Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1168/98
Secção:Contencioso Administrativo- 1.ª secção, 1.ª subsecção
Data do Acordão:01/24/2002
Relator:José Francisco Fonseca da Paz
Descritores:AJUDAS DE CUSTO
DOMICÍLIO PROFISSIONAL
PROVA SUFICIENTE
NECESSIDADE DE ESPECIFICAÇÃO E QUESTIONÁRIO
ANULAÇÃO DA SENTENÇA
CÂMARA MUNICIPAL DE VILA NOVA DE GAIA
ATERRO SANITÁRIO DE CANEDO
Sumário:1. Decorre do art. 2º do D.L. nº 519-M/79, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 248/94, que, para efeitos de abono de ajudas de custo, o domicílio profissional é a área delimitada pela periferia da localidade onde o funcionário ou agente toma posse do cargo se aí ficou a prestar serviço ou daquele onde exerce as respectivas funções se for colocado noutro local;
2. Mostra-se relevante para efeitos de aplicação do nº 3 do art. 6º do D.L. nº 519-M/79, na redacção resultante do D.L. nº 248/94, apresentar prova que permita a demonstração de que as deslocações dos recorridos abrangem mais de um Município e são inerentes ao exercício das respectivas funções;
3. Se os factos provados documentalmente e admitidos por acordo não permitem uma decisão conscienciosa do pedido, atento à existência de matéria de facto controvertida que interessa à resolução do pleito, haverá que elaborar especificação e questionário e ordenar que as partes apresentem o rol testemunhas e requeiram a produção de quaisquer outros meios de prova, nos termos do art. 845º do C. Administrativo, aplicável por força do art. 24º, al. a), da LPTA e 51º, nº 1, al. c), do ETAF, anulando-se a sentença recorrida.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO
1. O Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, inconformado com a sentença do TAC do Porto, que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto por F... e V...do acto de indeferimento tácito dos seus requerimentos de 22/7/96, onde solicitavam que lhes fossem pagas ajudas de custo, dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“1ª - A douta sentença deu como provado que os recorridos tomaram posse dos seus cargos na Câmara Municipal de V.N. Gaia, para aí exercerem funções e onde estão colocados;
2ª - porém, não resulta dos autos que os recorridos tenham tomado posse dos seus cargos para exercerem funções na Câmara Municipal de V.N. Gaia e nela estejam colocados;
3ª - pelo que a sentença violou o disposto nos arts. 664º e 659º nº 3 do CPC;
4ª - a sentença recorrida enferma ainda da nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º do C.P.C., ao não se pronunciar sobre se os recorridos foram colocados no aterro de Canedo uma vez que deu como assente que aqueles ali exerciam as suas funções;
5ª - por outro lado, impunha-se dar como assente que o exercício das funções dos recorridos no aterro sanitário de Canedo, concelho de Santa Maria da Feira, tem carácter permanente, por ser facto que resulta dos autos;
6ª - exercendo os recorridos as suas funções no aterro sanitário de Canedo, facto este dado como provado na sentença, o domicílio profissional daqueles é em Canedo, concelho de Santa Maria da Feira;
7ª - a douta sentença, ao considerar que o domicílio profissional dos recorridos, para efeitos de ajudas de custo, é a periferia da localidade da sede do Município de V.N. Gaia, decidiu em desconformidade com os seus fundamentos, o que a afecta da nulidade prevista no art. 668º nº 1 al. c) do CPC;
8ª - ao decidir que o domicílio profissional dos recorridos, para efeitos de ajudas de custo, é a periferia da localidade da sede do Município de V.N. Gaia, a douta sentença violou o art. 2º do D.L. nº 519-M/79, de 28/12, na redacção dada pelo D.L. nº 248/97, de 7/10;
9ª - por último, decidindo a douta sentença pela percepção de ajudas de custo dos recorridos devida pela sua deslocação permanente ao aterro para aí exercerem as suas funções, violou também o art. 13º do D.L. 519-M/79”.
Os recorridos contra-alegaram, concluindo que devia ser negado provimento ao recurso.
O digno Magistrado do M.P. junto deste TCA emitiu parecer, onde concluiu que o recurso não merecia provimento.
Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. Consideramos provados os seguintes factos:
a) O recorrido F... é funcionário da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tendo nesta cidade tomado posse, em 15/3/89, no lugar de Condutor de Máquinas Pesadas e Veículos Especiais Principal;
b) O recorrido Cândido Ventura é funcionário da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, tendo nesta cidade tomado posse, em 2/11/92, no cargo de Apontador;
c) os referidos recorridos encontram-se, por ordens superiores, a desempenhar funções no Aterro Sanitário de Canedo, Concelho de Santa Maria da Feira;
d) através dos requerimentos constantes de fls 5/6 e 7/8 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, os recorridos F... e C...solicitaram, em 22/7/96, ao Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que este mandasse pagar-lhes as ajudas de custo que lhes eram devidas pelo facto de terem o seu domicílio profissional em Vila Nova de Gaia e se deslocarem diariamente para prestarem serviço em Canedo;
e) sobre os requerimentos aludidos na alínea anterior não foi proferida decisão expressa.
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2.2. A sentença impugnada concedeu provimento ao recurso contencioso interposto pelos ora recorridos do acto de indeferimento tácito dos requerimentos referidos na al. d) dos factos provados, com fundamento na verificação de vício de violação de lei por infracção dos arts. 2º e 6º, nº 3, do D.L. nº 519-M/79, de 28/12, ambos na redacção resultante do D.L. nº 248/94, de 7/10.
Para o efeito, a sentença considerou provados os seguintes factos relevantes:
“ o recorrente F... é condutor de máquinas pesadas e veículos especiais principal, exercendo as suas funções na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, onde tomou posse (cfr. fls. 27 e 39) e onde ficou estabelecido que exerceria as suas funções (Concelho de Vila Nova de Gaia) - cfr. fls. 37 a 41;
O recorrente C... exerce a função de apontador, na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, onde tomou posse e no local onde ficou estabelecido que o serviço seria prestado (Concelho de Vila Nova de Gaia) – cfr. fls. 42 a 53;
os recorrentes exercem as suas funções no aterro sanitário de Canedo, sito no Concelho de Santa Maria da Feira, por ordem, direcção e fiscalização da Câmara Municipal de Gaia”.
Com base nestes factos, entendeu-se na sentença que o domicílio profissional dos recorridos era a periferia de Vila Nova de Gaia, dado o disposto no citado art. 2º e atento a que foi nesta localidade que eles tomaram posse dos seus cargos para aqui exercerem funções, sendo nela que estavam colocados. E porque eles, para o exercício das suas funções, se deslocavam permanentemente para Canedo, no Concelho de Santa Maria da Feira, tinham direito ao abono de ajudas de custo, nos termos do citado art. 6º nº 3.
Nas conclusões 1ª a 3ª da sua alegação, o recorrente invoca que a sentença violou o disposto nos arts. 664º e 659º, nº 3, dado que não se podia dar como provado que os recorridos tomaram posse dos seus cargos para exercerem funções na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e nesta estavam colocados.
Mas, analisando o teor da matéria fáctica dada como provada na sentença, constata-se que dela não consta que os recorridos estavam colocados na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pelo que neste aspecto não assiste razão ao recorrente.
Já lhe assiste razão, porém, quando invoca que a sentença não poderia ter considerado provado que os recorridos exerceriam funções em Vila Nova de Gaia.
Efectivamente, não resulta do termo de posse nem foi alegado pelos recorridos na sua petição que, aquando da respectiva posse, se tenha estabelecido o local do exercício de funções.
Assim, por não ter sido alegado nem estar provado documentalmente, a sentença recorrida não poderia considerar provado o aludido facto.
Foi, pois, infringido o disposto no nº 3 do art. 659º do C.P. Civil, o que implica que tenhamos alterado a matéria de facto dada como provada na sentença (cfr. art. 712º, nº 1, al. a), do C.P. Civil), não considerando o referido facto para a decisão a proferir.
Como vimos, a sentença concluiu que o domicílio profissional dos recorridos era a periferia da localidade sede do Município de Vila Nova de Gaia, por ser aqui que eles tomaram posse dos seus cargos, exerciam funções e estavam colocados.
Parece-nos, contudo, que em face da matéria fáctica que se poderia considerar provada não era possível extrair tal conclusão.
Vejamos porquê.
Decorre do art. 2º do D.L. nº 519-M/79, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 248/94, que, para efeitos de abono de ajudas de custo, o domicílio profissional é a área delimitada pela periferia da localidade onde o funcionário ou agente toma posse do cargo se aí ficou a prestar serviço ou daquele onde exerce as respectivas funções se for colocado noutro local.
Na contestação apresentada no recurso contencioso, o ora recorrente alegou que embora os recorridos tivessem tomado posse na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia exerceram as suas funções, desde sempre e permanentemente, no aterro sanitário de Canedo (cfr. art. 12º). A simples alegação desta matéria impede que se possa já considerar provado que os recorridos exerciam funções em Vila Nova de Gaia; e a sua prova permitirá que o recorrente demonstre que o domicílio profissional dos recorridos é a área delimitada pela periferia da localidade de Canedo.
Por outro lado, na petição do recurso, os ora recorridos alegaram que mesmo que se considerasse que o seu domicílio profissional era em Canedo ainda assim eles teriam direito a ajudas de custo, dado que, por ordem da Câmara, tinham de se deslocar diariamente a Vila Nova de Gaia para transportarem funcionários e máquinas (cfr. arts. 5º a 8º, 15º e 24º, da petição). Esta matéria de facto impugnada na contestação do ora recorrente (cfr. arts. 13º a 19º) mostra-se relevante para efeitos de aplicação do nº 3 do art. 6º do D.L. nº 519-M/79, na redacção resultante do D.L. nº 248/94, por a sua prova permitir a demonstração de que as deslocações dos recorridos abrangem mais de um Município e são inerentes ao exercício das respectivas funções.
Assim, porque os factos provados documentalmente e admitidos por acordo não permitiam uma decisão conscienciosa do pedido, atento à existência de matéria de facto controvertida que interessa à resolução do pleito, haverá que elaborar especificação e questionário e ordenar que as partes apresentem o rol testemunhas e requeiram a produção de quaisquer outros meios de prova, nos termos do art. 845º do C. Administrativo, aqui aplicável por força do art. 24º, al. a), da LPTA e 51º, nº 1, al. c), do ETAF.
Nestes termos, deve-se anular a sentença recorrida e ordenar que os autos baixem ao TAC do Porto, a fim de aqui ser elaborada a especificação e questionário, prosseguindo-se os ulteriores termos processuais.
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3. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida e ordenando a baixa dos autos ao TAC.
Custas pelos recorridos, fixando-se a taxa de justiça em 170 Euros e a Procuradoria em 85 Euros.
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Entrelinhei: o rol
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Lisboa, 24 de Janeiro de 2002
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Carlos Manuel Maia Rodrigues
Magda Espinho Geraldes