Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04268/08
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:07/12/2012
Relator:ANACELESTE CARVALHO
Descritores:NULIDADES DA SENTENÇA, AUSÊNCIA E INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO, FALTA DE FUNDAMENTO LEGAL, PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO.
Sumário:I. Tendo sido suscitado como fundamento único do pedido impugnatório, a falta de fundamento legal do ato administrativo, reconduzível ao vício de violação de lei, tal não se confunde com a sua falta de fundamentação, enquanto vício de natureza formal.
II. Incorre na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por omissão de pronúncia, a decisão que não conhece de questão suscitada nos autos e que deva apreciar, não emitindo sobre ela qualquer pronúncia expressa e não considera o seu conhecimento prejudicado.
III. Conhecendo o Tribunal a quo do vício de falta de fundamentação, que não foi suscitado pelas partes, não incorre na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por excesso de pronúncia, em face do disposto no nº 2 do artº 95º do CPTA, o qual impõe ao juiz o dever de identificar causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.
IV. Sustentando-se o ato impugnado na alínea b) do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 555/99, de 16/12, tem o mesmo suporte ou fundamento legal, pelo que não atuou a Administração sem a respetiva habilitação legal ou em desrespeito do princípio da legalidade.
V. Decisivo quanto à existência de fundamento legal para decidir é que uma norma com força e forma de lei reconheça à Administração o poder de agir, de emanar atos administrativos, não podendo ser praticado nenhum ato de categoria inferior à lei sem fundamento no bloco da legalidade, segundo o princípio da reserva de lei ou o princípio da legalidade-fundamento.
VI. Não procede a falta de fundamentação do ato, enquanto vício de natureza formal, se for possível conhecer, ainda que de forma sucinta e abreviada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito, sendo essa fundamentação compreendida pelo destinatário direto do ato, que se dispõe a impugná-lo contenciosamente, organizando a sua defesa de forma racional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O Município de Oeiras, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, datado de 29/02/2008 que, no âmbito da ação administrativa especial instaurada por ...e mulher, ..., julgou a ação procedente, anulando o ato impugnado, que ordenou a demolição das obras executadas no nº 23 da Calçada Conde de Tomar, freguesia de Cruz Quebrada, concelho de Oeiras, por falta de licença municipal, por procedência do vício de falta de fundamentação.

Formula o aqui recorrente nas respetivas alegações (cfr. fls. 170 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

A. Face ao raciocínio argumentativo expedido na Petição Inicial dos A.A. e aos elementos de prova carreados para o processo por ambas as partes, a seleção dos factos considerados relevantes apresenta-se como insuficiente.

B. O Tribunal apenas aproveitou alguns (poucos) elementos probatórios selecionados, excluindo, sem que se entenda a razão, outros factos com manifesta relevância para a boa decisão da causa.

C. É com grande surpresa, face aos articulados apresentados pelas partes, que o acórdão recorrido propugna a anulabilidade do ato por falta de fundamentação do ato em causa.

D. Do ponto de vista jurídico afigura-se substancialmente diverso considerar que o ato carece de fundamento legal ou considerar que o ato carece de fundamentação.

E. Na sua decisão o juiz não está limitado às alegações das partes no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação do direito. Todavia, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes.

F. O acórdão recorrido não só não decide as questões suscitadas pelas partes, como as desconsidera em absoluto, optando por uma decisão de pretensa falta de uma formalidade como seja a fundamentação, eximindo-se à apreciação da questão de fundo e do mérito da ação.

G. Discorda-se com a decisão propugnada no acórdão ora recorrido porquanto o ato sub juidicio se encontra corretamente fundamentado.

H. O ponto de vista relevante para apreciar se o conteúdo da fundamentação é suficiente é o da compreensibilidade do destinatário médio, colocado na situação concreta, devendo dar-se por cumprido o dever legal se a motivação contextualmente externada lhe permitir perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir ou a escolher a concreta medida por ele adotada.

I. Na situação concreta sub judice os ora recorridos bem conheciam quais as obras abrangidas pelo ato que posteriormente impugnaram, tanto mais que sucessivas vezes fazem menção ao muro construído, chegando mesmo a admitir a realização dessas obras sem a necessária licença para o efeito.

J. Tendo em conta o conteúdo do ato impugnado à luz do artigo 125.º, n.° 1 do CPA: fundamentos de facto: foram realizadas obras sem que para o efeito se possuísse a necessária licença municipal exigida por lei, o que determina a ordem de demolição constante do ato; fundamentos de direito: artigos 106.° e 107.° do Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 177/2001, de 4 de junho.

L. É preciso ter em conta todo o inter procedimental precedente, toda a sucessão de atos antecedentes, designadamente o embargo das obras de construção do muro e é preciso ter em conta que, presente o ato impugnado a um destinatário médio, mas neste caso concreto, então, tem que dar-se por cumprido o dever legal uma vez que, como vem sendo sobejamente entendido a nível jurisprudencial, a motivação contextualmente externada permite perceber quais as razões de facto e de direito que determinaram o autor do ato a agir ou a escolher a concreta medida por ele adotada.

M. Não restam dúvidas de que in casu os A.A. bem conheciam quais as obras em causa e quais as razões que motivavam a ordem de demolição, não cabendo aqui a Tribunal o papel de se lhes substituir, invocando razões que lhes são estranhas.”.

Pede a revogação do acórdão recorrido.


*

Os recorridos não contra-alegaram.

*

O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por entender ser percetível para os litigantes todo o conteúdo e finalidade do ato impugnado.

Além disso, pugna por incumbir ao julgador inteirar-se de todos os elementos que reputa imprescindíveis à boa resolução da causa, impondo-se, previamente à prolação da decisão final, que obtivesse das partes e, porventura, das testemunhas arroladas, os necessários esclarecimentos.

Nenhuma das partes suscitou, sequer perfunctoriamente, a questão da falta de fundamentação do ato impugnado ou a inobservância do disposto no artº 124º do CPA, pelo que, o Tribunal conheceu de questão que não lhe foi colocada, prescindindo, ao invés, de se pronunciar sobre as inerentes aos autos e que cumpria dilucidar.

Deste modo, incorre o aresto na nulidade prevista no artº 668º, nº 1, alínea d) do CPC, não podendo o recurso deixar de merecer provimento.


*

Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do CPC ex vi artº 140º do CPTA.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de nulidade e de erro de julgamento, quanto ao conhecimento e decisão do vício de falta de fundamentação, que não foi suscitado pelas partes, em detrimento da questão suscitada, de falta de fundamento legal do ato, cujo conhecimento e decisão foram omitidos.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1) O Município de Oeiras remete ao aqui 1º Autor o oficio nº 16287, em 4 de abril de 2007, no qual se refere, designadamente:

No uso da delegação de competências que me foram atribuídas, fica V. Exa. por este meio notificado de que é Intenção desta Edilidade ordenar a demolição das obras executadas na Calçada Conde de Tomar nº 23, na Cruz-Quebrada, obra essa que V. Exa. realizou sem que para o efeito: possuísse a necessária licença municipal exigida por lei.

Caso V. Exa. não proceda à demolição por sua Iniciativa, no prazo de 30 dias a contar da data de receção do presente oficio, é Intenção desta Câmara Municipal realizá-la a expensas de V. Exa., debitando-lhe posteriormente os custos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 106, nº 4, do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, na redação do Decreto-lei nº 177/2001, de 4 de junho, sem prejuízo do procedimento criminal por desobediência, nos termos do artigo 348 do Código Penal “ex vi” artigo 100º do citado diploma.

Para a execução coerciva desta demolição, é ainda intenção da Câmara Municipal de Oeiras tomar a posse administrativa do Imóvel, nos termos previstos no artigo 107, nº 1 do Decreto-Lei n 555/99, de 16 de dezembro, na redação do Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de junho. A posse administrativa mantém-se durante o período necessário à execução da obra de demolição.” (Cfr. fls. não numeradas PA – Procº Not nº 30/06)

2) A presente Ação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em 4 de maio de 2007. (Cfr. fls. 2 sg SITAF);”.


*

Nos termos do artº 712º do CPC, porque relevantes para a decisão a proferir e ser manifesta a insuficiência da factualidade assente pelo Tribunal a quo, aditam-se os seguintes Factos Assentes:

3) Os autores adquiriram o imóvel, a que se refere o nº 23 da Calçada Conde de Tomar, Cruz Quebrada, já licenciado pela autarquia de Oeiras – acordo;

4) No referido imóvel sempre existiu um muro de suporte – acordo;

5) Em 04/03/2002, os ora autores apresentaram requerimento, sob nº 2717, apresentando projeto de substituição do muro de suporte de terras em causa e juntando o respetivo projeto de estrutura – acordo e cfr. proc. nº 458PB/77;

6) Este requerimento, em 03/04/2002, foi objeto de Informação do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística, que refere que o projeto de estabilidade apresentado só seria de aceitar depois de retificada a planta do piso da moradia (representado na peça desenhada em desconformidade com as telas finais) ou, em alternativa, a apresentação de um projeto de alterações à arquitetura aprovada – cfr. proc. nº 458PB/77;

7) Sobre a Informação antecedente, em 04/04/2002, recaiu o seguinte despacho: “Concordo. Caso o requerente pretenda efetuar quaisquer alterações como as que vêm descritas, deverá apresentar projeto de alterações próprio.” – cfr. proc. nº 458PB/77;

8) Em 09/04/2004 o 1º autor foi notificado do despacho antecedente – cfr. proc. nº 458PB/77;

9) Em 27/07/2004 deu entrada novo requerimento, sob nº 18168, para a realização de obras de conservação, de rebocos e pinturas exteriores – cfr. proc. nº 458PB/77;

10) Sobre o requerimento antecedente recaiu a Informação técnica da DLAA/NT, de 24/08/2004, que refere estar em causa uma reparação e pintura exterior de habitação unifamiliar que não implicará qualquer modificação de tipo de materiais, geometria e cores exteriores existentes – cfr. proc. nº 458PB/77;

11) Sobre tal pretensão recaiu despacho de deferimento – cfr. proc. nº 458PB/77;

12) Tendo sido dado início às obras – acordo;

13) Em 22/01/2005 a agente da Polícia Municipal, Filomena Maria Pires Pinto, verificou que os autores procederam à alteração da topografia do terreno envolvente, resultante da “remoção de terras junto ao alçado lateral direito e no logradouro do alçado tardoz”, sem possuir a necessária licença administrativa ou autorização municipal, elaborando o Auto de Notícia nº 158/05/SPM, por contraordenação – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

14) Em sequência, em 24/01/2005, foi elaborada a Informação nº 595/05/SPM, que repete os factos constantes do Auto de Notícia e refere que o proprietário, em 27/07/2004, apenas efetuara um pedido para obras de conservação – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

15) Em 25/01/2005 recaiu o seguinte despacho: “Concordo. Embargue-se” e depois, “Concordo. À consideração do Sr. Vereador Dr. ...” – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

16) Em sequência foi ordenado o embargo, nos termos do Mandado de Embargo nº 06/2005, de 25/01/2005 – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

17) Em cumprimento do referido mandado, em 28/01/2005, o agente municipal Ricardo Santos, deslocou-se ao local da obra e procedeu ao embargo dos trabalhos de alteração da topografia do terreno envolvente ao imóvel em causa, descrevendo o estado da obra, em modo coincidente com a descrição efetuada no Auto de Notícia nº 158/05/SPM – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

18) Lavrada certidão de notificação do mandado de embargo, foi a mesma assinada pelo 1º autor – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

19) Em 03/03/2005, mediante ofício nº 022866/SPM/SAAE (PM), foi o 1º autor notificado de que a obra havia sido embargada com o fundamento de falta de licença administrativa para o efeito “em violação do disposto do nº 2, alínea b) do artigo 4º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 177/01 de 4 de junho” e advertido que o embargo se mantinha pelo prazo de um ano, “devendo os trabalhos manterem-se parados até ser proferida decisão que defina a situação jurídica da intervenção de caráter definitivo” – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

20) Desse ofício foi o 1º autor notificado – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

21) Em 13/06/2005 o 1º autor apresentou requerimento de projeto de alterações, sob nº 10535/05, com vista a legalizar as obras já efetuadas e ao licenciamento de outras obras a realizar – cfr. processo nº 458PB/77;

22) Em apreciação do requerimento antecedente, foi elaborada a Informação em que nela se refere que as obras de recompartimentação do piso 0 da moradia não apresenta inconveniente do ponto de vista da construção, que quanto à modelação do terreno, “O projeto não tem por base o constante nas telas finais no que diz respeito à modelação envolvente, com especial (…) no logradouro a nascente” e que em visita ao local em 08/10/2005 se constatou que “não se adequa ao perfil natural do terreno, para além de se comprometer desfavoravelmente pela sua relação com a edificação confinante” – cfr. processo nº 458PB/77;

23) Por ofício de 05/04/2006, sob nº OF/89/2006/SAAE/SPM, o 1º autor foi notificado de o requerimento nº 10535/05 ter merecido parecer desfavorável e que no prazo de 30 dias deveria repor a topografia do terreno envolvente ao imóvel em causa ao seu estado anterior – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

24) Em reação, o 1º autor apresentou uma exposição em que alegou que a “reposição da topografia de acordo com o aprovado, que esclarecemos é precisamente o que está a ser executado em obra” – cfr. proc. de embargo nº 06/05, apenso ao processo de notificação nº 30/06;

25) Reapreciado todo o processo, em resposta à exposição, recaiu a Informação nº 761DEU/ARQ/DPGU/2006, de 08/06/2006, dela constando: “(…) 2. Após consulta dos antecedentes e análise do conteúdo da exposição julga-se de informar que os novos elementos em nada alteram a posição técnica anteriormente prestada, sendo um facto de que, a situação descrita como anteriormente existente não corresponde certamente ao constante do processo de construção e expresso nas telas finais, aliás, já assinado pela Edilidade e comunicado ao requerente quando do req. 2717/02 respeitante a um pedido de substituição de um muro de suporte de terras e de modo idêntico interpretado pelo técnico que apresentou a proposta do requerente nas cores convencionais. Neste sentido, é da responsabilidade do titular da edificação responder perante a C.M.O. quanto às obras efetuadas sem o prévio licenciamento, não se reconhecendo à situação referida como “existente” qualquer posição adquirida que possa ultrapassar a correta adequabilidade da modelação do logradouro face aos perfis naturais e iniciais do terreno e a sua articulação com os lotes confinantes (…)”– cfr. processo nº 458PB/77;

26) Dela foi o 1º autor notificado – cfr. processo nº 458PB/77;

27) Em 07/12/2006, após visita ao local, o agente Bruno Henriques verificou que não foi reposta a topografia do terreno que envolve o imóvel e que no logradouro tardoz e no lateral direito foi concluído um muro de suporte de terra e um corpo de alvenaria, sem a respetiva licença/autorização municipal, elaborando o respetivo Auto de Notícia de contraordenação – cfr. INFV/1759/SU/SPM.

DO DIREITO

Considerada a factualidade dada por assente, importa entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem de precedência.

Na presente ação administrativa especial vieram os autores impugnar o ato administrativo assente em 1) dos Factos Assentes, nos termos do qual foi ordenada a demolição de obras realizadas sem licença ou autorização municipal, traduzidas na edificação de muro de suporte que altera a topografia do terreno envolvente ao imóvel em causa e sob advertência de que a não realização da demolição da obra no prazo de trinta dias, é intenção da edilidade realizá-las a expensas do proprietário.

Como fundamento único do pedido impugnatório, alegado pelos autores na petição inicial, carece o ato administrativo, que ordenou a demolição das obras executadas, de fundamento legal, alegando para o efeito que pretendiam manter a edificação nas condições existentes à data da construção e que, nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 6º do D.L. nº 555/99, de 04/06, tal não carece de licença ou de autorização municipal, pelo que, o ato impugnado é contrário á lei, por ausência de fundamento legal.

Nos termos do acórdão ora sob censura, veio o Tribunal a quo a julgar procedente o pedido impugnatório, com base na procedência do vício de falta de fundamentação.

É precisamente contra o decidido que se insurge o recorrente, Município de Oeiras, alegando, por um lado, a insuficiência na seleção dos factos relevantes e, por outro, não só que o Tribunal a quo não decidiu as questões suscitadas pelas partes, eximindo-se à apreciação da questão de fundo e do mérito da ação, como conheceu e decidiu de questão não suscitada, a qual se apresenta incorretamente decidida, por não poder proceder tal vício da carência de fundamentação.

Explanados os termos do litígio e as questões suscitadas no presente recurso, delas se impõe conhecer e decidir.

1. Dos fundamentos de nulidade do acórdão recorrido

A sentença, enquanto decisão judicial, pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:

i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);

ii) como ato jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artº 668º do CPC.

O recorrente não dirige contra o acórdão recorrido, de forma expressa, que o mesmo enferma de nulidade.

Contudo, mostra-se invocada, quer a insuficiência da fundamentação de facto, quer a falta de decisão sobre as questões suscitadas pelas partes e, quer ainda, que foi conhecida e decidida questão não suscitada pelas partes, o que permite subsumir o alegado, pelo menos, à nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Do mesmo modo, pugna o Ministério Público no seu parecer, no sentido de o acórdão recorrido enfermar da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Vejamos.

No que respeita à invocada insuficiência de fundamentação é sabido que a mesma não se confunde com a ausência de fundamentação, sendo que apenas esta última integra a nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Atenta a manifesta falta de fundamentos de facto em que o Tribunal se estribou para assentar a solução de direito, ainda que restrita ao vício de falta de fundamentação do ato impugnado, e que determinou que este Tribunal de recurso tivesse procedido ao aditamento de factos, nos exatos termos antecedentes, pode dizer-se que no caso concreto, atenta a tamanha insuficiência, é pouco nítida a fronteira entre as aludidas, insuficiência e ausência de factos.

Contudo, por o Tribunal a quo não ter omitido in totum a respetiva fundamentação de facto, ocorre apenas a sua insuficiência, que foi suprida por este Tribunal de recurso, pelo que, em consequência, não pode falar-se em ausência de fundamentação e na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artº 668º do CPC.

Relativamente à nulidade a que se refere a alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, mostra-se invocado, quer a omissão de pronúncia, quer o excesso de pronúncia.

No que se refere a este fundamento de nulidade, a que alude a alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por omissão de pronúncia, a mesma ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto é, quando o tribunal não aprecia e/ou decide uma questão que foi chamado a resolver.

Significa ausência de posição expressa ou de decisão expressa do tribunal sobre as matérias que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal em sede de pedido, causa de pedir e exceções (excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), bem como sobre as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual – vide artºs. 668º, nº 1, al. d) e 660º, nº 2 do CPC, o Acórdão do STA de 07/06/2005, proc. nº 1110/04; ANTUNES VARELA, in RLJ 122º, pág. 112; ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, pág. 143; LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, 2º Vol., 2ª ed., anotação ao nº 2 ao art. 660º e ao nº 3 ao art. 668º.

O juiz deve conhecer todas as questões que lhe foram submetidas, isto é, todos os pedidos e todas as causas de pedir, pelo que, o não conhecimento de questão cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento anterior de outra questão, integra a nulidade por omissão de pronúncia.

No caso dos autos foi alegado como fundamento único do pedido de impugnação do ato administrativo, a falta de fundamento legal para a sua prática, questão esta que foi omitida pelo Tribunal a quo, conhecendo-se, ao invés do vício de violação de lei invocado, da questão da falta de fundamentação do ato impugnação, enquanto vício de natureza formal e exterior à sua legalidade intrínseca.

Tudo parece decorrer dos autos que o Tribunal a quo tenha incorrido em confusão quanto ao fundamento do pedido impugnatório, confundido o vício de violação de lei, isto é, a ausência de base legal para a prática do ato impugnado, com o vício formal, de falta de fundamentação.

Assim, passou o Tribunal a quo a conhecer e a decidir o pedido com base numa questão não suscitada pelas partes, deixando de conhecer do realmente suscitado, pelo que, por este motivo, assiste razão ao recorrente quando alega que foi desconsiderado, em absoluto, o alegado e suscitado pelas partes e que o Tribunal se eximiu de apreciar da questão de fundo e do mérito da causa.

Além disso, não foi sequer emitido um qualquer juízo de prejudicialidade em relação à questão omitida, que permitisse dizer que o Tribunal sobre ela não deixou de se pronunciar, ainda que para julgar prejudicado o seu conhecimento.

Como é jurisprudência corrente, a nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1, do artigo 668º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, devendo apreciar as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras – cfr. entre muitos outros, o Acórdão do STA de 13/05/2003, proc. 204/02.

Em face do exposto, não pode, pois, deixar de se concluir pela nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia em relação à questão suscitada nos autos, quanto a saber se o ato impugnado carece de fundamento legal para a sua prática, por a mesma ter sido totalmente omitida, não existindo qualquer pronúncia, expressa ou implícita, sobre tal questão, nem a mesma ter sido considerada prejudicada.

No que concerne ao pretenso excesso de pronúncia, em rigor, o mesmo não pode proceder, pois nos termos do disposto no nº 2 do artº 95º do CPTA, nos processos impugnatórios, como este a que respeitam os autos, o Tribunal deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas pelas partes, pelo que, o conhecimento de fundamento de invalidade diferente do que foi alegado pelos autores, não enferma de nulidade a decisão judicial recorrida.

Mostra-se, contudo, preterida a formalidade prescrita nesse preceito legal, já que a identificação de causas diversas de ilegalidade deve ser acompanhada da notificação das partes para apresentar alegações complementares no prazo comum de 10 dias, por exigências do princípio do contraditório, o que no caso foi omitido, em prejuízo das partes.


*

Termos em que, procede a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por ter sido omitida pelo tribunal a quo a questão que se mostra suscitada como fundamento do pedido.

*

Cumpre decidir, em substituição.

2. Da falta de fundamento legal e da falta de fundamentação do ato impugnado

Alegam os autores como fundamento único da presente ação administrativa, de natureza impugnatória, que o mesmo carece de fundamento legal, isto é, que foi praticado sem habilitação legal, por não haver norma legal que fundamente a prática do ato sob censura.

Tal fundamento do pedido relaciona-se com a questão de saber se as obras realizadas pelos autores, relativas à edificação de muro de suporte no prédio de que são proprietários, carece de autorização ou de licenciamento municipal.

Sustentam os autores que tal obra edificada não depende de qualquer título autorizativo municipal, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 6º do D.L. nº 555/99, de 04/06, ou seja, que estavam dispensados de licenciamento municipal prévio.

Sem razão.

Conforme se extrai da factualidade aditada por este Tribunal de recurso, estão as partes de acordo que já anteriormente existia um muro de suporte no prédio em causa e que os autores, sob invocação da “reposição” da situação urbanística anteriormente existente, edificaram esse mesmo muro de suporte em termos diferentes do existente.

Com efeito, o que decorre da factualidade apurada, alicerçada nos documentos que integram os vários processos administrativos e que assentam nas várias visitas ao local, efetuadas por diversos agentes municipais, é que os autores edificaram um muro de suporte em condições diferentes do que existia anteriormente, tendo alterado o relevo natural do terreno, mediante alteração material do terreno, por forma a criar artificialmente o declive patenteado nos desenhos e nas plantas juntas aos respetivos processos.

Assim, em face de tão ampla prova produzida, toda no sentido de ter sido realizada obra que altera a topografia do terreno, forçoso se tem de concluir pela necessária licença ou autorização municipal e, consequentemente, não assistir razão aos autores quando alegam estarem dispensados de tal licenciamento ou autorização e carecer o ato impugnado de fundamento legal bastante.

Isto é, ao contrário do alegado pelos autores, o ato impugnado tem suporte ou fundamento legal, nos termos da alínea b) do nº 2 do artº 4º e da alínea l), do artº 2º, do D.L. nº 555/99, de 16/12, na redação dada pelo D.L. nº 177/2001, de 04/06, nos exatos termos invocados pela entidade demandada, ora recorrente, isto é, de estarem sujeitos a licença municipal os “trabalhos de remodelação de terrenos”, os quais são, segundo a formulação legal, as operações urbanísticas que implicam “a destruição do revestimento vegetal, a alteração do relevo natural e das camadas do solo arável ou o derrube de árvores de alto porte ou em maciço para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais ou mineiros”.

Pelo que, não atuou a Administração sem a respetiva habilitação legal ou em desrespeito do princípio da legalidade quando praticou o ato impugnado.

Conforme refere a doutrina, enquanto direta decorrência do modelo de Estado de Direito democrático, proclamado no artº 2º da Constituição, o princípio da legalidade preside ao exercício de cada competência confiada aos órgãos administrativos, deixando de formar “apenas um limite da autonomia pública”, ou até “uma base genérica positiva” para o exercício das competências, para tornar-se no fundamento positivo de cada uma das decisões administrativas – cfr. Sérvulo Correia, “Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos”, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 491.

Além disso, como acentua Freitas do Amaral, “não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça”, pois “segundo o princípio da liberdade, que proíbe; segundo o princípio da competência [aplicável à Administração Pública], pode fazer-se apenas aquilo que a lei permite” – videCurso de Direito Administrativo”, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 43.

Por isso se diz que a Administração só pode praticar (validamente) um ato, desde que o mesmo resulte de “um quadro ou descrição fundamental suficiente para demarcar o âmbito da atuação autoritária do órgão sobre as esferas jurídicas dos administrados” – cfr. Sérvulo Correia, obra cit., págs. 492-493.

Por outras palavras, decisivo quanto à existência de fundamento legal para decidir, é que uma norma com força e forma de lei reconheça à Administração tal poder de decidir, isto é, o poder de agir, de emanar atos administrativos “se e na medida em que a norma jurídica lho permitir”, em que não pode ser praticado nenhum ato de categoria inferior à lei sem fundamento no bloco da legalidade, segundo o princípio da reserva de lei ou o princípio da legalidade-fundamento – Freitas do Amaral, obra cit., pág. 48-50.

Donde, não tem razão de ser pôr em crise que o exercício da competência administrativa em causa careça de uma prévia habilitação por norma constante de ato legislativo, já que a norma invocada pelo recorrente, a alínea b) do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 555/99, de 16/12, constitui norma habilitante que determina as circunstâncias em que a Administração pode agir, conferindo-lhe poder bastante para a prática do ato impugnado.

Em consequência, terá de improceder o fundamento em que se baseia o pedido impugnatório formulado na presente ação administrativa.

Por outro lado, no que se refere ao vício de falta de fundamentação do ato impugnado, enquanto vício de natureza formal, nos termos em que decorrem do facto assente em 1), ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não pode o mesmo proceder, pois, ainda que de forma sucinta e abreviada, é possível conhecer quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito do ato sob censura, isto é, que o ato impugnado se deve à edificação ilegal, por não ser precedida de licença ou de autorização municipal, de obras no prédio em causa, e os normativos de direito aplicáveis, que fazem depender a construção da obra em causa de prévio licenciamento administrativo municipal.

Em momento algum os autores alegaram não ter compreendido ou apreendido o teor do ato impugnado, além de que manifestam a sua total compreensão, quer quanto aos motivos de facto, quer quanto aos fundamentos de Direito, carecendo de razão o julgado anulatório da 1ª instância.

Nos termos do nº 1 do artº 125º do CPA, “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.”.

Estão sujeitos a fundamentação os atos administrativos que, independentemente da sua legitimidade ou licitude, influam de modo desfavorável na esfera jurídica dos cidadãos – vide, José Carlos Vieira de Andrade, inO Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos”, Almedina, pp. 95.

O objetivo da fundamentação do ato administrativo, tem em vista que os destinatários os compreendam e deles possam discordar.

Porque assim é, a Lei fundamental “exige” uma fundamentação “expressa e acessível” e o Código do Procedimento Administrativo, que a mesma seja clara, suficiente e congruente (nº 3 do artº 268º da CRP e nº 2 do artº 125º do CPA).

O nº 1 do artº 125º do CPA admite a fundamentação por remissão, ou, como aí se diz, a fundamentação pode consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante da fundamentação”.

A regra geral de fundamentação dos atos administrativos impõe-se para conhecer o íter cognitivo e volitivo da Administração e permitir a respetiva defesa pelo interessado, oscilando o grau de exigência da fundamentação, consoante a natureza do ato administrativo – a este respeito vide José Carlos Vieira de Andrade, inO Dever de Fundamentação Expressa de Atos Administrativos”, Almedina.

Apenas estará fundamentado o ato que, por revelar os motivos de facto e de direito, com referência à aplicação dos normativos aplicáveis, permita compreender as razões que estiveram na sua base, o que no caso, se verifica, quer em relação aos seus destinatários, quer em relação a qualquer declaratário médio.

No caso trazido a juízo, embora se admita que o ato recorrido pudesse encontrar-se melhor fundamentado de facto, mediante concretização dos factos integradores das razões da sua prática, o certo é que, ainda assim, são compreensíveis as razões do ato recorrido, que os autores revelam conhecer e compreender.

Além disso, não há dúvidas de ser finalidade última do dever de fundamentação prescrito na lei o de permitir aos interessados compreender o sentido das decisões administrativas tomadas, a fim de das mesmas compreender e poder delas discordar, finalidade esta que se mostra inteiramente realizada em juízo, podendo os recorridos, nos termos que decorrem da própria petição inicial, impugnar o teor do ato sob censura e contrapor factos ou argumentos.

Nos termos do vício em análise, não está em causa a legalidade da decisão tomada, por essa matéria ser alvo de apreciação nos termos dos vícios de natureza substantiva, mas antes a sua validade formal, resultando provado que o ato impugnado está fundamentado, por revelar os motivos de facto e de direito que estiveram na sua base, com referência à aplicação dos normativos aplicáveis.

Assim, admitindo-se que o mesmo poderia ser mais completo, ainda assim, permite, sem margem para dúvidas, dar a conhecer as menções obrigatórias previstas no artº 123º do CPA, isto é, permite determinar inequivocamente o seu sentido, alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo, não existindo falta de determinabilidade da fundamentação, não se mostrando, por essa razão, violado tal preceito.

Deste modo, impõe-se concluir não poder proceder o vício de falta de fundamentação do ato impugnado, por dele resultar a sua própria fundamentação, mostrando-se igualmente compreendido o íter volitivo pelos interessados, ora recorridos.

Incorre, por isso, o acórdão recorrido em erro de julgamento de direito quando anulou o ato impugnado com base no vício de forma, por falta de fundamentação.


*

Pelo que, com base no exposto, procedem na totalidade as conclusões do presente recurso.

*

Em suma, pelo exposto, procede o recurso que se nos mostra dirigido, com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia e em erro de julgamento, revoga-se o acórdão recorrido e, em substituição, julgam-se improcedentes os vícios de falta de fundamento legal e de falta de fundamentação, mantendo o ato impugnado na ordem jurídica.

*

Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Tendo sido suscitado como fundamento único do pedido impugnatório, a falta de fundamento legal do ato administrativo, reconduzível ao vício de violação de lei, tal não se confunde com a sua falta de fundamentação, enquanto vício de natureza formal.

II. Incorre na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por omissão de pronúncia, a decisão que não conhece de questão suscitada nos autos e que deva apreciar, não emitindo sobre ela qualquer pronúncia expressa e não considera o seu conhecimento prejudicado.

III. Conhecendo o Tribunal a quo do vício de falta de fundamentação, que não foi suscitado pelas partes, não incorre na nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do CPC, por excesso de pronúncia, em face do disposto no nº 2 do artº 95º do CPTA, o qual impõe ao juiz o dever de identificar causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.

IV. Sustentando-se o ato impugnado na alínea b) do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 555/99, de 16/12, tem o mesmo suporte ou fundamento legal, pelo que não atuou a Administração sem a respetiva habilitação legal ou em desrespeito do princípio da legalidade.

V. Decisivo quanto à existência de fundamento legal para decidir é que uma norma com força e forma de lei reconheça à Administração o poder de agir, de emanar atos administrativos, não podendo ser praticado nenhum ato de categoria inferior à lei sem fundamento no bloco da legalidade, segundo o princípio da reserva de lei ou o princípio da legalidade-fundamento.

VI. Não procede a falta de fundamentação do ato, enquanto vício de natureza formal, se for possível conhecer, ainda que de forma sucinta e abreviada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito, sendo essa fundamentação compreendida pelo destinatário direto do ato, que se dispõe a impugná-lo contenciosamente, organizando a sua defesa de forma racional.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, em revogar o acórdão recorrido por nulidade por omissão de pronúncia e por erro de julgamento e, em substituição, em julgar improcedentes os vícios de falta de fundamento legal e de falta de fundamentação, mantendo o ato impugnado na ordem jurídica.

Custas pelos recorridos em ambas as instâncias.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)


(Maria Cristina Gallego Santos)


(António Paulo Vasconcelos)