Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:13708/16
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/02/2016
Relator:HELENA CANELAS
Descritores:HABITAÇÃO SOCIAL
DESPEJO
INTERESSE EM AGIR
Sumário:I – A Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro revogou o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio (cfr. artigo 38º), estipulando simultaneamente que o novo regime nela instituído se aplica aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)).

II - Ao abrigo deste regime, sendo a entidade detentora da habitação uma das referidas no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 81/2014, esta não tem necessidade de recorrer aos tribunais para que seja operada a resolução do arrendamento com fundamento na falta de pagamento (mora) de rendas nem para efetivar o despejo do espaço.

III – Mas se à data em que foi instaurada a ação (21/06/2013) o autor não dispunha dos mecanismos de autotutela que vieram a ser conferidos pela Lei nº 81/2014, nos termos dos respetivos artigos 25º e 28º, isso significa que não carecia de interesse processual para a instauração da ação ou de necessidade da tutela judicial que solicitou por referência àquele regime, do qual ainda não podia beneficiar.

IV - Para que pudesse concluir-se que à data em que foi instaurada a ação o autor tinha ao seu dispor o regime transitório de autotutela declarativa e executiva decorrente da Lei nº 21/2009 ter-se-ía que concluir que a habitação em causa estava cedida à recorrida ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

O INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, autor na ação presente ação administrativa comum (Proc. nº 2643/15.9BELSB) em que são réus SARA …………………… e marido NUNO …………………….. – na qual é peticionado a) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento referente a fração autónoma de imóvel sito na freguesia da Buraca, Município da A..............., e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens; b) que seja a ré condenada no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3.006,69 € e vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora; c) que seja a ré condenada a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil – inconformado com a decisão de absolvição dos réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir proferida em 11/02/2016 pela Mmª Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, nos seguinte termos:
a) De harmonia com o teor da douta sentença recorrida, foi julgada procedente a excepção dilatória de falta de interesse processual ou interesse em agir, tendo a Ré, em consequência, sido absolvida da instância.

b) Salvo melhor opinião não se poderá concordar com o douto entendimento vertido na sentença recorrida, pelas seguintes ordens de razão:

c) Em primeiro lugar, não poderá deixar de se fazer ressaltar que, aquando da interposição da presente acção judicial (16/12/2014), não se mostrava vigente (nem tão pouco havia sido objecto de publicação em Diário da República) a citada Lei n.º 81/2014, de 19/12, em cujo teor a douta sentença recorrida encontrou consagrado o meio de autotutela que alegadamente permitiria ao Autor alcançar o fim pretendido com os presentes autos.

d) Ora, considerando que a averiguação do pressuposto do interesse em agir dever-se-á reportar à data da instauração da acção, outra conclusão não poderá ser extraída que não seja a de que existia, por parte do Recorrente, uma necessidade de recorrer à via judicial (vide neste sentido acórdão do Tribunal Relação de Lisboa, de 21.11.2013, in www.dgsi.pt).

e) Tal conclusão, não é seguramente afastada por força da norma transitória contida no artigo 39º/2 da citada Lei 81/2014, nos termos da qual a disciplina aí consagrada seria imediatamente aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, simplesmente porque já havia sido intentada a presente accão judicial.

f) De todo o modo, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado constante da Lei n.º 81/2014 aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, depende, da prévia implementação pelo senhorio do procedimento previsto no seu artigo 34.º, que atribui aos arrendatários destinatários dessa decisão todos os direitos e garantias do procedimento administrativo, mormente o direito de se pronunciarem em audiência de interessados.

g) Em segundo lugar, nem se diga que à data da interposição da presente acção judicial, sempre se mostraria vigente o regime transitório e limitado de autotutela declarativa e executiva, previsto na Lei n.º 21/2009 e que, no entender da MM Juíza a quo, "quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de habitação social em regime de arrendamento".

h) Na verdade, e ao contrário daquele que parece ser o entendimento propugnado pela MM Juíza a quo, o contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos não se encontrava submetido à disciplina jurídica contida na referida Lei n.º 21/2009, carecendo a interpretação extensiva pretendida pela MM Juíza a quo, salvo devido respeito, de um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, na letra da lei.

i) Efectivamente, no artigo 2° da citada Lei n.º 21/2009 refere-se, de forma expressa e inequívoca, que a disciplina jurídica contida naquele diploma legal "(...) é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945". Ora, o Decreto 35106, de 06/11/1945 visava disciplinar as situações de ocupação de casas cedidas a título precário e mediante licença titulada por alvará de habitação social (cfr. artigo 1° - "a ocupação das habitações a que se refere o decreto-lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945, será concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará").

j) Ou seja, tratava-se de situações que encontravam a sua origem/génese num acto administrativo proferido pela Administração e não num contrato (como sucede no caso dos presentes autos).

k) Em terceiro lugar e ainda que se admitisse a aplicação e vigência da disciplina jurídica contida no artigo 28° da Lei n.º 81/2014 ao caso sub judicie (o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio e sem conceder, conforme supra se adiantou), não se aceita a conclusão expendida pela douta sentença recorrida, nos termos da qual não se verifica a necessidade de tutela requerida nos presentes autos.

l) E não se aceita tal conclusão porquanto a mesma teria de assentar numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa.

m) Na verdade, o diploma em causa - Lei nº 81/2014 de 19/12 - salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição. Por outras palavras veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de urna lógica de celeridade de procedimentos.

n) Aliás, resulta da análise das disposições legais em apreço que a resolução, por via extrajudicial, apenas se mostra admissível caso se mostre verificado um dos fundamentos previstos no nº 2 do artigo 25°. Ora, não sendo tal remissão taxativa, pois a remissão ali prevista não opera para o corpo do n.º 1 do mesmo artigo, o mesmo significa que outros fundamentos existem que configuram justa causa para resolver o contrato de arrendamento, sendo que, nesses casos, o senhorio terá de recorrer à via judicial.

o) Assim sendo, existindo situações que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28 do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de acção do aqui Recorrente previsto no artigo 20° da CRP.

p) De todo o modo, verificando-se a existência de um evidente litígio entre Autor e Réus relativamente à cessação do contrato de arrendamento (tendo sido a pretensão do Recorrente contestada), sempre se mostraria necessária a intervenção judicial, por via do disposto no artigo 17º/3 da referida Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro.

q) Em face do supra exposto, impõe-se concluir pela verificação do pressuposto processual de interesse em agir por parte do aqui Recorrente, porquanto se mostra necessária a tutela jurisdicional solicitada nos presentes autos.

r) Ao não ter assim decidido incorreu a douta sentença recorrida numa errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, tendo sido, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20° da C.R.P.


A recorrida não contra-alegou.

Remetidos os autos em recurso a este Tribunal, e neste notificada a Digna Magistrada do Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146.º e 147.º do CPTA emitiu Parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de direito ao considerar não verificado o pressuposto processual de interesse em agir.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto
Pelo Tribunal a quo foi considerada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:
1. O Autor Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P. é proprietário do rés do chão esquerdo, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito na Rua ………………, Lote 27, nº 26, na A..............., e melhor identificado nos autos – docs. nºs 1 e 2 juntos com a p.i. e que aqui se dão como reproduzidos.

2. Este imóvel ingressou na esfera jurídica do Autor por sucessão do Instituto de Gestão do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), o qual atribuiu, verbalmente, em regime de arrendamento para fins habitacionais, a fracção referida em 1, à Ré Sara …………………., para aí habitar com o seu agregado familiar – doc. nº 3 e 4, que aqui se dão como reproduzidos.

3. A renda mensal fixada, à data, foi de € 14,07, sendo o seu valor determinado pela aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar da arrendatária, nos termos do artº 5º do Decreto Lei nº 166/93, de 7 de Maio.


B – De direito

1. Da decisão recorrida
O Tribunal a quo absolveu os réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir. Decisão que tendo por base a factualidade ali considerada, que não vem impugnada no presente recurso, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«Da suscitada FALTA DE INTERESSE EM AGIR do AUTOR:

Conforme tem vindo a ser decidido por este mesmo Tribunal e ainda recentemente foi decidido no processo nº 72/16.6 BESNT, sendo Autor o mesmo IHRU, verifica-se a existência da suscitada excepção dilatória, passando a transcrever-se o que aí se escreveu:
“Importa, em termos prévios, fazer um breve enquadramento do regime jurídico ao abrigo do qual se tem desenvolvido o denominado arrendamento social ou arrendamento em regime de renda apoiada.
A Lei nº 21/2009 de 20.05 procedeu à revogação do regime do Decreto nº 35106 de 6.11.1945, o qual disciplinava a atribuição/ocupação das casas destinadas ao alojamento de famílias pobres nos centros populacionais do continente e ilhas adjacentes (cfr. arts. 1° e 3° do Decreto-lei nº 34486 de 6 de Abril de 1945 e art. 1° do Decreto nº 35106 de 6 de Novembro de 1945). Nos termos desse diploma e da disciplina dele resultante, a ocupação das casas era concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará (cfr. art. 1° do Decreto nº 35106).
Nesse diploma, para além da disciplina a respeito da atribuição da licença e distribuição das casas, estabelecia-se ainda que, nos casos enumerados no art. 12°, a entidade proprietária podia determinar o despejo administrativo, sempre que se verificasse a falta de necessidade de ocupação das casas ou a indignidade do direito de ocupação concedido.
O Fundo de Fomento da Habitação foi instituído pelo Decreto nº 49 033 de 28.05.1969, com o fim de contribuir para a resolução do problema habitacional, especialmente dos indivíduos não beneficiados pela actividade desenvolvida, no domínio da habitação, pelas caixas de previdência ou outras instituições semelhantes (cfr. art. 1°/1).
No que respeita à distribuição das casas do Fundo de Fomento em regime de arrendamento, regia o Decreto nº 49 034 de 28.05.1969, nos termos do qual a distribuição era precedida de concurso (arts. 14° e ss.) e a classificação dos concorrentes feita em função dos critérios previstos no art. 19°, respeitantes às condições socio econámicas do agregado familiar.
Distribuídas as casas - através de acto administrativo (cfr. art. 27°), seguia-se a celebração do contrato escrito de arrendamento (art. 28°).
O DL nº 166/93 de 7.05 veio estabelecer a aplicação do regime da renda apoiada, estabelecendo os critérios a aplicar na determinação do montante da renda, em função de um preço técnico e de uma taxa de esforço (art. 2°/1), nada referindo, contudo, a respeito do regime de distribuição das casas e respectivo direito de ocupação ou quanto à cessação desse direito.
Actualmente, rege a disciplina prevista na Lei nº 81/2014 de 19.12, a qual tendo por objecto o regime do arrendamento apoiado para habitação e a atribuição de habitações nesse regime (art. 1°), estabelece, de forma detalhada, o procedimento a
adoptar para a atribuição de habitações em regime de arrendamento apoiado, sempre através de concurso (art. 7°) e com o acesso limitado às pessoas que reúnam as condições previstas nesse diploma (art. 5°/1). Em qualquer caso, a atribuição em regime de arrendamento apoiado é sempre feita de acordo com critérios de hierarquização e ponderação previamente fixados pela entidade locadora em função do interesse público concretamente prosseguido e dos critérios preferenciais previstos no art. 11°.
Em todos os casos de arrendamento apoiado as rendas são calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam (art. 2°/1 e 21° e ss.).
Da breve síntese levada a efeito resulta que a atribuição do direito à habitação social, designadamente em regime de renda apoiada, resulta de uma actuação unilateral que, ao abrigo de normas de direito público, regula a situação individual e concreta dos destinatários desse direito, atribuindo ou não a habitação, nas condições unilateralmente fixadas pela administração, dentro dos limites definidos pelo legislador através, designadamente, dos diplomas acima enunciados.
A atribuição do direito à habitação social depende, assim, inequivocamente, de um acto administrativo, sendo que a posterior formalização dessa atribuição através de um contrato de arrendamento em nada colide com a sua natureza, já que esse contrato - com objecto passível de acto - não configura, quanto ao seu núcleo essencial o exercício de qualquer autonomia ou actividade consensual e bilateral, resultando o seu clausulado da manifestação, unilateral, da vontade do ente público.
No que respeita à cessação dos aludidos contratos de arrendamento ou atribuição do direito de habitação, estabeleceu-se, na Lei nº 21/2009 de 20.05 (a qual, a nosso ver, quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de atribuição de habitação social em regime de arrendamento), um regime transitório de autotutela declarativa e executiva no que respeita à determinação da cessação da utilização dos fogos atribuídos pela entidade proprietária dos mesmos, nos termos do qual se previa que, nas situações enumeradas no art. 3°/1 e 2, a entidade proprietária dos imóveis determinasse a cessação da utilização dos fogos e, no caso de não ocorrer a desocupação e entrega das habitações, executasse coercivamente o despejo (art. 3°/7).
O regime transitório e limitado previsto na Lei nº 21/2009 veio a ser consagrado na Lei nº 81/2014 de 19.12.
Resulta da disciplina prevista nos arts. 25° e ss., designadamente do art. 28°/1, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma referida no nº 1 do art. 2º2, cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as entidades policiais competentes.
A disciplina enunciada da Lei nº 81/2014 de 19.12 aplica-se, nos termos do disposto no art. 39°/2, aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de arrendamentos de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social, bem como à ocupação de fogos a título precário ao abrigo do DL nº 35 106 de 6 de Novembro de 1945, sujeitos ao regime transitório da Lei nº 21/2009 de 20 de Maio. (sublinhado nosso).
É, assim, manifesto que a Autora dispõe de mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos - resolução do arrendamento e desocupação do fogo atribuído, ao abrigo da disposição legal enunciada, podendo determinar o despejo administrativo do fogo ocupado e, sendo o caso, proceder à execução dessa determinação através dos meios de autotutela executiva de que dispõe (arts. 175° do CPA e 28°/1 e 3 da Lei nº 81/2014 de 19.12).
Também quanto aos pedidos de condenação no pagamento das rendas dispõe a
Autora de meios de autotutela capazes de assegurar o pagamento das quantias em dívida.
Na verdade, estando em causa o pagamento de rendas, as quais, como ficou explicitado acima, foram determinadas, quer quanto ao seu montante quer quanto à obrigação de pagamento, através de acto administrativo ou contrato com objecto passível de acto administrativo (pois que o inquilino se limitou a requerer a atribuição do fogo com a inerente contrapartida do pagamento da renda), é manifesto que as quantias respectivas podem ser cobradas - no caso de não serem voluntariamente pagas - nos termos do disposto no art. 179° do CPA, através do processo de execução fiscal.
O recurso à figura do contrato é indiferente para efeitos de determinação da possibilidade de utilização do mecanismo previsto no art. 179° do CPA, já que se concluiu que o objecto do contrato é passível ou substitutivo de um acto administrativo.
Referiu-se, a propósito da possibilidade do recurso à execução fiscal para cobrança de quantias devidas por força de um contrato de uso privativo do domínio público, no Acórdão proferido pelo STA a 31.03.2004 (P. 0317/04), designadamente que «(...) o art.° 178° do Código do Procedimento Administrativo (CPA) define contrato administrativo como o "acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa".
Acrescenta a alínea e) do n° 2 do mesmo preceito que são contratos administrativos os contratos de concessão de uso privativo do domínio público.
Conforme escreve Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, p. 544, contrato de uso privativo do domínio público é aquele pelo qual a Administração faculta a um sujeito de direito privado a utilização económica exclusiva de uma coisa ou parcela do domínio público para fins particulares de utilidade pública.
Por sua vez estabelece o artº 179° do mesmo diploma legal dispõe que “os órgãos administrativos, na prossecução das atribuições da pessoa colectiva em que se integram, podem celebrar quaisquer contratos administrativos, salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer”.
E em anotação a este mesmo preceito legal sustentam Mário Esteves de Oliveira ... , CPA 2ª edição, nota 1, p. 817, que o mesmo reconhece a autonomia pública contratual da Administração ou seja a possibilidade de recorrer ao contrato administrativo para realizar as atribuições que estiverem a seu cargo mesmo que o efeito jurídico visado não esteja previsto na lei como sendo (podendo ou devendo ser) fruto de um contrato administrativo tendo-se tornado lícito à Administração recorrer ao contrato administrativo em substituição da prática de um acto administrativo ou da celebração de um contrato de direito privado, existindo também - e são esses os casos típicos de contrato administrativo - aqueles casos em que a produção do respectivo efeito jurídico está prevista na lei, como sendo própria de um contrato desses.
Segundo os mesmos autores pode, por isso, afirmar-se que além dos contratos administrativos com objecto próprio ou exclusivo, haverá então, hoje, contratos desses com objecto próprio de acto administrativo ou com objecto próprio de contrato de direito privado, pois que o anotado preceito admite quaisquer contratos atípicos, incluindo os contratos com objecto passível de acto administrativo (ou de contrato privado) - apenas com as limitações decorrentes da lei ou da natureza das relações a estabelecer, falando-se, hoje, por isso, de contratos administrativos substitutivos e integrativos de actos administrativos, naqueles casos em que a Administração, em vez de alcançar o efeito jurídico tido em vista através de acto administrativo ou de o alcançar totalmente por essa via -, celebra um contrato com o destinatário desses efeitos, acordando com ele sobre o modo de harmonizar reciprocamente os interesses que cada um tem na situação concreta em causa.
Referem, seguidamente, os autores citados, que do sistema da enumeração taxativa do Código Administrativo chegou-se, pois, a um regime de generalização da figura do contrato administrativo, posta a concorrer na criação de efeitos jurídicos que só estavam previstos e regulados como resultado ou fruto de decisões unilaterais ou de negócios jurídico –privados podendo a Administração concertar e negociar com os respectivos destinatários, através de contrato administrativo, a produção de efeitos jurídicos que até agora lhe era exigido decidir e assumir unilateralmente em acto administrativo não se lhe permitindo negociar e obter esses efeitos mediante contratos de direito privado, mas através de contratos administrativos (sob reserva mais ou menos extensa de interesse público).
Do exposto resulta que a Administração passou a poder celebrar contratos administrativos onde antes apenas podia obter a produção de efeitos jurídicos unilateralmente através de acto administrativo.
Trata-se daquilo que os mesmos autores denominam da abertura "à figura do contrato administrativo e à possibilidade da sua alternância com o acto administrativo" (cfr. autores e obra citada nota VI, ao art° 185° p. 848).(...)
E conforme resulta do artº 149° 1 e 2 do CPA os actos administrativos são executórias logo que eficazes podendo o cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo ser impostas coercivamente pela Administração desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente Código ou admitidos por lei.
O n° 3 deste mesmo preceito afirma que o cumprimento das obrigações pecuniárias resultantes de actos administrativos pode ser exigida pela Administração nos termos do artº 155°. (... )».
Conclui-se, assim, que a Autora dispõe de meios de autotutela declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura da presente acção, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no art. 28° da Lei nº 81/2014 de 19.12 e, no que respeita à determinação e cobrança das quantias em dívida pela ocupação do mesmo, através do recurso aos mecanismos previstos nos arts. 175° e 179 do CPA.
Não se verifica, assim, por parte da Autora, necessidade da tutela requerida nos
presentes autos.
À falta de necessidade de tutela jurisdicional corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
O interesse em agir, enquanto pressuposto processual autónomo, destaca-se da
legitimidade na medida em que ultrapassa o âmbito da titularidade da relação material controvertida, alcançando o campo da necessidade da tutela jurisdicional.
A falta de interesse em agir é uma excepção dilatória insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu” (…).
Assim sendo, e não obstante a pronúncia do Autor, verificando-se a excepção dilatória de falta de interesse em agir devem os RR ser absolvidos da instância.»

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2. Da tese do recorrente
Pugna o recorrente INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP, pela revogação da decisão recorrida sustentando, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões que a averiguação do pressuposto do interesse em agir dever-se-á reportar à data da instauração da ação e que aquando da interposição da presente ação judicial (16/12/2014), não se mostrava vigente, nem tão pouco havia sido objeto de publicação em Diário da República, a citada Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro pelo que existia, por parte do Recorrente, uma necessidade de recorrer à via judicial; que tal conclusão não é afastada pela norma transitória contida no artigo 39º/2 da citada Lei nº 81/2014, nos termos da qual a disciplina aí consagrada seria imediatamente aplicável aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor, porque já havia sido intentada a presente ação judicial.
Acrescenta ainda que de todo o modo, a aplicação do novo regime do arrendamento apoiado constante da Lei n.º 81/2014 aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, referidos na alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º, depende, da prévia implementação pelo senhorio do procedimento previsto no seu artigo 34.º, que atribui aos arrendatários destinatários dessa decisão todos os direitos e garantias do procedimento administrativo, mormente o direito de se pronunciarem em audiência de interessados.
Defende também que o contrato de arrendamento em discussão nos presentes autos não se encontrava submetido à disciplina jurídica contida na referida Lei n.º 21/2009, dizendo a tal respeito que no artigo 2° da citada Lei n.º 21/2009 se refere de forma expressa e inequívoca, que a disciplina jurídica contida naquele diploma legal “(...) é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35106, de 6 de Novembro de 1945”, que o Decreto nº 35106, de 06/11/1945 visava disciplinar as situações de ocupação de casas cedidas a título precário e mediante licença titulada por alvará de habitação social (cfr. artigo 1° - “a ocupação das habitações a que se refere o decreto-lei n.º 34486, de 6 de Abril de 1945, será concedida a título precário, mediante licença da entidade proprietária, sob a forma de alvará”) e que se tratava, assim, de situações que encontravam a sua origem/génese num ato administrativo proferido pela Administração e não num contrato como sucede no caso dos presentes autos.
E argumenta ainda que mesmo que se admitisse a aplicação e vigência da disciplina jurídica contida no artigo 28° da Lei n.º 81/2014 ao caso sub judice não se pode entender que não se verifica a necessidade de tutela requerida nos presentes autos porquanto a mesma teria de assentar numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa, por o diploma em causa - Lei nº 81/2014 de 19/12 – ter vindo apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, tendo vindo apenas acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos, e que de todo o modo, verificando-se a existência de um evidente litígio entre Autor e Réus relativamente à cessação do contrato de arrendamento sempre se mostraria necessária a intervenção judicial, por via do disposto no artigo 17º/3 da referida Lei nº 81/2014, de 19 de dezembro.
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3. Da análise e apreciação do mérito do recurso
3.1 O Decreto n.º 35106, de 06/11/1945 estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo, destinadas ao alojamento de famílias pobres, subtraindo-as, assim, à legislação geral sobre inquilinato (vide a este respeito, entre outros, os Acórdão do STA de 01/03/1994, Proc. n.º 032903; de 01/06/2004, Proc. n.º 0693/03; de 17/05/2005, Proc. n.º 01592/03; de 29/03/2006, Proc. n.º 01203/05; de 07/0672006, Proc. n.º 01133/05).
Aquele diploma foi expressamente revogado pela Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio, (cfr. artigo 1º). Mas na falta de simultânea aprovação de novo regime de arrendamento social foi então estabelecido o seguinte regime transitório, nos termos dos artigos 2º e 3º daquela Lei 21/2009:
Artigo 2.º
Aplicação do regime transitório
Até à data da entrada em vigor do regime do arrendamento social, é aplicável às situações abrangidas pelo Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945, o regime transitório constante do artigo seguinte.”
Artigo 3.º
Regime jurídico aplicável
1 - Sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, com os seguintes fundamentos:
a) Prática dos atos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil;
b) Alteração das condições de natureza económica que determinaram a atribuição do fogo;
c) Prestação pelo ocupante de falsas declarações sobre os rendimentos do agregado familiar ou sobre factos e requisitos determinantes do acesso ou da manutenção da cedência, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis ao caso nos termos legais;
d) Mora no pagamento das rendas por período superior a três meses;
e) Oposição à realização de obras de conservação ou de obras urgentes na habitação;
f) Não uso da habitação pelo ocupante por período superior a seis meses ou pelo agregado familiar por período superior a dois meses;
g) Recebimento de apoio financeiro público para fins habitacionais ou detenção, a qualquer título, de outra habitação adequada ao agregado familiar.
2 - É ainda fundamento da cessação da utilização do fogo, o incumprimento pelo ocupante das seguintes obrigações:
a) Efetuar as comunicações e prestar as informações à entidade proprietária relativas à composição e aos rendimentos do agregado familiar;
b) Não utilizar áreas comuns do edifício para uso próprio, não danificar partes integrantes ou equipamentos do edifício ou praticar quaisquer actos que façam perigar a segurança de pessoas ou do edifício;
3 - Não pode ser invocado o fundamento previsto na alínea f) do n.º 1, quando o não uso da habitação pelo ocupante seja por período inferior a dois anos e, cumulativamente, seja motivado por uma das seguintes situações:
a) Doença regressiva e incapacitante de permanência na habitação, salvo se existir prova clínica de que a doença do arrendatário é irreversível;
b) Prestação de trabalho por conta de outrem no estrangeiro ou cumprimento de comissão de serviço público, civil ou militar por tempo determinado;
c) Detenção em estabelecimento prisional.
4 - Não pode igualmente ser invocado o fundamento referido na alínea d) do n.º 1, quando o não pagamento das rendas resulte da alteração do rendimento dos ocupantes em consequência de desemprego ou de alteração da composição do agregado familiar, desde que as alterações referidas sejam comunicadas à entidade proprietária do imóvel antes de decorrido o prazo de três meses de falta do pagamento das rendas.
5 - As situações previstas no número anterior conferem ao ocupante do fogo o direito à renegociação do valor da renda e de um prazo de pagamento faseado do montante da dívida.
6 - A comunicação da cessação da utilização torna exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante decorridos 90 dias a contar da data da sua receção, devendo conter menção expressa à obrigação de desocupação e entrega da habitação, ao prazo para o efeito e às consequências da inobservância dos mesmos.
7 - Caso não ocorra a desocupação e entrega da habitação nos termos determinados, pode a entidade proprietária ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes para que procedam à prévia identificação dos ocupantes da habitação ou para assegurar a execução do despejo.
8 - Das decisões tomadas ao abrigo dos números anteriores cabe recurso para os tribunais administrativos nos termos gerais de direito.

3.2 Através da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro veio a ser aprovado o novo regime do arrendamento apoiado para habitação e revogado o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio (cfr. artigo 38º), aplicando-se aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 89º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)).
Até então vigorava também o Regime da Renda Apoiada, aprovado pelo DL. nº 166/93, de 7 de Maio, a que estavam sujeitos “…os arrendamentos das habitações do Estado, seus organismos autónomos e institutos públicos, bem como os das adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, pelos municípios e pelas instituições particulares de solidariedade social com comparticipações a fundo perdido concedidas pelo Estado” bem como “…os arrendamentos das habitações adquiridas ou promovidas pelas Regiões Autónomas, comparticipadas a fundo perdido pela respetiva Região”, celebrados após a entrada em vigor daquele diploma (cfr. artigo 1º nºs 2 e 3).
Regime de renda apoiada a que desde logo aludia, à época, o artigo 82º do Regime de Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL. nº 321-B/90, de 15 de Outubro, remetendo todavia para legislação própria. Trata-se de situação em que o montante das rendas é subsidiado, vigorando regras específicas quanto à sua determinação e atualização, sendo o valor da renda determinado pela aplicação da taxa de esforço (T) ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar.
Regime que também foi revogado pela Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, passando este diploma a estabelecer agora o arrendamento apoiado, enquanto “…regime aplicável às habitações detidas, a qualquer título, por entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais, que por elas sejam arrendadas ou subarrendadas com rendas calculadas em função dos rendimentos dos agregados familiares a que se destinam” (artigo 2º nº 1), aplicando-se ainda “…ao arrendamento de habitações financiadas com apoio do Estado que nos termos de lei especial, estejam sujeitas a regimes de renda fixada em função dos rendimentos dos arrendatários”.
3.3 A presente ação foi instaurada pelo INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP através da petição inicial apresentada em 21/06/2013 no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Nordeste, Secretaria dos Juízos da A............... (cfr. fls 2-18 dos autos) tendo posteriormente sido remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (em 26/06/2015), após requerimento do autor nesse sentido, na sequência da decisão de incompetência em razão da matéria proferida por aquele Tribunal em 23/04/2015 (cfr. fls. 154 ss. e fls. 160-163).
Nela o autor peticionou a) que fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento referente a fração autónoma de imóvel sito na freguesia da Buraca, Município da A..............., e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens; b) que fosse a ré condenada no pagamento das rendas vencidas, no montante de 3.006,69 € e vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora; c) que fosse a ré condenada a pagar uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil.
Mas o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra absolveu os réus da instância com fundamento na verificação da exceção dilatória de falta de interesse processual ou de interesse em agir por considerar que a autora dispunha de mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos autos.
3.4 Foi com fundamento na falta de pagamento da respetiva renda mensal (num total de 110 meses de renda), que o autor INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP instaurou a ação (vide artigo 7º da PI) em 21/06/2013 em Tribunal Judicial. E fazendo-o com invocação do Regime de Arrendamento Urbano (RAU) aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro e das normas sobre contrato de locação constantes no Código Civil (vide artigos 10º, 11º e 12º da PI) peticionou que fosse declarado «resolvido o contrato de arrendamento» referente à identificada fração autónoma e ordenada a sua entrega imediata, livre e devoluta de pessoas e bens, bem como a condenação da ré no pagamento das rendas vencidas e as vincendas até efetiva entrega do locado, acrescida dos respetivos juros de mora e ainda de uma indemnização correspondente ao dobro do valor da renda em vigor por cada mês que perdurar a ocupação do imóvel desde o trânsito em julgado da sentença até à sua entrega efetiva, nos termos do artigo 1045º do Código Civil.
3.5 Para se tomar posição sobre a questão de saber se à data em que instaurou a ação o INSTITUTO DE HABITAÇÃO E REABILITAÇÃO URBANA, IP tinha ao seu dispor o regime transitório de autotutela declarativa e executiva decorrente da Lei nº 21/2009 - nos termos do qual poderia, com tal fundamento (mora no pagamento das rendas), determinar a cessação da utilização do fogo atribuído (cfr. artigo 3º nº 1 alínea d)), tornando a comunicação da cessação da utilização exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante no prazo de 90 dias (cfr. artigo 6º) e bem como ordenar e mandar executar o despejo (cfr. artigo 7º), carecendo assim de recorrer à via judicial – teria de primeiramente concluir-se que a habitação em causa estava cedida à recorrida ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945 (que estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo), pois só nessa hipótese é que a entidade proprietária do imóvel podia determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, como claramente decorre das disposições conjugadas dos artigos 2º e 3º da Lei nº 21/2009.
À contrário, se a habitação estava dada em arrendamento à recorrida ao abrigo do regime da renda apoiada constante, à data, do D.L. nº 166/93, de 17 de Maio, a entidade proprietária do imóvel já não beneficia das prorrogativas constantes do regime transitório, contido no artigo 3º da Lei nº 21/2009 (vide nesse sentido, o Acórdão deste TCA Sul de 28/05/2015, Proc. 10996/14, in, www.dgsi.pt/tcas).
3.6 Na decisão recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo considerou que a Lei nº 21/2009 “…quis abarcar no seu âmbito de aplicação todas as situações de atribuição de habitação social em regime de arrendamento” e que estabeleceu “…um regime transitório de autotutela declarativa e executiva no que respeita à determinação da cessação da utilização dos fogos atribuídos pela entidade proprietária dos mesmos, nos termos do qual se previa que, nas situações enumeradas no art. 3°/1 e 2, a entidade proprietária dos imóveis determinasse a cessação da utilização dos fogos e, no caso de não ocorrer a desocupação e entrega das habitações, executasse coercivamente o despejo (art. 3°/7)”.
E após observar que o regime transitório previsto na Lei nº 21/2009 veio a ser consagrado na Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, e considerando que a disciplina nela prevista nos artigos 25º ss., de acordo com a qual não sendo cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma referida cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as entidades policiais competentes, se aplica, “..nos termos do disposto no art. 39°/2, aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de arrendamentos de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social, bem como à ocupação de fogos a título precário ao abrigo do DL nº 35 106 de 6 de Novembro de 1945, sujeitos ao regime transitório da Lei nº 21/2009 de 20 de Maio”, entendeu que a autora dispunha “…de mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos - resolução do arrendamento e desocupação do fogo atribuído, ao abrigo da disposição legal enunciada, podendo determinar o despejo administrativo do fogo ocupado e, sendo o caso, proceder à execução dessa determinação através dos meios de autotutela executiva de que dispõe.”
3.7 Como se constatou na decisão recorrida e também já se disse supra, a Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro revogou o regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009, de 20 de Maio (cfr. artigo 38º), estipulando simultaneamente que o novo regime nela instituído se aplica aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 1), mas também aos contratos celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social existentes à data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 39º nº 2 alínea a)) e à ocupação de fogos a título precário efetuada ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945 sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da nova lei (cfr. artigo 39º nº 2 alínea b)). É o que resulta do disposto no seu artigo 39º nºs 1 e 2 que é o seguinte:
“Artigo 39.º
Aplicação no tempo
1 - O disposto na presente lei aplica-se aos contratos a celebrar após a data da sua entrada em vigor.
2 - O disposto na presente lei aplica-se, ainda, com as alterações e especificidades constantes dos números seguintes:
a) Aos contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social;
b) À ocupação de fogos a título precário ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945, sujeitos ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, que subsistam na data da entrada em vigor da presente lei.
3 - As definições da presente lei prevalecem sobre as que estejam previstas noutros regimes legais, na parte em que estes apliquem ou remetam para a aplicação dos regimes referidos no número anterior.
4 - No caso de contratos a que se tenha aplicado o regime constante do Decreto-Lei n.º 166/93, de 7 de maio, e esteja a decorrer faseamento de renda:
a) A presente lei aplica-se imediatamente sempre que dela decorra um valor de renda inferior ao do faseamento de renda em curso;
b) Há lugar ao recálculo do faseamento, quando a aplicação da presente lei conduza a um valor de renda inferior ao previsto para o termo do faseamento em curso;
c) Qualquer aumento de renda decorrente da presente lei só pode ocorrer no termo do referido faseamento.”

3.8 Daqui parece resultar ter passado a haver agora um regime jurídico unitário, que é o constante daquela Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, a aplicar quer aos contratos que haviam sido celebrados ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social quer às ocupações de fogos a título precário concedidas ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de novembro de 1945, sujeitas ao regime transitório da Lei n.º 21/2009, de 20 de maio, subsistentes, uns e outros, à data da entrada em vigor da Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro.
3.9 O artigo 25º da Lei nº 81/2014 previa (na sua redação original, entretanto alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto) o seguinte:
“Artigo 25.º
Resolução pelo senhorio
1 - Além de outras causas de resolução previstas no NRAU e na presente lei, constituem causas de resolução do contrato de arrendamento apoiado pelo senhorio:
a) O incumprimento de qualquer das obrigações previstas no artigo anterior pelo arrendatário ou pelas pessoas do seu agregado familiar;
b) O conhecimento pelo senhorio da existência de uma das situações de impedimento previstas no artigo 6.º;
c) A prestação de falsas declarações por qualquer elemento do agregado familiar, de forma expressa ou por omissão, sobre os rendimentos ou sobre factos e requisitos determinantes para o acesso ou manutenção do arrendamento;
d) A permanência na habitação, por período superior a um mês, de pessoa que não pertença ao agregado familiar, sem autorização prévia do senhorio.
2 - Nos casos das alíneas do número anterior, do artigo 16.º da presente lei e do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio opera por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado.
3 - Na comunicação referida no número anterior, o senhorio deve fixar o prazo, no mínimo de 60 dias, para a desocupação e entrega voluntária da habitação, não caducando o seu direito à resolução do contrato ainda que o arrendatário ponha fim à causa que a fundamentou.”

E o seu artigo 28º (na sua redação original, entretanto igualmente alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto) o seguinte:
“Artigo 28.º
Despejo
1 - Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação à entidade detentora da mesma referida no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essa entidade ordenar e mandar executar o despejo, podendo, para o efeito, requisitar as autoridades policiais competentes.
2 - São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação.
3 - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.
4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.
5 - Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, que deles pode dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.”

Resulta assim, em face da remissão feita no artigo 25º nº 2 da Lei nº 81/2014 para o disposto no artigo 1084º nº 2 do Código Civil, que a mora superior a três meses no pagamento da renda é motivo de resolução do arrendamento por parte do senhorio (atualmente, e por efeito das alterações introduzidas ao Código civil pela Lei nº 150/2015, de 10 de Setembro, basta que a mora seja igual ou superior a dois meses), operando esta por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado. Fixando o senhorio naquela comunicação o prazo (que será no mínimo de 60 dias), para a desocupação e entrega voluntária da habitação, a qual, não sendo cumprida, permite à entidade detentora da habitação que seja uma das referidas no nº 1 do artigo 2º (i.é, entidades das administrações direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais, do setor público empresarial e dos setores empresariais regionais, intermunicipais e municipais) ordenar e mandar executar o despejo, requisitando para o efeito as autoridades policiais competentes (cfr. artigos 25º nºs 2 e 3 e 28º nº 1).
Tal significa que ao abrigo deste regime, sendo a entidade detentora da habitação uma das referidas no nº 1 do artigo 2º da Lei nº 81/2014, esta não tem necessidade de recorrer aos tribunais para que seja operada a resolução do arrendamento com fundamento na falta de pagamento (mora) de rendas nem para efetivar o despejo do espaço.
3.10 Mas como bem sustenta o recorrente, à data em que foi instaurada a ação (o que, lembre-se, sucedeu em 21/06/2013, data em que a respetiva petição inicial foi apresentada no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Nordeste, Secretaria dos Juízos da A............... - cfr. fls 2-18 dos autos), não tinha sido ainda aprovada a Lei nº 81/2014, de 19 de Dezembro, a qual só haveria de entrar em vigor em 01/03/2015 (primeiro dia do terceiro mês seguinte ao da sua publicação – cfr. artigo 40º).
3.11 O interesse em agir tem vindo a ser entendido como o pressuposto pelo qual a parte (legítima) justifica a carência da tutela judiciária, considerando-se genericamente que tem a ver com um interesse adjetivo, que decorre da situação, objetivamente existente, de necessidade de proteção judicial do interesse (substantivo) do autor. Sendo que a razão de ser da autonomização do interesse em agir enquanto pressuposto processual face ao pressuposto da legitimidade tem encontrado justificação, a um tempo, na necessidade de evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo para organizarem a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica, e a outro, a evitar a sobrecarga dos tribunais com ações desnecessárias, reservando-se, assim, os tribunais à sua função essencial de dirimir litígios. Veja-se, a este respeito, na Doutrina, entre outros, Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, páginas 79 a 86; Anselmo de Castro, in, “Direito Processual Civil Declaratório”, volume II, Almedina, 1982, páginas 251 a 255; Antunes Varela, in, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1985, páginas 179 a 189; Vieira de Andrade, in, “A Justiça Administrativa”, Almedina, 8ª edição, páginas 306 a 310; Aroso de Almeida, in, “O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 3ª edição, páginas 59 a 61.
A respeito do interesse em agir enquanto pressuposto processual no contencioso administrativo refere José Carlos Vieira de Andrade, in, “Justiça Administrativa”, 8ª edição, pág. 307 que “este pressuposto exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido e constitui um pressuposto comum, diretamente decorrente da ideia de economia processual”. E Mário Aroso de Almeida, in, “O Novo Regime do processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição, pág. 59 ss. evidencia que “o pressuposto da legitimidade não se confunde com o do interesse processual ou interesse em agir”, dizendo que “pode não haver qualquer dúvida quanto à questão de saber se quem está em juízo é parte na relação material, tal como o autor a configura” e no entanto pode questionar-se “a existência de uma necessidade efetiva de tutela judiciária e, portanto, de factos objetivos que tornem necessário o recurso à via judiciária”.
E o interesse em agir, visto como a efetiva necessidade de tutela judiciária, tem que ser aferido relativamente à situação do direito ou interesse jurídico invocado na ação. Para se ter como verificado o pressuposto processual do interesse em agir tem que vir demonstrada pelo autor a necessidade da tutela judicial.
Nas palavras de Manuel de Andrade, in, “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 78-82, o interesse em agir consubstanciar-se-á na necessidade de tutela judicial decorrente “da necessidade em obter a proteção dos interesses substancial”. Ou, como se entendeu no Acórdão do STA de 12/05/2010, Proc. 01229/09, in, www.dgsi.pt/jsta, “da necessidade em obter do processo a proteção do interesse substancial”, pressupondo assim a lesão dos interesses que se visam defender e a idoneidade do meio para a sua reintegração ou satisfação, de modo a poder dizer-se que não fora o interesse em agir exigido a atividade jurisdicional seria exercida em vão.
3.12 Ora se à data em que foi instaurada a ação o autor não dispunha dos mecanismos de autotutela que vieram a ser conferidos pela Lei nº 81/2014, nos termos dos respetivos artigos 25º e 28º, supra vistos, isso significa que não carecia de interesse processual para a instauração da ação ou de necessidade da tutela judicial que solicitou por referência àquele regime, do qual ainda não podia beneficiar.
Quando muito o que poderia ocorrer era uma situação de inutilidade superveniente da lide, caso fosse de considerar que com a aprovação e entrada em vigor do novo regime contido na Lei nº 81/2014 o autor deixava de precisar da tutela judicial que solicitou.
Mas não foi isso o que o Tribunal a quo decidiu. Nem era, na verdade, o que deveria ter decidido, já que na falta de expressa previsão normativa a tal respeito, e só dispondo a lei para o futuro (cfr. artigo 12º do Código Civil), manteve-se, não obstante a alteração legislativa aprovada, o interesse processual (interesse em agir) que o autor possuía no momento em que instaurou a ação.
3.13 Interesse em agir que o autor efetivamente detinha já que também não se pode concluir que na situação dos autos beneficiava do regime transitório previsto na Lei n.º 21/2009.
Com efeito ressuma dos autos que a fração autónoma sita rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua …………….., Lote 27, nº 26, na A............... foi atribuído à ré Sara …………… para fim habitacional, o que sucedeu na sequência de pedido por ela efetuado e que veio a ser autorizado nos termos que lhe foram comunicados por ofício de 25/08/2003 do INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO (fls. 145 dos autos). E foi-o em regime de arrendamento para fins habitacionais, tendo a respetiva renda mensal sido fixada em 14,07€por aplicação da taxa de esforço ao rendimento mensal corrigido do agregado familiar da arrendatária nos termos do artº 5º do Decreto Lei nº 166/93, de 7 de Maio.
3.14 Ora, como se viu, se a habitação estava dada em arrendamento ao abrigo do regime da renda apoiada (constante, à data, do D.L. nº 166/93, de 17 de Maio), a entidade proprietária do imóvel não beneficia das prorrogativas constantes do regime transitório contido no artigo 3º da Lei nº 21/2009. Sentido em que já decidiu este TCA Sul no acórdão de 28/05/2015, Proc. 10996/14, disponível in, www.dgsi.pt/tcas.
E para que se concluísse que data em que foi instaurada a ação o autor tinha ao seu dispor o regime transitório de autotutela declarativa e executiva decorrente da Lei nº 21/2009 - nos termos do qual poderia, com tal fundamento (mora no pagamento das rendas), determinar a cessação da utilização do fogo atribuído (cfr. artigo 3º nº 1 alínea d)), tornando a comunicação da cessação da utilização exigível a desocupação e entrega da habitação pelo ocupante no prazo de 90 dias (cfr. artigo 6º) e bem como ordenar e mandar executar o despejo (cfr. artigo 7º), carecendo assim de recorrer à via judicial – ter-se-ía que concluir-se que a habitação em causa estava cedida à recorrida ao abrigo do Decreto n.º 35 106, de 6 de Novembro de 1945, que estabelecia as condições especiais respeitantes à atribuição e ocupação de casas construídas por iniciativa da Administração e das Misericórdias, com a colaboração do Governo. Só nessa hipótese é que a entidade detentora da habitação podia determinar a cessação da utilização do fogo atribuído, como claramente decorre das disposições conjugadas dos artigos 2º e 3º da Lei nº 21/2009. Mas essa conclusão não é de tirar.
3.15 Assim sendo, e aqui chegados, tem que concluir-se assistir razão ao recorrente, merecendo provimento o recurso, devendo a decisão recorrida ser revogada, baixando os autos à primeira instância, para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, e ordenar a baixa dos autos à primeira instância para que aí prossigam os seus termos, se a tanto nada mais obstar.
~
Sem custas nesta instância – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigo 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
D.N.
*
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2017

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Maria Helena Barbosa Ferreira Canelas (relatora)



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Maria Cristina Gallego dos Santos



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Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela