, CJSTJ, I, p. 95
5- O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los.
6- Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º.