Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 05762/09 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 03/04/2010 |
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Relator: | BENJAMIM BARBOSA |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR. DEPRESSÃO NERVOSA |
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Sumário: | Uma depressão nervosa não integra o conceito de dano irreparável e ou de difícil reparação para efeitos de preenchimento do pressuposto pericullum in mora de uma providência cautelar, na medida em que o estado depressivo, além de ser frequente na generalidade da população, pode ser combatido e mesmo revertido através de adequada terapêutica. |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | 2 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO 2º JUÍZO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL: I – Relatório A Ordem dos Advogados (OA), inconformada com a sentença que em procedimento cautelar contra si intentado por E…….., advogado, considerou procedente o pedido de decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia da deliberação da 1a Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 5 de Setembro de 2008, na parte em que determinou instaurar procedimento disciplinar contra o recorrido, por violação dos deveres consagrados nos art.os 83.°, 86.° n.° 1, al. a), 90.° e 107.° n.° 1, al. a), do EOA, veio interpor recurso jurisdicional em cujas alegações conclui como segue: a) - Ancorada na factualidade dada como assente e, em especial, na circunstância de ter ficado dado como provado que (i) "o requerente, desde que foi notificado da decisão descrita (...) e em consequência do seu teor, vive um quadro depressivo e, não obstante se encontrar a tomar vários medicamentos para combater tal estado, corre o perigo de entrar em depressão''' e que (ii) "em consequência do estado depressivo em que vive, o requerente sente-se desmotivado para prosseguir a sua actividade normal", considerou a MM Juiz do Tribunal a quo que se mostra verificada a existência de um fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação (risco de o Requerente entrar em depressão). b) - Salvo o devido respeito, não assiste razão à MM Juiz a quo, tendo a douta sentença recorrida incorrido no precipitada e errada interpretação e aplicação do disposto no art. 120/2 alínea b) e 3 do CPTA, nos termos que adiante melhor se enunciarão. c) - Conforme bem resulta da douta sentença recorrida, no caso em apreço não se verifica um fundado receio de constituição de facto consumado, "(...) pois embora se encontre provado que foi determinada pela entidade requerida a instauração de processo disciplinar contra o requerente, a verdade é que, caso este obtenha provimento no processo principal, é possível reconstituir a situação que existiria se a decisão de 5.9.2008, da 1a Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados (...) não tivesse sido proferida". d) - Já relativamente ao fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, considerou a douta sentença recorrida que o mesmo se verificaria, porquanto deu como assente que, face aos factos dados como provados, existe "(...) o risco sério de que a execução do acto suspendendo agrave o estado depressivo em que o requerente se encontra, isto é, de o mesmo entrar em depressão". e) - Salvo o devido respeito, não assiste razão à douta sentença recorrida, tendo esta procedido a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 120/1 alínea b) do CPTA. í) - Cumpre, antes de mais, fazer ressaltar que a douta sentença recorrida incorre em contradição nos seus próprios termos, ao afirmar que "provocando a abertura do processo disciplinar um quadro depressivo, o desenvolvimento desse processo disciplinar aprofunda esse quadro depressivo, o que in casu significa entrar em depressão". Com efeito, não poderá, por impossibilidade lógica, considerar-se que a execução do acto suspendendo agrava o estado depressivo em que o recorrido se encontra e, em simultâneo, considerar-se que existe o risco de o mesmo entrar em depressão. g) - Ora, se se entende que o Recorrido apresenta um quadro depressivo desde o momento em que foi notificado da prolação do acórdão suspendendo, imperioso se torna concluir que já se produziram os danos invocados, não sendo os mesmos remediáveis com a sustação do procedimento disciplinar. h) - De todo o modo, sempre se dirá que não se mostra devidamente concretizado em termos de causalidade adequada, de que forma a mera execução do acto suspendendo e consequentemente o desenvolvimento do processo disciplinar, poderá aprofundar o quadro depressivo do recorrido, "(...) o que in casu significa entrar em depressão ". i) - Com efeito, o mero desenvolvimento do processo disciplinar não acarreta para o recorrido qualquer estigma, pois que o mesmo se presume inocente até decisão final, sendo que, até ao despacho de acusação, o processo é de natureza secreta (cfr. art. 120° do E.O.A.). Pelo contrário o que é estigmatizante para o recorrente é precisamente a situação inversa. É ter contra si uma participação disciplinar e os órgãos próprios da agora recorrente não poderem colocar um ponto final ao procedimento disciplinar. j) - A que acresce que, tal como se adianta na douta sentença posta em crise, "(...) o deferimento da providência não significa que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados não deveria ter instaurado processo disciplinar ao requerente ". k) - Se assim é, mal se compreende como pôde a douta sentença ter concluído que o prosseguimento do procedimento disciplinar acarreta o agravamento do estado depressivo do Recorrido, quando é certo que a sua sustação não logra obter qualquer efeito "tranquilizador" para o Recorrido, uma vez que não significa que não lhe deveria ter sido instaurado qualquer processo disciplinar. 1) Daí que, contrariamente ao defendido pela douta sentença recorrida, a reputada desmotivação para prosseguir a sua actividade normal na sequência do quadro depressivo em que o Requerente actualmente vive não assume um grau de intensidade e objectividade tal, susceptível de integrar o requisito de periculum in mora. m) Na verdade, a ora Recorrente limitou-se, nos termos previstos no E.O.A., a determinar a abertura de um procedimento disciplinar contra o Recorrido, por forma a aferir se este incorreu na prática de alguma infracção disciplinar, sendo que, tal decisão, como é bom de ver, não implicou a dedução de uma acusação ou muito menos a aplicação de qualquer pena, nem tão pouco estigmatizou o recorrido, o qual continua a presumir-se inocente até que seja proferida decisão final. Aliás, é a própria sentença recorrida que afirma que, face aos argumentos avançados pela Recorrente no sentido da improcedência dos vícios invocados pelo Recorrido, as razões invocadas por este último "(...) não são muito convincentes (...) ". n) Por último, não poderá deixar de se referir que, contrariamente ao afirmado pela douta sentença recorrida, de forma absolutamente conclusiva e desprovida de qualquer fundamentação, nenhuma dúvida pode haver acerca da simplicidade em quantificar-se a favor do recorrido uma indemnização pelas afecções decorrentes do prosseguimento do processo disciplinar (isto na hipótese de o acto suspendendo vir a ser anulado). o) Pelo que, em face do supra exposto, não poderá deixar de se concluir que os prejuízos em que o requerente funda a presente providência conservatória são facilmente reparáveis - independentemente de merecerem, ou não, ser reparados - não se mostrando, desta forma, preenchido o requisito do periculum in mora constante do art. 120°, n.° 1, alínea b) do CPTA. p) Mas ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a douta sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 120°, n.° 2 do CPTA. q) No presente caso, o Tribunal recorrido considerou que a concessão da providência provocará danos ao interesse público prosseguido pela Recorrente que não se afiguram superiores àqueles que resultariam da sua recusa (risco do recorrido entrar em depressão). r) Salvo o devido respeito, não poderá deixar de se discordar com tal ponderação/juízo de prognose efectuado pelo Tribunal a quo. s) Com o deferimento da presente providência cautelar, fica a Recorrente impedida de prosseguir essa relevante função de prossecução do interesse público, deixando de poder apurar se existe alguma razão para o recorrido não deter as características de honorabilidade, honestidade e integridade entendidas como deveres profissionais. t) Já o interesse privado invocado pelo recorrido é o de não ver prosseguir o procedimento disciplinar cuja instauração foi decretada pelo acórdão suspendendo, sob pena de "entrar em depressão". u) Sucede que, como acima se referiu, a douta sentença recorrida concluiu (e bem) que "(...) o deferimento da providência não significa que o Conselho Superior da Ordem dos Advogados não deveria ter instaurado processo disciplinar ao requerente ", donde resulta que, ao invés do pretendido pelo Recorrido, a suspensão dos efeitos do acórdão suspendendo não lhe irá trazer qualquer "tranquilidade". Efectivamente, tal "tranquilidade" apenas se verificará com a prolação de decisão final no procedimento disciplinar de arquivamento ou de absolvição. v) Donde resulta que, no caso concreto, o interesse público é notoriamente compaginável ao interesse privado, já que se manterá em qualquer caso a existência de uma participação disciplinar, apenas se encontrando suspensa a tramitação do procedimento disciplinar. x) Ou seja, ainda que se admita que a abertura de um processo disciplinar constitui um escolho para o recorrido, certamente que não será maior do que a própria participação disciplinar que contra si foi dirigida e muito menos será maior do que a possibilidade de defender-se da mesma e ver (eventualmente) declarado, por entidade isenta, o seu comportamento como exemplar e sem mácula. z) O interesse público a que a agora recorrente está adstrita a prosseguir constitui, pois, a melhor forma de fazer valer o interesse privado do recorrente que é, conforme alegado, o de exercer a sua nobre profissão sem suspeita ou mácula e dessa forma contribuir para o prestígio da Advocacia que apenas sobrevive com a confiança dos cidadãos. E são estes que exigem ao Estado, através da Ordem Profissional, que fiscalizem os comportamentos daqueles em quem confiam. aa) Termos em que se impõe concluir que a douta sentença recorrida procedeu a uma errada ponderação dos interesses públicos e privados, incorrendo numa errada interpretação e aplicação do disposto no art. 120°, n.° 2 do CPTA. O recorrido alegou defendendo a manutenção do julgado. O EMMP emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso. * II – FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou assente a seguinte II.1 - Matéria de facto 1) A advogada H…………………. aceitou o patrocínio judicial da ex-mulher do requerente, M………….. e, no exercício desse patrocínio, requereu no Tribunal de Família e Menores de Lisboa, em 12 de Setembro de 2005, uma providência cautelar de arrolamento de bens móveis contra o requerente, como preliminar de acção de divórcio litigioso a instaurar contra o mesmo (cfr. fls. 4 a 10, 61 e ss. e 71, do processo instrutor). 2) A advogada H………………… sabia que o requerente era advogado (cfr. fls. 4 - em cuja petição de arrolamento o requerente é identificado como advogado -, 61 e ss. e 71, do processo instrutor). 3) A advogada H……………… não comunicou previamente ao requerente que aceitara o patrocínio da ex-mulher deste e que a mesma pretendia requerer uma providência cautelar de arrolamento de bens móveis e instaurar uma acção de divórcio litigioso (cfr. fls. 2, 3, 61 e ss., 71 e 72, do processo instrutor). 4) Com data de 7 de Setembro de 2005, a advogada H………………. endereçou ao Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a seguinte solicitação: "Recebemos mandato da Exma Senhora Da M………………., mulher do nosso Exmo. Colega Dr. E…………. (CP. ……), para proceder à instauração de acção de divórcio. Atendendo, porém, aos contornos específicos do caso consideramos imprescindível proceder à propositura de providência cautelar de arrolamento dos bens do casal, com dispensa de citação do requerido. Embora o teor do artigo 91°, in fine do Estatuto da Ordem dos Advogados nos pareça claro quanto à dispensa do dever de comunicação quando se trate de procedimentos que tenham natureza secreta ou urgente - e este seria o caso -, solicita-se a V. Excia se digne confirmar a justeza deste nosso entendimento. (...)". (cfr. fls. 71, do processo instrutor). 5) Em resposta o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados respondeu por ofício datado de 8.9.2005, assinado por um assessor do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, com o seguinte teor: "Assunto: Pedido de informação Exma colega Em atenção à V/Carta, a qual deu entrada neste conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados em 8.9.2005 com o n.° 45071, informa-se que o entendimento apresentado por V. Exa na referida missiva encontra-se correcto." (cfr. fls. 72, do processo instrutor). 6) O requerente participou, em 24.4.2006, da sua colega advogada H………………. por incumprimento designadamente do artigo 91°, do Estatuto da Ordem dos Advogados, nos termos constantes de fls. 2 e 3, do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aí referindo nomeadamente que: "(…) esta patrocinou contra o participante, em Setembro de 2005, uma Providência Cautelar de Arrolamento em que era Autora a ex mulher do participante, sem previamente ou sem lhe ter comunicado, por escrito, dando a conhecer a sua intenção, como estava obrigada, logo que foi decretado o arrolamento, de forma a evitar litígios inúteis (...)". 7) Sobre essa participação foi lavrado, em 4 de Maio de 2006, o seguinte despacho: "Tendo em atenção a versão relatada na participação e os elementos anexos, não parece ocorrer qualquer ilícito disciplinar no que concerne à não comunicação do arrolamento. Trata-se de um "Processo" urgente excluído da obrigação a que alude o art. 91°, do EOA. Relativamente à restante matéria, impõe-se a realização do competente inquérito para concretização dos factos participados (139° n.° 5). Distribua como P. Inquérito.", na sequência do qual foi aberto o processo de inquérito n° …../1/2006, do Conselho de Deontologia de Lisboa (cfr. fls. 2, do processo instrutor) 8) Nesse proc. n.° …../1/2006, foi a advogada H………………. notificada para, por escrito e no prazo de 10 dias, prestar os esclarecimentos que entendesse como necessários sobre os factos que lhe eram imputados, a qual apresentou o requerimento que consta de fls. 61 a 68, do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, aí referindo nomeadamente que: "(...) 3. Diga-se, por acréscimo que a participação que originou o processo n.° 645/D/2006 foi igualmente remetido para o DIAP, capeada por requerimento que formaliza verdadeira participação criminal assinada pelo Sr. Dr. Eugénio Correia, na sua qualidade de advogado, o qual veio a ser integrado no processo que tramita na 7a Secção com o NUIPC………./05.7TDLSB-02. 4. A ora participada foi constituída arguida nesse processo criminal no p.p. dia 25 de Maio e foi notificada em 30 de Junho seguinte do despacho de arquivamento quanto a si (e ao Sr. Solicitador A………) proferido - cfr. cópia que se junta como doe. n.° 1. 5. Tudo isto sem que o Senhor Dr. E………… lhe tivesse feito a comunicação a que estava, ele sim, obrigado nos termos do artigo 91° do EOA. 6. Significa isto, antes de mais, que foi o Senhor Dr. E………. quem, afinal, violou o dever de comunicação a que estava vinculado nos termos do citado preceito estatutário. 7. E violou-o também agora, uma vez que nenhuma comunicação dirigiu à participada antes da apresentação da participação que deu origem ao presente processo. 8. Pelo que se requer seja extraída certidão do presente requerimento de defesa para os fins disciplinares que se impõem. (...)" (cfr. fls. 24, do processo instrutor). 9) Em 25 de Outubro de 2007 foi lavrado no proc. n.°……../1/2006 a seguinte proposta: "O Senhor Advogado Participante juntou documentos à sua participação e não arrolou testemunhas. A Senhora Advogada visada juntou documentos e arrolou testemunhas, as quais foram inquiridas conforme fls 129 a 131. Da análise crítica dos autos não resulta que a Senhora Advogada arguida tenha, por acção ou omissão, violado deveres profissionais consagrados no EOA. Os factos que nestes autos se imputam à Senhora Advogada visada são os mesmos que constam do processo ……../D/2006, julgado e cuja decisão foi objecto de recurso, que subiu. Pelo facto de se entender que a Senhora advogada visada não violou deveres profissionais, e sem necessidade de apreciação de eventual litispendência, proponho o arquivamento destes autos (n°s 4 e 5 do artigo 139° do EOA) Vão os autos à Secção." (cfr. fls. 134, do processo instrutor). 10) Em 5 de Novembro de 2007 foi lavrado no proc. n.° ……./1/2006 o seguinte acórdão, pelo Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados: "Com concordarem com a proposta que antecede, determinam os da Ia Secção em determinar o arquivamento destes autos. Notifique (sem necessidade de o fazer nos termos do n° 3 do artigo 118° do EOA, pelo facto de a participação já ter sido notificada à Senhora Advogada visada) e pós trânsito, remeta ao arquivo." (cfr. fls. 136, do processo instrutor). 11) Não concordando com a decisão referida em 10), o requerente dela interpôs recurso para o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, nos termos em que constam de fls. 141 a 147, do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde refere nomeadamente o seguinte: "(...) 7° Ora, ficou sobejamente provado que a Sr*. Advogada participada intentou contra o Advogado participante uma providencia cautelar de arrolamento, antecipatória de acção de divórcio litigioso. 8.º E a Sr". Advogada participada sabe que não deu conhecimento de tal facto ao Advogado participante, pois não fez prova de ter feito a comunicação por escrito em obediência ao estabelecido no art. 91°, do EOA, bem conhecendo nele a qualidade de Advogado". 12) Esse recurso foi admitido por despacho de 11 de Março de 2008 e, em 27.8.2008, foi lavrado o seguinte parecer: "Decisão Recorrida Deliberação do Conselho de Deontologia de Lisboa de 5.11.2007 (a fls. 136) que aprovou o parecer emitido pelo Ex.m° Relator a fls. 134 que determina o arquivamento dos autos por inexistência de fundamento de responsabilidade disciplinar — posição que partilhamos, mas não pelos mesmos motivos invocados naquele parecer. Nota Prévia A Senhora Advogada Participada é membro do actual Conselho Distrital de Lisboa, pelo que ao abrir-se conclusão do processo, após o acto eleitoral — cfr. fls. 204 - o mesmo deveria de imediato ter sido enviado ao Conselho Superior, por ser este o órgão competente para o tramitar. Pelo que, para obviar a actos e demoras inúteis, por razões de economia processual e porque se tratam de despachos interlocutórios sem interferência na decisão da causa, ratifico os despachos proferidos pelo Ex.m° Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa a fls. 205 e fls. 224 e, em consequência: A) - Admito a interposição de recurso e respectivas alegações apresentadas pelo Senhor Advogado Participante a fls. 141 e ss, por legal e tempestivo. B) - Admito a resposta às alegações de recurso, apresentada pela Senhora Advogada Participada a fls. 211 e ss, também esta legal e tempestiva. Fundamentação da proposta/parecer Inconformado com a deliberação supra citada, o Participante dela recorre, alegando que a decisão recorrida propõe o arquivamento por: a) Da análise crítica dos autos não resulta que a Senhora Advogada arguida tenha, por acção ou omissão, violado deveres profissionais consagrados no EOA. b) Os factos que nestes autos se imputam à Senhora Advogada visada são os mesmos que constam do processo …/D/2006 (e não …../D/2006, como se refere o douto acórdão), julgado e cuja decisão foi objecto de recurso,... c) Por entender que não houve violação de deveres profissionais e ... sem necessidade de apreciação de eventual litispendência... " mas, no entender do Participante/Recorrente: (i) o dito proc. 654/D/2006, objecto de recurso para o CS da OA onde tomou o n.° …/2007-CS/R tinha diferentes sujeitos e diferente causa de pedir... pois naquele a Participante é A…….. (filha do aqui Participante/Recorrente) e Participada a Dra H…………….. e a causa de pedir é a possível violação dos art°s 85°, l-h),f) a) e g), 95°/ 1-a) 2"parte e d), 93°/ 1, 92°/1,83°/1 e 2, 84°e 86°-a): (ii) no presente processo a Participada é a mesma, mas o Participante não o é, pois aqui é o Advogado E…………… e a causa de pedir è a violação do arí° 91° (negrito) e sublinhado nossos); (iii) consequentemente, não há litispendència, e por isso não tem cabimento a decisão recorrida. Concordamos, em parte, com o Senhor Advogado Participante/Recorrente, mas lá iremos adiante. Mais diz o mesmo que, (iv) a participação não corresponde à mencionada no Douto despacho de fls. 134 e por isso não poderia ser apreciada no aludido processo ……/D/2006 a questão da violação do art° 91° do EQA, e (v) que a decisão deverá ser fundamentada, o que não acontece, não bastando dizer que se entende que a Senhora advogada visada não violou deveres profissionais. Também aqui concordamos, em parte, com o Senhor Advogado Participante/Recorrente, mas lá iremos adiante. É que, sendo certo, que há alguma confusão na decisão recorrida — que poderia ter sido evitada se se tivesse ordenado a apensação ao outro processo já referido, como o requereu a Senhora Advogada Participada desde a primeira vez que interveio no processo, quando foi notificada para prestar esclarecimentos, cfr. fls. 26 a 60 por telecópia e originais de fls 61 a 95 - tal confusão foi gerada pelo próprio Participante. Que não se coibiu de a gerar ao trazer a este processo, ora em apreço, a descrição circunstanciada dos mesmos factos que foram objecto de apreciação para efeitos disciplinares, no já citado proc. …../D/2006 (objecto de recurso para o CS da OA onde tomou o n.°…../2007-CS/R que manteve a decisão da ia instância de arquivamento dos autos. Confusão que pretende continuar a criar, pois, tendo o Senhor Advogado Participante clarificado nas suas alegações de recurso — ora em apreço - o teor da sua participação, insiste, apesar disso, em juntar aos autos 9 documentos que em nada contribuem para a apreciação da matéria aqui em causa que, recordamos, são somente os factos relacionados com a alegada violação do art° 91° do EOA e ainda, posteriormente à apresentação destas, traz ao processo informações e documentação ABSOLUTAMENTE INÚTIL para o objecto deste recurso, como o é ajunta com o requerimento de fls. 231 — 7 documentos - apresentados em 25 de Junho de 2008. Dizendo que a mesma se destina ao esclarecimento da verdade material e para a boa decisão do recurso em apreciação. Porém, ao contrário do que diz, tal documentação visa apenas sugestionar o julgador, pois se tratam de documentos diversos - recortes de jornal, exposições e documentos constantes de processo de natureza criminal (no que se refere à aqui Participada está documentado nos autos que a denúncia apresentada foi arquivada na fase de inquérito), e outros documentos avulsos, que nada provam, e sobretudo nada têm que ver com a matéria que aqui nos ocupa. Servirão ao Senhor Advogado Participante para defender a sua tese, relacionada com determinados factos da sua vida particular e privada, que bom será que se mantenham na sua esfera privada, pois, a serem objecto de análise, estão muito em cima da fronteira de se repercutirem na sua vida pública e de se revelarem incompatíveis com a dignidade e probidade que devem ser apanágio da forma de estar, na vida e na profissão, de um Advogado que como tal se preze. Vai assim indeferida a junção aos autos dos 7 documentos citados — constantes de fls. 232 a 256, e, para não gerar confusão, devem os mesmos ser desentranhados e enviados ao Senhor Advogado Participante. * Passemos então ao objecto do recurso — a alegada violação do art° 91° do EOA. Diz o Recorrente nesta matéria: (i) que ficou sobejamente provado que a Sra advogada participada intentou contra o Advogado participante uma providência cautelar de arrolamento, antecipatória de acção de divórcio litigioso — 7° das suas alegações. (ii) E a Sra advogada participada sabe que não deu conhecimento de tal facto ao Advogado participante, pois não fez prova de ter feito a comunicação por escrito em obediência ao estabelecido no art° 91° do EOA, bem conhecendo nele a qualidade de Advogado — 8o das suas alegações. (iii) Dúvidas não subsistem que a Dra H…………., violou conscientemente o dever imposto pelo EOA - Art. 91° do EOA — 9o das suas alegações. (iv) Ora, o Acórdão recorrido não conheceu e não decidiu sobre testa questão, sendo certo, salvo melhor opinião que o podia e devia ter feito pois que não se trata de opção arbitrária do digníssimo Conselho de Deontologia — 13° das suas alegações. Sem eufemismos, aqui vai então melhor opinião: 1 — Ficou sobejamente provado nos autos que a Sra Advogada Participada intentou contra o Sr. Advogado Participante uma providência cautelar de arrolamento, antecipatória de acção de divórcio litigioso — o que decorre, nomeadamente: (i) da alegação do Participante a fls. 2, (ii) do documento junto à mesma sob o n.° 1, (iii) dos esclarecimentos (confissão) prestados pela Sra Advogada Participada quando notificada para o efeito, a fls. 25 e ss, (iv) dos documentos juntos aos esclarecimentos sob os n.°s 2 e 4 a fls. 36 e 39. 2 — Ficou sobejamente provado nos autos que a Sra Advogada Participada sabe que não deu conhecimento do facto supra referido em 1., pois fez ela própria prova de ter pedido ao Ex.m° Senhor Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, a confirmação da justeza do seu entendimento (dela, aqui Participada) no sentido de que naquelas circunstâncias c dados os contornos específicos do caso, se dispensava a comunicação ao requerido (no arrolamento, aqui Participante), o que mereceu a comunicação deste Conselho, cuja cópia se encontra nos autos, de que tal entendimento era correcto, cfr. does 2 e 2-A juntos nomeadamente a fls. 36 e 37. 3 — Dúvidas não subsistem, nem podem subsistir, que a Sr3 Advogada Participada não violou nem consciente nem inconscientemente o dever imposto pelo EOA no art° 91°, que muito bem conhece pois o aplicou em comunicação prévia ao Sr. Advogado Participante no que se refere à reabertura de processo de natureza criminal no âmbito do patrocínio dos interesses da então ainda mulher daquele - pois nesta sede não se verificava o condicionalismo que se verificava no caso supra referido em 2. 4 - A própria norma excepciona os procedimentos que tenham natureza secreta ou urgente -como é o caso de uma providência cautelar de arrolamento preliminar à acção de divórcio -, matéria que tem sido alvo de jurisprudência vária dos órgãos competentes da OA. 5 — O Acórdão recorrido não conheceu e não decidiu sobre esta questão, pois, nesta parte, não podia nem devia ter feito de outro modo, sob pena de decidir contra legem. 6 — O Ex.m0 Relator, e a Secção competente do Conselho de Deontologia também não ignorou, nem devia ignorar, o despacho que logo sobre a participação foi proferido em 4 de Maio de 2006 quanto à matéria da alegada violação do art° 91° do EOA no sentido inequívoco de inexistência de ilícito disciplinar no que a esta dizia respeito, promovendo-se então a abertura de inquérito quanto aos demais factos alegados (àquela data a litispendência era desconhecida). Pelo que, não se nos coloca qualquer dúvida sobre a justeza e correcção do comportamento da Sra Advogada Participada. Ao invés - ainda que por hipótese académica se pudesse admitir, que não pode, que o Sr. Advogado Participante nunca tomou conhecimento do que supra se referiu em 2, 3 e 6 - o mesmo não aconteceu com o comportamento do Sr. Advogado Participante, que, como advogado com mais de 25 anos de profissão não pode deixar de conhecer quer as normas do Estatuto que regem a sua profissão, quer como se processa um arrolamento em casos como este, em regra sem dele se dar conhecimento à parte contrária, sob pena de se perder o efeito que dele se pretende extrair. Ao participar disciplinarmente de uma colega que bem sabia estar apenas a cumprir com rigor, como lhe impõe o seu Estatuto, o seu dever de patrocínio, o Sr. Advogado aqui Participante agiu de forma livre e consciente, violando o disposto no art° 83°, 86°/l-a), 90° e 107°/l-a) do EOA. O Conselho Superior tem competência, nos termos do disposto no art° 118°/3 do Estatuto, para a instauração de procedimento disciplinar. Assim, proponho que se extraia certidão da qual conste as seguintes fls. 2, 3, 61 a 73, 141 a 147 e 218 a 222 destes autos, bem como cópia da presente proposta/parecer, e que a mesma seja remetida ao Conselho de Deontologia competente acompanhada da ficha individual/extracto do registo disciplinar do Sr. Advogado ora visado. Proposta/parecer Em conformidade, A) Emito parecer de rejeição do recurso apresentado, com o consequente arquivamento do processo de inquérito em que é visada a Senhora Advogada H………….. que também usa H….. ou apenas H……, titular da cédula profissional …..-.. da Ordem dos Advogados, por inexistência de infracção disciplinar. B) Proponho a instauração de procedimento disciplinar contra o Sr. Advogado E………… por violação dos deveres consagrados no art° 83°, 86°/l-a), 90° e 107°/l-a) do EOA, pois ao apresentar denúncia disciplinar bem sabendo, ou devendo saber, ab initio, que a mesma era manifestamente infundada, violou os deveres ali previstos de integridade e urbanidade, em geral e no particular trato com os outros advogados (in casu, a Sra Advogada Participada), e não teve um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que como Advogado exerce, assim prejudicando o prestígio da sua Ordem e da advocacia. * À próxima reunião da Ia Secção do Conselho Superior, para deliberação." (cfr. fls. 205 e 259 a 265, do processo instrutor). 13) Em 5 de Setembro de 2008 foi lavrado, na sequência do parecer referido em 12), o seguinte acórdão: "Acordam os membros da 1" Secção do Conselho Superior em perfilhar o parecer que antecede, nos termos e com os fundamentos dele constantes, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, pelo que deliberam: A) Rejeitar o recurso apresentado no processo de inquérito em que é visada a Senhora Advogada H…………….. que também usa H……………., titular da cédula profissional ……- .. da Ordem dos Advogados, por inexistência de infracção disciplinar. B) Determinar o arquivamento dos autos. C) Instaurar procedimento disciplinar contra o Sr. Advogado, E………. por violação dos deveres consagrados no art° 83°, 86°/l-a), 90° e 107°/1—a) do EOA. Notifique, registe e D.N." (cfr. fls. 265, do processo instrutor). 14) No âmbito do processo disciplinar n.° ……/1/2006 não foi dado conhecimento ao requerente do ofício e do despacho descritos em 5) e 7), respectivamente (cfr. processo instrutor). 15) A Advogada H……………… não participou contra o requerente por participação infundada (por acordo - art. Il8°n.° l,doCPTA). 16) Dá-se aqui por integralmente reproduzido o acórdão da sessão plenária do Conselho Superior da Ordem dos Advogados de 24.11.2006, o qual consta de fls. 66 a 71, dos autos em suporte de papel. 17) O requerente instaurou uma acção administrativa especial que corre termos neste Tribunal com o n° ………/08.6BELSB para impugnar o acto suspendendo (cfr. fls. 37, dos autos em suporte de papel, e consulta do referido processo principal). 18) O requerente, desde que foi notificado da decisão descrita em 13) e em consequência do seu teor, vive um quadro depressivo e, não obstante se encontrar a tomar vários medicamentos para combater tal estado, corre o perigo de entrar em depressão. 19) Em consequência do estado depressivo em que vive, o requerente, sente-se desmotivado para prosseguir a sua actividade profissional normal. 20) O requerente exerce a advocacia há mais de vinte e cinco anos sem uma única sanção disciplinar, sendo correcto, urbano, probo e leal no seu relacionamento com os colegas e órgãos da Ordem dos Advogados (por acordo - art. 118o n.° 1, do CPTA). * II.2 – O Direito Como se sabe o objecto dos recursos jurisdicionais é a decisão recorrida, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo da mesma e com a restrição cognitiva que resulta das conclusões das alegações. No caso sub judice a recorrente OA discorda da decisão recorrida essencialmente num ponto: de que não se verifica o pericullum in mora que esta declarou existir. E, de modo algo implícito, invoca a preponderância do interesse público, tudo questões que em seu entender, devidamente ponderadas, deveriam ter inclinado o sentido da decisão a seu favor. A sentença assentou o seu juízo sobre a existência de pericullum in mora na circunstância do recorrido ser susceptível de cair num quadro depressivo se o procedimento disciplinar for efectivamente iniciado. Para tanto baseou-se quadro factual que considerou provado e de que ressaltam os seguintes factos: A recorrente insurge-se perante a contraditoriedade que alega existir entre julgar-se que o recorrido “vive um quadro depressivo” e “o perigo de entrar em depressão”. Cremos, todavia, que essa contraditoriedade é apenas aparente e resultará, quiçá, de eventual erro de escrita ou lapsus calami. Na verdade, é por duas vezes afirmado que o recorrido se encontra em depressão [O requerente (…) vive um quadro depressivo…” e (…) “…. Em consequência do estado depressivo em que vive, …”], que inculca a ideia de que a digitação traiu a Mm.ª Juiz a quo quando afirmou que o recorrido corria “o perigo de entrar em depressão”, quando certamente queria dizer que o recorrido corria “o perigo de agravar a depressão”. Esta é a conclusão que se nos afigura lógica tendo em conta a sequência das expressões em causa: primeiro a afirmativa, depois a hipótese e de seguida novamente a afirmativa. Resolvida esta questão impõe-se averiguar então se os factos provados demonstram esse pressuposto do mérito da providência cautelar que é o referido pericullum in mora. Impressionada com o quadro depressivo do recorrido a Mm.ª Juiz a quo julgou afirmativamente. Mas será que o poderia ter feito? Vejamos: Estima-se que cerca de 16% da população mundial sofra de depressão. Só em Portugal cerca de um milhão de pessoas padece dessa doença. É sabido também que a depressão nervosa tem influência na eclosão de doenças coronárias e que se trata de uma doença grave, incapacitante para a vida normal dos que dela sofrem. Existem vários tipos de depressão nervosa (crónica, pós-parto, etc), sendo a sua causa associada, na literatura médica, a défices químicos, designadamente serotonina. «O tratamento geralmente envolve uma medicação antidepressiva receitada por pelo menos 12 meses para evitar recaídas, e algumas vezes acompanhada de psicoterapia. A eletroconvulsoterapia (ECT) é utilizada para indivíduos que não tiveram resposta satisfatória aos tratamentos medicamentosos. A Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva (EMT) ou em inglês “Repetitive transcranial magnetic stimulation” (TMS) pode ser uma alternativa para os pacientes resistentes aos medicamentos. Sabe-se também que praticar exercícios regularmente e participar em actividades desportivas e sociais pode ajudar o paciente a superar os sintomas da depressão. São exemplos de tratamentos comuns para a depressão: Medicação Psicoterapia comportamental Eletroconvulsoterapia Estimulação Magnetica Transcraniana Suplementos alimentares Actividades físicas»(1). Do que fica dito pode concluir-se a depressão nervosa, se bem que grave, tem tratamento. Não se trata, pois, de um quadro de sofrimento irreversível, e por conseguinte de um “dano moral anormalmente grave”, como se disse na decisão recorrida, nem a jurisprudência invocada tem a este propósito, salvo o devido respeito, o sentido que dela se quis extrair (cfr. a fundamentação dos Acs. do STA de 28-08-2002 e 02-10-2002, respectivamente, Procs. n.º 01334/02 e 01401/02, invocados na sentença). Para além disso, dando-se como provado que o recorrente padece de um quadro depressivo, então é forçoso concluir que o perigo que se quis evitar com a providência decretada já ocorreu e que esta apenas irá tutelar danos eventuais ou hipotéticos. Por outro lado não estamos (ainda) perante a aplicação de uma sanção – “consequência desfavorável normativamente prevista para o caso de violação de uma regra” (2) – que em si mesma transporta uma carga danosa para o seu destinatário (exceptuando as chamadas sanções premiais e as compensatórias), e que “representa simultaneamente um sofrimento e uma reprovação para o infractor”(3). Apenas se está defronte a uma decisão que desencadeia um processo disciplinar que pode ou não desembocar na aplicação de uma sanção ou no seu arquivamento puro e simples. Aliás, no domínio da LPTA considerava-se não lesivo, e portanto contenciosamente irrecorrível, o acto que ordena a instauração de procedimento disciplinar(4). Por conseguinte, o pericullum invocado na sentença afinal traduz-se em quase nada: mera hipótese do estado depressivo do recorrido se agravar, com a possibilidade desse agravamento ser combatido e mesmo revertido por meio de adequada terapêutica. Afigura-se-nos, por isso, que pode ser convocado o seguinte segmento da argumentação expendida no Ac. do STA de 12-11-2008(5):
“(…) Esta noção abrange todos os danos resultantes da imediata execução do acto e que não sejam facilmente reparáveis «ex post» – isto na hipótese de, nos autos principais, se concluir a final pela ilegalidade dele. Ora, não é exacto que qualquer dano moral integre, «eo ipso», o mencionado conceito de «prejuízo de difícil reparação»; e antes se deve entender que tal noção legal apenas compreende os danos morais cuja especial intensidade desaconselhe que alguém os sofra, podendo ser deles livrado, bem como aqueles cuja indemnização só seja atingível por um processo de cálculo mais árduo, problemático e controverso do que é usual nos danos dessa espécie. «In casu», nenhuma dúvida pode haver acerca da reduzida intensidade dos danos morais invocados pelo requerente em resultado do decurso do processo disciplinar; nem acerca da simplicidade em quantificar-se a seu favor uma indemnização pelas afecções decorrentes do prosseguimento daquele processo – isto na hipótese de o acto suspendendo vir a ser anulado e se verificarem os demais pressupostos da responsabilidade civil. Donde logo se conclui que os prejuízos em que o requerente funda a presente providência conservatória são facilmente reparáveis – independentemente de merecerem, ou não, ser reparados.” Não existindo danos patrimoniais, nem existindo danos morais susceptíveis de serem considerados, neste caso, como prejuízos de difícil reparação, e não sendo configurável uma situação de facto consumado falta a verificação de um dos requisitos de que depende o deferimento da providência, devendo, em consequência, a mesma ser indeferida. Ora, no caso sub judice não existe também qualquer situação de “facto consumado”, na medida em que não há qualquer impossibilidade de reconstituição natural da situação criada pelo despacho em causa. É que caso se venha a constatar que o recorrido tem razão, a posterior anulação do acto que determinou a instauração de processo disciplinar implica a invalidade de todos os actos procedimentais posteriores, desaparecendo tal acto e todo o processo disciplinar da ordem jurídica. Sendo assim inexiste qualquer pericullum in mora com relevância para o pedido de suspensão de eficácia, que o que implica o seu indeferimento nos termos do art.º 120º, n.º 1, al. b), do CPTA, o que desde logo prejudicaria a ponderação de interesses mencionada no n.º 2 do mesmo normativo. Todavia sempre se dirá que no que toca a esse aspecto (ponderação de interesses) entendemos que não pode deixar de se dada preponderância ao interesse público na administração da justiça, que objectivamente impõe a prossecução do procedimento disciplinar. A instauração de procedimento disciplinar só pode ser paralisada com este motivo se for demonstrada a manifesta falta de fundamento da respectiva decisão, ou a existência de erro crasso ou palmar, porque a concretização da justiça desde sempre foi encarada como valor profundamente enraizado na comunidade e, por conseguinte, uma obrigação essencial do Estado de Direito Democrático. * III - Dispositivo Em face do exposto acordam em revogar a decisão recorrida e, nos termos do art.º 149.º, n.º 4, do CPTA, indeferir a providência requerida. Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias. D.n. Lisboa, 04-03-2010 (1)In documento obtido em: http://www.scribd.com/doc/22231434/NG3-Depressao-Nervosa [cons. 03-04-2010].Benjamim Barbosa (Relator) Carlos Araújo Teresa de Sousa (2) Oliveira Ascensão, O Direito, 6ª ed., p. 50. (3)Idem, p. 61. (4) Ac. do STA de 29-06-2006, Proc. n.º 044141 (5)Proc. n.º 0976/08 |