Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02091/07
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/08/2008
Relator:Eugénio Sequeira
Descritores:PROCURAÇÃO FORENSE
SOCIEDADE
REQUISITOS
Sumário:1. Face ao Código do Notariado, outorgantes para os diversos actos notariais, só podem ser as pessoas físicas dotadas da necessária capacidade para os actos que ali vão exprimir, que podem agir em seu nome próprio ou em nome de outrém;
2. No caso de pessoas colectivas ou de sociedades, os outorgantes são as pessoas físicas que nos termos dos estatutos ou do pacto social para tal foram designados, tendo a necessária capacidade para exprimir a vontade do ente colectivo;
3. Os nomes e demais elementos de identificação destas pessoas físicas tem de constar da procuração passada por um ente colectivo a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário ao abrigo do Dec-Lei n.º 267/92, de 28.11, já que apenas foi nestas suprimida a necessidade de intervenção notarial, mas não dos requisitos próprios de tais actos previstos na lei notarial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
Caixa de Crédito ...., CRL, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com o despacho proferido pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja datado de 5.4.2006, que lhe ordenou a junção aos autos de procuração passada a seu favor e ratificasse o processado sob a cominação do disposto no art.º 40.º n.º2 do CPC, veio do mesmo recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Dispõe o artigo 40° n.º 1 do CPC, aplicável nos presentes autos ex vi art. 2°, alínea e) do CPPT, que “A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal."
B) O n.º 2 do artigo 110° do CPPT dispõe que, "O juiz pode convidar o impugnante a suprir, no prazo que designar, qualquer deficiência ou irregularidade."
C) O Decreto-lei n.º 267/92, de 28 de Novembro de 1992, dispõe no n.º 1 do seu artigo único que, ..As procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, ainda que com poderes especiais, não carecem de intervenção notarial, devendo o mandatário certificar-se da existência, por parte do ou dos mandantes, dos necessários poderes para o acto."
O) Estabelece o referido diploma que na outorga de procuração a mandatário judicial, é o advogado a quem é conferido o mandato que atesta a veracidade do mesmo e a extensão do poderes que lhe são conferidos.
E) O modelo anteriormente existente, no qual havia a necessidade da assinatura do mandante, bem como a qualidade em que o fazia, ser atestada por notário, foi completamente abandonado.
F) O advogado ao aceitar determinado mandato deve comprovar os poderes do mandante e demais elementos identificativos do mesmo.
G) Não é exigido que o resultado do controlo dos poderes do mandate conste de documento, ou seja, da procuração forense propriamente dita.
H) Tal exigência não se encontra contemplada no CPC, CPPT ou no Decreto-lei n.º 267/92, de 28 de Novembro de 1992, antes pelo contrário.
I) A verificação prévia dos poderes do mandante da reclamante, qualidade, profissão, número de bilhete de identidade e residência, e tal como é exigível, foi efectuada pelo advogado, mandatário, no momento da concessão de poderes de representação, assinatura da procuração.
J) A procuração forense junta aos autos não padece, assim, de qualquer irregularidade.
L) O Douto Despacho recorrido carece de qualquer fundamento legal, devendo o mesmo ser tido como ilegal, substituindo-se por outro que ordene o normal prosseguimento dos autos.

Nestes termos e nos demais de direito, e nos demais de direito aplicáveis e invocando, ainda, o Douto suprimento, deve o Douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, considerando a procuração forense regular, deferindo o requerimento de 09/05/2006, ordene o normal prosseguimento dos autos.
Assim decidindo, se fará
JUSTIÇA!


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, porque a procuração de fls 13 dos autos não identifica as pessoas que agem em representação da mandante que é uma pessoa colectiva, o que contraria o disposto no art.º 163.º n.º1 do CC, bem como o Regime Jurídico das Cooperativas de Crédito Agrícola.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se na procuração forense passada por sociedade comercial a advogado, nela têm de constar os nomes e demais identificação das pessoas físicas que, face ao seu pacto social, a podem obrigar perante terceiros.


3. A matéria de facto.
É a seguinte a matéria de facto que emerge dos autos e que teve relevo para o prolatado despacho recorrido, e que se subordina às seguintes alíneas:
A) Com a sua petição inicial de reclamação de créditos entregue pela ora recorrente no Serviço de Finanças do Concelho de Mora, juntou a mesma como “procuração” passada aos Exmos Advogados o documento de fls 24 dos autos, com o seguinte conteúdo:
Caixa de Crédito ...., C.R.L., com sede na Praça Conselheiro Fernando de Sousa, em Mora, pessoa colectiva n.º 501 282 874, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Mora sob o n.º 21, com o capital social variável, constitui seus bastantes procuradores os Exmos Senhores Dr. Pedro Matos Barbosa, Dr. Pedro Goulão e Dra. Elsa Domingues Henriques, Advogados, com escritório na Urbanização Pá da Ribeira, Lote 9, 1.º, em Rio Maior, a cada um dos quais concede os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, inclusive os de substabelecer.
Mora, 07 de Dezembro de 2005.
(Seguem-se duas rubricas);
B) De seguida, proferiu então, a M. Juiz do Tribunal “a quo” o despacho recorrido, do seguinte teor:
Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 6.º do Código Procedimento e Processo tributário (CPPT) é obrigatória a constituição de Advogado nas causa judiciais, cujo valor exceda o décuplo da alçada do Tribunal Tributário de 1.ª instância (€ 9.352,50).
No caso sub judicie o valor da acção é de € 28.744,18, não sendo por isso obrigatória a constituição de Advogado.
No entanto, compulsados os autos verifica-se que a Reclamante «Caixa de Crédito ...., CRL» ainda assim emitiu procuração à ilustre Mandatária Dra. Elsa Domingues Henriques subscritora da petição inicial.
Ora, sucede que tal procuração é irregular, pois não tem a identificação de quem representa a Reclamante, a qualidade em que o faz, sua profissão, número do bilhete de identidade, residência, etc.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 40.º, n.º1 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 2.º, do CPPT, tal circunstancialismo pode ser conhecido oficiosamente pelo Tribunal, pelo que determino que:
Notifique a Reclamante, na pessoa da advogada subscritora da petição inicial para, de acordo com o preceituado no art.º 110.º, n.º2 do CPPT, em dez dias, regularizar a situação juntando procuração e ratificação do processado, sob pena de aplicação do estatuído no art.º 40.º, n.º2 in fine do CPC, ex vi art.º 2.º, alínea e) do CPPT e art.º 6.º, n.º1 do mesmo diploma.
...


4. A única questão a decidir no presente recurso jurisdicional centra-se assim, nos dizeres que uma procuração para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário passada por um ente colectivo, concretamente uma sociedade, a favor de advogado, tem de conter, no que a M. Juiz do Tribunal “a quo”, nos termos exarados no seu despacho defende que aquela deve conter, como seja a identificação de quem o representa, a qualidade em que o faz, a sua profissão, o seu número do bilhete de identidade, a sua residência, etc., enquanto que para a recorrente, tais dizeres não têm de constar da mesma procuração, por a lei actualmente o não exigir, ainda que a existência de tais elementos tenha de ser previamente assegurada pelo advogado a favor de quem a procuração é passada.

Vejamos então.
Dispõe a norma do art.º 163.º n.º1 do Código Civil, quanto à representação das pessoas colectivas:
A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

E a do art.º 21.º n.º1 do Código de Processo Civil (CPC):
As demais pessoas colectivas e as sociedades são representadas por quem a lei, os estatutos ou o pacto social designarem.

E a do art.º 1.º, n.º1, do Código do Notariado:
A função notarial destina-se a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais.

E a do seu art.º 35.º (Dos actos notariais) – Espécie de documentos:
1 – Os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial.

E a do seu art.º 46.º n.º1, alínea c) (Requisitos dos instrumentos notariais):
1 – O instrumento notarial deve conter:
a) ...
b) ...
c) O nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação da pessoa colectiva;
d) ...
...

E a do seu art.º 49.º (Representação de pessoas colectivas e sociedades):
1 – A prova documental da qualidade de representante de pessoa colectiva sujeita a registo e da suficiência dos poderes faz-se por certidão do registo comercial, válida por um ano, sem prejuízo de o notário poder solicitar ainda outros documentos por onde complete a verificação dos poderes invocados.

E a do seu art.º 153.º (Reconhecimentos) – Espécies:
1 – Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais.
2 – O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário do documento.

E a do seu art.º 155.º (Reconhecimentos) Requisitos:
1 – O reconhecimento deve obedecer aos requisitos constantes da alínea a) do n.º1 do art.º 46.º e ser assinado pelo notário.
2 – Os reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário e referir a forma por que se verificou a sua identidade, com indicação de esta ser do conhecimento pessoal do notário, ou do número, data e serviço emitente do documento que lhe serviu de base.
3 ...

Como é sabido, as pessoas colectivas, impossibilitadas de agir por si próprias, com efeito, só podem proceder por intermédio de certas pessoas físicas cujos actos praticados em nome e no interesse da pessoa colectiva (e no âmbito dos poderes que lhes são atribuídos) irão produzir as suas consequências na esfera jurídica dessa mesma pessoa.
A tais indivíduos costuma dar-se o nome de órgãos da pessoa colectiva...formam a vontade da pessoa colectiva... e no caso dos externos, são eles quem exterioriza a vontade da pessoa colectiva. Trata-se, pois, de órgãos externos ou executivos...in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, de Manuel A. Domingues de Andrade, pág. 115 e segs.

Não sendo a outorga da procuração forense mais do que uma declaração de vontade do ente colectivo no sentido que atribui poderes forenses a certo ou certos advogados para, em juízo e em seu nome, praticarem diversos actos jurídicos, os nomes e demais identificação dos titulares dos órgãos dessa sociedade não podem deixar de constar desse instrumento por força das citadas normas do Código do Notariado, designadamente dos seus art.ºs 1.º, 46.º, 49.º, 153.º e 155.º, e isto mesmo nos reconhecimentos simples, já que outorgantes só podem ser as pessoas físicas dotadas da necessária capacidade de entendimento, do sentido e alcance dos actos praticados, podendo agir em nome próprio ou em nome de outrém, como seja em nome da sociedade que, por força dos estatutos ou do pacto social, representam.

Mas será que, quanto às procurações forenses passadas por sociedades a favor de advogados, nenhum daqueles requisitos devem as mesmas conter, como pretende a recorrente?
A nossa resposta, adianta-se desde já, não poderá deixar de ser negativa, como se tentará demonstrar.

Com a publicação do Dec-Lei n.º 267/92, de 28 de Novembro, o que se fez foi suprimir a necessidade da intervenção notarial nas procurações passadas a advogados para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, mantendo incólume tudo o mais que tais instrumentos exigem para dar forma legal e conferir fé pública a tais actos, passando, por força deste diploma, a ter mesma fé legal tal procuração forense como se a assinatura do representante da sociedade com poderes para o acto fosse reconhecida notarialmente, por semelhança, como desde logo ressalta do respectivo preâmbulo deste citado diploma:
...
Estas mesmas razões e a experiência já colhida justificam que se vá mais além e se consagre agora que os advogados a quem é conferido o mandato atestem a veracidade do mesmo e a extensão dos poderes que lhes são conferidos, enveredando-se assim, por uma via realmente desburocratizante, capaz de poupar esforços inúteis ao cidadão que acede ao direito e aos tribunais.
...

Ou seja, para além da fé (pública) de que gozam os actos praticados por advogados que o Dec-Lei n.º 342/91, de 14 de Setembro, erigiu para justificar a abolição do reconhecimento notarial da assinatura do advogado no acto de substabelecimento que agora, fez também aplicar na abolição da intervenção notarial nas procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário, bem como a experiência entretanto colhida e que o legislador considerou justificativa de avançar mais este passo no caminho de uma via realmente desburocratizante.

Em suma, estas procurações passadas a advogado para a prática de actos que envolvam o exercício do patrocínio judiciário gozam, precisamente, da mesma fé pública destes actos jurídicos extrajudiciais como se fossem praticados por notário, devendo, também, em contrapartida, estarem sujeitos à mesma forma legal, que é própria dos actos da função notarial.

Quer as mesmas exigências notariais quer o mesmo valor jurídico, veio a lei expressamente reconhecer quanto aos reconhecimentos de assinaturas e autenticação e tradução de documentos, em geral, que também vieram a ser acometidos a entre outros aos advogados, pelo Dec-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março (1), em cujo art.º 38.º se pode ler:
1 – Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial.
2 – Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
...

O despacho recorrido que também assim entendeu e decidiu nenhuma censura merece devendo ser confirmado com a improcedência total das conclusões do recurso.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar o despacho recorrido.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 08 de Janeiro de 2008

(1)Diploma este que, por força da norma do seu art.º 64.º, na generalidade, só entrou em vigor em 30.6.2006.