Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 11332-02-A |
![]() | ![]() |
Secção: | Contencioso Administrativo- 2.ª subsecção |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 10/03/2002 |
![]() | ![]() |
Relator: | João B. Sousa |
![]() | ![]() |
Descritores: | RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA DESPACHO DE "CONCORDO" |
![]() | ![]() |
Sumário: | 1- Os actos administrativos, devem ser apreendidos e interpretados no contexto do procedimento em que se inserem, segundo os ditames do bom senso e sem menosprezo da praxis administrativa reiterada. 2- Quando um assunto é levado à consideração superior "para proferir a resolução fundamentada, nos termos propostos", o bom senso impõe que se assuma o despacho de "concordo" como significando a adopção da resolução proposta, por inexistência de qualquer alternativa explicativa razoável para aquela atitude do superior hierárquico. 3- De resto, constitui praxis administrativa reiterada e sistemática a execução pelos serviços dos despachos de "concordo", como verdadeiras resoluções destinadas à produção dos efeitos jurídicos preconizados nas propostas subjacentes. 4- Improcede assim a argumentação dos Reclamantes, segundo a qual o mero despacho de "concordo" não poderia configurar uma resolução administrativa. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | RELATÓRIO Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo: A ... e outros, apresentaram reclamação para a conferência do despacho do relator que, indeferindo a pretensão por eles formulada, considerou como resolução fundamentada adequada à previsão do artigo 80º nº 1 da LPTA, o despacho do SEAF nº 159/2002 que é objecto do pedido de suspensão de eficácia formulado nestes autos. Transcreve-se o despacho reclamado: A lei permite que a fundamentação do acto administrativo consista em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas...” – cfr. artigo 125º/1 CPA. Desde que, naturalmente, “tal declaração de concordância, pela forma como se tenha processado não legitime qualquer dúvida quanto ao parecer, informação ou proposta que se pretendam acolher no acto administrativo” – cfr. Botelho, Esteves e Pinho, in CPA Anotado e Comentado, nota 6 ao artigo citado (4ª edição). Uma das formas inequívocas de fundamentação “per relationem”, aliás usual, consiste na aposição do despacho de “concordo” sobre o mesmo suporte material (documento) em que o parecer se encontra exarado. Esta é uma afirmação validada pelo senso comum, por inexistência de qualquer alternativa explicativa razoável para aquela atitude do superior hierárquico. Todavia, para os mais cépticos, pode citar-se Marcello Caetano (Manual, II, pág. 1321): “O despacho de concordo é lançado sobre informação ou parecer e significa que a autoridade perfilhou não só a solução proposta pelo funcionário informador ou pelo órgão consultivo, mas ainda os respectivos fundamentos”. Obviamente, diga-se ainda, nada obsta a que exista uma remissão sucessiva, conatural à índole burocrática e hierarquizada dos serviços públicos. Deste modo, é manifesto que o despacho do SEAF nº 159/2002 – documento nº 3 do processo instrutor – é uma resolução fundamentada, adequada à previsão do artigo 80º/1 da LPTA. Os Reclamantes, ultrapassando a questão relativa à fundamentação do acto, entendem que falta no caso a própria resolução, isto é, “a estatuição ou conteúdo decisório do acto”. É neste aspecto, relativo à própria existência do acto administrativo, que reside o essencial da sua discordância com o despacho reclamado. Em sua opinião, “à luz do conceito de acto administrativo, em caso algum, uma mera declaração de concordância com acto opinativo – como aquela que consta do despacho do SEAF – pode ser qualificada como uma verdadeira decisão/estatuição...”. Daí concluem que “face ao exposto, pelo menos a (demonstrada) falta de decisão/estatuição (in caso) é passível de configurar senão mesmo a existência – por flagrante violação do artigo 120º do CPA – pelo menos a nulidade do dito acto – neste caso com fundamento na al. f) do nº 2 do artigo 133º do mesmo diploma”. A entidade requerida e o Ministério Público manifestaram-se em prol do despacho reclamado. Cumpre decidir: Em termos de pura lógica, concede-se, os Reclamantes têm razão: uma declaração de concordância com um acto opinativo (como um parecer) não implica necessariamente uma decisão, nem no sentido preconizado no dito parecer nem em qualquer outro. Virtualmente, o decisor poderá afirmar a sua concordância com determinado parecer e sucessivamente emitir decisão no sentido contrário, ou declarar que não obstante a concordância intelectual com os termos da proposta dos serviços, pura e simplesmente se abstém de decidir. Seria decerto preferível que em vez do lacónico “concordo” fosse emitida uma declaração mais completa, do género da sugerida pelos Reclamantes (decido no sentido proposto no parecer junto, pelas razões aí aduzidas). Todavia, no mundo do direito, as declarações, quanto ao seu sentido, não estão estritamente agrilhoadas às regras da lógica formal. As declarações negociais, por exemplo, não valem com o sentido lógico/gramatical intrínseco, mas com “o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante” – artigo 236º do Código Civil. Mesmo as leis – declarações jurídicas formais e solenes – carecem de uma interpretação contextualizada, tão elástica que pode ser legitimada por “um mínimo de correspondência verbal” – artigo 9º do Código Civil. Similarmente, os actos administrativos, devem ser apreendidos e interpretados no contexto do procedimento em que se inserem, segundo os ditames do bom senso e sem menosprezo da praxis administrativa reiterada. Ora, no caso vertente, o assunto foi levado pelos serviços à consideração do SEAF com a menção expressa de que era “para proferir a resolução fundamentada, nos termos propostos”. Por outro lado, constitui praxis reiterada e sistemática da Administração que os despachos de “concordo” sejam executados pelos serviços, como verdadeiras resoluções destinadas à produção dos efeitos jurídicos preconizados nas propostas subjacentes. Neste contexto, impõe o bom senso que o despacho de “concordo” em causa seja assumido como adopção da resolução proposta, até por inexistência de qualquer alternativa explicativa razoável para aquela atitude do superior hierárquico, como já se frisou no despacho reclamado. Tais razões, carregadas de um sentido procedimental contextualizado, sobrepõem-se às doutas considerações de ordem abstracta e literal esgrimidas pelos Reclamantes, conduzindo decisivamente à confirmação do despacho recorrido. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação. Custas do incidente pelos Reclamantes, com € 50 de taxa de justiça per capita. |