Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06735/02
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:01/15/2009
Relator:João Beato de Sousa
Descritores:DOCUMENTOS FALSOS
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
Sumário: 1 - No Estatuto Disciplinar (ED) aprovado pelo DL 24/84, de 16/1, a temática da falsificação de documentos não está expressamente prevista, devendo por isso o aplicador da lei socorrer-se do Direito Penal, como paradigma do direito punitivo em geral.
2 – Assim, em processo disciplinar, à semelhança do que se dispõe nos artigos 256º e 257º, ambos do C. Penal, é elemento essencial da infracção, por imputada falsificação de documentos, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou outra pessoa benefício ilegítimo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência no 1º Juízo, 1ª Secção, do TCAS:

RELATÓRIO

Maria ..., professora do quadro de nomeação definitiva da Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos Serra da ...– Fundão interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa, de 06-06-2002, pelo qual foi negado provimento ao recurso hierárquico da do acto que aplicou à Recorrente a pena de inactividade graduada em um ano.

O Recorrido respondeu conforme fls. 46/50.

Em alegações a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

a) - A arguida ora recorrente e alegante preencheu os documentos em causa de acordo com instruções que lhe foram dadas pelos Serviços do CAE de Castelo Branco;
b) O documento foi entregue no CAE de Castelo Branco no dia 26 de Julho de 2000;
c) A Circular n° 22/2000/DGAE emitida em 13 de Julho de 2000 não deu entrada na Escola até 31 de Julho de 2000;
d) Não há nos autos qualquer prova da intenção de produzir um documento falso ou de produzir falsas declarações por parte da arguida, ora recorrente e alegante, o que aliás, é confessadamente assumido no relatório pela Sr.ª Instrutora;
e) Uma coisa é um erro num documento, outra bem diferente é a falsificação de um documento;
f) Para existir falsificação de um documento ou prestação de falsas declarações é indispensável que exista um comportamento doloso e intencional por parte do agente;
g) No presente caso essa intenção não existiu, nem o contrário se provou, tendo até a Sr.ª Instrutora confessado a inexistência de tal prova;
h) O arguido presume-se inocente, competindo à acusação fazer a prova dos factos que lhe imputa;
i) Perante toda esta factualidade aplicar à arguida, recorrente, ora alegante, uma sanção por presunção - é assim, sic - que a Sr.ª Instrutora a justifica, é fazer, salvo o devido respeito, um erro grosseiro e manifesto violador das normas mínimas e básicas das garantias processuais, designadamente de defesa.

O Recorrido contra-alegou conforme fls. 82/84.

O Ministério Público proferiu douto parecer concluindo que «o acto punitivo enferma de vício de violação de lei, nomeadamente dos artigos 25º com referência aos art. 11º al. d) e 12º nº3, todos do ED, aprovado pelo D nº24/84, de 16 de Janeiro, pelo que, dando-se provimento ao recurso, deve ser anulado o acto impugnado».

Cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes nos articulados e a documentação existentes nestes autos e no processo disciplinar (PD), estão assentes os seguintes factos relevantes:

A) Contra a Recorrente, no PD anexo, foi dirigida a seguinte NOTA DE CULPA:
1 - Por despacho da Ex.ma Senhora Inspectora-Geral da Educação, datado de 30/03/01, foi instaurado o processo disciplinar n.° 10.07/109-2001/GAJ, à professora MARIA ..., professora do 10º A grupo, do quadro de nomeação definitiva da Escola EB 2.3 Serra da Gardunha.
2 - Na qualidade de instrutora do processo, para que fui nomeada, por despacho do Ex.mo Senhor Delegado Regional do Centro da Inspecção-Geral da Educação, datado de 01.04.20, nos termos do n.° 2, do artigo 57.° do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Dec-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, adiante apenas designado por Estatuto Disciplinar, aplicável por força do disposto no artigo 112.° do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Dec-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, alterado pelo Dec-Lei n.° 1/98, de dois de Janeiro, em artigos de acusação contra a arguida, Maria ..., articulo os seguintes factos:
1 - No dia 26 de Julho do ano dois mil, a arguida, na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola EB 2, 3 Serra da ...- Fundão, e no exercício das suas funções, produziu e assinou um documento, intitulado Mapas de Situação e Requisição de Professores, para o 11° A grupo (código 25), do qual consta o Mapas I - Situação: Horários Distribuídos e o Mapa II - Requisição. Esse documento destinava-se à Administração Educativa e serviria de suporte a concursos de colocação de professores, para 2000/2001.
1.1 - O MAPA I continha a verdadeira situação da Escola, no referido grupo, isto é; no ano lectivo 2000/2001, a Escola EB 2,3 Serra da ...tinha dois professores do quadro de nomeação definitiva e 38 (trinta e oito) horas lectivas semanais para lhes serem distribuídas, sendo que, em princípio, a um seriam atribuídas 22 (vinte e duas) horas e ao outro 16 (dezasseis) horas.
1.2 - O MAPA II continha a informação de que preenchido o MAPA I ficavam 16 horas lectivas semanais por distribuir, informação que não corresponde à verdade, uma vez que as 38 (trinta e oito) horas lectivas existentes já teriam sido distribuídas, de acordo com o descrito no ponto 1.1.
1.3 - Este documento é o documento oficial que consta dos arquivos da Escola.
1.4 - Este documento nunca foi enviado ao CAE de Castelo Branco.
2 - No mesmo dia, 26 de Julho do ano dois mil, a arguida, na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola EB 2,3 Serra da..., o no exercício das suas funções, produziu e assinou outro documento, intitulado Mapas de Situação e Requisição de Professores, para o 11.° A grupo (código 25), do qual consta o Mapa I - Situação: Horários Distribuídos e o Mapa II - Requisição, documento esse que foi enviado ao CAE de Castelo Branco, para, aí, ser tratado, - como, de facto, veio a ser -, como documento oficial e fidedigno, na base da necessária relação de confiança exigível a todos os responsáveis da Administração.
2.1 - O MAPA I continha a informação certa de que, no 11° A grupo (código 25), para o ano lectivo 2000/2001, existiam, na Escola EB 2,3 Serra da ...professores do quadro de nomeação definitiva e a informação errada de que, apenas, existiam 22 (vinte e duas) horas lectivas semanais para lhes serem distribuídas, pelo que um deles não teria horas atribuídas.
2.2 - O MAPA II, coerente com o MAPA I, que não retrata a verdadeira situação da Escola, no que diz respeito às horas lectivas semanais existentes, continha a informação do que, preenchido o Mapa I, não ficavam horas lectivas para distribuir.
2.3 - Este documento (MAPAS I e II) não consta nos arquivos da Escola.
2.4 - A conduta da arguida descrita nos pontos anteriores configura:
2.4.1 - A prestação de falsas informações à Administração Educativa.
2.4.2 - A produção de um falso documento.
3 - O documento contendo os MAPAS I e II, enviados ao CAE de Castelo Branco, foi acompanhado de um outro documento contendo o MAPA III - Mapas de Requisição de Professores - manuscrito, datado de 27 de Julho de dois mil, por ela própria assinado, onde constava a informação errada, porém coerente e suportada pelos MAPAS I e II, de que, no 11.° A grupo (código 25) existiria um horário zero (docente do quadro de nomeação definitiva sem horário lectivo).
3.1 - O documento contendo o MAPA III, mencionado no ponto anterior, que dá consistência aos MAPAS I e II, referentes ao 11° A grupo (código 25), todos enviados ao CAE de Castelo Branco, não consta nos arquivos da Escola EB 2,3 Serra da Gardunha, nem é conhecido na mesma.
3.2 - Porém, a arguida produziu um outro documento com o MAPA III, que consta nos arquivos da Escola, e está escrito à máquina, e é datado de 26 de Julho de 2000, mas que não assinou, e contém a informação rasurada e não entendível, de que, no 11° A grupo (código 25) existe (-1) menos um horário zero.
3.3 - A conduta da arguida, descrita nos pontos anteriores, configura:
3.3.1 - A prestação de falsas informações à Administração Educativa.
3.3.2 - A produção de outro documento falso.
4 - Com o procedimento descrito nos pontos anteriores, e atendendo a que, ainda decorriam os concursos de docentes para colocação na 2.ª parte, regulados pelo Dec.-Lei 18/88, de 21 do Janeiro, a arguida, no exercício das suas funções e na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola EB 2,3 Serra da Gardunha, impediu que a Administração Educativa pudesse colocar, por destacamento, um qualquer professor do quadro, porventura opositor a este concurso, e, desse modo, este viesse a ocupar este horário, caso um dos dois professores do quadro da Escola EB 2,3 Serra da ...tivesse sido, também, opositor, com sucesso, a este mesmo concurso, vindo aquele, em consequência, a ser preterido por um professor contratado na fase regional dos concursos, subvertendo a lógica o finalidades dos mesmos.
5 - Na sequência e em conformidade com os falsos documentos que, em 26 de Julho de dois mil e em 27 de Julho de 2000, produziu, assinou e enviou ao CAE de Castelo Branco, a arguida, na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola EB 2,3 Serra da ...e no exercício das suas funções, informou a Senhora Coordenadora do mesmo CAE, em 09 de Novembro de dois mil, através do ofício n.° 2184, por ela própria assinado, e que acompanhou o boletim de concurso duma docente, ao abrigo do artigo 27.° do Decreto-Lei n° 18/88, de 21 de Janeiro - Transferência de docentes sem horário lectivo - do que o 11° A grupo (código 25) “tem um horário zero nesta escola”, justificando, no próprio boletim de concurso, como lhe era exigido, a não existência de horário da seguinte forma: “não há horas lectivas para todos os professores do grupo 25.”
5.1 - Com este facto, a arguida, em 09 de Novembro de 2000, volta a prestar falsas informações à Administração Educativa.
Com a sua conduta irregular, traduzida nos pontos anteriormente descritos, a arguida cometeu sucessivas infracções disciplinares, por violação do dever geral de actuar no sentido de criar no público confiança na Administração Pública, bem como dos deveres especiais de zelo e de lealdade, prescritos através das disposições combinadas dos números 1, 3 e 4, alíneas b) e d), do artigo 3.° do Estatuto Disciplinar, traduzindo-se essa sua conduta em procedimento gravemente atentatório da dignidade e prestígio da função, enquadrada e punida pelo disposto no artigo 25°, n.°1 do Estatuto Disciplinar, a que corresponde a pena de INACTIVIDADE prevista e caracterizada nos artigos 11.° n.°1 al. d); 12.°, n.° 3 e n° 5 e 13.°, todos do mesmo Estatuto Disciplinar.
Muita contra a arguida as circunstâncias agravantes previstas no artigo 31.° als a), c) e g).
Não beneficia de atenuantes. (...)

B) Apresentada a defesa e realizadas as necessárias diligências instrutórias, a Instrutora elaborou o Relatório final, do qual se transcrevem as Conclusões e Proposta:
7 - Conclusões
7.1 - Relativamente ao descrito nos pontos 4.1 a 4.5.2 deste relatório, embora haja fortes indícios de um mau relacionamento entre a PCE e alguns elementos da comunidade educativa, nomeadamente a professora Isabel ..., o que é gerador de um ambiente educativo pesado e pouco grato a alguns, não se verificou haver matéria susceptível de configurar ilícito disciplinar.
7.2 - Relativamente ao descrito no ponto 4.6 e que se prende com a comunicação ao CAE de um falso horário zero no 11.° A grupo, código 25, alegadamente uma tentativa para fazer a professora Isabel ... sair da Escola, pudemos, inequivocamente, concluir o seguinte:
7.2.1 - No ano lectivo 2000/2001, o quadro da Escola Básica 2,3 Serra da ...dispunha de dois lugares no 11.° A grupo, código 25, ocupados pelas professoras do quadro de nomeação definitiva: Isabel ... e Lucília ....
7.2.2 - Neste mesmo ano, funcionavam, na Escola, 06 (seis) turmas do 7.° ano e 05 turmas do 9° ano.
7.2.3 - Feitas as contas, havia trinta e oito horas, só lectivas da disciplina de Geografia para serem leccionadas e como já foi referido, dois professores do quadro.
7.2.4 - Nenhuma docente usufruía de qualquer redução, sendo, por isso a carga horária de cada uma, 22 horas semanais, o que perfaz 44 horas (lectivas e/ou equiparadas).
7.2.5 - Estranhamente, a nenhum docente é atribuída nenhuma hora equiparada a serviço lectivo (coordenação pedagógica; apoio educativo; estruturas de orientação; projectos...), mas a distribuição de serviço é da competência do CE.
7.2.6 - A arguida, Maria ..., na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 Serra a ...e no exercício das suas funções, produziu e assinou o documento Mapas I e II (fls 85 e 286), datado de 26 e Julho de 2000, do qual consta a informação de que a supracitada escola tinha no 11.° A grupo, código 25, dois professores do quadro de nomeação definitiva e 38 horas só lectivas, que são, efectivamente, as existentes (sublinhe-se que são só lectivas), pelo que a um docente seriam atribuídas 22 horas e ao outro 16 horas. Incongruentemente, no Mapa II do mesmo documento informa que, preenchido o Mapa I ficam 16 horas lectivas por distribuir, zero horas equiparadas a serviço lectivo, o que dá origem a menos um horário completo.
7.2.7 - No mesmo dia 26 de Julho, produziu o documento Mapa III (fls 84 e 267), que tão assinou, do qual consta a informação rasurada e não entendível de que no 11.° A grupo, código 25, existe menos um horário zero.
7.2.8 - Estes documentos são os documentos oficiais que constam dos arquivos da Escola e que serviriam de suporte à 2.ª parte do concurso de docentes.
7.2.9 - Estes documentos nunca foram entregues no CAE.
7.2.10 - No mesmo dia, 26 de Julho de 2000, a arguida, na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 Serra da ...e no exercício das suas funções produziu e assinou um outro documento, Mapas I e II (fls 208), do qual consta a informação de que na Escola Básica 2,3 Serra da ...existiam dois professores do quadro de nomeação definitiva e que existiam, apenas, 22 horas lectivas para serem atribuídas, pelo que um deles não teria horas atribuídas. O Mapa II do mesmo documento, coerente com a informação errada do Mapa I, continha a informação de que preenchido o Mapa I, não ficavam horas lectivas nem equiparadas por distribuir, o que dava origem a menos um horário completo.
7.2.11 - O documento citado no ponto anterior foi entregue no CAE acompanhado do documento Mapa III (fls 209), manuscrito, datado de 27 de Julho de 2000, assinado pela PCE do qual consta a informação errada, porém suportada pelos Mapas I e II, que foram entregues no CAE, de que no 11.° A grupo, código 25 existia um horário zero (docente do quadro de nomeação definitiva sem horário lectivo).
7.2.12 - Estes documentos não constam dos arquivos da Escola.
7.2.13 - Estes documentos foram entregues no CAE para, aí, serem tratados, como, de facto vieram a ser, como documentos oficiais e fidedignos, na base da necessária relação de confiança, exigível a todos os responsáveis da Administração.
7.2.14 - Com o procedimento descrito nos pontos anteriores e, atendendo a que os documentos entregues no CAE serviram de suporte à 2.ª parte do concurso de docentes, a arguida, na qualidade e Presidente do CE da Escola Básica 2,3 Serra da ..., impediu que a Administração Educativa pudesse colocar, por destacamento, um qualquer docente do quadro de nomeação definitiva, porventura opositor a este concurso, caso um os dois professores do quadro da Escola Básica 2,3 Serra da ...tivesse sido, também, opositor, com sucesso, a este mesmo concurso, vindo aquele, em consequência, a ser preterido por um professor contratado na fase regional dos concursos, subvertendo a lógica e a finalidade dos mesmos.
7.2.15 - O facto de alguns documentos terem sido dactilografados ou manuscritos por uma funcionária a quem foi dada ordem para tal e a respectiva minuta, não iliba a arguida da responsabilidade da produção dos mesmos documentos, que são da sua inteira e única responsabilidade, enquanto PCE e que ela própria assinou, nessa mesma qualidade, como lhe era exigido.
7.2.16 - Na sequência, e em conformidade com os falsos documentos que, em Julho/2000, tinha entregado no CAE para servirem de suporte à 2.ª parte dos concursos de docentes, a arguida, na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 Serra da ...e no exercício das suas funções, em 09 de Novembro/2000, informou a Senhora Coordenadora do CAE, através do ofício nº2184, por ela própria assinado, e que acompanhou o boletim de concurso da professora Isabel ..., ao abrigo do artigo 27.° do Decreto-Lei nº18/88, de 21 de Janeiro - Transferência de docentes sem horário lectivo - de que o 11º A grupo (código 25) “tem um horário zero nesta escola”, justificando, no próprio boletim de concurso, como lhe era exigido, a não existência de horário da seguinte forma: “não há horas lectivas para todos os professores do grupo 25.” (fls 210 a 213).
7.2.17 – Com esta conduta irregular, a arguida produziu falsos documentos e prestou falsas informações à Administração Educativa.
7.2.18 – Considerando que a transferência de docentes sem horário lectivo assumiu a forma de concurso no ano lectivo 2000/2001, razão pela qual, pela primeira vez, foi pedida às escolas esta informação, aquando da entrega dos mapas para a 2.ª parte do concurso, é possível que tivesse sido posta a hipótese de que “arranjando” um zero no 11.° A grupo, código 25, a professora Isabel ... sairia desta escola, isto é; é bem possível que o “móbil” da questão tenha sido o mau relacionamento com a professora, Isabel ..., mas desta possível intenção não foi possível concluir, inequivocamente.
7.2.18.1 - Com efeito, as regras do concurso para transferência de docentes sem horário lectivo/horário zero, tal não permitiam, por imposição da Administração, uma vez que se não houvesse consenso dentro dos professores do grupo, isto é; se nenhum docente estivesse interessado em concorrer, a Administração colocaria o docente menos graduado e que era a professora Lucília .... A professora Isabel ... apresentou-se a este concurso porque foi sua vontade.
7.2.19 - Contudo, embora não tenha sido possível concluir das intenções da arguida, apurou-se no processo que esta produziu e assinou falsos documentos e prestou falsas informações à Administração Educativa, no que diz respeito ao 11.° A grupo, código 25, em Julho de 2000, na 2ª parte do concurso de docentes e, em Outubro/Novembro de 2000, aquando da transferência de docentes sem horário lectivo, factualidade que a defesa não logrou afastar, como se provou no capítulo 5 (Acusação e Defesa).
8 - Proposta
8.1 - Tendo em conta os factos e as conclusões que antecedem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 65.°, n.° 1, do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Dec-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, proponho:
Que à arguida, professora do quadro de nomeação definitiva da Escola Básica 2,3 Serra da ...e Presidente do Conselho Executivo da mesma escola, seja aplicada a pena de INACTIVIDADE, prevista e caracterizada nos artigos 11.°, n.° 1 al. d); 12.° n.° 3 e n.° 5 e 13.°, todos do Estatuto Disciplinar, graduada em 01 (um) ano.
A aplicação da pena indicada é da competência do Ex.mo Senhor Director Regional da Educação do Centro, nos termos do artigo 116.°, n.° 2 do Estatuto da Carreira Docente dos Educadores de Infância e do Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Dec-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, alterado pelo Dec-Lei n.° 17/98, de 02 de Janeiro.
(...)

C) Por despacho do Director Regional de Educação de Educação do Centro de 04-03-2002, exarado na Informação nº 351/DSRH/GJ (cfr. PD), esta por seu turno inteiramente concordante com os termos do Relatório e Proposta formulados pela Instrutora do PD, foi decidido:
«Concordo e aplico à arguida, P.Q.N.D. Maria ..., a pena de inactividade graduada em um ano».

D) Na Informação 130/IG/2002, Parecer nº 242/GAJ/2002, no âmbito de recurso hierárquico interposto pela Recorrente, surge a título de Conclusões/Proposta:
«9. Tudo visto e aduzido, propõe-se que improceda o presente recurso, por totalmente improvado, mantendo-se o acto recorrido de 4.03.2002, do Sr. Director Regional de Educação de Educação do Centro (DREC), que aplicou à recorrente a pena de inactividade graduada em um ano».

E) Sobre a Informação/Parecer referida em D) e em concordância com a mesma foi exarado o despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa, de 06-06-2002 (cfr. fls 26/29 destes autos e PD) – acto administrativo objecto deste recurso contencioso - pelo qual foi negado provimento ao aludido recurso hierárquico.

DE DIREITO

Os documentos que a arguida na qualidade de Presidente do Conselho Executivo da Escola Básica 2,3 Serra da ...produziu e assinou no exercício das suas funções, são por definição documentos autênticos nos termos do artigo 363º nº2 do Código Civil.
Nesse sentido trata-se de documentos genuínos, dotados de conteúdo presumivelmente correspondente à vontade da declarante. Se nalgum desses documentos foi posteriormente introduzida qualquer alteração capaz de adulterar o seu conteúdo original, não ficou demonstrado nos autos em que medida se teria operado tal falsificação e quem seria o respectivo autor.
Assim, quando no Relatório se refere que «a arguida produziu falsos documentos e prestou falsas informações à Administração Educativa», poderá apenas ter-se em mente a chamada «falsidade ideológica», ou «falsidade intelectual», consistente na desconformidade entre a situação real objecto de registo e o que se exarou no documento.
No Estatuto Disciplinar (ED) aprovado pelo DL 24/84, de 16/1, a temática da falsificação de documentos não está expressamente prevista, devendo por isso o aplicador da lei socorrer-se do Direito Penal, como paradigma do direito punitivo em geral.
Ora, como se refere no despacho de arquivamento do inquérito criminal que teve por base uma participação do IGE contra a ora Recorrente (cfr. fls 42 destes autos) por alegada desconformidade entre os documentos remetidos ao CAE e os arquivados na Escola Básica 2,3 Serra da Gardunha, de cujo Conselho Executivo aquela era presidente, «é elemento essencial do crime de falsificação a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou outra pessoa benefício ilegítimo (artigos 256º e 257º, ambos do C. Penal)».
Sucede que no processo disciplinar não foi possível demonstrar esse elemento essencial da infracção (da infracção disciplinar, como é óbvio, cujo regime, como já se afirmou, deve pautar-se in casu pelo paradigma do direito penal) e disso dá nota o próprio Relatório, onde pode ler-se (em 7.2.18 e 7.2.19) que nada foi possível apurar sobre a intenção da arguida ao produzir e assinar os documentos supostamente falsos.
Ora, sendo assim, está a excluir-se a possibilidade de punição da arguida com o fundamento de que «produziu e assinou falsos documentos...», e resultam procedentes as conclusões d) e seguintes formuladas pela Recorrente.
Os erros contidos nos referidos documentos poderiam ter relevância disciplinar, serem susceptíveis de revelar porventura a violação o dever de zelo pela arguida, ao negligenciar, em desconformidade com as exigências do cargo que ocupava o correcto conhecimento e aplicação das normas para preenchimento dos mapas para colocação de professores. Mas não foi por este tipo de razões que a arguida foi punida e, portanto, de nada serve especular a tal respeito, sendo certo ainda que esse tipo de ilícito caberia a pena de suspensão prevista no artigo 24º do ED e não a pena de inactividade prevista no respectivo artigo 25º, efectivamente aplicada.
Assim, o acto não pode manter-se.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e anular o acto recorrido.
Sem custas.

Lisboa, 15 de Janeiro de 2009