Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06669/10
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/05/2011
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:SITUAÇÕES DE INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO
ARTIGO 69º Nº1 DO CPTA.
PRAZO DE CADUCIDADE.
Sumário:I-Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto ilegalmente omitido (artº. 69º nº1 do CPTA).

II- Após o transcurso do prazo de caducidade, o interessado poderá continuar a aguardar a prolação de uma decisão expressa ou optar por renovar a sua pretensão perante a Administração, de modo a reabrir a via judicial, caso a autoridade administrativa mantenha o silencio sobre o novo requerimento ou o venha a indeferir.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no 2- Juízo do TCA -Sul

1- Relatório
Maria ……………….., José ………………….., Helena …………., Helena Maria ……………., António ……………….., Amândio …………., Jorge ……….. e Maria Odete ………………, residentes em .. ………., intentaram no TAF de Loulé, ao abrigo da Lei 83/95, contra o Município de Loulé e outros, id. na petição inicial, acção administrativa especial, pedindo que o R. Município declare que os armazéns situados num prédio vizinho do prédio rústico de que são comproprietários, sito no Sitio …………….., não podem ser objecto de licenciamento municipal, devendo ser ordenada a sua demolição.
Por sentença de 24.11.2009, a Mmª Juíza do TAF de Loulé julgou a acção, por extemporaneidade, nos termos do artigo 69º nº2 do CPTA.
Inconformados, os AA. interpuseram recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciaram as conclusões seguintes:
1. A douta sentença julgou verificada a existência de excepção dilatória inominada, absolvendo os RR da instância.

2. Baseando-se esta decisão nos fundamentos constantes e enumerados na sentença, ou seja:
• A impugnação de actos anuláveis tem lugar no prazo de 3 meses (artigo 58° n.°2 e 59° n.°3 c) do CPTA),
• Em situações de inércia da administração o direito de acção caduca no prazo de um ano ( 69° n.°1 CPTA), sendo o prazo 90 dias úteis ( artigo 72° e 109° do CPA).
• A entidade demandada não proferiu despacho de indeferimento pelo que, da mesma forma, a propositura da presente acção foi extemporânea.

3. A sentença é ilegal por existir contradição entre os fundamentos e a decisão e não conhece de questões que deveria apreciar.

4. A sentença não contém um explanação clara da conclusão do direito que ao caso foi aplicado, limitando-se a fundamentar as razões porque entendeu verificar-se uma excepção dilatória quando deveria apreciar e decidir sobre as actividades lesivas do ambiente

5. A sentença conclui, o que se censura, pela aplicabilidade do artigo 58° n.°2 do CPTA, sem ter desenvolvido qualquer actividade tendente a conhecer o tipo de vicio em causa , se nulidade ou anulabilidade, não podendo , desde logo fixar como prazo da caducidade para a acção , 3 meses .

6. A sentença ao decidir ser aplicável ao caso o prazo de 90 dias previsto no CPA ignorou que existe um prazo especial para decidir previsto no Regime Jurídico da Edificação e Urbanização (DL 555/99 de 16/12 alterado pela Lei 60/20O7 de 04/09) no seu artigo 23° n.°1 al c) e n.°4, a contar do pedido de legalização.

7. Por ser ilegal não faz sentido a verificação da excepção Já extemporaneidade, e por isso o Tribunal a quo, não encontrando qualquer suporte legal qualificou-a de inominada.

8. O Meritíssimo Juiz a quo ao decidir desta forma violou o artigo artigo 668° n.°1 al. b) c) e d) do CPC e como tal é nula a sentença.

9. A sentença violou ainda os artigos 659° n.°3 e o juiz Meritíssimo Juiz a quo não resolveu como lhe competia as questões que as partes lhe submeteram a sua apreciação, preferindo prejudicá-las pela solução dada a outras e impondo o conhecimento oficioso ainda de outras violando assim o artigo 660° n,°2 do CPC.

10. E decidiu fazendo errada interpretação do artigo 69° n.°1 do CPTA e 72° e 109° n.°2 do CPA, ao não considerar o prazo previsto no artigo 23° n.°1 al c) e n.°4 do DL 555/99 de 16/12 alterado pela Lei 60/2007 de 04/09.

Não houve contra-alegações.
O Ministério Público não emitiu parecer.
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2- Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 4 de Novembro de 2004 os AA participaram ao R. Município da existência de dois armazéns de génese ilegal no prédio vizinho, nos termos seguintes:

“(…)
Exm° Senhor
Presidente da Câmara Municipal
de Loulé


Helena ………………, Cristina ………….., António ………………. ………, Maria de Fátima ……….. e Maria Odete ………….., residentes em Avª ………….. lote …….. 1° Esq° …… 101 5. ………….., na qualidade de co-proprietários do prédio rústico no ………. (Cabeça ………) com o artº ………….. da freguesia de S. ………., Concelho …………, conforme planta de localização «levantamento topográfico que se anexa, vem por esta forma expor o seguinte:

Após deslocação ao local, constataram algumas situações irregulares, que consideramos graves.
1- Foi construído um armazém, onde funciona uma oficina, com as portas e portões a abrir directamente para o terreno dos signatários, sendo o acesso feito a partir deste terreno, sem prévia autorização dos proprietários.

2- Contíguo a este a armazém, está em construção um outro armazém nas mesmas condições, ou seja, com vãos a abrir directamente para o terreno dos signatários, sem respeitar as distâncias mínimas regulamentares, utilizando ainda este espaço para acesso aos armazéns e para estaleiro de apoio à construção, onde tem depositado lixo e entulho.

3- Foi também efectuada uma vedação, com portada, sem autorização dos proprietários, vedando-lhe o acesso à propriedade.

Em face do exposto solicitamos a colaboração da Câmara Municipal, com a máxima brevidade possível no sentido de averiguar a legalidade destas situações, e actuar em conformidade de acordo com a legislação em vigor, uma vez que são terrenos de natureza agrícola e os legítimos interesses dos proprietários estão a ser lesados.

Junta-se para provar os factos alegados:
- Planta de Localização
- Levantamento Topográfico
- Fotografias tiradas no local.

Pede Deferimento
Os comproprietários (...) - motivação: doc. n°2 junto com a p.i

2. Com data de 5/11/2004, foi proferido o seguinte Despacho: "À Fiscalização de obras para verificar esta situação" - motivação: doc. n°3 junto com a p.i.

3. Com data de 16/11/2004, foi proferido o seguinte Despacho: "Informo que foi levantado Auto de Notícia em 16/11/04, anexo fotocópia deste. O tempo para executar o descrito é de aproximadamente dois meses".- motivação: doc. n°3 junto com a p.i.

4. A entidade demandada levantou um auto de notícia em 16/11/2004 contra o infractor C………. - ……………, Lda, também Ré nesta acção, sendo a seguinte a descrição da infracção praticada: " Em visita ao local acima mencionado, na sequência da queixa apresentada pela srª Helena ………………… e outros, foi verificado que a " Firma" acima identificada estava a levar a efeito a construção de uma armazém sem o respectivo Alvará de Licença de Construção, sito em ……….., freguesia de S. …………, Concelho ………… (...)"- motivação: doc. n°4 junto com a p.i.

5. A entidade demandada levantou um auto de notícia em 04/01/2006 contra os infractores Manuel ……………. e Paulo ………….., também Réus nesta acção, sendo a seguinte a descrição da infracção praticada: " Em visita ao local acima mencionado, na sequência da queixa apresentada pela srª Helena …………. e outros, foi verificado que a construção de um armazém que estava a ser levada a efeito sem o respectivo Alvará de Licença de Construção, sito na ……………, freguesia de ……………., concelho de …………, está praticamente concluída. Foram feitos os rebocos em falta e fechado literalmente com painéis metálicos entre a parede de alvenaria e a cobertura. (...) - motivação: doc. n°9 junto com a p.i.

6. Em Maio de 2005, os alegados infractores mencionados em 5 iniciaram o pedido de licenciamento, que deu origem ao processo n°609/05 - motivação: doc. n°13 junto com a p.i.

7. O processo n°605/05 ainda não está concluído - motivação: confissão da Ré, art° 18° da Contestação.

8. A presente acção deu entrada em juízo em 9 de Outubro de 2008 - motivação: carimbo de entrada.
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3- Direito Aplicável
Nas suas alegações, os recorrentes dizem que no local dos armazéns existe uma intensa actividade poluidora, resultando da actividade dos RR. o despejo, para o terreno dos AA. de paletes usadas, pneus, entulhos e resto de materiais de construção, latas de tinta e de verniz e matérias perigosas, que carecem de devida gestão de resíduos.
Na óptica dos recorrentes está em causa o direito ao ambiente, sendo tarefa fundamental do Estado defender a natureza e o ambiente (artigo 9º da CRP).
Por esta razão, os recorrentes participaram esta situação ao Município em 4 de Novembro de 2004 (cfr. nº1 da matéria de facto), tendo sido levantado um auto de noticia em 16.11.04 contra o infractor C……… - C………….., Ldª, na sequência do qual se verificou que a Firma acima identificada estava a levar a efeito a construção de um armazém (nº2 da matéria de facto). A entidade demandada levantou um outro auto de noticia em 04.01.06 contra os infractores Manuel ………. e Paulo …………….. Em visita ao local, e na sequência de nova queixa apresentada pelos recorrentes foi verificada a construção do armazém, levada a cabo sem a respectiva licença de construção (cfr. ponto 5 da matéria de facto).
Todavia, em Maio de 2005, os alegados infractores, mencionados em 5, iniciaram o pedido de licenciamento, que deu origem ao processo nº605/05, ainda não concluído.
A presente acção deu entrada em juízo em 9 de Outubro de 2008, mas os recorrentes alegaram que, por força do disposto no artigo 133º do CPA são nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, razão pela qual não se verifica a excepção de caducidade previsto no nº1, al.b) do CPTA, estando a acção em tempo.
Vejamos
Salvo o devido respeito, não é aplicável o artigo 133º do CPA.
Em primeiro lugar, atenta a dimensão do litígio e a localização do armazém, estamos perante um mero conflito de vizinhança, mas face ao teor das pretensões dirigidas pelos recorrentes ao Município de Loulé, no sentido de o mesmo impedir a concretização do licenciamento, configura-se uma relação jurídico-administrativa, para a qual os tribunais administrativos são, obviamente, competentes. Esclarece-se este ponto tão somente porque a sentença recorrida chegou a colocar a hipótese de os tribunais competentes serem os tribunais comuns, o que não é exacto.
Passemos, pois, ao mérito da causa.
Os autores pretendem reagir contra a actividade poluidora existente no local, que se projecta para o seu terreno, e para isso dirigiu um requerimento ao Município de Loulé, com data de 05.11.2004 ( facto1).
Todavia, até esta data o Município R. nada fez, a não ser levantar dois autos de noticia, pelo que se configura uma situação de inércia da Administração, tal como prevista no artigo 69º nº1 do CPTA.
Esta norma prescreve o seguinte: “ Em situações de inércia da Administração, o direito de acção caduca no prazo de um ano, contado desde o termo do prazo legal estabelecido para a emissão do acto legalmente omitido”.
Ora, como é sabido, o prazo –regra para a Administração decidiu qualquer pretensão que lhe seja dirigida – e findo o qual se inicia o prazo para o exercício do direito de acção - é de 90 dias úteis, contados nos termos previstos no nº3 do artigo 109º e no artigo 72º do CPA, salvo se for aplicável norma especial que estabeleça outro prazo ou diverso regime de contagem (cfr. M. Aroso de Almeida e C.A. Fernandes Cadilha, “ Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2007, p.417).
Após o transcurso do prazo de caducidade, o interessado poderá continuar a aguardar a prolação de uma decisão expressa ou optar por renovar a sua pretensão perante a Administração, de modo a reabrir a via judicial, caso a autoridade administrativa mantenha o silêncio sobre o novo requerimento ou o venha indeferir (ob.cit.p.417 e, no mesmo sentido, M. Aroso de Almeida, “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição,p.220”).
Ora, como a presente acção deu entrada apenas em 09.10.2008, é manifesto que o prazo de caducidade previsto no artigo 69º,nº2 do CPTA há muito se encontra ultrapassado, pelo que bem andou a sentença recorrida ao absolver o R. da instância.
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4. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s (artigo 73º-D do Cód. Custas Judiciais).
Lisboa, 5.05.011
António A.C.Cunha
Fonseca da Paz
Rui Pereira