Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 04788/01 |
| Secção: | CT - 1.º Juízo Liquidatário |
| Data do Acordão: | 05/23/2006 |
| Relator: | Eugénio Sequeira |
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL IRC CUSTO PROVA TESTEMUNHAL |
| Sumário: | 1. Tendo a AT desconsiderado parte dos custos relevados na contabilidade da contribuinte porque apenas apoiados em documentos internos (saída de Caixa e recibo por si emitido assinado pelo comandante do navio a que se destinavam os serviços), cabia à mesma contribuinte completar essa prova da efectiva aderência de tais documentos com a realidade, no que consistiam "os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido", ou sejam as razões que levam à almejada anulação da liquidação adicional; 2. Logra fazer tal prova, a impugnante que através dos depoimentos de três testemunhas, que no seu conjunto se coadunam, prestados por pessoas com conhecimentos aprofundados na área dos transportes marítimos, esclarecem a materialidade das operações efectuadas e o porquê das práticas seguidas pela contribuinte, logrando obter uma certeza acima de qualquer dúvida razoável, de que as despesas apresentadas pela contribuinte tendo apenas por suporte documental a saída de Caixa e o recibo por si emitido mas assinado pelo responsável do navio a que se destinaram os serviços, corresponderam a reais e efectivas prestações de serviços por si suportadas das quais resultaram os correspondentes proveitos, no âmbito da actividade por si desenvolvida de empresa licenciada de operadora portuária; 3. Os trabalhos de peação/despeação de cargas e limpeza e varredura dos navios, efectuados pelas suas próprias tripulações, encontram-se fora do regime das operações portuárias da actividade de “movimentação de cargas”, para as quais apenas podem ser utilizados trabalhadores habilitados com carteira profissional por conta de empresas de estiva licenciadas para o efeito. |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório. 1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do então Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto - 2.º Juízo, 1.ª Secção - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem: 1. Considerou a sentença sob recurso ser de anular a liquidação adicional de IRC do exercício de 1992, no montante de 60.655.051$00, por a mesma padecer do vício de ilegalidade. 2. A questão controvertida reside em se saber se existe ou não ilegalidade decorrente da não consideração de determinadas verbas como custos ou encargos fiscais, com fundamento em ausência de documentos justificativos. 3. O exercício da actividade de cedência de mão-de-obra portuária, só pode ser efectuada exclusivamente por pessoas colectivas constituídas para o efeito e licenciadas pelo Instituto do Trabalho Portuário (cfr. Art. 3° do Decreto Regulamentar 2/94, de 28/1). 4. No cais (tráfego) e no navio (estiva) o serviço de movimentação de cargas é realizado por empresas de estiva, que para o efeito requisita pessoal à GPL ou recorre ao seu quadro de eventuais, quer um pessoal quer outro, sancionado pelo Instituto do Trabalho Portuário. A utilização de pessoal não habilitado na movimentação de cargas e descargas é punível pelo art. 18° do DL n.º 280/93, de 13/8. 5. Ao contrário do doutamente decidido não se pode imputar à impugnante a execução de operações de peação e despeação de cargas ou de varredura e limpeza a bordo, porquanto a sua actividade está circunscrita à "prestação de serviços de movimentação de cargas manifestadas nas áreas portuárias de prestação de serviço público, nos temos do n.º 1 do art. 7 do DL n.º 298/93, de 28/8. 6. E, conforme dispõe as alíneas h) e i) do n.º 2 do já citado DL n.º 298/93 de 28/8, as operações de peação e despeação de cargas e remoção de carga a bordo de navios, de varredura e limpeza a bordo, bem como carga e descarga de mercadorias, quando realizadas exclusivamente pela tripulação com meios operacionais das próprias embarcações, não estão abrangidas pelas empresas de estiva. 7. Assim, os 79.361.518$00 de custos contabilizados pela impugnante, não só não se mostram devidamente documentados, como nos termos do art. 98° n.º 3 alínea a) do CIRC não existe qualquer motivo justificativo da sua existência. 8. Também nos termos do n.º 1 do art. 23° do mesmo diploma legal, não são, tais custos indispensáveis à obtenção dos proveitos, por extravasarem a própria actividade da impugnante. 9. A douta sentença sob recurso violou o n.º 1 do art. 23 e n.º 3 do art. 98 ambos do CIRC, n.º 1 e n.º 2 alíneas h) e i) do DL n.º 293/98, de 28/08. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida. Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo. Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem: a) O recurso não se estende ao alegado carácter confidencial destas despesas, sendo por isso inaplicável o previsto no art. 4º do Dec. Lei nº 192/90. b) A sentença interpretou correctamente o art. 23°, art. 41°, nº 1, al. h), art. 98º, nº 3, al. a), todos do CIRC e o art. 7º, nº 1 a 3 do DL nº 298/93, de 28/8. c) O art. 7º do DL n° 298/93 é inaplicável in casu, pois a liquidação de imposto reporta-se ao exercício de 1992. d) Por motivos legais, lógicos e de acordo com a prova testemunhal, a execução de operações de peação/despeação/limpeza e varredura a bordo podem ser imputáveis à recorrida, que pode socorrer-se dos serviços da tripulação ou do contigente de pessoal do GPL. e) A documentação das despesas não se liga à justificação da sua realização, mas à existência e qualidade dos papéis que as titulam e comprovam, os quais são inseridos na contabilidade. f) As operações em causa (peação/despeação e limpeza) foram suportadas pela Recorrida e todas e cada uma dessas tarefas, para além dos devidos suportes internos (nota de débito e mapa de produção), sustentam-se, ainda, em idóneos documentos externos (relatório de trabalho e recibo), onde se identificam os elementos essenciais: data, preço, serviços prestados, entidade pagadora e beneficiários. g) Não há qualquer reparo a fazer à contabilidade da Recorrida. h) As despesas em causa estão suportadas por idóneos documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário, que, por motivos literais, lógico-sistemáticos e teleológicos, não têm porque corresponder a facturas. i) Os pagamentos às tripulações dos navios pelos serviços de peação/despeação/limpeza são necessários e indispensáveis à boa prossecução da actividade da Recorrida e obtenção dos respectivos proveitos. j) O pagamento às tripulações (em lugar de se contratar o pessoal do GPL) traduzem-se em sábias e ponderadas medidas de gestão, por motivos técnico-práticos, económicos, de segurança e de exoneração de responsabilidade. TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, ANULANDO-SE A LIQUIDAÇÃO ADICIONAL E ORDENANDO-SE A RESTITUIÇÃO À RECORRIDA DO MONTANTE PAGO ACRESCIDO DE JUROS, CONTADOS À TAXA LEGAL, DESDE 2/12/97. O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por as normas do Dec-Lei n.º 298/93, de 28 de Agosto, a que a recorrente faz apelo, não se aplicaram no caso ao IRC do exercício do ano de 1992. Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos. B. A fundamentação. 2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a impugnante logrou completar a prova (por documentos ou por testemunhas) de que as verbas desconsideradas como custos pela AT, correspondem a reais e verdadeiras prestações de serviços por si suportadas donde resultaram os proveitos ou ganhos sujeitos ao imposto. 3. A matéria de facto. Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz: a) a impugnante é uma entidade licenciada com competência para o exercício de operações portuárias em Leixões e no Douro, actividade de transporte e movimentação de cargas cujas tarefas comportam: trabalho de porta (entrada e saída da mercadoria do porto), parqueamento (transporte e estacionamento da carga dentro do porto) e carregamento/descarregamento (colocação da mercadoria de terra para o navio e do barco para o porto), onde se insere os trabalhos de peação (amarragem da carga à embarcação) e despeação da mercadoria do barco (desamarragem da carga que se encontra no navio); b) para a realização de tais serviços a impugnante é obrigada a utilizar o contingente da Associação de Gestão Portuária de Leixões (GPL), à excepção dos serviços de peação/despeação e para as tarefas de varredura/limpeza dos próprios navios que pode utilizar as próprias tripulações dos navios; c) no exercício de 1992 a impugnante utilizou por diversas vezes os serviços das tripulações dos navios para apeação/despeação e varredura/limpeza dos navios, pelas razões seguintes: o pessoal do Porto não estar habilitado para as realizar no que respeita às técnicas a utilizar; da actividade de peacção e despeacção depende em larga medida a segurança da navegação no alto mar, quer do navio quer da tripulação e económicas, dada a celeridade com que a tripulação executa o trabalho, iniciando-o ainda antes de entrar no Porto, é mais barato o custo do trabalho, face à organização do pessoal portuário (convenções colectivas de trabalho e trabalho por turnos), exoneração da responsabilidade da impugnante se houver algum acidente com o navio relacionado com a actividade de peacção, passando esta para o comandante do navio - tendo pago às tripulações a este título esc. 79.361.518$00; d) tendo pago pela movimentação global de cargas, os trabalhos identificados na al. a) a quantia total de esc. 396.293.114$00, tendo gerado receitas em 1992 no valor global de esc. 1.557.719.348$00; e) os serviços de prevenção e inspecção tributária procederam a correcções técnicas à declaração de I.R.C. do exercício de 1992, com fundamento em: «despesas não devidamente documentadas», por ter relevado nas contas da contabilidade orçamental peação e despeação e limpeza dos navios, que se reflectiu como custos do exercício, estando os valores descriminados a fls. 15 e 16 do relatório da reclamação graciosa apensa, documentados com recibo emitido pela própria empresa, com carimbo do navio e uma saída de caixa - documentos internos; os pagamentos são feitos em numerário; (...) «as peações e despeações não estão abrangidas pelas empresas de estiva «quando realizadas exclusivamente pela tripulação com meios operacionais próprios das embarcações». Julgamos estar perante operações no âmbito da segurança do próprio navio, efectuada pela sua tripulação, sobre ordens e responsabilidade do armador, que para o efeito os contratou, atendendo ao que acima ficou exposto, designadamente: - o encargo está apoiado em comprovantes internos; - o meio de pagamento utilizado é o numerário, o que impossibilita a identificação do receptor; - o serviço efectuado pelo operador é feito com recurso a pessoal licenciado para o efeito; - apresenta um custo de pessoal recrutado à GPL - movimentos de cargas – de esc. 396.293.114$00. Julgamos não se encontrarem reunidos meios adicionais de prova que demonstrem de forma inequívoca a materialidade da operação que lhe está subjacente, e a correlação com o proveito apresenta-se muito esbatida, pelo que, entendemos que tais encargos deverão ser considerados como despesas não devidamente documentadas e nos termos da al. h) do n.º 1, do art. 41.º do CIRC acrescidas ao lucro tributável declarado. Nos termos do art. 4º do D.L. 192/90 de 9/6, o valor de esc. 79.361.518$00 deverá ser sujeito à tributação autónoma de 10%; f) Na sequência das correcções técnicas referidas foi liquidado à impugnante adicionalmente o imposto de IRC, a pagar de esc. 60.655.051$000, o qual foi pago em 2.12.97, tendo beneficiado, ao abrigo DL 124/96 de 10/8, da redução de juros de 80%. * Fundamentação. os factos basearam-se nos documentos juntos aos autos como: declaração modelo 22 e respectivos documentos anexos (junta ao apenso), nos relatórios da inspecção de fls 25 a 27 do apenso, no documento de fls 79 do Instituto Nacional Sueco de Ensaio e Investigação em conjugação com o depoimento das testemunhas, como o Presidente da Direcção da GPL, o Secretário Geral da Associação dos Operadores Portuários dos Portos do Douro e Leixões, por fim os recibos, saída de caixa e o relatório de trabalho de fls 112 a 119. 4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as referidas despesas desconsideradas como custos pela AT por não se encontrarem devidamente documentadas, têm apoio documental suficiente como sejam as notas de débito e mapas de produção, relatório de trabalho e recibo, onde neste se identificam os seus elementos essenciais, como sejam a data em que o mesmo é prestado, o preço, os serviços prestados, a entidade pagadora e respectivos beneficiários, não exigindo a lei para este efeito, que tal documentação tenha de ser uma factura como os requisitos previstos no art.º 35.º do CIVA. Mas mesmo que se pudesse entender que, só por si esses documentos não provassem a materialidade das operações, sempre pelo recurso à prova testemunhal produzida, dúvidas não restavam que tais despesas foram realizadas em ordem aos proveitos obtidos sem as quais estes se não verificariam. Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, pugna que tais operações apenas poderiam ser realizadas por pessoal de empresas licenciadas para esse efeito pelo Instituto do Trabalho Portuário o que não é o caso da ora recorrida e, por outro lado, sempre tais custos não se mostram devidamente documentados, não podendo os mesmos serem aceites como custo do exercício do ano de 1992 (IRC). Vejamos então. Os factos patrimoniais registados pela contabilidade são descritos e comprovados por meio de escritos comerciais - os documentos - base de todo o registo contabilístico, sem os quais o mesmo não se poderá processar. Aliás, as empresas estão sujeitas a incorrerem em sanções se procederem ao registo de factos não devidamente documentados...cfr. A. Borges, A. Rodrigues e R. Rodrigues, in "Elementos de Contabilidade Geral", Editora Rei dos Livros, pág. 62. Anteriormente, na norma do art.º 26.º do CCI, aí se não via a formulação directa de qualquer exigência de suporte documental condicionante da qualificação de verbas como custos, como a que hoje se infere dos art.ºs 23.º e 41.º n.º1 h) do CIRC. Estas, de acordo com tais preceitos, exigirão a demonstração efectiva da (ocorrência) do sacrifício; a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos ao imposto e para a manutenção da fonte produtora. Fazendo apelo à existência, por um lado, da sua concreta verificação ou acontecimento do mundo real (que efectivamente se suportaram), e, por outro, de um nexo de causalidade com os proveitos ou manutenção da fonte produtora, para que as verbas sejam qualificadas como custos, logo de tais preceitos se intuirá que a evidenciação de tais realidades se terá de materializar em quaisquer instrumentos formais de suporte que apenas poderiam ser, atento o princípio da praticabilidade que enforma o direito fiscal, os documentos. E tais documentos terão de conter, tendo em vista tal função de qualificação de custos, os elementos necessários àquela determinabilidade ou seja têm de externar a existência do sacrifício patrimonial, a sua extensão (montante), e a sua causa, donde resultará a aferição sobre se o proveito será dela resultado. Por outro lado, também, ao enunciar o modo de determinação do lucro tributável, no art.º 17.º do CIRC reportando-o à soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo exercício e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade, está o legislador a exigir um suporte documental dos ganhos e perdas, pois que tal resultado só pode repousar sobre uma realidade formalizada e não só realmente pressuposta. Temos, pois, por assente que as verbas contabilizadas pelo contribuinte na conta de resultados hão-de transparecer da sua escrita formal e que esta tem de estar organizada em termos de possibilitar fácil, clara e precisamente, as operações (exigência do art.º 29.º do C.Comercial) e fortuna dos comerciantes, como de evidenciar a causa, natureza e montante das operações aqui de modo, não só, a permitir a sua arrumação contabilística (segundo o POC), como a determinação dos ganhos, perdas, proveitos e custos. Quanto às categorias dos documentos aptos a preencher aqueles requisitos, no domínio da contribuição industrial, era entendido que os documentos teriam a quota de credibilidade que emergir dos termos em que se encontrar organizada a contabilidade, face à imposição legal dos referidos art.ºs 51.º e 22.º do CCI e 29.º do C. Comercial, exigindo-se que tal contabilidade permita o apuramento e também o controlo claro e inequívoco do lucro tributável. Se a escrituração comercial estiver organizada em termos de, apenas perante ela, se poder efectuar a prognose das operações efectuadas e do lucro tributável, evidente é que se terá de atribuir eficácia probatória ao documento de suporte, a menos que se indicie não corresponder à realidade. Se o documento se encontra inserido numa escrita organizada, nos termos sobreditos, dando a conhecer os elementos necessários ao desempenho da sua função fiscal, terá de atribuir-se-lhe o crédito de confiança correspondente. Era a contrapartida legal da imposição de uma escrita organizada aos contribuintes do grupo A, decorrente dos citados preceitos legais(1). E hoje, face às citadas normas do CIRC e LGT (art.º 75.º), o sistema em termos de exigibilidade dos correspondentes suportes documentais para demonstração das operações subjacentes, não poderá deixar de ser, ao menos, igual ao então vigente quanto à contribuição industrial. Sendo mesmo mais exigente quanto ao IVA, no tocante ao direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo, em que só as facturas passadas na forma legal conferem tal direito - art.ºs 19.º n.º2 e 35.º do CIVA. Mas na falta de tais suportes documentais, ou das menções supra, não podem ter os mesmos efeitos que no âmbito deste imposto(IVA), logo pela singela mas não menos lógica razão de que nenhuma norma deste CIRC o sanciona, sendo tal sanção do vício formal da respectiva desconsideração do montante aí inscrito, específica deste imposto, atento a sua estrutura de dedução de tais montantes de IVA inscrito nas facturas no imposto a entregar, funcionando como notas de crédito(2). No caso, os montantes não aceites como constituindo custo do exercício de 1992 em sede de IRC fundaram-se em que... por ter relevado nas contas da contabilidade orçamental peação e despeação e limpeza dos navios, que se reflectiu como custos do exercício, estando os valores descriminados a fls. 15 e 16 do relatório da reclamação graciosa apensa, documentados com recibo emitido pela própria empresa, com carimbo do navio e uma saída de caixa - documentos internos; os pagamentos são feitos em numerário; (...) «as peações e despeações não estão abrangidas pelas empresas de estiva «quando realizadas exclusivamente pela tripulação com meios operacionais próprios das embarcações». Julgamos estar perante operações no âmbito da segurança do próprio navio, efectuada pela sua tripulação, sobre ordens e responsabilidade do armador, que para o efeito os contratou, atendendo ao que acima ficou exposto, designadamente: - o encargo está apoiado em comprovantes internos; - o meio de pagamento utilizado é o numerário, o que impossibilita a identificação do receptor; - o serviço efectuado pelo operador é feito com recurso a pessoal licenciado para o efeito; - apresenta um custo de pessoal recrutado à GPL - movimentos de cargas – de esc. 396.293.114$00. Julgamos não se encontrarem reunidos meios adicionais de prova que demonstrem de forma inequívoca a materialidade da operação que lhe está subjacente, e a correlação com o proveito apresenta-se muito esbatida, pelo que, entendemos que tais encargos deverão ser considerados como despesas não devidamente documentadas e nos termos da al. h) do n.º 1, do art. 41.º do CIRC acrescidas ao lucro tributável declarado. Nos termos do art. 4º do D.L. 192/90 de 9/6, o valor de esc. 79.361.518$00 deverá ser sujeito à tributação autónoma de 10%, conforme consta da matéria e) do probatório e melhor se colhe da nota da fundamentação das correcções técnicas cuja cópia consta a fls 25 e segs dos autos de reclamação apenso. A liquidação de IRC em causa do exercício de 1992, reporta-se assim a operações documentadas apenas com os documentos supra referidos, em posse do sujeito passivo, daquele total de Esc. 79.361.518$00, que a Administração Fiscal não aceitou como titulando as correspondentes operações, face aos termos supra, e na sentença recorrida se não aceitou, quer por existirem os necessários documentos para o efeito, quer por a ora recorrida ter logrado fazer a prova através das testemunhas inquiridas que tais documentos e recibos correspondiam a efectivas e reais operações suportadas pela mesma das quais resultaram os correspondentes proveitos. Como constitui jurisprudência, ao que se saiba unânime, apenas para efeitos do direito à dedução do IVA mencionado nas facturas ou documentos equivalentes passadas pelos vendedores, é que tais documentos em posse do sujeito passivo, se têm de apresentar com os requisitos mencionados na norma do art.º 35.º n.º5 do CIVA, por força da norma do n.º2 do art.º 19.º do mesmo Código, que o exige. Para todos os outros efeitos, designadamente para documentar um custo, inexiste norma legal a impôr tal restrição(3). Para efeitos de documentar um custo em sede de contribuição industrial e hoje do IRC, nenhuma norma do respectivo Código exige directamente que a correspondente factura ou documento equivalente, tenha de conter todos os elementos referidos no n.º5 do art.º 35.º do CIVA, que para efeito deste imposto (IVA), o impõe, para poder ser exercido o direito à dedução nos termos do seu art.º 19.º. Aliás, como antes se viu, inexiste mesmo qualquer norma em sede de IRC a exigir que os custos estivessem documentados com qualquer categoria de documentos, se bem, como também ali se disse,... para que as verbas sejam qualificadas como custos, logo de tais preceitos resulta que a evidenciação de tais realidades se teria de materializar em quaisquer instrumentos formais de suporte que apenas poderiam ser, atento o princípio da praticabilidade que enforma o direito fiscal, os documentos. Por outro lado, os suportes materiais da contabilidade englobam, não só, os livros e registos, mas também os documentos justificativos como hoje dispõe a norma do art.º 98.º n.º3 a) do CIRC(4), mas que já no âmbito da contribuição industrial se entendia vigorar. Os documentos justificativos de origem externa, como no caso, necessários para comprovar a operação, em princípio não podem ser supridos por documentos internos, mas podem ser substituídos por outros meios de prova tendentes a demonstrar a veracidade da operação e logo, o bem fundado dos lançamentos efectuados na contabilidade. Designadamente por prova testemunhal, já que esta é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, como dispõe a norma do art.º 392.º do Código Civil. Como refere M. H. de Freitas, in parecer publicado na CTF n.º 365, pág. 343 e segs, conclusão c) "A inexistência, relativamente a um dado lançamento, de documento de origem externa, nos casos em que devesse existir, pode contudo, e sem prejuízo das sanções que forem aplicáveis, ser suprida, para efeitos de determinação de um lucro real efectivo, por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a materialidade da operação que está subjacente ao lançamento efectuado e os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos". No caso, do conjunto dos documentos apresentados pela ora recorrida, que a sentença recorrida entendeu como suficientes para justificar tais despesas contabilizadas são: - Comprovantes internos (notas de débito e mapas de produção); - Relatório de trabalho; - Recibo, mencionado data, preço, serviços prestados, entidade pagadora e beneficiários. Porém, debalde vislumbrámos nos autos tais documentos justificativos, o que a M. Juiz na sentença recorrida, também não indica onde eles se encontrariam, ainda que a sua existência tenha sido articulada pela ora recorrida, designadamente na matéria das suas contra-alegações, na sua alínea f) das conclusões. Os únicos documentos que a tal respeito constam dos autos são os de fls 111 a 119, constituídos por um recibo datado de 2.1.1991, por despeação e peação de contentores em Leixões, dos montantes de Esc. 135.324$ e 227.688$, respectivamente, que será tradução do de fls 118, escrito em inglês, mas onde deles se não descortina que tais operações tenham sido realizadas pelo pessoal da própria tripulação, a correspondente saída de caixa de 363.012$00 (fls 113), um chamado relatório de trabalho da mesma importância supra e da mesma data (fls 114), o documento de fls 115 da mesma impugnante, relativo à mesma operação referida nos anteriores documentos, o de fls 116 é o recibo da mesma importância emitido pelo navio Transport Douro e pago pela impugnante, da mesma importância supra e da mesma data (2.1.1992), o de fls 117 é o documento de saída de caixa daquela mesma importância e o de fls 119, escrito em inglês, da mesma data de 2.1.1992, parece reporta-se à mesma operação do navio Transport Douro, não se vendo que nada mais lhe possa acrescentar, em termos da prova dessa operação. Assim, o que se poderia considerar provado, eventualmente, era a despesa deste montante supra, que não o total em causa não aceite como custos (79.361.518$00), já que os documentos supra, pelos seus dizeres não permitem a determinabilidade dos mesmos (nem sequer desta verba de 363.012$00), que era o que através deles se visava alcançar, designadamente quanto à extensão que apresentavam na sua contabilidade, tanto mais que estes documentos na sua totalidade nem terão sido exibidos ao agente fiscalizador, mas tão só o recibo emitido pela própria empresa impugnante, com o carimbo do navio e uma saída de caixa, como o mesmo refere, sem oposição da ora recorrida. Vejamos então a prova testemunhal produzida. Os depoimentos das três testemunhas arroladas e inquiridas constam de fls 106 e segs dos autos, e todos eles se coadunam, não sendo meramente repetitivos, no sentido de que tais trabalhos de peação/despeação das cargas e limpeza e varredura dos navios que atracam em Leixões foram e são efectuados, em regra pela própria tripulação, quer por razões técnicas de tal pessoal ser o que melhor se encontra habilitado para o efeito tendo em conta as variedades dos navios e das cargas transportadas, quer porque tais operações prévias à carga/descarga das mercadorias são menos onerosas se efectuadas pela própria tripulação do navio em vez de se recorrer aos trabalhadores portuários, mostrando tais depoimentos que os seus autores detém um conhecimento profundo das operações ligadas à carga e descarga de navios, explicando claramente todos os seus passos e práticas seguidas, pelo que nos termos do disposto nos art.ºs 396.º do Código Civil e 638.º n.º1 do Código de Processo Civil, os mesmos não poderão deixar de ser considerados como idóneos a completar a prova documental (interna) existente na impugnante, da real e efectiva aderência com a realidade de que o montante de Esc. 79.361.518$00, apenas apoiado em documentos internos de saída de caixa e de recibo com o carimbo do navio a que respeita a despesa, teve como causa as despesas por peação/despeação das cargas, limpeza e varredura dos navios, operados pela impugnante no porto de Leixões, efectuadas pela própria tripulação dos mesmos e suportadas pela mesma ora recorrida, não podendo por isso deixar de ser considerado um seu custo fiscal nos termos do disposto no art.º 23.º do CIRC, como indispensável para a obtenção dos proveitos apresentados. As normas invocadas pela recorrente dos Dec-Leis n.ºs 280/93, de 13 de Agosto e 298/93, de 28 de Agosto, que entende como impeditivas dessas tarefas pela própria tripulação dos navios e bem assim, que em todo o caso, as mesmas se encontrariam fora do objecto social da ora recorrida de operadora portuária, não são desde logo aplicáveis no caso dos autos como bem refere, quer a empresa recorrida na matéria das suas conclusões, quer o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer. Na verdade, ambos os diplomas apenas entraram em vigor em 1.11.1993 – cfr. seus art.ºs 25.º e 38.º, respectivamente - não sendo por isso aplicáveis ao IRC aqui em causa do exercício anterior – o do ano de 1992. Por outro lado, o citado Dec-Lei n.º 280/93, que estabeleceu o regime jurídico do trabalho portuário, estabeleceu como «actividade de movimentação de cargas», a actividade de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de formação e decomposição de unidades de carga e ainda de recepção, armazenagem e expedição de mercadorias – seu art.º 2.º b) – que apenas pode ser prestado a terceiros por empresa devidamente licenciada para o efeito, com fins comerciais, na zona portuária – sua alínea g) – onde se não incluem, pois, os trabalhos de peação/despeação da carga, limpeza e varredura do navio, que assim podem ser exercidos por outras pessoas, designadamente pela sua tripulação. O citado Dec-Lei n.º 298/93, veio estabelecer o regime jurídico da operação portuária realizada pelas empresas de estiva devidamente licenciadas para o efeito, cujas operações são, obrigatoriamente, realizadas por pessoal destas para o efeito habilitados com carteira profissional, veio dispor no seu art.º 25.º n.º1 que só é válida para efeitos de IRC as despesas que tenham por suporte um documento emitido por uma empresa de estiva licenciada. Contudo, como se pode ver do seu art.º 7.º n.º2, alíneas h) e i), as operações de peação/despeação das cargas e varredura e limpeza a bordo, quando efectuadas pela própria tripulação do navio, encontram-se excluídas das operações obrigatoriamente realizadas por tal pessoal das empresas de estiva, encontrando-se por isso fora do campo de aplicação do mesmo Dec-Lei. Em suma, podem estas operações ser efectuadas por qualquer outro pessoal para o efeito contratado, designadamente pelo pessoal da tripulação do navio, bem como as mesmas operações ainda se inserem dentro do objecto de carga/descarga das mercadorias por que a mesma se encontrava licenciada, tendo em conta o respectivo elenco constante na matéria da alínea a) do probatório. Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença que nesta parte, também assim entendeu e decidiu. C. DECISÃO. Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação. Recurso sem custas, face à isenção legal da FP, sendo apenas devidas custas na 1.ª Instância pela impugnante por, embora tenha obtido ganho de causa, deu causa à liquidação adicional ao não dispor na sua contabilidade dos pertinentes documentos contabilísticos justificativos das operações donde resultou a liquidação impugnada, como lhe cabia. Lisboa, 23/05/2006 Eugénio Sequeira Ivone Martins Jorge Lino (1) Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 16.2.1993, recurso n.º 61 331. (2) Cfr. em sentido semelhante o acórdão deste Tribunal de 29.6.99, recurso n.º 318/97. (3) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 15.1.1997, recurso n.º 21 167 e de 22.1.1997, recurso n.º 21 103. (4) Sendo a idoneidade do suporte documental de livre apreciação pelo tribunal, cfr. neste sentido o acórdão deste Tribunal de 29.6.1999, recurso n.º 318/97. |