Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 13708/16 |
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Secção: | CA- 2º JUÍZO |
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Data do Acordão: | 02/02/2016 |
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Relator: | HELENA CANELAS |
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Descritores: | HABITAÇÃO SOCIAL DESPEJO INTERESSE EM AGIR |
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Sumário: | I – A Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro revogou o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio (cfr. artigo 38º), estipulando simultaneamente que o novo regime nela instituído se aplica aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)). II - Ao abrigo deste regime, sendo a entidade detentora da habitação uma das referidas no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 81/2014, esta não tem necessidade de recorrer aos tribunais para que seja operada a resolução do arrendamento com fundamento na falta de pagamento (mora) de rendas nem para efetivar o despejo do espaço. III – Mas se à data em que foi instaurada a ação (21/06/2013) o autor não dispunha dos mecanismos de autotutela que vieram a ser conferidos pela Lei nº 81/2014, nos termos dos respetivos artigos 25º e 28º, isso significa que não carecia de interesse processual para a instauração da ação ou de necessidade da tutela judicial que solicitou por referência àquele regime, do qual ainda não podia beneficiar. IV - Para que pudesse concluir-se que à data em que foi instaurada a ação o autor tinha ao seu dispor o regime transitório de autotutela declarativa e executiva decorrente da Lei nº 21/2009 ter-se-ía que concluir que a habitação em causa estava cedida à recorrida ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, autor na ação presente ação administrativa comum (Proc. nº 2643/15.9BELSB) em que são réus SARA …………………… e marido NUNO …………………….. – na qual é peticionado a) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento referente a fração autónoma de imóvel sito na freguesia da Buraca, Município da A..............., e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens; b) que seja a ré condenada no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3.006,69 € e vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora; c) que seja a ré condenada a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil – inconformado com a decisão de absolvição dos réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir proferida em 11/02/2016 pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguinte termos: a) De harmonia com o teor da douta sentença recorrida, foi julgada procedente a excepção dilatória de falta de interesse processual ou interesse em agir, tendo a Ré, em consequência, sido absolvida da instância. b) Salvo melhor opinião não se poderá concordar com o douto entendimento vertido na sentença recorrida, pelas seguintes ordens de razão: c) Em primeiro lugar, não poderá deixar de se fazer ressaltar que, aquando da interposição da presente acção judicial (16/12/2014), não se mostrava vigente (nem tão pouco havia sido objecto de publicação em Diário da República) a citada Lei n.º 81/2014, de 19/12, em cujo teor a douta sentença recorrida encontrou consagrado o meio de autotutela que alegadamente permitiria ao Autor alcançar o fim pretendido com os presentes autos. d) Ora, considerando que a averiguação do pressuposto do interesse em agir dever-se-á reportar à data da instauração da acção, outra conclusão não poderá ser extraída que não seja a de que existia, por parte do Recorrente, uma necessidade de recorrer à via judicial (vide neste sentido acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, de 21.11.2013, in www.dgsi.pt). e) Tal conclusão, não é seguramente afastada por força da norma transitória contida no artigo 39º/2 da citada Lei 81/2014, nos termos da qual a disciplina aí consagrada seria imediatamente aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, simplesmente porque já havia sido intentada a presente accão judicial. f) De todo o modo, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado constante da Lei n.º 81/2014 aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, depende, da prévia implementação pelo senhorio do procedimento previsto no seu artigo 34.º, que atribui aos arrendatários destinatários dessa decisão todos os direitos e garantias do procedimento administrativo, mormente o direito de se pronunciarem em audiência de interessados. g) Em segundo lugar, nem se diga que à data da interposição da presente acção judicial, sempre se mostraria vigente o regime transitório e limitado de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei n.º 21/2009 e que, no entender da MM Juíza a quo, "quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de habitação social em regime de arrendamento". h) Na verdade, e ao contrário daquele que parece ser o entendimento propugnado pela MM Juíza a quo, o contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos não se encontrava submetido à disciplina jurídica contida na referida Lei n.º 21/2009, carecendo a interpretação extensiva pretendida pela MM Juíza a quo, salvo devido respeito, de um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, na letra da lei. i) Efectivamente, no artigo 2° da citada Lei n.º 21/2009 refere-se, de forma expressa e inequívoca, que a disciplina jurídica contida naquele diploma legal "(...) é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945". Ora, o Decreto 35106, de 06/11/1945 visava disciplinar as situações de ocupação de casas cedidas a título precário e mediante licença titulada por alvará de habitação social (cfr. artigo 1° - "a ocupação das habitações a que se refere o decreto-lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945, será concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará"). j) Ou seja, tratava-se de situações que encontravam a sua origem/génese num acto administrativo proferido pela Administração e não num contrato (como sucede no caso dos presentes autos). k) Em terceiro lugar e ainda que se admitisse a aplicação e vigência da disciplina jurídica contida no artigo 28° da Lei n.º 81/2014 ao caso sub judicie (o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio e sem conceder, conforme supra se adiantou), não se aceita a conclusão expendida pela douta sentença recorrida, nos termos da qual não se verifica a necessidade de tutela requerida nos presentes autos. l) E não se aceita tal conclusão porquanto a mesma teria de assentar numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa. m) Na verdade, o diploma em causa - Lei nº 81/2014 de 19/12 - salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição. Por outras palavras veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de urna lógica de celeridade de procedimentos. n) Aliás, resulta da análise das disposições legais em apreço que a resolução, por via extrajudicial, apenas se mostra admissível caso se mostre verificado um dos fundamentos previstos no nº 2 do artigo 25°. Ora, não sendo tal remissão taxativa, pois a remissão ali prevista não opera para o corpo do n.º 1 do mesmo artigo, o mesmo significa que outros fundamentos existem que configuram justa causa para resolver o contrato de arrendamento, sendo que, nesses casos, o senhorio terá de recorrer à via judicial. o) Assim sendo, existindo situações que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28 do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de acção do aqui Recorrente previsto no artigo 20° da CRP. p) De todo o modo, verificando-se a existência de um evidente litígio entre Autor e Réus relativamente à cessação do contrato de arrendamento (tendo sido a pretensão do Recorrente contestada), sempre se mostraria necessária a intervenção judicial, por via do disposto no artigo 17º/3 da referida Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro. q) Em face do supra exposto, impõe-se concluir pela verificação do pressuposto processual de interesse em agir por parte do aqui Recorrente, porquanto se mostra necessária a tutela jurisdicional solicitada nos presentes autos. r) Ao não ter assim decidido incorreu a douta sentença recorrida numa errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, tendo sido, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20° da C.R.P.
* O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA. II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito ao considerar não verificado o pressuposto processual de interesse em agir. * A – De facto Pelo Tribunal a quo foi considerada a seguinte factualidade, nos seguintes termos: 1. O Autor Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. é proprietário do rés do chão esquerdo, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua ………………, Lote 27, nº 26, na A..............., e melhor identificado nos autos – docs. nºs 1 e 2 juntos com a p.i. e que aqui se dão como reproduzidos. 2. Este imóvel ingressou na esfera jurídica do Autor por sucessão do Instituto de Gestão do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), o qual atribuiu, verbalmente, em regime de arrendamento para fins habitacionais, a fracção referida em 1, à Ré Sara …………………., para aí habitar com o seu agregado familiar – doc. nº 3 e 4, que aqui se dão como reproduzidos. 3. A renda mensal fixada, à data, foi de € 14,07, sendo o seu valor determinado pela aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar da arrendatária, nos termos do artº 5º do Decreto Lei nº 166/93, de 7 de Maio.
~ 2. Da tese do recorrentePugna o recorrente INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, pela revogação da decisão recorrida sustentando, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões que a averiguação do pressuposto do interesse em agir dever-se-á reportar à data da instauração da ação e que aquando da interposição da presente ação judicial (16/12/2014), não se mostrava vigente, nem tão pouco havia sido objeto de publicação em Diário da República, a citada Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro pelo que existia, por parte do Recorrente, uma necessidade de recorrer à via judicial; que tal conclusão não é afastada pela norma transitória contida no artigo 39º/2 da citada Lei nº 81/2014, nos termos da qual a disciplina aí consagrada seria imediatamente aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, porque já havia sido intentada a presente ação judicial. Acrescenta ainda que de todo o modo, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado constante da Lei n.º 81/2014 aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, depende, da prévia implementação pelo senhorio do procedimento previsto no seu artigo 34.º, que atribui aos arrendatários destinatários dessa decisão todos os direitos e garantias do procedimento administrativo, mormente o direito de se pronunciarem em audiência de interessados. Defende também que o contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos não se encontrava submetido à disciplina jurídica contida na referida Lei n.º 21/2009, dizendo a tal respeito que no artigo 2° da citada Lei n.º 21/2009 se refere de forma expressa e inequívoca, que a disciplina jurídica contida naquele diploma legal “(...) é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945”, que o Decreto nº 35106, de 06/11/1945 visava disciplinar as situações de ocupação de casas cedidas a título precário e mediante licença titulada por alvará de habitação social (cfr. artigo 1° - “a ocupação das habitações a que se refere o decreto-lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945, será concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará”) e que se tratava, assim, de situações que encontravam a sua origem/génese num ato administrativo proferido pela Administração e não num contrato como sucede no caso dos presentes autos. E argumenta ainda que mesmo que se admitisse a aplicação e vigência da disciplina jurídica contida no artigo 28° da Lei n.º 81/2014 ao caso sub judice não se pode entender que não se verifica a necessidade de tutela requerida nos presentes autos porquanto a mesma teria de assentar numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa, por o diploma em causa - Lei nº 81/2014 de 19/12 – ter vindo apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, tendo vindo apenas acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos, e que de todo o modo, verificando-se a existência de um evidente litígio entre Autor e Réus relativamente à cessação do contrato de arrendamento sempre se mostraria necessária a intervenção judicial, por via do disposto no artigo 17º/3 da referida Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro. ~ 3. Da análise e apreciação do mérito do recurso3.1 O Decreto n.º 35106, de 06/11/1945 estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo, destinadas ao alojamento de famílias pobres, subtraindo-as, assim, à legislação geral sobre inquilinato (vide a este respeito, entre outros, os Acórdão do STA de 01/03/1994, Proc. n.º 032903; de 01/06/2004, Proc. n.º 0693/03; de 17/05/2005, Proc. n.º 01592/03; de 29/03/2006, Proc. n.º 01203/05; de 07/0672006, Proc. n.º 01133/05). Aquele diploma foi expressamente revogado pela Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, (cfr. artigo 1º). Mas na falta de simultânea aprovação de novo regime de arrendamento social foi então estabelecido o seguinte regime transitório, nos termos dos artigos 2º e 3º daquela Lei 21/2009: “Artigo 2.º Até à data da entrada em vigor do regime do arrendamento social, é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945, o regime transitório constante do artigo seguinte.”Aplicação do regime transitório “Artigo 3.º 1 - Sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, com os seguintes fundamentos:Regime jurídico aplicável a) Prática dos atos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil; b) Alteração das condições de natureza económica que determinaram a atribuição do fogo; c) Prestação pelo ocupante de falsas declarações sobre os rendimentos do agregado familiar ou sobre factos e requisitos determinantes do acesso ou da manutenção da cedência, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis ao caso nos termos legais; d) Mora no pagamento das rendas por período superior a três meses; e) Oposição à realização de obras de conservação ou de obras urgentes na habitação; f) Não uso da habitação pelo ocupante por período superior a seis meses ou pelo agregado familiar por período superior a dois meses; g) Recebimento de apoio financeiro público para fins habitacionais ou detenção, a qualquer título, de outra habitação adequada ao agregado familiar. 2 - É ainda fundamento da cessação da utilização do fogo, o incumprimento pelo ocupante das seguintes obrigações: a) Efetuar as comunicações e prestar as informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar; b) Não utilizar áreas comuns do edifício para uso próprio, não danificar partes integrantes ou equipamentos do edifício ou praticar quaisquer actos que façam perigar a segurança de pessoas ou do edifício; 3 - Não pode ser invocado o fundamento previsto na alínea f) do n.º 1, quando o não uso da habitação pelo ocupante seja por período inferior a dois anos e, cumulativamente, seja motivado por uma das seguintes situações: a) Doença regressiva e incapacitante de permanência na habitação, salvo se existir prova clínica de que a doença do arrendatário é irreversível; b) Prestação de trabalho por conta de outrem no estrangeiro ou cumprimento de comissão de serviço público, civil ou militar por tempo determinado; c) Detenção em estabelecimento prisional. 4 - Não pode igualmente ser invocado o fundamento referido na alínea d) do n.º 1, quando o não pagamento das rendas resulte da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alteração da composição do agregado familiar, desde que as alterações referidas sejam comunicadas à entidade proprietária do imóvel antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas. 5 - As situações previstas no número anterior conferem ao ocupante do fogo o direito à renegociação do valor da renda e de um prazo de pagamento faseado do montante da dívida. 6 - A comunicação da cessação da utilização torna exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante decorridos 90 dias a contar da data da sua receção, devendo conter menção expressa à obrigação de desocupação e entrega da habitação, ao prazo para o efeito e às consequências da inobservância dos mesmos. 7 - Caso não ocorra a desocupação e entrega da habitação nos termos determinados, pode a entidade proprietária ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes para que procedam à prévia identificação dos ocupantes da habitação ou para assegurar a execução do despejo. 8 - Das decisões tomadas ao abrigo dos números anteriores cabe recurso para os tribunais administrativos nos termos gerais de direito.” 3.2 Através da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro veio a ser aprovado o novo regime do arrendamento apoiado para habitação e revogado o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio (cfr. artigo 38º), aplicando-se aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 89º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)). Até então vigorava também o Regime da Renda Apoiada, aprovado pelo DL. nº 166/93, de 7 de Maio, a que estavam sujeitos “…os arrendamentos das habitações do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os das adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado” bem como “…os arrendamentos das habitações adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, comparticipadas a fundo perdido pela respetiva Região”, celebrados após a entrada em vigor daquele diploma (cfr. artigo 1º nºs 2 e 3). Regime de renda apoiada a que desde logo aludia, à época, o artigo 82º do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL. nº 321-B/90, de 15 de Outubro, remetendo todavia para legislação própria. Trata-se de situação em que o montante das rendas é subsidiado, vigorando regras específicas quanto à sua determinação e atualização, sendo o valor da renda determinado pela aplicação da taxa de esforço (T) ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar. Regime que também foi revogado pela Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, passando este diploma a estabelecer agora o arrendamento apoiado, enquanto “…regime aplicável às habitações detidas, a qualquer título, por entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam” (artigo 2º nº 1), aplicando-se ainda “…ao arrendamento de habitações financiadas com apoio do Estado que nos termos de lei especial, estejam sujeitas a regimes de renda fixada em função dos rendimentos dos arrendatários”. 3.3 A presente ação foi instaurada pelo INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP através da petição inicial apresentada em 21/06/2013 no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Nordeste, Secretaria dos Juízos da A............... (cfr. fls 2-18 dos autos) tendo posteriormente sido remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (em 26/06/2015), após requerimento do autor nesse sentido, na sequência da decisão de incompetência em razão da matéria proferida por aquele Tribunal em 23/04/2015 (cfr. fls. 154 ss. e fls. 160-163). Nela o autor peticionou a) que fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento referente a fração autónoma de imóvel sito na freguesia da Buraca, Município da A..............., e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens; b) que fosse a ré condenada no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3.006,69 € e vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora; c) que fosse a ré condenada a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil. Mas o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra absolveu os réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir por considerar que a autora dispunha de mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos autos. 3.4 Foi com fundamento na falta de pagamento da respetiva renda mensal (num total de 110 meses de renda), que o autor INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP instaurou a ação (vide artigo 7º da PI) em 21/06/2013 em Tribunal Judicial. E fazendo-o com invocação do Regime de Arrendamento Urbano (RAU) aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro e das normas sobre contrato de locação constantes no Código Civil (vide artigos 10º, 11º e 12º da PI) peticionou que fosse declarado «resolvido o contrato de arrendamento» referente à identificada fração autónoma e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens, bem como a condenação da ré no pagamento das rendas vencidas e as vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora e ainda de uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil. 3.5 Para se tomar posição sobre a questão de saber se à data em que instaurou a ação o INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP tinha ao seu dispor o regime transitório de autotutela declarativa e executiva decorrente da Lei nº 21/2009 - nos termos do qual poderia, com tal fundamento (mora no pagamento das rendas), determinar a cessação da utilização do fogo atribuído (cfr. artigo 3º nº 1 alínea d)), tornando a comunicação da cessação da utilização exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante no prazo de 90 dias (cfr. artigo 6º) e bem como ordenar e mandar executar o despejo (cfr. artigo 7º), carecendo assim de recorrer à via judicial – teria de primeiramente concluir-se que a habitação em causa estava cedida à recorrida ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945 (que estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo), pois só nessa hipótese é que a entidade proprietária do imóvel podia determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, como claramente decorre das disposições conjugadas dos artigos 2º e 3º da Lei nº 21/2009. À contrário, se a habitação estava dada em arrendamento à recorrida ao abrigo do regime da renda apoiada constante, à data, do D.L. nº 166/93, de 17 de Maio, a entidade proprietária do imóvel já não beneficia das prorrogativas constantes do regime transitório, contido no artigo 3º da Lei nº 21/2009 (vide nesse sentido, o Acórdão deste TCA Sul de 28/05/2015, Proc. 10996/14, in, www.dgsi.pt/tcas). 3.6 Na decisão recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo considerou que a Lei nº 21/2009 “…quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de atribuição de habitação social em regime de arrendamento” e que estabeleceu “…um regime transitório de autotutela declarativa e executiva no que respeita à determinação da cessação da utilização dos fogos atribuídos pela entidade proprietária dos mesmos, nos termos do qual se previa que, nas situações enumeradas no art. 3°/1 e 2, a entidade proprietária dos imóveis determinasse a cessação da utilização dos fogos e, no caso de não ocorrer a desocupação e entrega das habitações, executasse coercivamente o despejo (art. 3°/7)”. E após observar que o regime transitório previsto na Lei nº 21/2009 veio a ser consagrado na Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, e considerando que a disciplina nela prevista nos artigos 25º ss., de acordo com a qual não sendo cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma referida cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as entidades policiais competentes, se aplica, “..nos termos do disposto no art. 39°/2, aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de arrendamentos de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social, bem como à ocupação de fogos a título precário ao abrigo do DL nº 35 106 de 6 de Novembro de 1945, sujeitos ao regime transitório da Lei nº 21/2009 de 20 de Maio”, entendeu que a autora dispunha “…de mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos - resolução do arrendamento e desocupação do fogo atribuído, ao abrigo da disposição legal enunciada, podendo determinar o despejo administrativo do fogo ocupado e, sendo o caso, proceder à execução dessa determinação através dos meios de autotutela executiva de que dispõe.” 3.7 Como se constatou na decisão recorrida e também já se disse supra, a Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro revogou o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio (cfr. artigo 38º), estipulando simultaneamente que o novo regime nela instituído se aplica aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)). É o que resulta do disposto no seu artigo 39º nºs 1 e 2 que é o seguinte: “Artigo 39.º 1 - O disposto na presente lei aplica-se aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor.Aplicação no tempo 2 - O disposto na presente lei aplica-se, ainda, com as alterações e especificidades constantes dos números seguintes: a) Aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social; b) À ocupação de fogos a título precário ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945, sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da presente lei. 3 - As definições da presente lei prevalecem sobre as que estejam previstas noutros regimes legais, na parte em que estes apliquem ou remetam para a aplicação dos regimes referidos no número anterior. 4 - No caso de contratos a que se tenha aplicado o regime constante do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio, e esteja a decorrer faseamento de renda: a) A presente lei aplica-se imediatamente sempre que dela decorra um valor de renda inferior ao do faseamento de renda em curso; b) Há lugar ao recálculo do faseamento, quando a aplicação da presente lei conduza a um valor de renda inferior ao previsto para o termo do faseamento em curso; c) Qualquer aumento de renda decorrente da presente lei só pode ocorrer no termo do referido faseamento.” 3.8 Daqui parece resultar ter passado a haver agora um regime jurídico unitário, que é o constante daquela Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, a aplicar quer aos contratos que haviam sido celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social quer às ocupações de fogos a título precário concedidas ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945, sujeitas ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, subsistentes, uns e outros, à data da entrada em vigor da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro. 3.9 O artigo 25º da Lei nº 81/2014 previa (na sua redação original, entretanto alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto) o seguinte: “Artigo 25.º 1 - Além de outras causas de resolução previstas no NRAU e na presente lei, constituem causas de resolução do contrato de arrendamento apoiado pelo senhorio:Resolução pelo senhorio a) O incumprimento de qualquer das obrigações previstas no artigo anterior pelo arrendatário ou pelas pessoas do seu agregado familiar; b) O conhecimento pelo senhorio da existência de uma das situações de impedimento previstas no artigo 6.º; c) A prestação de falsas declarações por qualquer elemento do agregado familiar, de forma expressa ou por omissão, sobre os rendimentos ou sobre factos e requisitos determinantes para o acesso ou manutenção do arrendamento; d) A permanência na habitação, por período superior a um mês, de pessoa que não pertença ao agregado familiar, sem autorização prévia do senhorio. 2 - Nos casos das alíneas do número anterior, do artigo 16.º da presente lei e do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio opera por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado. 3 - Na comunicação referida no número anterior, o senhorio deve fixar o prazo, no mínimo de 60 dias, para a desocupação e entrega voluntária da habitação, não caducando o seu direito à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou.” E o seu artigo 28º (na sua redação original, entretanto igualmente alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto) o seguinte: “Artigo 28.º 1 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma referida no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes.Despejo 2 - São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação. 3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo. 4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação. 5 - Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, que deles pode dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.” Resulta assim, em face da remissão feita no artigo 25º nº 2 da Lei nº 81/2014 para o disposto no artigo 1084º nº 2 do Código Civil, que a mora superior a três meses no pagamento da renda é motivo de resolução do arrendamento por parte do senhorio (atualmente, e por efeito das alterações introduzidas ao Código civil pela Lei nº 150/2015, de 10 de Setembro, basta que a mora seja igual ou superior a dois meses), operando esta por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado. Fixando o senhorio naquela comunicação o prazo (que será no mínimo de 60 dias), para a desocupação e entrega voluntária da habitação, a qual, não sendo cumprida, permite à entidade detentora da habitação que seja uma das referidas no nº 1 do artigo 2º (i.é, entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais) ordenar e mandar executar o despejo, requisitando para o efeito as autoridades policiais competentes (cfr. artigos 25º nºs 2 e 3 e 28º nº 1). Tal significa que ao abrigo deste regime, sendo a entidade detentora da habitação uma das referidas no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 81/2014, esta não tem necessidade de recorrer aos tribunais para que seja operada a resolução do arrendamento com fundamento na falta de pagamento (mora) de rendas nem para efetivar o despejo do espaço. 3.10 Mas como bem sustenta o recorrente, à data em que foi instaurada a ação (o que, lembre-se, sucedeu em 21/06/2013, data em que a respetiva petição inicial foi apresentada no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Nordeste, Secretaria dos Juízos da A............... - cfr. fls 2-18 dos autos), não tinha sido ainda aprovada a Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, a qual só haveria de entrar em vigor em 01/03/2015 (primeiro dia do terceiro mês seguinte ao da sua publicação – cfr. artigo 40º). 3.11 O interesse em agir tem vindo a ser entendido como o pressuposto pelo qual a parte (legítima) justifica a carência da tutela judiciária, considerando-se genericamente que tem a ver com um interesse adjetivo, que decorre da situação, objetivamente existente, de necessidade de proteção judicial do interesse (substantivo) do autor. Sendo que a razão de ser da autonomização do interesse em agir enquanto pressuposto processual face ao pressuposto da legitimidade tem encontrado justificação, a um tempo, na necessidade de evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo para organizarem a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica, e a outro, a evitar a sobrecarga dos tribunais com ações desnecessárias, reservando-se, assim, os tribunais à sua função essencial de dirimir litígios. Veja-se, a este respeito, na Doutrina, entre outros, Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, páginas 79 a 86; Anselmo de Castro, in, “Direito Processual Civil Declaratório”, volume II, Almedina, 1982, páginas 251 a 255; Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, páginas 179 a 189; Vieira de Andrade, in, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 8ª edição, páginas 306 a 310; Aroso de Almeida, in, “O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 3ª edição, páginas 59 a 61. A respeito do interesse em agir enquanto pressuposto processual no contencioso administrativo refere José Carlos Vieira de Andrade, in, “Justiça Administrativa”, 8ª edição, pág. 307 que “este pressuposto exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido e constitui um pressuposto comum, diretamente decorrente da ideia de economia processual”. E Mário Aroso de Almeida, in, “O Novo Regime do processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, pág. 59 ss. evidencia que “o pressuposto da legitimidade não se confunde com o do interesse processual ou interesse em agir”, dizendo que “pode não haver qualquer dúvida quanto à questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material, tal como o autor a configura” e no entanto pode questionar-se “a existência de uma necessidade efetiva de tutela judiciária e, portanto, de factos objetivos que tornem necessário o recurso à via judiciária”. E o interesse em agir, visto como a efetiva necessidade de tutela judiciária, tem que ser aferido relativamente à situação do direito ou interesse jurídico invocado na ação. Para se ter como verificado o pressuposto processual do interesse em agir tem que vir demonstrada pelo autor a necessidade da tutela judicial. Nas palavras de Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 78-82, o interesse em agir consubstanciar-se-á na necessidade de tutela judicial decorrente “da necessidade em obter a proteção dos interesses substancial”. Ou, como se entendeu no Acórdão do STA de 12/05/2010, Proc. 01229/09, in, www.dgsi.pt/jsta, “da necessidade em obter do processo a proteção do interesse substancial”, pressupondo assim a lesão dos interesses que se visam defender e a idoneidade do meio para a sua reintegração ou satisfação, de modo a poder dizer-se que não fora o interesse em agir exigido a atividade jurisdicional seria exercida em vão. 3.12 Ora se à data em que foi instaurada a ação o autor não dispunha dos mecanismos de autotutela que vieram a ser conferidos pela Lei nº 81/2014, nos termos dos respetivos artigos 25º e 28º, supra vistos, isso significa que não carecia de interesse processual para a instauração da ação ou de necessidade da tutela judicial que solicitou por referência àquele regime, do qual ainda não podia beneficiar. Quando muito o que poderia ocorrer era uma situação de inutilidade superveniente da lide, caso fosse de considerar que com a aprovação e entrada em vigor do novo regime contido na Lei nº 81/2014 o autor deixava de precisar da tutela judicial que solicitou. Mas não foi isso o que o Tribunal a quo decidiu. Nem era, na verdade, o que deveria ter decidido, já que na falta de expressa previsão normativa a tal respeito, e só dispondo a lei para o futuro (cfr. artigo 12º do Código Civil), manteve-se, não obstante a alteração legislativa aprovada, o interesse processual (interesse em agir) que o autor possuía no momento em que instaurou a ação. 3.13 Interesse em agir que o autor efetivamente detinha já que também não se pode concluir que na situação dos autos beneficiava do regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009. Com efeito ressuma dos autos que a fração autónoma sita rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua …………….., Lote 27, nº 26, na A............... foi atribuído à ré Sara …………… para fim habitacional, o que sucedeu na sequência de pedido por ela efetuado e que veio a ser autorizado nos termos que lhe foram comunicados por ofício de 25/08/2003 do INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO (fls. 145 dos autos). E foi-o em regime de arrendamento para fins habitacionais, tendo a respetiva renda mensal sido fixada em 14,07€por aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar da arrendatária nos termos do artº 5º do Decreto Lei nº 166/93, de 7 de Maio. 3.14 Ora, como se viu, se a habitação estava dada em arrendamento ao abrigo do regime da renda apoiada (constante, à data, do D.L. nº 166/93, de 17 de Maio), a entidade proprietária do imóvel não beneficia das prorrogativas constantes do regime transitório contido no artigo 3º da Lei nº 21/2009. Sentido em que já decidiu este TCA Sul no acórdão de 28/05/2015, Proc. 10996/14, disponível in, www.dgsi.pt/tcas. E para que se concluísse que data em que foi instaurada a ação o autor tinha ao seu dispor o regime transitório de autotutela declarativa e executiva decorrente da Lei nº 21/2009 - nos termos do qual poderia, com tal fundamento (mora no pagamento das rendas), determinar a cessação da utilização do fogo atribuído (cfr. artigo 3º nº 1 alínea d)), tornando a comunicação da cessação da utilização exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante no prazo de 90 dias (cfr. artigo 6º) e bem como ordenar e mandar executar o despejo (cfr. artigo 7º), carecendo assim de recorrer à via judicial – ter-se-ía que concluir-se que a habitação em causa estava cedida à recorrida ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945, que estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo. Só nessa hipótese é que a entidade detentora da habitação podia determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, como claramente decorre das disposições conjugadas dos artigos 2º e 3º da Lei nº 21/2009. Mas essa conclusão não é de tirar. 3.15 Assim sendo, e aqui chegados, tem que concluir-se assistir razão ao recorrente, merecendo provimento o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, baixando os autos à primeira instância, para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar. O que se decide. * IV. DECISÃONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar. ~ Sem custas nesta instância – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.* Notifique. D.N. * Lisboa, 2 de Fevereiro de 2017 ______________________________________________________ Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora) ______________________________________________________ Maria Cristina Gallego dos Santos ______________________________________________________ Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela |