Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05535/01
Secção:Contencioso Administrativo 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:05/19/2005
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:LEGITIMIDADE DOS SINDICATOS
CONCURSO PARA ENFERMEIRO
COMPOSIÇÃO DO JÚRI
Sumário:1 - A legitimidade dos sindicatos para defesa colectiva de todos os direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, em matéria sócio-profissional, é independente de, no caso concreto, estar ou não em causa o interesse de todos os seus associados.
2 - Estipulando o n.º 2 do art. 24.º do DL n.º 437/91, de 8/11 que "O júri é composto por um presidente e por dois vogais efectivos, nomeados de entre enfermeiros integrados na carreira de enfermagem, pertencentes ao próprio estabelecimento ou serviço, salvo em situações devidamente justificadas" e não se verificando qualquer impedimento para que o júri tivesse sido nomeado de acordo com o que determina o citado preceito, ocorre violação de lei se o júri nomeado não pertencer ao próprio estabelecimento ou serviço.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 1º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1. Delmina ......., residente na Rua ......, em Giesta, Rio Tinto, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho, de 23/3/2001, do Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde, pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico que interpusera do acto homologatório da lista de classificação final do concurso interno geral de acesso para preenchimento de três lugares de enfermeiro-chefe do quadro de pessoal do Hospital Magalhães de Lemos.
A entidade recorrida respondeu, concluindo que se deveria negar provimento ao recurso, por não se verificar qualquer dos vícios alegados pela recorrente.
Os recorridos particulares foram citados para contestarem, só o tendo feito o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, em representação do seu associado José João Silva, o qual concluíu pela improcedência do recurso.
Cumprido o preceituado no art. 67º., do R.S.T.A., a recorrente apresentou alegações, onde enunciou as seguintes conclusões:
“1ª.) Publicado o aviso de abertura do concurso na vigência do D.L. nº. 412/98, de 30/12, que alterou a redacção do art. 24º., nº 2, do D.L. nº. 437/91, de 8/10, devem ser-lhe aplicadas as disposições constantes desta nova redacção;
2ª.) Assim, o júri do concurso para provimento das categorias de Enfermeiro-Chefe deve ser composto por enfermeiros integrados na carreira de enfermagem do próprio estabelecimento, salvo ocorrência de situações devidamente justificadas;
3ª.) Esta justificação, a existir, deve constar expressamente formulada e aceite no processo do concurso;
4ª) Não pode ser interpretada como tal a existência de uma eventual “declaração” subscrita por alguns enfermeiros do Hospital de Magalhães Lemos a manifestar a sua “indisponibilidade” para integrarem o júri, sobre a qual não recaíu qualquer deliberação do Conselho de Administração, quando se verifica que do júri nomeado fazem parte, como vogais suplentes (que não efectivos) dois enfermeiros do dito Hospital e que um enfermeiro-supervisor nem sequer foi contactado para o efeito;
5ª.) Aliás, a informação subscrita por parte dos elementos daquele Conselho de Administração de que a impugnação hierárquica interposta com esse fundamento devia ser considerada procedente contém implícito o reconhecimento de que não só não tinha considerado aquela declaração como “situação justificada” como a não entendia como atendível para o efeito;
6ª.) Verifica-se, assim, violação do disposto no art. 24º., nº 2, do D.L. nº. 437/91, na redacção dada pelo D.L. nº 412/98, que deve conduzir à anulação de todo o procedimento do Concurso como, aliás, reconhece a jurisprudência conhecida sobre a matéria (cfr. sentença do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto in processo nº 791/96);
7ª.) Na hipótese de assim não se decidir o que apenas se admite, sem conceder deve ser declarado que as actas nos 2 e 10, ao fazerem constar que o júri se reuniu para definir as “estratégias” a seguir, sem explicitar em que consistem nem a respectiva fundamentação, violam o dever de fundamentação dos actos administrativos em geral e das actas dos júris em particular, previsto no art. 26º., nº 2, do D.L. nº 437/91 o que torna anulável o acto que as homologou;
8ª.) E, na medida em que permitem alicerçar a suspeita sobre a existência de critérios secretos, não explicitados em acta, violam ainda os princípios da transparência na actuação da Administração Pública e da isenção e imparcialidade, como corolários da igualdade de todos os candidatos conducentes à mesma consequência;
9ª) Mas ainda que assim não se decida, deverá atentar-se em que a fórmula classificativa, ao atribuír maior ponderação a um método de selecção de carácter eminentemente subjectivo (a Prova Pública de Discussão Curricular, com peso de 12) em detrimento de um outro, de índole objectiva (Avaliação Curricular, com o peso 8), infringe o princípio constante do art. 18º. nº 3 al. d), do D.L. nº 437/91 vício igualmente passível de levar à mesma decisão;
10ª) Deve, assim, com o douto e sempre imprescindível suprimento de V. Exas, ser concedido provimento ao presente recurso e anulado o acto impugnado, com todas as suas legais consequências, com o que se fará a costumada e reclamada justiça!”.
A entidade recorrida e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, também alegaram, mantendo as respectivas posições já expressas nos autos.
O digno Magistrado do M.P. emitiu parecer, onde suscitou a excepção da ilegitimidade do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses e se pronunciou pela procedência do recurso, por o acto recorrido violar o disposto no nº 2 do art. 24º. do D.L. nº 437/91, na redacção resultante do D.L. nº 412/98.
A recorrente e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses pronunciaram-se sobre a invocada excepção da ilegitimidade, tendo a primeira concluído pela sua verificação e o segundo pela sua improcedência.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
x
2.1. Consideramos provados os seguintes factos:
a) Por aviso publicado no D.R., II Série, nº 46, de 24/2/99, tornou-se público que se encontrava aberto concurso interno geral de acesso para o preenchimento de três lugares de enfermeiro-chefe, nível 2, do quadro de pessoal do Hospital de Magalhães Lemos;
b) No ponto 12 desse aviso, estabeleceu-se o seguinte:
“12 - O júri do presente concurso tem a seguinte constituição:
Presidente Idalina Conceição Santos Peres Bessa Vilela, enfermeira-supervisora do quadro de pessoal do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.
Vogais Efectivos:
Manuel da Conceição Silva Rocha, enfermeiro-supervisor do quadro de pessoal do Hospital de São João,
Maria Manuela Vieira Martins Borges, enfermeira-chefe do quadro de pessoal do Hospital de Pedro Hispano.
Vogais Suplentes:
Delfina Sampaio Lobo Morais, enfermeira-chefe do quadro de pessoal do Hospital de Magalhães Lemos.
Alzira Prazeres Machado Teixeira Costa, enfermeira-chefe do quadro de pessoal do Hospital de Magalhães Lemos”;
c) A designação do júri referido na alínea anterior, fora feita em reunião do Conselho de Administração do Hospital de Magalhães Lemos, nos termos constantes da acta de fls. 29 do processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
d) Na reunião de 26/1/99, o júri do concurso “procedeu à elaboração das grelhas para avaliação curricular e para a prova pública de discussão curricular”, nos termos constantes da acta de fls. 30 a 32 do processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
e) Elaborada a lista de classificação final do referido concurso, da qual constava a recorrente posicionada em 7º. lugar, com a classificação de 13,60 valores, o Conselho de Administração do Hospital de Magalhães Lemos, em 7/12/99, homologou-a;
f) Desse acto homologatório, a recorrente interpôs recurso hierárquico para o Ministro da Saúde;
g) Sobre esse recurso hierárquico, foi emitido o parecer constante de fls. 12 a 25 do processo principal, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se concluía pela improcedência do recurso;
h) Sobre o parecer referido na alínea anterior, o Secretário de Estado dos Recursos Humanos e da Modernização da Saúde proferiu o seguinte despacho, datado de 23/3/2001:
“Concordo.
Nos termos e com os fundamentos do presente parecer, nego provimento ao recurso”;
i) À data da designação do júri, existia um enfermeiro supervisor do quadro do Hospital de Magalhães Lemos em condições de o poder integrar, mas que não foi contactado para o efeito.
x
2.2.1. No seu parecer final, o digno Magistrado do M.P. suscitou a excepção da ilegitimidade do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, com o fundamento que a legitimidade processual das associações sindicais se restringe à defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores que representam, não abrangendo os casos em que está em causa a situação individual e concreta de um único trabalhador.
Afigura-se-nos, porém, que esta excepção improcede.
Efectivamente, se a jurisprudência não tem sido uniforme na decisão da questão em apreço, o recente Ac. do Pleno da 1ª. Secção do STA de 6/5/2004 (in Ant. de Acs. do STA e TCA, Ano VII, nº 3, pags. 57-61), em recurso por oposição de julgados, veio decidir, por unanimidade, que a legitimidade dos Sindicatos para defesa colectiva de todos os direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representam, em matéria sócio-profissional, é independente de, no caso concreto, estar ou não em causa o interesse de todos os seus associados. É que é esta a interpretação que decorre linearmente do nº 3 do art. 4º. do D.L. nº. 84/99, de 19/3 ao atribuír às associações sindicais legitimidade para “defesa colectiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem” , “pelo que é ela que deve ser adoptada, na ausência de elementos interpretativos que imponham solução diferente” e atento a que, “na falta de outros elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo nº 3 do art. 9º. do C. Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cfr. citado Ac. do Pleno).
Assim, porque, na situação em apreço, está em causa um interesse socio-profissional que às associações sindicais incumbe defender, tem o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses legitimidade para intervir no recurso contencioso em defesa dos interesses profissionais de um dos seus associados.
x
2.2.2. Conforme resulta das conclusões da sua alegação (cfr. nomeadamente a 7ª. e a 9ª.), a recorrente arguíu os vícios do acto impugnado estabelecendo entre eles uma relação de subsidiaridade.
Assim, estando em causa vícios geradores da mera anulabilidade do acto, devem eles ser apreciados pela ordem indicada pela recorrente, conhecendo-se em primeiro lugar da invocada violação do art. 24º., nº 2, do D.L. nº. 437/91, de 8/11, na redacção resultante do D.L. nº. 412/98, de 30/12.
Estabelecendo este preceito que “o júri é composto por um presidente e por dois vogais efectivos, nomeados de entre enfermeiros integrados na carreira de enfermagem, pertencentes ao próprio estabelecimento ou serviço, salvo em situações devidamente justificadas” e resultando das als. b) e c) dos factos provados que só os vogais suplentes eram enfermeiros do quadro do Hospital de Magalhães Lemos, a questão que se coloca é a de saber se ocorreu uma situação que justificasse a nomeação para presidente do júri e para vogais efectivos de enfermeiros não pertencentes àquele Hospital.
No parecer em que se fundamentou o despacho recorrido, encontrou-se essa justificação no facto de os enfermeiros-chefes do Hospital de Magalhães Lemos terem subscrito, em 25/2/99, uma declaração em que alegaram a sua indisponibilidade para fazer parte do júri do concurso em questão, após terem formulado, de forma verbal, o mesmo pedido ao respectivo Enfermeiro-Director.
Mas esta argumentação não procede.
Antes de mais, porque a declaração de indisponibilidade foi apresentada após ter sido nomeado o júri, pelo que não foi ela que justificou a nomeação efectuada. Depois, porque, a configurar um pedido de escusa nos termos do art. 48º. do C.P.A., a ausência de decisão no prazo de 8 dias implicaria o seu indeferimento tácito (cfr. arts. 50º., nº 2 e 109º., nº 1, ambos do C.P.A.) e não o seu deferimento. Finalmente, porque tendo sido nomeados como vogais suplentes dois enfermeiros-chefes do quadro de pessoal do Hospital de Magalhães de Lemos e existindo um enfermeiro-supervisor do quadro deste Hospital em condições de poder integrar o júri mas que não foi contactado para o efeito (cfr. als. b) e i) dos factos provados), nada obstava a que o júri tivesse sido nomeado de acordo com o que determinava o citado art. 24º., nº 2.
Assim, por enfermar do invocado vício de violação de lei, o despacho recorrido deve ser anulado, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios arguidos.
x
3. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando o despacho impugnado.
Sem custas por isenção (cfr. arts. 2º. e 3º., ambos da Tabela das Custas e art. 4º, nº 3, do D.L. nº. 84/99, de 19/3).
x
x
Lisboa, 19 de Maio de 2005
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos
Magda Espinho Geraldes.